António Moniz de Palme (Ed. 823)

• António Moniz de Palme*

Edição 823 (17/03/2022)

João Correia de Oliveira, um ilustre sampedrense

Quando, na Região de Lafões, se fala dos Correia de Oliveira, vem logo à baila a figura majestosa e simpática do grande poeta António Correia de Oliveira, com a sua cabeleira branca, que povoou cada esquina da sua terra com a melancolia e a beleza dos seus versos. Quem é que não suspira com saudades do pátrio lar, dizendo baixinho “Olha o Vouga entre verduras, como vai devagarinho, parece que vai espantado por ver tão lindo caminho”. ? E, na verdade, a popularidade de António Correia de Oliveira, firmou-se com a simplicidade das suas rimas que entravam facilmente nos ouvidos do Povo, que tão bem as sentia e assumia como fazendo parte do seu ser. A sua “Ladainha”, bem como “As tentações de S. Frei Gil”, “Os Dizeres do Povo, “A Azinheira em Flor”  tiveram como consequência a monopolização pela sua pessoa do nome da Família. Tal ainda mais se agravou com a sua indicação para o Prémio Nobel da Literatura, em 1933. Porém, seu pai, o sampedrense José Gonçalo Correia de Oliveira, tinha vários filhos, além do poeta. Lembro-me bem da Srª D. Clotilde que dialogava vivamente com os passantes, com a sua linguagem fácil e colorida, do alto da sua janela, no último andar do edifício do cinema, agora chamado “Jaime Gralheiro”. Igualmente, recordo uma irmã do poeta, que vivia em, Viseu, a simpática Suzel Correia de Oliveira, funcionária pública, poetisa e intelectual que, no seu tempo, procurava animar o marasmo da vida cultural visiense. Recordo ainda uma visita feita com os meus Pais ao poeta, em Belinho, nas Antas, Esposende, a um bonito solar, propriedade da mulher de António Correia de Oliveira e onde este passava todo o seu tempo livre. Nunca me esqueço dessa visita, pois o poeta ofereceu-me o seu livro ”Redondilhas”, com a sua valiosa assinatura. E foi lá, nessa visita, que conheci um outro irmão do poeta, o escritor João Correia de Oliveira, igualmente seguidor da Escola Saudosista. Assinava os seus trabalhos como “João da Beira” e “ João do Norte”. Era mais novo que o seu irmão António. Nasceu em S. Pedro do Sul, em 1879 (ou em1 881, como já vi referido) e faleceu em Belinho, na casa do Irmão, em 1960. Actualmente, pouca gente o recorda e conhece a sua obra. Por esse motivo, não posso deixar de lembrar que foi um autor dramático. Igualmente, na sua prosa, elaborava múltiplas crónicas e trabalhos de ficcionista. Na primeira metade do Século XX, escreveu diversas peças, nomeadamente o drama rural “Os Lobos”, o drama histórico “Ribeirinha” e o drama psicológico “A Verdade”, em cuja encenação teve o apoio de Francisco Lage. Estas obras, segundo Luís Francisco Rebelo, correspondem às linhas dominantes da dramatologia nacional do pós guerra. Foi director da Biblioteca Superior de Alta Cultura fazendo, no desempenho das suas funções, obras de teor filosófico e histórico.

Perguntar-me-ão qual a razão porque fui agora relembrar este sampedrense ilustre da cultura portuguesa?!!! Na verdade, encontrei nos livros de estimação de meu Pai, uma rara publicação, da autoria de João Correia de Oliveira, que muito apreciei. Denomina-se “O Milagre da Serra”, peça de teatro que relata o ambiente político da primeira república, em que os responsáveis governamentais, no seu materialismo militantista, perseguiam descaradamente e de modo assanhado a Igreja e a religiosidade simples do povo. Este mistério em três actos, passado no interior do País, relata os acontecimentos que envolveram as aparições de Nossa Senhora de Fátima aos três Pastorinhos, Lúcia, Jacinta e Francisco. Numa primeira fase, fizeram lei as dúvidas da própria família ao milagre presenciado pelos inocentes pastores, secundadas pelo cepticismo dos responsáveis da Igreja. Posteriormente, a complexa situação criada pela agitação nascida na gente simples, provocou a feroz e desumana perseguição dos responsáveis políticos locais a três crianças de tenra idade!!!. Claro que havia um fiel da balança, que fez tender um dos pratos para um dos lados. A Verdade foi demonstrada pela simples razão dos factos anormais verificados terem sido presenciadas por centena e centenas de pessoas, incluindo um bufarinheiro, dado às blasfémias que as novas modas jacobinas da Primeira República faziam gala em difundir pela colectividade. Este Recoveiro era um símbolo de uma certa faceta do materialismo popular, personalidade que apenas pretendia ganhar o seu e tirar proveito das circunstâncias materiais existentes, estando arredio de tudo que fosse espiritual e relacionado com a Igreja . Ele levava consigo, para malbaratar por entre os simples, todas as bufarinhices da tentação e do pecado, objectos de negócio, na altura considerados pouco próprios com o recato de um cidadão respeitador dos sãos princípios morais e religiosos. E o milagre da Cova da Iria renovou e transformou o pensamento deste homem simples, símbolo da população descrente, que foi enredado pelos fios do sobrenatural em que se desenrola este drama e que se entrelaça na urdidura temporal de uma Pátria, como refere o autor.

E o entrechocar do Espírito Cristão e do Positivismo Anti-Religioso, assumido como projecto de acção política dos próceres republicanos, ficou bem patente nesta obra de João Correia de Oliveira, que caracterizou uma época de profundo conflito Espiritual e Cultural com que o nosso Povo teve que se debater, até tirar as sínteses lógicas de todos os interesses em jogo. No fundo, entre o materialismo nascente e em moda e o espiritualismo tradicional que sempre impulsionou a sociedade cristã onde vimos a luz do dia. Deste modo, João Correia de Oliveira veio trazer ao nosso conhecimento o drama das mudanças necessárias mas, muitas vezes demolidoras do equilíbrio e do bem estar pessoal da gente mais simples.

António Moniz Palme      2021



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