Diretora da Gazeta da Beira até Agosto de 2020
Um sorriso de Liberdade
Em Homenagem a
Maria do Carmo Bica
(1963 / 2020)
Edição especial dedicada a Maria do Carmo Bica, Diretora da Gazeta da Beira, com 22 depoimentos de personalidades como António Sampaio da Nóvoa, Embaixador na UNESCO, Rosa Monteiro, Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, Presidentes das Câmaras Municipais de Vouzela, São Pedro do Sul e Oliveira de Frades, Mário Tomé, Isabel Silvestre e Catarina Martins
Manuela Goucha Soares Prima de Maria do Carmo Bica e jornalista do Expresso
A mulher que se transformou numa árvore
Quero acreditar que o sorriso luminoso da Carmo se transformou numa árvore, talvez num castanheiro cujos misteriosos ouriços protegem as castanhas, talvez num carvalho de raízes fundas que me devolve ao nome do trisavô que partilhamos. A Carmo amava a terra e tudo o que dela vinha e a ela voltava. Era, da minha geração e daqueles que conheço, a mais telúrica e simbiótica descendente dos nove filhos (oito filhas e um filho) de Rosália Gonçalves e António Afonso Carvalho e da sua Casa do Cimo, que ela presentificou na imensa admiração que tinha pela sua avó Carolina, neta dos nossos comuns trisavós.
Bisavós da Carmo Bica – Dores e José Pereira, nos finais dos anos 30, em Rebordinho, com respetivas filhas e filhos. A avó Carolina está ao centro no último plano.
Apreciava o seu imenso apego à terra de onde brotam alimentos, sustento, equilíbrio do planeta e da justiça social. Foi ela que me despertou para a importância da agricultura sustentável como forma de travar a desertificação do interior, e para as tradições que nos ensinam o caminho para um ambiente menos poluído. Não conheci a faceta da Carmo militante do Bloco e até me surpreendeu a frase em que alguém a homenageou como um “grande quadro” partidário, porque essa é a linguagem de outras andanças. Para mim, a Carmo era a lutadora de múltiplas causas sociais e políticas, que iam dos direitos das mulheres ao reordenamento rural, da preservação do ambiente à defesa dos artesãos e atualização das tradições que garantem a sua continuidade, da defesa da imprensa regional pelo seu empenho na Gazeta da Beira ao trabalho autárquico que desenvolveu em Vouzela e, mais tarde, na freguesia de Campolide em Lisboa.
Quando todos andávamos com medo da Covid-19, a Carmo acreditou e fez-me acreditar que iria vencer o cancro que a atropelou em pleno Estado de Emergência. E é por isso que prefiro pensar que o seu sorriso luminoso se transformou numa daquelas árvores que crescem nas terras de Lafões que a viram nascer, crescer e ficar.
Não sei se ela alguma vez se cruzou com Armando Cortes-Rodrigues, poeta de Orpheu, companheiro de Fernando Pessoa, sogro do seu tio António. Mas sei que se reveria nas palavras que o poeta publicou no jornal “Folha de Angra”, a 9 de março de 1922: “É por isso que eu não sei viver na cidade; falta-me o convívio com a natureza, com as coisas simples e boas. O mal da nossa época é querer complicar tudo desde os vestidos até aos sentimentos (…)”.
António Sampaio da Nóvoa Embaixador na UNESCO Ex-Reitor da Universidade de Lisboa
Obrigado, Carmo Bica
Há períodos da nossa vida, tão intensos, que cada minuto conta um dia, cada dia um mês… é como se num tempo breve se condensasse toda a existência. Foi assim comigo entre Abril de 2015 e Janeiro de 2016.
Nesse tempo, conheci a Carmo Bica. Objectivamente, foram encontros breves. Mas não trocaria esses momentos fugazes por qualquer outro ano da minha vida.
Na Carmo, encontrei o que me interessa na política: a luta contra as desigualdades (sociais, de género, geográficas, etc.); a vontade de construir uma sociedade justa e solidária, sem o radicalismo individualista e sem as identidades fechadas; o reconhecimento da importância de novas formas de participação e de decisão no espaço público.
Encontrei, acima de tudo, uma mulher alegre e serena, com um sorriso aberto e uma grande independência e liberdade. Há pessoas que, para viverem, precisam da luz dos holofotes. Há outras, como a Carmo, que têm uma luz própria, irradiante e inspiradora. Esta é a única luz que fica, dentro de cada um de nós.
Paulo Ferreira Presidente da Câmara Municipal de Oliveira de Frades
Dar voz às gentes mais silenciadas
As páginas que se poderão escrever sobre tão sublime e aventureira pessoa protagonizam a possibilidade de histórias infindáveis de livros. Expressar relatos da pessoa que foi e será sempre a Engenheira Carmo Bica ficarão incompletos.
Tive o elevado prazer de a conhecer entre o rebuliço da sua apaixonada e agitada vida em benefício de Lafões, que proclamava como uma região para além concelhos, uma marca, um destaque diferenciador. A Associação de Desenvolvimento Rural de Lafões que presidiu eclodiu devido ao seu empenho pelas causas agrícolas, pelas causas naturais e as de proteção do carácter único da nossa terra, dos seus animais e das suas gentes.
Pessoa de fácil trato e simplicidade, contagiava pela capacidade de nos envolver nas suas palavras, nos seus ideais e nas lutas da expressão da nossa individualidade lafonense. Aberta a propostas, a novas visões, respeitava as diferenças e engrandecia-as pela possibilidade de melhorar percursos. Pessoa franca, sociável e simples, defendia o direito daqueles que com dificuldade os conseguiam realizar.
Defensora de uma sociedade mais justa, com igualdade de oportunidades para todos, era um ser Humano com um grande coração, cheia de energia, com um optimismo contagiante e mantinha essa mesma postura natural, em qualquer contexto.
Ligada à região e com vínculos nacionais, levou Lafões para fora das nossas portas, cuidava de nós!
Não parando pela estrutura associativa, a Gazeta da Beira é uma expressão de si. A liberdade da comunicação e a possibilidade de dar voz às gentes mais silenciadas ficam na nossa história e criaram ainda mais história.
A Eng.ª Carmo Bica permitou que agricultura na nossa região se expandisse com uma área técnica de elevado conhecimento e sensibilidade, não só valorizando a primazia dos conhecimentos dos mais antigos, aliando aos conhecimentos científicos da modernização do setor, permitindo aflurar mais a necessidade de apostar neste setor (mesmo com as suas elevadas fragilidades).
Com a sua partida ficámos mais empobrecidos, facto que irá expressar dificuldades em eliminar o buraco da sua ausência.
Até sempre!
João Carlos Gralheiro Advogado
Morrer é mais difícil do que parece (1)
Minha Mãe era professora de Educação Física, na Escola de Vouzela, tendo como aluna a Maria do Carmo Bica, provinda de uma família com a qual meus Pais mantinham uma relação de grande cumplicidade.
O 25 de Abril de 1974 já tinha ocorrido e, por isso, Portugal era um país libertado da tenebrosa noite fascista de 48 anos.
A Bica era uma aluna franzina, pequena de estatura, mas de elevadíssimas competências escolares, que a faziam sobressair entre os Colegas.
Certo dia interpelou minha Mãe, dizendo que queria inscrever-se na UEC (União dos Estudantes Comunistas: estrutura estudantil do Partido Comunista Português), pedindo que a ajudasse.
Minha Mãe ajudou-a, entregando-lhe a ficha de inscrição.
Esta estória foi-me contada pela Bica, no decurso de uma qualquer conversa que amiúde mantínhamos: “Sabes? Foi a tua Mãe que me trouxe os papeis para eu me inscrever na UEC”, disse-me ela, com aquele sorriso que lhe vinha da alma e embebecia quem a escutava.
