Os “Assassinos” não são intelectualmente antepassados dos actuais extremistas muçulmanos…!
De um leitor assíduo dos meus artigos sobre a problemática muçulmana, recebi um comentário onde se referia serem naturalmente os “Assassinos” de outrora, os responsáveis pelo surto extremista que invadiu o mundo de Maomé. Tal não é correcto. Para se compreender o que se está a passar, com o extremismo religioso, será oportuno conhecer-se os diversos ingredientes que têm atiçado os comportamentos não democráticos nos nossos tempos.
Por vezes fazem-se acusações completamente despropositadas, responsabilizando pelo extremismo cego actual, a actuação no passado dos chamados “ASSASSINOS”. Nessa linha de ideias, raciocinou o meu caro leitor. Ora, antes de mais, direi que os “Assassinos” pertenciam a uma conhecida Ordem Muçulmana, tendo uma organização semelhante à Ordem do Templo Cristã. Tiveram uma grande influência política e religiosa no seio do Islão. Estavam ligados à seita dos Ismaelitas que se recusava a acreditar na morte de Ismael, sendo essa a forma habilidosa de se manterem afastados dos ditames doutrinais de Maomé, quer no campo político quer no campo religioso. Tinham uma organização e regras semelhantes à dos Templários, como já referi, obedecendo a uma hierarquia e a um Grão-Mestre. O seu líder mais famoso foi SINAN, o Velho da Montanha, Dedicavam-se igualmente à investigação e ao estudo das ideias de todos os povos e preocupavam-se com o aprofundar das doutrinas secretas que iam aparecendo. Usavam um manto branco com um crescente vermelho. Admiravam as façanhas e o comportamento dos heróis templários, sendo os seus melhores guerreiros, igualmente respeitados pelos cavaleiros do Templo. Muita coisa se diz levianamente sobre os “Assassinos”, levantando-se à toa ideias completamente erradas sobre essa Ordem de Cavalaria, que semelhantemente à actuação dos Templários, protegia os seus peregrinos. Referiam os inimigos e críticos da altura que ambas as Ordens, Muçulmana e Cristã, defendiam indiscriminadamente os peregrinos, fosse qual fosse o seu credo, sendo compensados monetariamente por esse serviço recíproco. Talvez simples especulações, todavia as duas Ordens mantinham ligações secretas, disso não restam dúvidas. Há uma gravura célebre de um cavaleiro templário e de um cavaleiro assassino, sentados à mesma mesa, a jogar uma partida de xadrez, para revelar que ambas as ordens mantinham contactos entre si e eram constituídas por gente culta dos dois lados, tendo, em muitos campos, ideias semelhantes. Não se sabe bem a origem do seu nome. Dizem alguns historiadores que o epíteto provém de “Haschichim”, que significa adeptos de haxixe, pois era sob o efeito da droga que esses cavaleiros muçulmanos entravam em combate. Nada me leva a pensar que tal seja correcto. Será muito mais plausível que o nome provenha, como muitos investigadores referem, da palavra “Assass”, que em árabe significa GUARDIÃO.
Acontece que novos acontecimentos vieram quebrar a coincidência de aspirações e de desejos de ambas as Ordens, bem como a sua própria sobrevivência. Tal aconteceu após convulsões violentas, originadas pelas más relações com os respectivos poderes temporais, que acabaram impiedosamente com as duas ordens de cavalaria.
Os Templários, no Séc. XIV, foram perseguidos por motivos económicos pelo Rei de França, Filipe o Belo, e pelos seus esbirros que pretendiam lançar mão do dinheiro templário, pensando erradamente estar entesourado debaixo das camas, nas sedes templárias ou noutro qualquer local !!!. Nessa caminhada implacável até à extinção da Ordem do Templo, o poder temporal francês da altura tentou matar o Papa Bonifácio VIII, e assassinou um outro, Bento XI, por envenenamento, além de ter sentenciado à morte na fogueira uma enorme quantidade de cavaleiros inocentes, depois de lhes infligir as maiores torturas, para lhes arrancar confissões de crimes inacreditáveis que não cometeram e que justificariam internacionalmente a perseguição feita pelos comezinhos e vis interesses económicos.
