António Moniz de Palme (Edição 826)

Maridos à Portuguesa - 2ª Parte

• António Moniz de Palme*

Edição 826 (28/04/2022)

Maridos à Portuguesa – 2ª Parte

O comum dos mortais, nascidos neste País, julga a nossa sociedade imbuída do espírito machista, pensando sinceramente que quem manda em todos os campos da sociedade, incluindo o agregado familiar, é o bicho homem.  Apesar da realidade e as modas lhe dizerem o contrário, acabam por tirar falsas conclusões. De tal circunstância, não têm muita culpa, pois verificamos que através da história, foram feitas permanentemente interpretações menos correctas, baseadas em simples aparências e numa errada visão de factos históricos em que são intervenientes actores de ambos os sexos. Por essas razões, muito boa gente responsável considera que a sociedade latina ainda se gere por regras medievais ou melhor, pelas leis do tempo dos afonsinos, e isto por não se atreverem a falar do modo de vida dos primeiros habitantes da Península Ibérica, onde as mulheres sempre pontificaram. Pois bem, para abrir o cenário da força e influência da mulher na vida dos habitantes do torrão português, antes da nacionalidade, porque não ir buscar como exemplo o mítico Viriato, cuja estátua de Benliure, na Cava de Viriato, em Viseu, nos encanta, e a que está em Zamora, nos obriga, perante a sua majestade, a uma pausa de reflexão, confrontados com a lendária e imponente figura de um dos emblemas mais preciosos da nossa história. Começarei por fazer um pequeno esclarecimento, para a situação ficar mais perceptível. Por determinação do Édito do Imperador romano Caracala, todos os habitantes do Império, nomeadamente da Ibéria, foram considerados cidadãos romanos. Se tal era considerada uma vantagem para todos os diferentes povos que circulavam pelos territórios que hoje são a Espanha e Portugal, quanto aos Lusitanos o mesmo não acontecia, pois não pretendiam assumir a civilização romana, pensando que perderiam a sua independência ao adoptar usos e costumes a que não estavam habituados e que lhes limitaria a Liberdade. O mesmo se passou com os Celtiberos. Por esse motivo, a luta de guerrilhas durou séculos, como todos aprendemos no bom ensino que recebemos na Instrução Primária. Ora bem, com a integração de todo o território peninsular no Império, foi feita uma nova organização e uma divisão entre a Hispânia Citerior e a Hispânia Ulterior. A Hispânia Citerior bem cedo aceitou a nova ordem e as vantagens da romanização, passando a designar-se por Tarraconense, a qual manteve a paz com o poder central durante os séculos seguintes. Na Hispânia Ulterior, as coisas não se passaram da mesma maneira e a luta surda contra Roma e as suas legiões foram uma constante. Foi então feita a divisão da Hispânia Ulterior em duas províncias, a Bética e a Lusitânia, uma mais pacífica e a integrar-se na civilização trazida pelos legionários e governantes romanos e a outra sempre disposta a contrariar o mundo romano. Pois bem, a gente da Bética, como vivia em paz, começou a negocias com os ocupantes, enriquecendo rapidamente, adaptando-se aos costumes sofisticados dos invasores, habituando-se aos banhos à maneira romana, às refeições feitas pelos mestres da culinária imperial, perdendo-se nos debates filosóficos que estavam em moda e aprendendo a apreciar a poesia e o teatro.