Na sua vida apaixonou-se por outros projetos, aos quais deu o seu quase inocente/matreiro sorriso e a sua fortíssima capacidade de mobilizar vontades.
O desaparecimento da Bica mostra como morrer é difícil, também para os que ficam. Sente-se o vazio da ausência. Falta o sorriso.
(1) Paulo Varela Gomes
Paula Marques Vereadora da Habitação e Desenvolvimento Local, Lisboa. Eleita pelo Movimento Cidadãos Por Lisboa nas Listas do Partido Socialista
Sorriso de Liberdade
Partilho uma troca de mensagens, até agora privada, no dia em que foram apresentadas as listas à Assembleia de Freguesia de Campolide.
Julho de 2017:
“Cara Maria do Carmo
Desejo sinceramente as maiores felicidades para a tua candidatura. Que corra bem, hoje. Será bom contar com o teu/vosso olhar crítico, mas construtivo. De candidata para candidata!
Abraço
Saudações democráticas
Paula Marques “
“Olá, muito obrigada pela tua mensagem. A nossa intervenção, independentemente dos resultados eleitorais, será sempre no sentido da construção, é a minha forma de intervir e no Bloco encontro espaço para isso. Gosto do trabalho local, da proximidade com as pessoas e isso a gente faz onde vive…
Um forte abraço
Carmo Bica”
Os combates que travava? Sempre com frontalidade e afinco. E lisura! E um sorriso contagiante. Por vezes em desacordo, outras ombro a ombro.
Com a GlocalDecide, a Carmo Bica foi parceira nos projectos BIP/ZIP (Bairros e Zonas de Intervenção Comunitária), programa de participação e construção comunitária da Câmara Municipal de Lisboa pelouro da Habitação e Desenvolvimento Local.
Sempre atenta às questões da Habitação: desde a preocupação com as condições de vida dos vizinhos e vizinhas, à discussão de políticas publicas.
A melhor homenagem? Concretizar os seus projectos. Continuar a pugnar pelo envolvimento comunitário, participação cívica na construção comum dos territórios, sejam eles urbanos ou rurais.
Obrigada Carmo, sorriso de Liberdade.
Manuel Carlos Silva, Sociólogo, Professor Catedrático – Universidade do Minho
Em memória da Maria do Carmo Bica!
Num almoço da família alargada em Paços de Vilharigues
Começando por saudar a iniciativa da Gazeta da Beira ao fazer esta merecida homenagem à Eng.ª Maria Carmo Bica, agradeço o convite que este prestigiado jornal me fez para testemunhar sobre a Maria do Carmo, cujo falecimento constituiu um drama humano para o Pedro Soares, seu esposo, seu filho Bernardo, sua mãe, suas irmãs, seu tio António Bica e toda a sua família, seus amigos/as e companheiros/as de luta no Bloco de Esquerda. Pessoalmente, quando soube pela amiga comum Manuela Tavares esta fatídica notícia, confesso que sofri um tal choque que não consegui suster as lágrimas! Identificava-me com a Carmo pelas nossas origens camponesas comuns, para além da nossa forte amizade e camaradagem na partilha em lutas e utopias por uma sociedade justa, solidária e eco-socialista! De facto, a Carmo, para além da sua extrema competência profissional, respeitava e sabia dialogar com pessoas de diferentes posicionamentos. Irradiando um sorriso contagiante, era uma mulher sensível aos problemas e irreverente perante injustiças. A Carmo era uma mulher guerreira e lutadora por causas, nomeadamente pelas questões ambientais e pela biodiversidade, pela defesa do interior, pela pequena produção agrícola e florestal, pela segurança e soberania alimentar, pelos circuitos curtos de abastecimento, pelas pessoas do mundo rural amiúde abandonado, pelos direitos das mulheres, nomeadamente agricultoras. Estamos perante uma grande perda! Estamos de luto! Prestemos-lhe a nossa homenagem!
Fernando Oliveira Baptista Professor Catedrático – Instituto Superior de Agronomia
Maria do Carmo: amor pela vida, solidariedade, afeto
Ao recordar a Maria do Carmo, neste momento e para este texto, gostaria de evocar três dimensões de um percurso generoso e vivido com empenho e a imensa esperança de que é possível melhorar a vida das pessoas, num mundo mais equitativo, mais justo e em paz com a natureza.
A primeira é o principio da realidade. Para a Maria do Carmo, na profissão como na vida associativa, o decisivo era a realidade – com toda a sua espessura – pela qual se deveriam aferir todas as hipóteses e que seria também o terreno incontornável para avaliar resultados e as consequências dos meios utilizados. Era assim quando trabalhava nas inovações nos sistemas de produção agrícolas e florestais, e nos meios utilizados para a sua difusão pelo maior número possível de agricultores. E era também assim na sua batalha pela transparência e democraticidade das instituições, como garantia de que seria a via possível para alargar a participação das pessoas envolvidas nas questões a resolver.
A segunda faceta que gostaria de evocar remete para a rebeldia e o modo de estar, e de lutar da Maria do Carmo, onde se destacava a defesa da relevância e da autonomia do movimento social no combate pela transformação da sociedade.
Por último, a dimensão mais singela. Maria do Carmo: amor pela vida; solidariedade; afeto. Nunca esquecerei a primeira vez que me encontrei com a Maria do Carmo e o Pedro.
Rosa Monteiro Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, Prof. auxiliar do ISMT e investigadora do CES – Coimbra
Uma brisa transformadora
A Carmo Bica passou pela vida de muitas pessoas como uma brisa transformadora, e foi isso que fez também comigo. Ela soube-o, eu soube-o e por isso nos queríamos e estimávamos tanto, como amigas e companheiras.
Conheci a Carmo em Coimbra, quando ela frequentou uma pós-graduação da qual eu era professora, na FEUC. Ela dirigia a ADRL, e liderava o projeto Iguais num Rural Diferente, um projeto EQUAL que foi um dos maiores viveiros de inovação e transformação social. A partir daí mergulhámos ambas numa descoberta mútua, e num trabalho fascinante na região de Lafões para criar soluções de conciliação da vida profissional, pessoal e familiar, assente em metodologias participativas. De projeto em projeto, este trabalho nunca mais parou, logo depois também à escala nacional.
Com a Carmo percorri as montanhas a conhecer grupos de mulheres, umas organizadas em cooperativas, outras cabeça de explorações agrícolas – como tenho saudades dessa genuinidade. Acompanhei-a nas lutas pelas matérias da sustentabilidade, nas lutas do associativismo pelo desenvolvimento local, na “sua” tão querida Gazeta da Beira.
A Carmo irritava-se comigo quando eu insistia em ficar nos bastidores das coisas; empurrava-me, inspirava-me, dizia-me que eu tinha de confiar mais em mim. Na última vez que jantámos, já ambas em Lisboa, disse-me “ainda bem que te empurrei”.
Vitor Figueiredo – Presidente da Câmara Municipal de S. Pedro do Sul
Carmo Bica, um exemplo de coragem e de liderança
Foi com muito pesar que recebi a notícia do falecimento da Carmo Bica. Uma pessoa forte, com carisma, que sempre lutou pelos seus ideais, deixando a sua marca por onde passava. Uma mulher que defendia as causas da igualdade de oportunidades, do empoderamento feminino, do mundo rural, na defesa de uma sociedade mais justa, lutando pelas suas convicções sempre com um lado muito humano.
Destaco a sua ligação contínua ao desenvolvimento rural da região de Lafões e ao jornal “Gazeta da Beira” que conseguiu sempre dinamizar apesar de todas as dificuldades que a imprensa regional enfrenta num mundo digital. A Carmo Bica demonstrava uma enorme energia e capacidade de trabalho que causava admiração, sendo um exemplo de coragem e de liderança a seguir.
Iremos sempre lembrar a Carmo com um sorriso franco e aberto, sempre pronta para arregaçar as mangas e levar os seus projetos a bom porto. Um abraço de solidariedade a toda a família e amigos.
