Vasco Graça Moura, uma explosão intelectual permanente
Vasco Graça Moura, uma explosão intelectual permanente
Um Amigo com quem tive a honra de privar.
Vasco Graça Moura desapareceu fisicamente deste mundo, mas continuará eternamente na memória portuguesa. Muita coisa se disse e muitos elogios Lhe fizeram merecidamente, mesmo debitados por alguns que, na prosápia da sua falsa intelectualidade, quando era vivo só não o hostilizavam frontalmente por receio da sua capacidade dialéctica arrasadora
Na verdade, o grande intelectual do Porto, era um aristocrata no seu comportamento, sem medo de qualquer espécie de fantasmas sociais e absolutamente integrado na colectividade que o viu nascer.
Tinha um poder de comunicação enorme e sentia o pulsar das emoções nortenhas, respirando as lestadas vivificantes que, na Primavera, sopram junto à costa Oceânica e correm ligeiras pelas ribas do Douro, um verdadeiro bálsamo para as aspirações de Liberdade da Cidade de Santa Maria e um lenitivo para as permanentes angústias provocadas pela eterna centralização de que a província é vítima.
Muito com Ele convivi enquanto se manteve pelo Porto. Nos fins de semana, no sossego das casas de amigos comuns, aconteciam sempre reuniões de gente que gostava de se divertir e desabafar das agruras da vida, fazendo graça com as desgraças políticas com que os responsáveis nos mimoseavam.
Era um grupo numeroso e sempre com novos participantes. Entre Eles, eu e a minha Mulher, o Vasco e a simpática Nani, juntamente com os meus amigos de Coimbra, o escritor António Rebordão Navarro e a Virgínia, bem como o advogado e responsável político do P.S., José Luís Nunes, o Manuel Cabral e a Fernanda, o Mário e a Lena Rodrigues Coelho, o casal Sousa Lopes, o casal Vim Van Asch. Estes os nomes que recordo entre muitos outros. Nesses encontros, todos exerciam a sua Liberdade de Pensamento e de Expressão, sem qualquer limitação, acabando por criar uma tertúlia de pensamento crítica, que procurava manter o equilíbrio na agitação e até na insegurança política que se vivia. Ao fim da noite, o Vasco dizia versos e cantava, acompanhando-se à viola, ou acompanhando as minhas intervenções à guitarra. Ele era uma constante surpresa, com um sentido de humor fora de vulgar, desenhando lindamente e tomando apontamentos do que via não só fora de portas, como nos locais que frequentava. Tinha uma visão romântica da arte. Ainda hoje guardo a carta que me enviou para ser lida numa exposição de pintura, da minha autoria, no Porto, onde não teve possibilidade de comparecer. Recordava o bom costume do Século passado de o sexo feminino, nos seus diário, pintarem aguarelas ou coleccionarem desenhos para recordar o dia a dia. E não era só entre muros que manifestava as suas qualidades de homem superior que dizia o que pensava e que criticava quem quer que fosse. No mundo conturbado que se vivia, na génese democrática após 25 de Abril, intervinha publicamente sem qualquer assomo de temor. Recordo sempre um comício em que bradou perante milhares de ouvintes, “Morte ao MFA”, pois nunca engoliu o Pacto MFA-Partidos e sempre criticou e condenou publicamente a actuação inacreditável do Conselho da Revolução. As suas atitudes corajosas tiravam qualquer dúvida aos malabaristas da política, acerca da sua posição sobre problemas concretos. Estas suas qualidades permitiam que a nossa amizade fosse crescendo, mesmo perante conjecturas ideológicas que nos pudessem dividir.
Como eu, era favorável a uma chefia de Estado sensata, moderadora das forças políticas em presença, independente da vontade partidária e ao abrigo da qual todos os portugueses fossem realmente iguais e protegidos de possíveis prepotências de grupos políticos e económicos. Como eu, admirava as monarquias modernas em que a igualdade não é uma palavra vã e os políticos não são grupos rapaces que se locupletam com os bens públicos.
Como já referi, agora, muitos dos que contra ele murmuravam, passaram para a elegia da sua pessoa, tentando tirar algum proveito dessa atitude hipócrita.
O Vasco não precisa dos elogios de determinado tipo de gente. Na verdade, era um Homem do seu Povo que odiava gente falsa bem como falsos intelectuais. Sentia-se no seu meio tanto ao pé de uma regateira do Mercado da Ribeira ou do Bolhão como num sofisticado salão social. Nunca precisou de ser certificado por seitas ou grupos pouco claros. Não precisava de favores e das bênçãos de arranjistas que dominam, não raras vezes, a vida intelectual portuguesa. Era um Homem Inteiro, sem medo e a saber perfeitamente o que queria. Faz muita falta o seu contributo na sedimentação da evolução progressiva do saber, como Ele dizia, daquele saber em que se escora o progresso e começa a desenhar-se a dignidade da condição humana. Mas faz igualmente falta como cidadão corajoso que pretendia redimir a triste situação política que actualmente vivemos. Apesar de se perder nas suas preocupações intelectuais, tinha os pés bem assentes no chão. A sua passagem pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda, é a prova provada do seu espírito prático e de gestor eficiente do interesse público, dinamizando aquela instituição, colocando-a ao serviço da comunidade e criando um aparelho comercial o mais eficiente possível, para assim destruir os problemas provocados pelos maus resultados das suas anteriores gestões. A sua cruzada contra o Acordo Ortográfico foi paradigmática. Em sua homenagem todos os portugueses deviam exigir o fim desse inacreditável instrumento que contrariou a vontade da colectividade nacional e de todos os países de expressão portuguesa, gastando-se quantias incalculáveis para permitir que meia dúzia enriquecesse à custa dos trabalhos escusados de adaptação da maquinaria dos serviços públicos a tão hediondo Acordo. Se admiramos Vasco Graça Moura, não podemos permitir que continue a perdurar, no dia a dia, um autêntico atentado à Língua Portuguesa. Acabando com o Acordo, todos os que o homenageiam, estão a respeitar a memória de Vasco Graça Moura.
• António Moniz Palme
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Redação Gazeta da Beira
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