Norberto Gomes da Costa

A Imprensa Regional de Lafões na 1ª República

A Imprensa Regional de Lafões na 1ª República

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O Vale do Vouga e a estrada de Reriz

 

 

• Norberto Gomes da Costa (norberto.g.costa@sapo.pt)
Crónica 12/06/2014 (Ed. 656)

 

Numa altura de notório enfraquecimento do regime republicano, com as finanças exauridas de recursos financeiros, a poucos anos do golpe mortal na sua existência, em 1926, vislumbrar-se a possibilidade de uma obra importantíssima para as populações dos Vales do Sul e Paiva explica, na sua totalidade, o entusiasmo do articulista ao trazer para a primeira página do semanário O Vale do Vouga a notícia  por  que muita gente ambicionava.

O anúncio da preliminar dotação orçamental para o estudo do projecto da estrada que liga as povoações de Sul a Reriz – que se traduziu em alegria e satisfação das gentes que habitavam as encostas do maciço da Arada e as localidades junto aos referidos rios, sentindo chegar o fim do isolamento e o benefício da facilidade das trocas comerciais dos seus principais produtos da terra, mas também a chegada de turistas e a consequente movimentação de pessoas e bens – significava, sem dúvida, o início de um lindo sonho para as sacrificadas pessoas desta parte dos concelhos de Castro Daire e S. Pedro do Sul.

Pelo que se pode ler no artigo do jornal de Xavier da Fonseca, a referida estrada é a que parte de Sul, seguindo por Adopisco, Amoreira e Ervilhal, passa na Cruz do Braceiro em direção a Covelinhas e Grijó até junto do rio Paiva, em Reriz.

A concretização do projecto, na totalidade do percurso, acabou por demorar muitos anos, tendo vindo a verificar-se por volta de meados do século XX, em pleno Estado Novo, o que não é de estranhar, dado o curto interim que mediou entre este anúncio e o golpe de Estado de 28 de Maio de 1926, que pôs fim à Primeira República. De qualquer modo, ter-se iniciado nesta data o processo desta tão importante via de comunicação era motivo de orgulho para os indefectíveis republicanos da região e do próprio jornal que estou a citar.

Podia ler-se então no periódico, em 18 de Maio de 1922, num artigo intitulado “ESTRADA DE RERIZ”: “Pelo primeiro número de “O Vale do Vouga” soube-se aqui que fôra feita a dotação para o estudo da estrada de Sul a Rèriz. Foi grande a satisfação com que se recebeu a notícia e no semblante de todos transparecia a gratidão ao dedicado amigo da nossa terra, estrenuo protector de Lafões, sr. Bartolomeu Severino que, para o engrandecimento da Beira e prosperidade da Nação, com felicidade, soubemos ter a honra de fazer como digno representante no Congresso da República.

É, sem duvida, esta estrada um dos grandes melhoramentos de que esta região precisa, para que, pelo acidentado do seu terreno, deficiencia de bons caminhos e altitude da linha divisória dos dois ricos, lindos e importantes vales do Vouga e do Paiva, só dificilmente a sua necessária e imperiosa comunicação se faz.

Com ela, se facilita a saída dos nossos vinhos para os povos que se espalham pela serra e exploradores mineiros e a entrada do bom azeite do Vale do Paiva nestes lugares em que a produção não chega para o consumo……”

E mais à frente: ”……A projectada  estrada de Sul a Rèriz póde, pois, ser tambem considerada de turismo, ao mesmo tempo que beneficia importantes povoações, abrindo-lhes caminho franco aos seus negócios, facilitando e estreitando as suas relações agrícolas, comerciais e industriais, relações de solidariedade, amizade e de actividade produtiva, estimulando energias ainda inactivas pelo entaipamento natural duma população trabalhadora, que uma boa intenção da natureza distribuiu pelas encostas de pequenos montes, abrigando-a do sempre desagradável Bóreas, pelo elevado monte de S. Macário e seus prolongamentos.

Sem melindrar a natureza, nem ser-lhe ingrato neste beneficio que faz de Aldeia, Leirados, Outeiro e Ervilhal as terras favorecidas da melhor laranja, nós podemos e devemos transpor essa barreira que nos afaga dos ventos do norte e ir trocar com os nossos vizinhos das margens do Paiva, uns centos da nossas famosas laranjas por alguns quilos de peixe do seu rio, de que são mimosos……”

E termina com um veemente apelo às populações: “….. A empresa não é das mais dispendiosas nem das mais difíceis; no entanto carece da vossa boa vontade. Tendes entre vós, dois dedicados amigos da vossa terra, bem capases do seu empreendimento. São eles os ex.mos srs. João Gomes Miranda e o seu bom amigo, sr. Bartolomeu Severino que, para tal fim, já iniciou os seus valiosos trabalhos, conseguindo dotação para o estudo da referida almejada e indispensavel estrada. Uni-vos, pois, a eles em espirito e pensamento, dando-lhes apoio e auxilio, precisos para poderem levar a cabo tão grata e patriótica empresa. Que não haja desfalecimentos, eis os nossos ardentes votos.”

A importância desta nova via de comunicação, que ligava os dois férteis Vales, entre o concelho de S. Pedro do Sul e o de Castro Daire, está bem patente no entusiasmo, ou mesmo euforia, com que o articulista enquadra a forte possibilidade desta obra se vir a realizar, com todas as vantagens e benefícios aportados às populações locais e à própria região.

Em tempos de penúria e miséria inerentes à pobre agricultura de subsistência da zona, os habitantes das localidades tocadas pela nova estrada iriam ter uma oportunidade de sair do ancestral isolamento a que estavam condenados e que lhes tolhia os necessários movimentos para a sua vida pessoal e para o funcionamento das pequenas e indispensáveis economias locais.

Agora, um aparte: trocar vinho por azeite “vá que não vá”, mas laranjas de Leirados por bogas do rio Paiva era, não só imaginativo, como também, e sobretudo, um bom negócio…….para os locais dessa simpática aldeia da freguesia de Sul.

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