Núcleo da UMAR de Viseu – União de Mulheres Alternativa e Resposta
Carmo Bica – Semeadora de ideias e de causas
“Ela morreu em combate. Cabe-nos a nós continuar esse combate”.
Estas foram as últimas palavras do seu grande amigo Padre João da ADRL, junto à urna da Maria do Carmo Bica na hora da despedida em Vilharigues, no dia 19 de agosto.
E que combates foram esses? Muitos e variados.
Ela semeava as ideias com o seu entusiasmo, envolvendo as pessoas, sempre disposta a ouvir e a estimular.
Ainda nos lembramos da sua alegria quando soube que a Associação Fragas em colaboração com o núcleo da UMAR de Viseu estava a trabalhar com mulheres de aldeias da região de Lafões.
Grande defensora de melhores condições de vida para as populações do interior do país, não se esquecia que as mulheres no campo ainda ganhavam menos do que os homens fazendo o mesmo trabalho, afirmava que está tudo por fazer para promover a efetiva igualdade de género nos meios rurais.
Defendia um Estatuto das Mulheres Agricultoras, à semelhança do que já existe em alguns países, que inclua medidas que contribuam para alterar as condições de vida das mulheres agricultoras: criação de um regime específico para o acesso à segurança social, adequado à pequena agricultura familiar; ajudas diretas da PAC; apoio no caso de divórcio e partilha da exploração; medidas de discriminação positiva em candidaturas a projetos a fundos comunitários; acesso a um programa de formação adaptado às suas necessidades; incentivos à constituição de associações de mulheres agricultoras.
Os seus muitos saberes em áreas como a soberania alimentar, a floresta, a agricultura, o associativismo eram transmitidos sempre numa perspetiva de mudança com a participação das pessoas, em especial das mulheres rurais, as últimas resistentes à desertificação das aldeias.
Não se esqueçam delas, dizia a algumas de nós, as feministas mais urbanas.
Não nos vamos esquecer, querida Carmo. As tuas sementes foram lançadas nestas terras e serranias, onde brota a giesta, nome que demos ao nosso projeto de intervenção junto das mulheres rurais.
Gostaríamos de te fazer uma homenagem, no concelho onde nasceste, que juntasse mulheres e demais pessoas destes territórios pelos quais lutaste no decurso da tua vida.
Mas, esta homenagem seria uma celebração de vida, porque pessoas como a Carmo Bica não morrem.
Paula Jorge – Directora Adjunta da Gazeta da Beira
Uma referência na minha vida
São inquestionáveis as capacidades de liderança, profissionalismo e de ver mais além de Carmo Bica. Para além dessa sua forma honesta e coerente de pensar e de agir, a energia positiva que esta mulher transmitia era algo de arrebatador.
Quando me telefonava para conversarmos, a forma como se referia a algum projeto ou situação, deixava-me completamente envolvida. Tinha uma maneira de falar que cativava, tinha uma forma incisiva de tratar cada problema, enaltecendo sempre o lado positivo. Usava a cordialidade e a simpatia de um modo genuíno e muito simples.
Era uma mulher de alma cheia e com um carácter forte, com ideias bem definidas e sempre com uma palavra amiga e de coragem. Era uma pessoa que transmitia confiança, porque usava o bom senso e a frontalidade exigida para cada situação.
Agradeço-lhe cada palavra de apoio e de amizade. Agradeço-lhe cada conselho assertivo que ficará para sempre entre nós. Agradeço-lhe a postura íntegra que me ensinou a ter ao analisar cada artigo, de um modo neutro, sem nunca prejudicar ninguém. Agradeço-lhe as palavras de carinho nos meus momentos de desabafos.
Carmo Bica será para sempre uma referência na minha vida.
Carlos Matias – Engenheiro Deputado AR 2015-2019; Membro da Comissão Parlamentar de Agricultura e Mar
Alguém que não esquecerei
É-me muito difícil escrever sobre a Carmo Bica. A sua perda abrupta está demasiado próxima, a sua ausência é demasiado dolorosa.
Conhecemo-nos há anos, no âmbito da atividade partidária. Mas foi sobretudo a partir de 2015, quando fui eleito deputado na Assembleia da República, que o muito trabalho comum no âmbito da Agricultura, das Florestas e do Mundo Rural me levaram a descobrir a enorme dimensão desta Mulher.
À minha frente tenho o último texto que nos propusemos trabalhar em conjunto, sobre Agricultura. Nos últimos dias, fui revendo o texto, sempre pensando no que diria a Carmo, sobre qualquer alteração…
Carmo e Carlos Matias, com dirigentes associativos de Espanha e de França
Tinha razões para confiar nas suas opiniões. Profundamente ligada ao povo, em especial da sua região de Lafões, cujos problemas conhecia muito bem; conhecedora dos problemas do Mundo Rural e do Interior, cujas causas abraçou; generosa, criativa, trabalhadora incansável, sem nunca recusar um debate estimulante, combativa, sem nunca faltar às lutas importantes. Sempre com uma rara independência e coragem intelectual. Sempre com aquele sorriso.
A família perdeu um ente muito querido. Os amigos e camaradas perderam alguém insubstituível. Eu perdi alguém que não esquecerei. O País perdeu uma Mulher cuja estatura o tempo se encarregará de evidenciar.
Marco Domingues Presidente da Animar – Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local
Sensação de injustiça pela sua jovem despedida
Conheci a Carmo Bica no âmbito do seio da Animar – Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local, entidade a que a Carmo foi provavelmente uma das maiores agentes de desenvolvimento, ao pertencer a várias direções com diferentes responsabilidades. A sua presença nos espaços de encontro e de debate associativo, resultavam sempre em alertas, no sentido de nos inquietar para novos problemas, para novas lutas, para novas causas. A sua forma de estar, era desprendida de estatuto, era contagiante pela paixão com que abordava os assuntos, era destemida e perspicaz, apontava caminhos e propostas. Nestas tantas propostas, muitas resultaram em projetos, maioritariamente no âmbito do desenvolvimento rural e da igualdade. Eram materializados nas ideias da Carmo com tantos outros agentes, sempre construídas em rede e sem fronteiras simbólicas que limitassem ou condicionassem as iniciativas. Todas e todos eram importantes e relevantes para a Carmo.
Numa reunião com dirigentes e técnicas da ANIMAR
Carmo Bica, era uma ativista, uma política de esquerda, que respirava liberdade de pensamento, liberdade de ideias, e era naturalmente solidária com aqueles que por uma ou outra razão apelavam ao seu envolvimento em novos desígnios. A Carmo deixa-nos a todos e a todas uma sensação de injustiça pela sua jovem despedida, mas deixa-nos também um legado de memórias e militância, que continuaremos a abraçar em tributo à Carmo e à justiça social que tanto a defendeu e, que a abraçou em vida. Em nome de tantas e tantos agentes de desenvolvimento local, a nossa gratidão por teres estado connosco…
rui chã madeira
maria do carmo bica
in memoriam
e agora carmo como fazemos? resolvemos o problema! quando? já! perguntei à mina que idade tinha. seis ou sete anos. as férias em vilharigues. o cheiro. as vacas. as ovelhas. descalço nos aviários. a celeste a apanhar urtigas. os pés de estrume e lama. as conversas importantes do zé. dois cães grandes. dóceis. a ana mais velha. dar de mamar ao bezerro. o afável afonso. as constantes descobertas. eram brincadeiras. o companheiro andré. muitas pessoas ao almoço. a carmo por todo o lado. café fresco. com broa. a leveza do manel. o trator na eira. no carro branco sem cinto. adormecer cansado. satisfeito. discos de vinil. a aconchegante alice. essencialmente livre. uns anos depois. o caminho de volta. a porta sempre aberta. tudo cheio de coisas. o pequeno bernardo. uma casa sem paredes. as maças e os cavalos. os aniversários. a praia. passagens de ano. a família. os mesmos. outros. a iguana. risos compridos. mais velho. a associação. os colegas. o chato formal. as conversas mais sérias. a mesma carmo. o cigarro por ali. o carro mal-estacionado. agenda. telefone. letra indecifrável. as horas sempre atrasadas. inquietação. as ideias. boas e más. aquele olhar bica. constante preocupação. frontalidade. dias bons. maus dias. disponibilidade. o sorriso de vilharigues. em frente. o pastel de nata. está tudo bem. as políticas. os caciques. as causas. verdadeiras. os difíceis contratempos. igualdade. a palavra aguçada. política. a força. a distância. sufoco. só um sentido. sair. e agora carmo o que devo fazer? segues em frente! quando? já!
