A. Moniz Palme (Ed.698)

Beatriz da Silva, uma Santa bem Portuguesa – 1ª Parte

698_AMonizPalme_01-santa-beatriz-da-silva

Através de emails, do “facebook” e até em conversas com investigadores da história da Igreja e estudiosos da hagiografia religiosa, fico surpreendido com a popularidade de uma das Santas Portuguesas mais antigas, a Santa Beatriz da Silva. Contudo, a popularidade é inversamente proporcional ao conhecimento tido sobre a vida desta Santa e sobre o essencial da sua Personalidade… Absolutamente inacreditável o que se passa, direi!!!. Para cúmulo, uma colectânea denominada “O Grande Livro dos Santos”, publicada em 2012, lamentavelmente nada diz sobre esta Santa.

Quem era então Beatriz da Silva?. Nascida em 1424, em Campo Maior, era filha de D. Isabel de Menezes, Condessa de Portalegre, e de D. Rui Gomes da Silva, alcaide-mor de Campo Maior e escudeiro do Rei D. Duarte, filho de El-Rei D. João I, o Mestre de Aviz. Como acontecia a muitas jovens daquele tempo, foi escolhida para aia de uma das infantas portuguesas, a Infanta D. Isabel, filha de um dos príncipes da Ínclita Geração, D. João, e de sua mulher e sobrinha, D. Isabel, filha de D. Afonso, filho natural de D. João I, e de D. Beatriz Pereira Alvim, filha de D. Nuno Álvares Pereira. Penso que com estes elementos já muita coisa se poderá compreender sobre esta Santa, cuja vida é demasiado desconhecida do público em geral.

Acontece que a Infanta Portuguesa, de quem D. Beatriz da Silva era aia, foi dada em casamento ao Rei de Castela, D. Juan II. Muito naturalmente, a aia acompanhou a sua ama na ida para o reino vizinho. Esclareço que este monarca tinha casado pela primeira vez, em 1420, com a princesa Maria, do Reino de Aragão, de quem teve descendência, sendo um dos descendentes D. Henrique, que lhe sucedeu no trono. Apesar de tal e dos seus quarenta e dois anos, não suportando a viuvez, resolveu casar novamente com a princesa portuguesa, D. Isabel, mais nova 23 anos, e de quem teve os filhos Isabel e Afonso. Esta filha Isabel, mais tarde, após o falecimento do meio irmão Henrique e do irmão Afonso, subirá ao trono de Castela, ficando conhecida por Isabel a Católica, casada com Fernando de Aragão.

Composto o cenário familiar e social da nossa Santa Beatriz da Silva, passemos a fazer a sua pessoal apresentação. Se a portuguesa Isabel, nova rainha de Castela, tinha uma personalidade vincada, influenciando a actuação do rei seu marido, permanentemente desinteressado dos negócios do reino e, por temperamento, com muito pouca iniciativa, a sua aia D. Beatriz em sensatez, preparação cultural e visão política não lhe ficava nada atrás. Todavia, tinha contra si um grave senão. Era de uma beleza fora de vulgar. Repito o que proclamavam os seus coevos: “era graciosa donzela que excedia todas em formosura e gentileza”. Com este panorama, claro que as mulheres tinham inveja da sua pessoa e os homens ficaram doidos com a aia da Rainha. Em breve, tinha um séquito de pretendentes à sua mão, que D. Beatriz afastava, defendendo intransigentemente as suas aspirações místicas e contemplativas, completamente divorciadas da vida mundana. Mas, irremediavelmente, a sua beleza deslumbrante transformava a sua figura num centro de atenções. Por esse motivo, procurava sempre andar com o rosto meio encoberto, para passar despercebida e evitar a inveja das outras cortesãs e até da própria rainha que achava que o senhor seu esposo se perdia por conversar e pedir conselhos à sua aia. Ainda por cima, os tempos eram conturbados e nada dados à reflexão pois, na altura, quem dominava a vida política castelhana era o condestável Álvaro de Luna, que tinha grande influência no rei e, consequentemente, usufruía de poderes ilimitados, tudo fazendo à sua inteira vontade, não ouvindo ninguém nem sendo coibido na sua governação pelos próprios usos e costumes. Na verdade, geria a vida política sem qualquer respeito pela ordem vigente, nas barbas do rei e dos homens ilustres de Castela, tendo contra si a má vontade visível da população, sem que ninguém lhe fosse à mão. …A não ser a Rainha…! Na verdade, D. Isabel fazia uma guerra surda ao condestável, responsabilizando o ministro do marido pela impopularidade do poder e pelo clima de intriga que se vivia na corte e nos meios responsáveis pela governação. Com o seu comportamento firme, acabou por ter o apoio popular e por ultrapassar o poder de Álvaro de Luna, conseguindo afastar personagem tão importante da política castelhana!!!. Álvaro de Luna foi destituído, sem apelo nem agravo, preso por traição e, após um julgamento de rectidão talvez duvidosa, mesmo na perspectiva dos valores de então, acabou por ser decapitado na praça pública. Isabel, a rainha de origem portuguesa, foi a grande vencedora deste duelo político, mas a sua saúde mental, que não era já famosa, agravou-se significativamente. Aliás, os sintomas de loucura já de há muito se iam revelando em algumas das suas atitudes. Porém, posteriormente, o abalo sofrido pelo falecimento do marido acabou por a atirar para um estado de desequilíbrio permanente. Corria que Santa Beatriz de há tempos atrás vinha sentindo fortemente os efeitos dos sintomas de demência progressiva da sua ama e os consequentes ciúmes doentios que a sua beleza provocava. E o clima de inveja atingiu o clímax, quando um pintor rogou permissão para a aia da Rainha servir de modelo para a execução do retrato da Virgem Maria. Como já disse, todos os homens ficavam deslumbrados com a beleza serena da aia da rainha, apesar de D. Beatriz gastar o seu tempo nas devoções a S. Francisco e a Nossa Senhora da Conceição. Entretanto, o estado mental da Rainha começou a agravar-se com o nascimento da sua filha Isabel. Mais tarde, correu, nos “mentideros” sociais, que a rainha, cheia de ciúmes perante o respeito devotado pelo Rei à sua aia, acabou por a mandar encerrar dentro de um baú, guardado nuns aposentos onde ninguém teria acesso e onde a pobre infeliz fatalmente acabaria por morrer sufocada. Porém, o homem põe e Deus dispõe. Apareceu, na Corte Castelhana, um tio de D. Beatriz, o português D. João de Menezes, para a visitar e lhe trazer pessoalmente a triste notícia do falecimento do pai. Perante esta inesperada visita, a Rainha mandou rapidamente abrir o baú. Afinal, apesar dos dias decorridos, Beatriz estava fresca como uma alface, viva e bem viva e, se possível, ainda mais bonita. Revelou que lhe tinha aparecido a Virgem Maria, comunicando-lhe que não a deixava morrer, mas que lhe outorgava a missão de fundar uma ordem religiosa dedicada à Imaculada Conceição. Apesar de ter perdoado à sua ama o mal que lhe fizera, Santa Beatriz exigiu retirar-se da Corte.