E, neste cenário de contradições entre habitantes do mesmo território, aparece o nosso Viriato no pedaço, como diriam os nossos irmãos brasileiros. Um pastor da Lusitânia, habituado ao trabalho duro, à vida ao ar livre, aos combates permanentes, na defesa das suas brandas, do seu gado e da sua família. Pelos vistos, encantou-se com uma donzela da Bética, de uma família já romanizada, com teres e haveres, e completamente adaptada aos novos costumes vindos de Roma, o centro do mundo, naquela época. Pouco se sabe desta rapariga, a não ser que era de uma beleza extrema, montava a cavalo como o mais hábil dos guerreiros  e sabia defender-se de armas na mãos. Tais qualidades foram descritas, através dos tempos, por uma prosa talvez romanceada. Contudo, tirando essas qualidades pessoais, que podem ter muitos ingredientes da fantasia, existe uma realidade histórica insofismável. As mulheres lusitanas tinha imensa influência no meio e eram elas, como aliás todas as outras mulheres ibéricas, que decidiam os problemas dos respectivos agregados familiares, lutavam ao lado dos maridos, exactamente como simples soldados de primeira linha, ocupando os mesmos cargos guerreiros que os homens da tribo e, antes de tudo, eram Elas, mulheres, que escolhiam os maridos, o companheiro para formar uma nova família, nunca se submetendo, nessa peculiar decisão, às exigências familiares. E para se verificar a grande influência do sexo fraco, nos alvores da história dos nossos antepassados, dou como exemplo significativo a mulher de Viriato com o nome de Tongina, nome que não se sabe se corresponde ou não à realidade. Mas, se dúvidas existem quanto ao nome da mulher do nosso Viriato, já certezas palpáveis existem, fundamentadas documentalmente, em relação à Família a que pertencia. Era filha de  Astolpas um rico senhor da Bética, proprietário de extensas terras, junto ao Guadalquivir. Claro que o chefe da família sabia do espírito independente da descendente e conhecia os usos da sociedade em que vivia e o direito consuetudinário que atribuía ao sexo feminino o direito de escolher  marido.     Ainda por cima, viviam colonizados pela cultura de Roma em que a mulher tinha um papel preponderante na sociedade em geral, na gestão familiar, na gestão do seu património e na vida política. Embora Astolpas não gostasse do marido escolhido pela Filha, um guerreiro que não fazia outra coisa que não fosse tratar dos rebanhos e andar em lutas contra os ocupantes, comportamento que contrastava com a sua vida plenamente assumida de cidadão romano, resolveu fazer vista grossa, ultrapassando tal desagrado, com uma faustosa festa de casamento, para que as núpcias de sua filha fossem para sempre recordadas.

Assim, quando Viriato chegou com o seu séquito de gente armada, esperavam-no uma multidão de convidados, num banquete, servido em baixelas de ouro e com vinhos e iguarias, com uma sofisticação difícil de imaginar. Perante aquele espectáculo de opulência, Viriato lembrou-se da sua gente lusitana que vivia com enormes dificuldades, passando muitas vezes necessidades, sempre em sobressalto por não querer dobrar a cerviz e perder a independência perante o domínio romano, sempre vigilantes em relação aos que lhes pretendiam roubar o gado e ocupar os melhores relvões para apascentar os seus rebanhos e manadas. Desmontou do cavalo e erguendo uma taça, bebeu à saúde dos presentes, mas declarando que nada aceitava de quem arrecadava fortunas, em vez de participar na luta contra o domínio romano. Pegou em pão e carne que distribuiu pela sua gente, e atirando com um punhal para a mesa, declarou que iria regressar pois não pretendia ligar-se a quem se submetia aos Opressores Romanos. Imediatamente, Tongina, num salto de amazona, saltou para a garupa do cavalo de Viriato, partindo com ele à desfilada, acompanhados por todos os lusitanos que faziam parte do séquito.

Devo acrescentar que, na Antiguidade, quando o casamento não era do agrado dos pais da noiva, o problema era ultrapassado com o rapto consentido.da noiva. Assim, se respeitava a escolha feminina, contra a vontade dos seus ascendentes. Devo esclarecer que geralmente, nos casamentos entre pessoas de tribos diferente, esta era a solução para pacificamente resolver os possíveis problemas, sem violência e sem derramamento de sangue, respeitando-se a vontade da mulher. Claro que esta forma de casamento pressupunha o essencial consentimento da noiva. Sem tal consentimento, o processo não funcionava. Era a forma de impedir lutas sangrentas em que morriam muitos dos combatentes, numa altura em que havia poucos homens em relação às necessidades de cada colectividade. .

Quem não se lembra do “Rapto das Sabinas” ?

Como se vê, falar do machismo português e fazer a aliança dele com a nossa história, talvez seja um erro tremendo.

Aliás, poderia encher páginas e páginas com exemplos que demonstram que a vontade da mulher sempre foi respeitada ao longo da nossa história.



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