Adriana Gomes
Nunca esquecerei
Eu era uma menina na casa dos 13/14 anos de idade quando conheci a Carmo Bica. Nessa altura tinha iniciado a minha participação no grupo Vozes de Manhouce.
A Carmo foi uma grande entusiasta das Vozes, com ela chegámos a ir ao Parlamento Europeu, a Bruxelas! A Carmo não perdia a oportunidade de sondar uma atuação para o grupo, aqui e ali, sabendo que esta era uma forma de o projetar e manter vivo.
ARS Nova
Mais tarde, nasceu o ARS NOVA, um grupo que brotou das Vozes de Manhouce e do qual, também, foi impulsionadora. Sempre adorava ouvir-nos cantar! Lembro-me de a ver na plateia a ver-nos por entre as pessoas das filas da frente com um sorriso de admiração…
A Carmo era das pessoas mais dinâmicas e cheias de projetos que conheço.
Muito da minha vida nos meus últimos cinco anos devo à Maria do Carmo Bica. Através dela comecei o meu trabalho na Associação Fragas Aveloso e, posteriormente, tive a oportunidade de ingressar num curso superior.
Nunca esquecerei que, juntamente, com o professor António Alexandrino Matos, a Carmo, foi, um dia, tentar convencer o meu pai a colocar-me a estudar e a pagar-me os estudos. Do fracasso da tentativa, não descansou e lá me ajudou a chegar ao objetivo por outra via.
Foi conselheira, tirou-me de alhadas, foi amiga, foi teimosa, foi decidida, foi afirmativa, foi corajosa e será eterna pelo que de bom deu e proporcionou.
Pelo desfecho que pensei que a sua vida não teria, acabei por não agradecer tudo isto como eu gostaria.
É uma enorme tristeza.
Nunca esquecerei, Carmo.
Até sempre, até amanhã.
Manuela Tavares Presidente da Associação Fragas Aveloso
Há pessoas que nos marcam a vida!
Quando a conheci, senti logo uma grande empatia.
Havia muita coisa em comum: trabalho de proximidade, discurso aberto, interesse em projetos que envolvessem as pessoas, em especial as mulheres como protagonistas de mudanças.
A sua experiência em termos de associativismo surpreendeu-me.
No aniversário da UMAR com Manuela Tavares e Jorgete Teixeira
Foi ela que me apresentou a Adriana Gomes e a Cristina Bandeira como mulheres capazes de desenvolver projetos com mulheres e jovens das aldeias.
Durante estes últimos cinco anos fomos urdindo teias num trabalho que a Carmo Bica acompanhava à distância por estar a viver em Lisboa.
Depois, foram as afinidades políticas numa visão da intervenção para servir as comunidades e nunca servir-se delas para objetivos políticos imediatistas.
Nesta fase da nossa aproximação consegui admirar a sua determinação em lutar por práticas democráticas, de transparência, de efetiva participação das pessoas.
Posso dizer que ao longo dos meus 70 anos de vida existiram pessoas que me marcaram pela positiva e pela negativa. Sobre estas últimas, a distância é a melhor solução, mas para as que nos marcaram pela positiva, como é o caso da Carmo Bica, a necessidade da sua aproximação é algo muito difícil de aceitar, ou mesmo impossível.
Querida Carmo, ainda hoje te quis telefonar porque precisava da tua opinião sobre algo que se passou numa área de intervenção autárquica.
A tua voz não mais a conseguirei ouvir. Resta-nos a memória!
Mário Tomé – Coronel – Militar de Abril
QUERIDA CARMO
Fazes-me tanta falta!
A falta de estar de acordo contigo, de discutir contigo, de viajar contigo – tu minha motorista, veja-se lá! – ao encontro do debate político, do estímulo à organização de base no nosso Bloco, na defesa intransigente da democracia.
E digo-o sem qualquer constrangimento porque sei a falta que também fazes a todos nós.
E não falo do Pedro o outro pilar do vosso lindo e inspirador par, feito de amor sólido e de entrega serena mas entusiástica à luta.
Falo da falta que fazes àqueles e aquelas que foram tocados pela tua energia vital, pela força da tua energia que só nos últimos instantes a doença traiçoeira e brutal te roubou, nos roubou.
Almoço na Casa do Alentejo (Lisboa) evocativo da primeira eleição de Mário Tomé para a AR. Da esquerda para a direita: Carlos Marques, Miriam Sousa, Tomé, Nohra Ramos, Carlos Silva, Carmo e Pedro Soares
Na disputa, no confronto político quer com os teus adversários, quer com os teus próximos, nunca as afinidades…electivas, a proximidade de correlegionário, a ternura tão doce e ingénua que soubeste sempre expressar, enevoaram o teu discernimento crítico donde nascia toda a vitalidade e alegria que punhas na acção.
A tua intransigência tornava-se lei no que concernia ao carácter, ao respeito pelos valores humanos no que eram as tuas coordenadas da dignidade e respeito pelo Outro que nenhuma artimanha política podia ignorar.
A tua invulgar clareza de pensamento emergia,solar, das fortes e indestrutíveis raízes que te prendiam à terra, à natureza-mãe, ao trabalho produtivo de uma família admirável de pequenos agricultores que do amor à terra souberam entender como o local é global e o global é local. O teu pai, que só conheci de fotografia, de perfil torguiano, tua mãe virada pró futuro, o teu magnífico tio António da terra, da ciência, da literatura a lembrar o Aquilino, teu filho Bernardo reflexo da boa cepa, teu irmão e irmãs, falo agora deles nesta última carta porque sempre sublinhaste que foi produto de todos eles esse teu ESPÍRITO INDOMÁVEL.
Não voltaremos a encontrar-nos porque continuamos juntos.
Mário
Isabel Silvestre Vozes de Manhouce
“Ao partir, deixa mensagem, numa sementeira de sorrisos”
(Padre João)
O seu sorriso continuará como uma fonte inesgotável de água serrana, fresca, viva, luminosa a brotar em bica.
Claro que estamos a falar da Sra. Eng. Maria do Carmo Bica. Havia muito a dizer, mas vamos falar ao coração. O seu sorriso era o seu melhor bilhete de identidade. Através do sorriso e do olhar, podemos dizer tanta coisa sem ter necessidade de falar!
O sorriso é lido sempre da mesma maneira em todos os idiomas.
“Se sim ou não eu te quero,
Sem sombras no teu olhar,
Quando o amor é sincero,
Bem se diz sem se falar.”
Isto diz o povo na sua tão sábia sabedoria e do qual andou sempre tão perto. Andou sempre perto de todos, mas mais perto daqueles que nem todos viam, os que mais precisavam. Ao lado do muro não vemos o que está do lado de lá, em cima do muro vemos mais, mas é preciso saber subir. Não precisava subir porque a sua mão amiga, a sua sensibilidade e amor pelo outro, fazia com que estivesse sempre pronta e aberta para ajudar e transpor muros, apesar da sua estatura pequenina. Vai fazer muita falta, teria muito mais a dizer!!!