————————————————————————————————

Mais artigos

60º Aniversário da Casa da Beira Alta do Porto
A inoportunidade de certos feriados
• Como a errada filosofia que informa a União Europeia parece ser a mesma que fundamenta o exercício político de Deng Xiao Ping!!!
O Homem está a cometer um suicídio a curto prazo, se continuar a não respeitar a Irmã Natureza. – 1ª Parte
A atracção de África e o espírito lafonense
Tenebrosos sonhos ditatoriais da tenebrosa república que temos
Lagarteira, um antigo solar das Terras Lafonenses que faz parte do seu roteiro romântico
O Património e a História local pertencem à colectividade
Tentação de Desertar, maleita que começou a contaminar muito boa gente
A Grécia, a fundadora da Democracia, e a distorção nesta feita pelos organismos europeus e partidos políticos caseiros
António Rebordão Navarro, o poeta e escritor dos tristemente abandonados dentro de si mesmo, e dos marginalizados pela sociedade
Tios, Tiozinhos e Comp. Lda.
O miserável saque de bens portugueses feito pelas tropas napoleónicas, chefiadas por Junot, e o comportamento corajoso do Poeta e Escritor Vasco Graça Moura. – 4ªparte
A lenda e o espólio da campanha – 3ªParte
O rapinanço dos bens portugueses pelas tropas napoleónicas a pretexto da Guerra Peninsular  (Parte 1 e 2)
A Revoltante indiferença internacional perante o que se passa na Nigéria- 3º Parte
E agora como remendar a actual situação? Terá chegado a eliminação física dos matadores dos jornalistas ?- 2ª Parte
Charlie ou Malhas que o diabo tece- 1ª Parte
A Famigerada Lei do Indigenato – 2ª Parte
Um Grande Senhor do Panorama Político Português – 1ª Parte
Francisco Sousa Tavares e Sophia Mello Breyner Andersen (1ª parte)
Orlando Carvalhas, um dos Gémeos de Ouro da minha juventude
A lamentável e triste saga da divisão da C.P. e da criação da Refer (Continuação)
Um Vice-rei do Norte, campeão da liberdade democrática
A lamentável e triste saga da divisão da C.P. e da criação da Refer (Continuação)
A Centenária Primeira Grande Guerra já estará esquecida pelos portugueses?
Dia Um de Novembro, Dia de Todos os Santos e o Culto dos Mortos – 2ª Parte
Um Regresso Imaginário que se transformou numa real e concreta Revisitação
Cemitérios e a sua imprescindível faceta social – 1ª parte
Vasco Graça Moura, uma explosão intelectual permanente
A defesa dos interesses portugueses, através da comunicação social – 3ª parte
Lançamento de um bom livro, que veio certificar o alto nível intelectual do seu autor
Amêijoas à portuguesa fora de portas – 2ª parte
Quando fora do território nacional vemos a influência da nossa história e da nossa gente, sentimos um profundo e legítimo orgulho – 1ª parte
A maldita influência da Moda Política praticada além fronteiras
Somos sempre uns eternos pacóvios perante o que vem lá de fora, mesmo que nos prejudique gravemente…! (2)
E como não podia deixar de ser, um toque refinado pseudo francês (5)
As Morcelas e demais Enchidos e a nossa Beira (4)
Novo cenário para esta tragicomédia, com artistas bem do nosso agrado: Os enchidos (3)
Os preliminares da “Matação” e a parte social desta função (2)
O Porquinho caseiro faz parte da família (1)
O espírito do mal em luta contra os Valores Fundamentais
O futuro das nossas Reformas e Pensões e as dúvidas sobre a sustentabilidade da Segurança Social. Quem é responsável pela actual situação?
A maldita influência da Moda Política praticada além fronteiras  (parte 1)
As frustrações do dia a dia e a violência desportiva

Redação Gazeta da Beira