Anteriormente, no mundo muçulmano, no Séc. XII, passou-se o mesmo. Sempre tinha havido um permanente conflito doutrinário, no seio social da vida muçulmana, entre duas correntes sobre a posição do Homem perante os Textos Sagrados. A questão fundamental era a seguinte: – Devem os textos Sagrados ser interpretados à letra ou é possível fazer intervir a reflexão individual para encontrar significações alegóricas e acrescentar mais alguma coisa aos princípios religiosos, na busca da verdade?!!! Uma das facções, a SUNITA defendia que o Corão só permitia uma interpretação literal e que a reflexão e as lucubrações individuais deviam ser definitivamente proibidas e acabar, sob pena de desrespeito grave pela lei de Maomé. Era uma maneira cómoda de furtarem os seus governos às críticas dos governados. A outra facção, a CHIITA, aceitava que o Corão tolerava uma interpretação que o crente devia tentar descobrir com a ajuda de um guia culto, de um mestre sábio, sendo a literalidade destinada aos espíritos limitados e incultos que não conseguiam ultrapassara letra da lei. No fundo, como referi no trabalho da minha autoria, “O Drama Templário e a Influência da Ordem do Templo na vida espiritual e cultural portuguesas”, publicado em 2008, no livro “O Almofariz”, havia uma diferença abissal entre as duas correntes religiosas. Ou o Islão era uma ordem social, como pretendiam os chiitas, isto é defendiam a separação da Igreja e do Estado, ou estas duas vertentes sociais estavam intimamente ligadas e qualquer crítica à religião era severamente punida pois a Igreja e o Estado eram uma e a mesmíssima coisa. Os Sunitas acabaram por sair vencedores, bem como as suas teses religiosas dogmáticas. O livre pensamento e a reflexão individual passaram a ser uma heresia que era necessário debelar à força, custasse o que custasse. O Islão e a sua gente entraram em guerra fratricida em todos os cantos onde houvesse um discípulo de Maomé. Nesse debate armado, os Sunitas acabaram por vencer os Chiitas, matando tudo o que era intelectual e queimando tudo que era livro. A inteligência foi aprisionada dentro de cada ser pensante, aterrorizado pelo medo das perseguições. As razias eram permanentes e as bibliotecas foram incendiadas bem como os centros de cultura. A criatividade acabou por morrer abafada. Os sábios e os intelectuais procuraram outras paragens ou remeteram-se ao silêncio, para não serem passados a fio de espada. Como consequências das perseguições, após a facção chiita ter perdido a guerra e o mundo muçulmano ser governado por sunitas, mesmo contra a maioria chiita da colectividade, os “Assassinos”, com as suas tradicionais preocupações culturais, humanistas e religiosas, foram implacavelmente dizimados. O poder Sunita tratou de arranjar um exército acéfalo, constituído pelos mamelucos, escravos cristãos, retirados em criança aos pais e famílias, convertidos à força e que viviam permanentemente em exercícios militares, sendo a própria organização do exército a sua única família, pois mais nada conheciam além das camaratas e dos acampamentos castrenses. A maioria dos sultões, chefes sunitas de todas as potências do mundo do crescente, acabaram por ser antigos mamelucos que se revoltaram contra o poder constituído, entrando facilmente no exercício do extremismo devido à mentalidade incutida nos próprios elementos do exército e na população em geral. Todos tinham medo de pensar, pois o próprio pensamento os aterrorizava. Nesta ordem de ideias, foram queimadas, para purificação da sociedade muçulmana, as obras de centenas de autores, incluindo as publicações de Avicenas, médico ilustre, grande filósofo e matemático árabe, um dos homens mais notáveis do Oriente pela vastidão dos seus conhecimentos. Como podem compreender, no dealbar do Séc. XII, o Islão foi tragicamente marcado com um estigma negativo, envolvendo a sociedade no extremismo fundamentalista, que afecta os próprios árabes e, consequentemente, a Paz no mundo inteiro!!! Mas, os responsáveis não foram de modo algum os célebres “Assassinos”…!Meu caro Leitor, espero ter sido suficientemente esclarecedor.
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