Só o Padre João, o nosso Padre João a quem a serra tanto deve e com a qual tantos sonhos teve e que vingaram. Apetecia-me dizer o primeiro apóstolo da serra, o visionário das suas potencialidades. Obrigada Padre João.
Mas voltando à sementeira, foi das coisas mais lindas que ouvi nos últimos tempos. Com tal semente na mão, tenho a certeza que vingará, germinará dentro de cada um de nós, enquanto tivermos primaveras. Obrigada Eng. Carmo Bica.
Cuidaremos com cuidado desta semente e sementeira. Um dia ouvi isto:
“O jardim é a imagem do paraíso na terra”
Sem data, nem tempo, nem lugar, vamos marcar encontro. Até lá continuaremos a cantar ( Muito lindo é o céu) e ( Senhora das Dores). Sem esquecer o concerto Bruxelas. Num abraço vão as Vozes de Manhouce, sem esquecer o Mestre Dr. Alexandrino, porque um abraço é um enorme presente e nunca nos enganamos no tamanho!
Francisco Queirós Colaborador da Gazeta da Beira
Carmito…
Este é o texto que não queria escrever, que nunca esperei ter de escrever e que, tal como Lobo Antunes quando redigia “Um dia hei-de amar uma Pedra”, escrevo em lágrimas! Mas tenho de escrever por ti e por tudo o que significas e sempre significaste para mim!
Soube a da tua partida deste mundo de forma brutalmente chocante: estava numa pausa de trabalho quando recebi, no telemóvel, um alerta de publicação no Facebook e que vinha da parte do Dr. Carlos Rodrigues (Notícias de Vouzela) também ele ainda desconcertado e profundamente triste assinalava o teu falecimento. Confesso que li na diagonal e fiquei com a ideia de que se trataria da tua querida Mãe… não sei porquê daí por uns minutos senti uma necessidade intensa (premonição certamente!) de voltar ao Facebook para ler com atenção: afinal eras tu que tinhas terminado a tua peregrinação na terra! Referiu-se a ti como a “Menina do sorriso” e não posso estar mais de acordo!
Fiquei atordoado, sem palavras e sem reação… como muitos dos teus amigos e admiradores foi notícia demasiado violenta que levou tempo a perceber como verdadeira. Depois… bom depois tomei-me de comoção e chorei! Coisa que é muito, muito rara em mim, mas tinha perdido a Querida Professora, Amiga e Colega! A primeira pessoa a quem me dirigi foi á nossa Liliana Fernandes. Fi-lo por SMS porque as palavras não saiam, a voz estava embargada, o coração enlutado e o pensamento turvado. Ela ligou-me mais tarde e falamos um pouco: trocamos palavras de conforto: nenhum de nós conseguia falar por muito tempo.
– Conheci-te andava no 9.º ano: foste a minha Professora de Biologia. Mas foste muito mais do que isso e por isso o carinho, a amizade e a admiração mútua ficaram para sempre:
– Ensinaste-me a pensar em vez de apenas decorar! Usar o conhecimento que nos transmitias (com Mestria) nas aulas para resolver problemas concretos nos Testes! Esse passo de evolução cognitiva que me proporcionaste foi decisivo nos restantes anos de Liceu e mais tarde na Faculdade! Muito Obrigado Carmito!
– A cumplicidade entre nós surgiu com uma naturalidade espantosa: como se fossemos (e eramos de facto!) 2 colegas que gostavam de explorar e debater a matéria da disciplina; juntava-se a saudosa Dr.ª Margarida que ensaiou, a mim e outros colegas e por tua iniciativa, a peça humorística da autoria do seu marido Dr. Jaime Gralheiro “Quinquim e o Rei Trampolim”… que saudades desse tempo!
Os nossos Pais conheciam-se bem: os meus eram Clientes da exploração suína dos teus; conheço melhor a tua mãe e a tua irmã Alice.
Fico muito, muito triste por nos deixares tão nova… eras um Ser Humano Exemplar, uma Mulher de Ideias Firmes e Nobres Convicções: UM EXEMPLO DE VIDA PARA TODOS OS QUE TE CONHECERAM E TIVERAM O PRIVILÉGIO DA TUA AMIZADE.
Sinto-me um Afortunado por fazer parte desse Grupo!
Fica a foto que com um sinal que recordarei para sempre: o teu Sorriso que brotava de um coração puro e genuíno como o Teu! Na falta de foto comum junto uma minha do tempo de Liceu.
Deixa-me ser um bocadinho egoísta: fico mais só neste Mundo sem a tua presença! Mas acredito que mais uma Estrela e um Anjinho estarão no Céu a iluminar o meu caminho.
A melhor homenagem que te podemos prestar é continuar o teu legado. Acho que o poderei fazer de várias formas, mas saliento duas em particular:
1) Ajudando a perpetuar a Gazeta (mais uma vez foste tu que me levou a embarcar nesta fantástica experiência de escrever para um Público Leitor!);
2) Bater-me na área Família Política para que o que o teu BE preconiza de torne realidade: Subsídio de Desemprego = ao SMN; Subsídio Social de Desemprego Reforçado e uma nova Prestação Social Digna (que não um miserável RSI) para quem não tem mais nada!
Adeus, Carmito. Um beijo de eterna saudade.
Mário Pereira Crónicas do Olheirão Colaborador da Gazeta da Beira
Crónica do Olheirão
Boas memórias
Quando no dia 18 de agosto recebi a notícia da morte da Maria do Carmo os sentimentos que me invadiram foram uma perda irreparável e uma profunda tristeza.
Com o passar dos dias esses sentimentos têm feito com que a Maria do Carmo venha com grande frequência à minha memória. Desde que ela faleceu ainda não houve um dia em que não tenha pensado nela, o que, seguramente não acontecia enquanto foi viva.
John McGee, também já falecido, que foi o fundador da corrente pedagógica que em Portugal designamos por pedagogia da interdependência e que esteve em Lafões algumas vezes, dizia o que o melhor que podemos fazer é deixar boas memórias nas pessoas com quem convivemos ou de quem cuidamos.
A Carmo é uma dessas pessoas que deixou inúmeras boas memórias, em mim mas também em muitas outras pessoas. Vista por este ângulo a sua vida, infelizmente demasiado curta, foi uma vida plena.
A minha primeira memória relacionada com a Carmo está ligada às nossas raízes familiares. A minha mãe quis ir visitar a recém-nascida Maria Carmo e eu mais duas das minhas irmãs mais velhas fomos com ela. Na ida de Rebordinho para Paços de Vilharigues fomos na carreira do meio-dia e tudo correu bem.
No regresso, por razões que atribuem a uma dor de barriga que me obrigou a fazer algo inadiável, acabámos por perder a carreira e tivemos de voltar a pé de Paços para Rebordinho (dizem que me aguentei e nunca tiveram de me levar ao colo…).
As nossas vidas não se cruzaram durante algumas décadas, até que eu vim trabalhar para Lafões no início de década de 1990. Muito rapidamente a Maria do Carmo reapareceu na minha vida e acabaríamos por criar uma grande cumplicidade e uma boa amizade.
Estivemos juntos em muitos projetos na política local e no associativismo e se não estive em mais foi porque não tinha a energia ou disponibilidade necessárias para acompanhar a Carmo.
Podíamos estar, por vezes, alguns meses sem conversar sabendo um do outro pela Gazeta, mas quando conversávamos era como se estivéssemos estado sempre ligados.
Nunca nas dezenas de anos em que convivemos ouvi a Carmo dizer que estava chateada comigo por não concordar com ela em alguma coisa ou por lhe dizer que não estava disponível para alinhar num dos seus incontáveis projetos.
Ela aceitava-me tal como eu sou e sinto que ela era assim com todas as pessoas. Nunca senti da parte dela qualquer exigência para que fosse como ela ou fizesse o mesmo que ela gostava de fazer.
Feito por ela isto parece fácil, mas todos nós temos experiência de amigos que se afastaram porque em determinada altura discordámos das suas opções ou das suas ideias.
