A lamentável e triste saga da divisão da C.P. e da criação da Refer (Continuação)
A lamentável e triste saga da divisão da C.P. e da criação da Refer (Continuação)
Na sequência de um artigo publicado na Gazeta da Beira edição de 21/03/2013
Como já referi, num artigo há tempos publicado na Gazeta da Beira, a comunidade portuguesa, na generalidade, não compreendeu a divisão feita nos caminhos de ferro nacionais, quando se provocou o nascimento da Refer das entranhas da C.P. Então, as críticas foram mais do que muitas, protestando-se pelo despautério que se passou a verificar em matéria de despesas e nas confusões criadas pela gestão duplicada, sobre as mesmas matérias, por parte de duas empresas escusadamente separadas. Na verdade, a decisão da divisão feita, nos Caminho de Ferro, foi simplesmente lamentável.
Nunca esquecerei as manobras havidas anteriormente. Quando foi resolvido que a C. P. seria dividida em duas empresas, como hipotética exigência dos princípios prescritos pela União Europeia, referiam candidamente que seria necessário dividir o orçamento da C.P. em Orçamento de Exploração e em Orçamento de Investimentos e, por essa razão, seria obrigatório dividir a empresa de transportes em duas diferentes unidades, uma de exploração ferroviária e uma outra gestora das instalações fixas, responsável pela sua manutenção e pelos investimentos. Este raciocínio era falacioso e absurdo para qualquer pessoa medianamente inteligente e culta. Mas as pessoas que pretendiam essa divisão de qualquer forma, tinham objectivos bem diferentes, pois certamente não era a obtenção da melhoria dos transportes ferroviários portugueses o seu desiderato.
Para dar uma aparência de democraticidade, perante os ferroviários e o público em geral, foi então marcada uma reunião para auscultação dos técnicos da empresa, reunião essa realizada na outra margem do Tejo, no Barreiro, lugar nunca utilizado para reuniões de chefias, mas fora de mão que bastasse para afastar a rapaziada da província, que assim via a sua presença dificultada. As reuniões de técnicos de todo o país eram sempre em Lisboa e, quando muito, no Entroncamento. E nessa reunião apenas foi comunicada a decisão que me pareceu já estar anteriormente cozinhada, sobre o desdobramento da C.P. em duas empresas, sem haver uma necessária votação dos presentes. Foi esta a pouco democrática origem da REFER.
Claro que a União Europeia não exigia a divisão da C.P. em duas empresas e apenas pretendia que não se delapidasse o dinheiro atribuído para investimentos, na exploração do dia a dia ferroviário. Isto é, para moralizar a gestão, teria que haver um Orçamento de Exploração independente do Orçamento de Investimentos. A criação de uma outra empresa era absolutamente desnecessária e iria, simplesmente, desencadear a duplicação irremediável das chefias e o catapultar dos gastos fixos de então para níveis altíssimos. Isso mesmo referi repetida e veementemente aos presentes, naquela estranha assembleia. Na altura, percebi perfeitamente que a maioria silenciosa concordava comigo, não abrindo a boca com medo de que as suas palavras fossem prejudicar a sua possível e desejada ascensão a um lugar mais bem remunerado na nova empresa, pois os novos lugares, como logicamente se previa, ir-se-iam multiplicar como os peixes, no milagre do Mar da Galileia.
Devo referir que, na altura, os ingleses iniciaram essa duplicação e logo se arrependeram. Os responsáveis franceses acharam por bem a duplicação das despesas, dos lugares de chefia e do aumento incontrolável das despesas fixas. Era um modo de satisfazer a clientela partidária. E seguiram o mesmo caminho desastroso que a ferrovia portuguesa. Claro que os alemães e outros países na mesma situação não foram nessa decisão disparatada, não interpretando à letra a Directiva 91/440/CEE da União Europeia e, muito simplesmente, limitando-se a criar orçamentos estanques que não permitissem a utilização dos fundos para investimentos nas despesas de exploração.
Enfim, em Portugal, o mal estava feito e consolidado de pedra e cal, com a clonagem escusada de uma linha hierárquica na nova empresa Refer, com o dispêndio na organização de serviços iguais aos já existentes e o favorecimento de actos de gestão que, no campo ferroviário, se atropelavam ou criavam situações omissas por conflitos negativos de competência.
Quando levantei tal problema e referi a situação caótica que se vivia, resolveram o problema nomeando os administradores da C.P. conselheiros da Refer e vice-versa!!!. Além da duplicação das linhas hierárquicas, foi criada ainda a situação caricata de administradores de cada um destas empresas nomeados conselheiros da outra, com os vencimentos respectivos. Como as coisas funcionavam vergonhosamente mal, resolveu-se o problema, ainda com mais gastos. Enfim, uma bandalheira. Se isto não é uma descarada pouca vergonha, vou ali e já venho.
As coisas estão mal, mas em Portugal nunca se emenda a mão aos disparates políticos levados a cabo. Nos outros países da comunidade, ainda não é bem assim. Sempre vai havendo arrependimento e a tentativa de corrigir actuações políticas anteriores.
Na verdade, os caminhos de ferro franceses, SNCF, que tomaram a mesma errada decisão que a C.P., vão voltar a ser responsáveis pela gestão de todas as infra-estruturas ferroviárias, tendo o Parlamento Francês já aprovado uma reforma do sector, integrando a criada RFF, correspondente à nossa Refer, na SNCF.
Pois então. Demorou tempo, mas a sensatez gaulesa acabou por submergir à tona de água!!!
Com esta reforma, o governo francês acabou com uma separação que considerava completamente inútil, pretendendo aumentar a eficiência, diminuir as despesas e aumentar os lucros.
Cá em Portugal, “tudo como dantes, Quartel General em Abrantes”. O mal é que ninguém é julgado por este género de manobras políticas que dão cabo do país. Pelo contrário, continua a correr bem a vida aos autores destas tropelias, mudando apenas de cenário político e de administração de Empresa do Estado, com a facilidade de quem muda de camisa, para camuflar a situação. O chamado “sistema do baralha e torna a dar”. E o mexilhão é que paga, já se vê…!
• António Moniz Palme 2014
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Redação Gazeta da Beira
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