A. Moniz de Palme (Ed.670)

A Famigerada Lei do Indigenato – 2ª Parte

ed670_AdrianoMoreiraConvém fazer uma pequena explicação aos leitores sobre as questões levantadas pela Lei do Indigenato e sobre a Política de Assimilação levada a cabo

As autoridades portuguesas pretenderam, nos últimos tempos da monarquia e no tempo da governação republicana de Norton de Matos, criar um sistema específico para cada território, no qual as instituições sociais e familiares indígenas seriam reconhecidas, bem como reconhecida seria a autoridade e o prestígio dos seus chefes tradicionais, através da concessão de um maior leque de competências e da atribuição do necessário poder que garantisse aos locais a relevância jurídica das suas leis consuetudinárias, não só perante os mesmos mas, igualmente, perante as autoridades e perante todas as instituições portuguesas.

Mas tal nunca foi concretizado pelas administrações da Primeira República e da República do Estado Novo e esse ideário caiu em desuso, perante a discordância dos que conheciam bem África. Em substituição dessa política da criação das leis orgânicas para cada território, adaptada às condições locais e culturais, ingènuamente, estabeleceu-se a Lei do Indigenato e a concretização de uma Política de Assimilação.

O desconhecimento da problemática concreta ultramarina, facilitou esta decisão demagógica, tendo havido um comportamento do poder legislativo nacional, como se os destinatários das leis gerais, tanto europeus como africanos, fossem todos iguais, exactamente com os mesmos valores, numa perspectiva europeia.

Salazar, um grande governante, diga-se de passagem, nunca foi a África. Conhecia a mesma de ouvir falar e do que os políticos lhe diziam. Vai daí, foi decidido que todos os africanos eram considerados indígenas, isto é, tinham os seus costumes nas relações entre si, mas os seus costumes e tradições não eram reconhecidos pela lei geral portuguesa. E, para cúmulo, os próprios casamentos indígenas, feitos à sombra dos seus costumes, tinham que ser autorizados pela administração, para poderem ser reconhecidos na sua própria tribo, o mesmo se passando com os contratos de compra e venda celebrados à sombra do seu direito consuetudinário, pois pelas leis gerais do país, nem com essas autorizações locais eram reconhecidos. Um espanto, diremos nós   ! E, para se deslocarem para fora da sua terra, tinham que se fazer acompanhar por uma caderneta onde figuravam os seus dados pessoais, a fim de serem controlados geograficamente pelas autoridades portuguesas. Ora, para resolver tal problema nas relações e problemas entre indígenas e europeus, em vez de ser dada força de lei aos seus costumes e actos praticados à sua sombra, estabeleceu-se a Assimilação, dizendo-se que com esse acto todos seriam iguais perante a o ordenamento jurídico do País. Mas, na verdade, na prática, a Lei Geral, só podia ser aplicada aos Assimilados, pequeníssima parcela da população de cada território, que ainda por cima acedia a tal situação por um acto completamente discricionário da administração, não através do preenchimento de condições objectivas previstas legalmente, mas simplesmente a olho…! O resto da população, que se regia pelos seus costumes, continuava a não ver reconhecidos os actos por si praticados à sombra das suas leis costumeiras e a ser tutelado pela administração para finalidades, por vezes, nada protectoras, antes muito pelo contrário…!

Ora, foi essa Lei do Indigenato que foi revogada por Adriano Moreira, num ápice, e que, num ápice, provocou a sua queda política, para desespero de todos que tinham visto renascer a esperança no futuro português e na pacificação das parcelas lusas espalhadas pelos diversos cantos do Mundo.

Na nossa frustração, restava ler avidamente as Lições de Política Ultramarina, de Adriano Moreira, publicadas pela Junta de Investigação do Ultramar, obra que continua a ser de interesse actual e que devia ser estudada por todos sem excepção. Entretanto, a Segunda República caiu com as consequências funestas que todos conhecemos, para todos os que faziam dos territórios ultramarinos a sua pátria, quer tivessem origem europeia, quer tivessem origem africana, apesar da independência amarga que lograram.

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Redação Gazeta da Beira