A Carmo era muito ciosa da sua liberdade. Liberdade de pensar e de fazer e talvez por isso nunca tenha sido pacífico o seu envolvimento nos partidos políticos em que tentou integrar-se.
Uma das suas qualidades era também um profundo respeito pela liberdade dos outros e uma enorme capacidade para envolver todas as pessoas nos seus projetos.
Certamente, por isso estavam no seu funeral pessoas de todas as correntes políticas e um número realmente impressionante de pessoas que estavam lá porque tinham feito coisas em conjunto com ela.
A Carmo viveu num tempo em que as condições de vida em Lafões sofreram mudanças profundas e foi das primeiras pessoas a compreender a importância da pequena agricultura, para a paisagem e o ambiente.
Ela foi uma lutadora por políticas adequadas a esta situação, coisa em que não foi muito bem sucedida, certamente por estar à frente do seu tempo.
Entre todas as suas coisas e causas a Carmo teve o tempo e a coragem necessários para assumir a Gazeta da Beira e dar-lhe continuidade. Só por isso já lhe deveria toda a gratidão do mundo.
Como colaborador única condição que ela me colocou foi: “Escreve sobre o que tu quiseres”.
Se há uma palavra que defina a Maria do Carmo Bica só pode ser liberdade.
Manuel Silva Colaborador da Gazeta da Beira
Carmo Bica perdeu o seu último combate
Tive conhecimento que a Maria do Carmo se encontrava doente poucos dias antes do seu falecimento. Na véspera deste triste acontecimento soube que a doença era muito grave, comentei o assunto com a nossa directora adjunta, Paula Jorge. Ambos estávamos preocupados. No dia seguinte (encontrava-me de férias) abro a página do facebook da Paula Jorge e enfrento um grande choque. A nossa directora, uma pessoa muito resiliente, tinha perdido o seu último combate. Já não estava entre nós. O jornal estava e está de luto!
Através daquela página apresentei os meus sentidos pêsames aos seus familiares e, apesar da dor de ver partir uma amiga, afirmei que a melhor homenagem que poderíamos prestar-lhe era prosseguir o seu trabalho e continuarmos a fazer a “Gazeta da Beira”. Foi isso mesmo que transmiti em Passos de Vilharigues, aquando do funeral da Maria do Carmo, ao seu tio, Dr. António Bica, ao Dr. António Alexandrino e à Paula.
Conheci a Maria do Carmo Bica há mais de 40 anos, tendo-nos tornado amigos mais tarde. Nunca nos encontrámos politicamente, mas sempre vi nela uma mulher de luta por aquilo em que acreditava. Não foi por acaso que após a queda do muro de Berlim e do fim da URSS abandonou o PCP, vindo a aderir ao Bloco de Esquerda. No entanto, manteve-se fiel à luta por uma sociedade mais justa, contrariamente a outros seus antigos camaradas, que andam a fazer figuras tristes.
O primeiro jornal em que colaborei em S. Pedro do Sul foi a “Gazeta da Beira”, a partir de 1985, com a idade de 26 anos. Trabalhei com quase todos os seus directores.
Acabei aquela colaboração quando foi fundado o jornal “Notícias de Lafões”, no qual passei a escrever e ainda escrevo. A propósito, felicito a directora deste jornal, Márcia Páscoa Carvalho, pelo belo texto que dedicou à Maria do Carmo.
Há bastantes anos, fui abordado pelo Dr. António Bica para voltar a colaborar na “Gazeta da Beira”. Gostei do convite e disse-lhe que iria pensar no assunto. Algum tempo depois, a Carmo Bica convidou-me para voltar a escrever no jornal do qual já era directora, porque pretendia um leque ideológico de opinião variado. Aceitei e regressei à “base”.
Passado já bastante tempo sobre aquele convite e o meu regresso à “Gazeta”, sempre me senti e sinto livre de escrever o que muito bem quero e entendo, bem como todos os meus colegas, situados em vários quadrantes políticos, ideológicos, e mesmo partidários. É mais um motivo para ajudar na prossecução da obra deixada pela nossa directora.
A Maria do Carmo Bica foi uma Mulher que sempre se bateu pela justiça social, pelos mais desfavorecidos e, sobretudo, pela nossa região e pelo interior de Portugal, especialmente no que diz respeito à agricultura e à floresta, esclarecendo e apoiando agricultores, pequenos e médios produtores florestais, participando na fundação de organizações que os pudessem ajudar.
Ao Pedro Soares, ao Bernardo, seu filho, ao Dr. António Bica e demais familiares, volto a apresentar votos de pesar. Até um dia, Maria do Carmo.
João Fraga de Oliveira Colaborador da Gazeta da Beira
A presença da Directora
A ausência do editorial da Directora é o que nesta edição da Gazeta mais está presente.
Na verdade, sendo o editorial de um jornal, por regra, o texto que, ainda que em síntese, exprime a opinião de fundo sobre o tema ou assunto que circunstancialmente mais destaque nesse jornal deve merecer, não há aqui ausência mais presente do que esse habitual editorial da Engenheira Carmo Bica.
E contudo, suportando e inspirando cada um dos textos que aqui lhe são justamente dedicados, estão, afinal, na diversidade da sua natureza, proximidade e intensidade, as relações pessoais, profissionais, sociais ou políticas que com ela mantinham (mantêm…) os seus autores. Ou seja, está, induzindo-os, inspirando-os, a Memória da Directora.
Se bem que, quanto a mim, apesar do quanto esse apoio emocional, afectivo e não só, poderia constituir de “muleta” para mais facilmente escrever algo, paradoxalmente, em mais de uma década de assídua presença quinzenal de artigos neste jornal, este foi, sem comparação possível, o texto que mais me custou a escrever.
“Pode-se não escrever”, sugeria-me o estado de espírito, influenciado, talvez, pelo poeta (Pedro Oom), no último verso do poema.
Mas, depois, lembrando-me de um artigo que escrevi na Gazeta há uns anos, concluí de o quanto isso seria incoerente com o que aqui tem de verdade e profundidade uma frase que era o mote desse meu artigo de então: “a morte faz parte da vida”.
Uma frase que banalizamos, proferindo-a de forma já mais ou menos convencional e automática, ainda que a significar consideração e consolação para alguém, no seu luto.
Mas que, na verdade, muito tem de profundo significado, não apenas factual mas, sobretudo, humano e social.
Sim, “a morte faz parte da vida”, por razões físicas, biológicas, porque tudo o que nasce morre. A morte faz parte da vida, neste sentido objectivo.
Sim, “a morte faz parte da vida”, no sentido religioso que quem é crente lhe atribui.
Mas, aqui, a “morte faz parte da vida” sobretudo no sentido de que quem morre deixa sempre a memória dos seus valores, dos seus princípios, dos seus ideais, das suas acções, do seu contributo humano e social, como exemplos (bons ou maus, a seguir ou a evitar), como referências e suporte para a vida dos que ficam.
Passa, neste sentido, a “fazer parte da vida” dos Outros. Como, agora, ainda, a Eng. Carmo Bica.
Então – requestiona-me o meu estado de espírito – “pode-se não escrever”?
Não. Não pode. “Pode-se escrever”, corrige-me ainda o poeta, saltando do último para o primeiro verso e título do poema.
Deve-se escrever.
Impõe-nos isso a Memória da Eng. Carmo. Como Directora deste jornal, sim, também. Mas, mais do que isso, como profissional, como cidadã, como política. Sobretudo, como pessoa, como Amiga.
Não é que fosse preciso, mas fica este modesto contributo para reforçar o sentimento de que, afinal, o que (também) aqui, neste jornal, mais presente está, continua a estar, é a presença da Directora.
António Armando Bica Veterinário – Primo da Carmo
Caia* – um sorriso que te encheu a vida
Nascemos juntos. Quase juntos! Só Maio se meteu pelo meio. Ela uma sirigaita irrequieta e traquina. Eu um “Eusébiozinho” macambúzio e adoentado.
A primeira memória: eu na cama com uma qualquer doença complicada. Para me animar e fazer companhia despejaram por lá a garota. Só me lembro de um fio vermelho a escorrer. Não sei porquê a minha cara tinha sido vítima de umas unhas afiadas e o sangue corria em bica. E ainda sinto duas leves e indeléveis marcas na face direita.
Carmo e Antonio Armando recordam os tempos da escola primária
Éramos cinco. Quatro catraias endiabradas e eu. Eu e a Maria do Carmo os mais velhos. Depois, todas separadas por um anito de vida a Bela, a Ana e a Alice. Os outros irmãos e primos já estavam mais longe no tempo. Brincávamos como podíamos entre a Bica e a Calçada. Brincávamos “ às lojas” com o que encontrávamos. Com mantas e colchas construíamos um palco e inventávamos um teatro. As quatro raparigas vestiam-se de igual sempre que havia festa.
A escola: Primeiro ano em Vilharigues, numa casa, porque a escola estava em obras. Eram duas salas, uns 40 alunos e uma professora, Maria da Cruz… Este ano deve ter sido uma cruz!!! Depois, na escola renovada, já no último ano, com a mesma professora… A Maria do Carmo e a Gina sabiam tudo, faziam tudo, enchiam a sala.
O 25 de Abril. Um mundo novo a nascer. O envolvimento político do Tio António vê a luz do dia e arrasta os irmãos. O tio Zé e a tia Otília. A Maria do Carmo, ainda catraia, explode para a política. Sonha ser como o tio. O pai é o herói de todos os dias.
Desenho feito pela Carmo em criança, entusiasmada com a chegada do primeiro trator agrícola à freguesia de Paços de Vilharigues (Vouzela)
Vouzela, o Ciclo e a Escola Secundária, a caminho da adolescência. Já não é Maria do Carmo. Nome de guerra: Carmo Bica. Organiza a UEC e lidera a instalação da primeira associação de estudantes. Comissão Organizadora, Comissão Eleitoral, todos os regulamentos. A UEC vai de vento em popa. O riso e o sorriso, a simpatia transbordante e poucos dizem que não à Carmo. A Escola Secundária está enxameada de jovens comunistas. Duas listas para a associação de estudantes, uma afecta a UEC liderada pela Carmo, claro, e a outra afecta à JSD liderada, se a memória não me atraiçoa, pelo Jonel e pelo Telmo. A vitória é certa. São tantos os militantes e simpatizantes! A lista é boa e tem um programa espectacular. Dia de eleições. Contam-se os votos são poucos mais os votos do que os elementos da lista. A JSD tinha manobrado no escuro e no obscuro, tem uma vitória esmagadora. Esta terra não é para comunistas!
A praia em Mira, vamos todos e já somos oito, primeiro para uma casa com a tia Esperança, depois, mais crescidos, queremos acampar! A nossa avô, a Madrinha Carolina, vai connosco para os pais ficarem tranquilos. A Madrinha Carolina, matriarca da família, está lá, controla mas quase não a vemos. A Carmo quer ser a Madrinha Carolina … quando crescer!
No oitavo ou, talvez no nono ano, um professor diferente, ideias e comportamentos estranhos à bafienta pacatez da vila. Conversas, trocas de livros, a atracção de desafiar as normas. A Carmo vem ter comigo. Tens que ir comigo à Pensão Marques… Porquê?… Tenho que ir buscar um livro ao quarto do X… Ao quarto?!! Ele que traga o livro para a escola… Quer que eu veja um quadro, tens que ir comigo! …
Lá fomos, éramos dois, não tinha o livro! Marcou visita e entrega para outro dia, lá fomos os dois outra vez e mais uma vez e outra vez… acabou por desistir!
Décimo ano, Secundária de S. Pedro do Sul. Primeiros tempos juntos e quase sós, a rir desalmadamente, como sempre, deixou um pé debaixo da roda de um carro que ia a passar. Lá aparecemos em casa de táxi com a Carmo ao colo e de pé engessado.
Gente nova, muito riso e um sorriso que lhe enche o rosto e a vida e está em S. Pedro como peixe na água. E, a JCP, com a Carmo, organiza, no Cine-Teatro cheio que nem um ovo, noites culturais com Sérgio Godinho e os Trovante.
Primeiro namoro sério, o Chã, que leva a casa e apresenta aos pais. O Pai: Menina! Só se namora para casar! … Pois caso… E casou com 19 anos!!!
Coimbra, a Escola Agrária, já casada, a acorrer para cá e para lá. O curso terminado e os primeiros trabalhos. Vamos cada um para seu lado. Já não estávamos juntos há algum tempo. Vamos tomar café sozinhos, leva o Golf. Baixita, cabelo curtinho, rosto quase de criança e grávida de muitos meses. Cruzamos com a Brigada de Trânsito a caminho das Termas, fazem inversão de marcha e seguem colados ao Golf. A Carmo nervosa; mas que raio fiz eu?!!! … Nada, tem calma, andam a passear… Paramos, atravessam o carro na nossa traseira. A Carmo sai com uma barriga enorme, quase a parir. Os guardas atarantados perguntam se tem carta e quase sem esperar pela resposta entram no carro e partem. Um café a rir! Como só a Maria do Carmo sabia rir!!!
* Caia – diminutivo familiar da Carmo em criança
António Alexandrino Colaborador da Gazeta da Beira
C A R M O B I C A
«…eis a mulher! » (Florbela Espanca – Poesia)
«Ó mulher! Como és fraca e como és forte!
Como sabes ser doce e desgraçada!
Como sabes fingir quando em teu peito
A tua alma se estorce amargurada!
Quantas morrem saudosas duma imagem
Adorada que amaram doidamente!
Quantas e quantas almas endoidecem
Enquanto a boca ri alegremente!
Quanta paixão e amor às vezes têm
Sem nunca o confessarem a ninguém
Doces almas de dor e sofrimento!
Paixão que faria a felicidade
Dum rei; amor de sonho e de saudade,
Que se esvai e que foge num lamento!»
(F. Espanca – idem)
As figuras femininas marcam decisiva e inequivocamente o ‘terreno’ que pisam. Sobretudo, se possuidoras da necessária personalidade bem definida, para além do “quanto baste”. Entendi buscar no manancial da nossa literatura uma figura cujo perfil se confine com a MARIA do CARMO. Com efeito, Florbela Espanca (1894-1930) tem sido considerada, com a devida justiça, uma das figuras femininas mais importantes nesta vertente. Desde tenra idade (fui professor da Carmo, durante anos), vislumbrei nela qualidades que vieram a confirmar-se na vida do quotidiano; facto a que não será alheia a existência de uma família, cujos pressupostos dispensam qualquer prova, designadamente, a noção da responsabilidade, o respeito pelo seu lugar na comunidade escolar, a noção da constante necessidade da formação académica, um forte espírito de empenhamento e inserção na vida social, um inequívoco sentido de liderança (traduzido em iniciativas concretas, com enorme intensidade, nomeadamente, de carácter cultural, jornalístico, político, da tolerância).
Maria do CARMO. «…eis a mulher!» Ficámos sem ela. Precocemente. Deixa um trajecto que é um exemplo, com alguns marcos que merecem continuação. E têm sido múltiplos os pontos de convergência de opinião.
Semeadora de ideias e de causas, «ela morreu em combate», travando múltiplas e variadas batalhas. «Cabe-nos a nós continuar esse combate» (Padre João Rodrigues, ADRL). Tendo devotado o melhor de si à sua terra (leia-se: à sua região lafonense), a CARMO vestiu o ‘fato-macaco’ desta guerra no Interior do País, onde desenvolveu um trabalho notável, especialmente dirigido para a mulher rural, num esforço de resistência à desertificação das aldeias, enquanto velava pela igualdade de género.
«Pessoas como a CARMO não morrem».
Até sempre, CARMO.
Rui Ladeira – Presidente da Câmara Municipal de Vouzela
O legado da Carmo Bica
Falar de Carmo Bica para mim, hoje e sempre, terá que ser colocado em três planos: o pessoal, o associativo e o institucional!
No plano pessoal teria, sem sombra de dúvida, muito para dizer, mas tentarei resumir em poucas palavras esta ligação de longa data:
A nossa amizade, o respeito e consideração sempre foram consistentes, tendo uma base muito sólida, assente nos valores, na relação pessoal muito próxima e amiga, já praticada e aprofundada pelos nossos pais.
Vivemos momentos extraordinários no plano pessoal e familiar que ficarão registados para todo o sempre nas nossas memórias!
Ao lado de Rui Ladeira e Telmo Antunes num jantar com agricultores de Cambra
No plano associativo
Gostaria de destacar, aqui e agora, o início da minha relação associativa com a Carmo Bica!
Após concluir a minha formação em 1998, eu e Carmo tínhamos longas conversas e profundas reflexões sobre a nossa terra e as nossas áreas formativas.
Fui convidado pela Carmo a colocar em prática muitas dessas ideias, que defendíamos e que convergíamos, sempre com o foco de fortalecer o desenvolvimento rural local e melhorar o bem estar das nossas gentes. Portanto, aceitei o desafio e, em conjunto neste meio associativo, trabalhámos mais de 25 anos, sempre de forma sã, leal e firme!
Poderia hoje elencar dezenas de iniciativas, projetos nacionais e alguns internacionais, que ainda hoje têm um impacto fortíssimo em Vouzela e na região! Vou destacar apenas alguns deles, ligados ao início deste percurso conjunto e dos quais nutrimos sempre grande orgulho:
* Preparação e dinamização de várias edições da Feira de Lafões;
* Criação da secção Florestal da ADRL;
* Constituição da primeira equipa de sapadores florestais (sf 01-165), em 1999;
* Constituição da segunda equipa de sapadores florestais (sf 08-165), em 2001.
Com a confiança plena da Carmo Bica, iniciámos a preparação e criação da secção Florestal da ADRL, em 1999. Foram várias as frentes de trabalho nesta secção, mas a que teve e, ainda hoje tem, um impacto muito relevante no nosso território, foi a constituição das equipas de sapadores florestais. Nesse ano, no primeiro concurso nacional de equipas de sapadores (20), candidatámos a ADRL e Vouzela, com a primeira equipa a ser aprovada. Foi um marco importante e um orgulho enorme porque ficou o registo de ser a primeira das muitas centenas existentes hoje, em Portugal.
Em 2001, voltámos a candidatar-nos e também foi atribuída uma segunda equipa. Além dos postos de trabalho criados com as duas equipas, foi também fomentado uma dinâmica muito importante na economia local, de particular importância, tornando-se numa imprescindível resposta aos agricultores e aos proprietários. Foi e continua a ser determinante a resposta destas equipas na limpeza de matos e gestão florestal, bem como na vigilância e primeira intervenção nos fogos florestais.
Entre outros importantes atributos na sensibilização da nossa comunidade têm, ao longo destes anos, criado um percurso consistente de resposta, oportunidade e estabilidade no nosso território. Demos sempre muito mérito aos colaboradores que, diariamente, se entregaram a este projeto, ao longos destes 20 anos.
No plano institucional
Apesar de divergência no plano político partidário, houve quase sempre convergência entre nós nas questões estruturais de índole local. Fomos adversários em projetos políticos durante vários mandatos, onde desempenhámos funções autárquicas em áreas políticas diferentes, mas o respeito e o objetivo construtivo esteve sempre presente, com o foco de contribuir para o desenvolvimento da nossa terra. É certo que muitas das vezes falámos e decidimos a uma só voz!
Dou como exemplo: A luta pelo serviço de urgências!
A Carmo tinha muitas qualidades, em particular o humanismo, a sensibilidade e a determinação de defender sempre a sua terra e os seus concidadãos.
Partiu uma das minhas melhores amigas!
Aprendi muito com a Carmo… estou certo que consegui também granjear a sua consideração e confiança, disso são exemplos os muitos projetos que construímos e dinamizámos juntos, em mais de duas décadas.
Já tenho saudades das nossas conversas, dos momentos de boa disposição, das nossas reuniões.
Carmo, onde quer que estejas, tenho a dizer-te que estes últimos tempos têm sido muito difíceis! Mas, acredita que, a tua intensidade, os teus ensinamentos e vontade de criar, ajudar e fazer, ficaram marcados em mim, na minha e na tua família, nos nossos amigos.
Sei que o meu sentimento é partilhado pelos Vouzelenses, bem como pelas comunidades espalhadas pela nossa região de Lafões.
Em suma, o percurso de vida da Carmo Bica ficará perpetuado na nossa história, como um exemplo extraordinário de entrega à causa pública e ao associativismo.
Obrigado, querida Carmo Bica.
Catarina Martins
Carmo Bica, mulher de fibra
A aproximação da Carmo Bica ao Bloco deu-se pelas mãos de Miguel Portas, com um convite para integrar a lista às eleições europeias de 2004. Nessa altura, eu não era sequer militante do partido e só alguns anos mais tarde nos cruzámos. A sua dedicação total ao interior, ao combate ao despovoamento, à defesa da propriedade comunitária dos baldios, à organização associativa em torno do desenvolvimento rural na região de Lafões, era sobejamente reconhecida. Com a Carmo Bica como guia, visitei alguns dos melhores exemplos do trabalho comunitário em defesa do mundo rural.
Dezembro 2019 – Carmo Bica integra a delegação portuguesa ao VI Congresso da Esquerda Europeia, em Málaga
No Bloco, a participação da Carmo em vários órgãos concelhios e distritais, bem como na Mesa Nacional, órgão de direção, foi determinante na propositura e ação do partido em setores como o agrícola. A Carmo dinamizou o Grupo de Trabalho de Agricultura, Alimentação e Desenvolvimento Rural do Bloco de Esquerda e coordenou o Grupo de Trabalho de Agricultura do Partido da Esquerda Europeia. No âmbito do Parlamento Europeu, participou ativamente nas atividades do intergrupo dos Bens Comuns e coordenou vários encontros sobre economia social e terceiro setor promovidos pelo GUE-NGL.
O seu ativismo em defesa do mundo rural cruzou-se com inúmeras outras lutas, entre as quais as ambientalistas, como a luta pelo encerramento da central nuclear de Almaraz, e as feministas, com a defesa dos direitos das mulheres agricultoras e rurais. Uma mulher de fibra, que se entregava às causas, aguerrida, com uma energia contagiante e com uma capacidade de mobilização que fez, muitas vezes, toda a diferença. O seu desaparecimento, tão súbito e tão precoce, é ainda uma ferida aberta.
AGRADECIMENTO
A família da Maria do Carmo Bica agradece às várias equipas do Hospital de Santa Maria (Lisboa) o elevado nível dos cuidados prestados ao longo da grave doença que acabou por vitimar a nossa Carmo no passado dia 18 de Agosto.
Especial agradecimento à equipa coordenada pela Dr.ª Ana Rodrigues e a todos/as profissionais de saúde de Medicina 2, no pós-operatório, e de Medicina 1D nos últimos dias em que os cuidados e a atenção foram tão importantes.
À Dr.ª Idalina Rodrigues, médica anestesista, que manteve uma atenção permanente e um carinho humano inexcedíveis que nunca esqueceremos. Ainda bem que, particularmente nos momentos mais dramáticos e difíceis, podemos contar com um Serviço Nacional de Saúde público, universal e de qualidade que se esforça, apesar de todas as carências, por se humanizar.
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