Beatriz da Silva, uma Santa bem Portuguesa – 1ª Parte
Através de emails, do “facebook” e até em conversas com investigadores da história da Igreja e estudiosos da hagiografia religiosa, fico surpreendido com a popularidade de uma das Santas Portuguesas mais antigas, a Santa Beatriz da Silva. Contudo, a popularidade é inversamente proporcional ao conhecimento tido sobre a vida desta Santa e sobre o essencial da sua Personalidade… Absolutamente inacreditável o que se passa, direi!!!. Para cúmulo, uma colectânea denominada “O Grande Livro dos Santos”, publicada em 2012, lamentavelmente nada diz sobre esta Santa.
Quem era então Beatriz da Silva?. Nascida em 1424, em Campo Maior, era filha de D. Isabel de Menezes, Condessa de Portalegre, e de D. Rui Gomes da Silva, alcaide-mor de Campo Maior e escudeiro do Rei D. Duarte, filho de El-Rei D. João I, o Mestre de Aviz. Como acontecia a muitas jovens daquele tempo, foi escolhida para aia de uma das infantas portuguesas, a Infanta D. Isabel, filha de um dos príncipes da Ínclita Geração, D. João, e de sua mulher e sobrinha, D. Isabel, filha de D. Afonso, filho natural de D. João I, e de D. Beatriz Pereira Alvim, filha de D. Nuno Álvares Pereira. Penso que com estes elementos já muita coisa se poderá compreender sobre esta Santa, cuja vida é demasiado desconhecida do público em geral.
Acontece que a Infanta Portuguesa, de quem D. Beatriz da Silva era aia, foi dada em casamento ao Rei de Castela, D. Juan II. Muito naturalmente, a aia acompanhou a sua ama na ida para o reino vizinho. Esclareço que este monarca tinha casado pela primeira vez, em 1420, com a princesa Maria, do Reino de Aragão, de quem teve descendência, sendo um dos descendentes D. Henrique, que lhe sucedeu no trono. Apesar de tal e dos seus quarenta e dois anos, não suportando a viuvez, resolveu casar novamente com a princesa portuguesa, D. Isabel, mais nova 23 anos, e de quem teve os filhos Isabel e Afonso. Esta filha Isabel, mais tarde, após o falecimento do meio irmão Henrique e do irmão Afonso, subirá ao trono de Castela, ficando conhecida por Isabel a Católica, casada com Fernando de Aragão.
Composto o cenário familiar e social da nossa Santa Beatriz da Silva, passemos a fazer a sua pessoal apresentação. Se a portuguesa Isabel, nova rainha de Castela, tinha uma personalidade vincada, influenciando a actuação do rei seu marido, permanentemente desinteressado dos negócios do reino e, por temperamento, com muito pouca iniciativa, a sua aia D. Beatriz em sensatez, preparação cultural e visão política não lhe ficava nada atrás. Todavia, tinha contra si um grave senão. Era de uma beleza fora de vulgar. Repito o que proclamavam os seus coevos: “era graciosa donzela que excedia todas em formosura e gentileza”. Com este panorama, claro que as mulheres tinham inveja da sua pessoa e os homens ficaram doidos com a aia da Rainha. Em breve, tinha um séquito de pretendentes à sua mão, que D. Beatriz afastava, defendendo intransigentemente as suas aspirações místicas e contemplativas, completamente divorciadas da vida mundana. Mas, irremediavelmente, a sua beleza deslumbrante transformava a sua figura num centro de atenções. Por esse motivo, procurava sempre andar com o rosto meio encoberto, para passar despercebida e evitar a inveja das outras cortesãs e até da própria rainha que achava que o senhor seu esposo se perdia por conversar e pedir conselhos à sua aia. Ainda por cima, os tempos eram conturbados e nada dados à reflexão pois, na altura, quem dominava a vida política castelhana era o condestável Álvaro de Luna, que tinha grande influência no rei e, consequentemente, usufruía de poderes ilimitados, tudo fazendo à sua inteira vontade, não ouvindo ninguém nem sendo coibido na sua governação pelos próprios usos e costumes. Na verdade, geria a vida política sem qualquer respeito pela ordem vigente, nas barbas do rei e dos homens ilustres de Castela, tendo contra si a má vontade visível da população, sem que ninguém lhe fosse à mão. …A não ser a Rainha…! Na verdade, D. Isabel fazia uma guerra surda ao condestável, responsabilizando o ministro do marido pela impopularidade do poder e pelo clima de intriga que se vivia na corte e nos meios responsáveis pela governação. Com o seu comportamento firme, acabou por ter o apoio popular e por ultrapassar o poder de Álvaro de Luna, conseguindo afastar personagem tão importante da política castelhana!!!. Álvaro de Luna foi destituído, sem apelo nem agravo, preso por traição e, após um julgamento de rectidão talvez duvidosa, mesmo na perspectiva dos valores de então, acabou por ser decapitado na praça pública. Isabel, a rainha de origem portuguesa, foi a grande vencedora deste duelo político, mas a sua saúde mental, que não era já famosa, agravou-se significativamente. Aliás, os sintomas de loucura já de há muito se iam revelando em algumas das suas atitudes. Porém, posteriormente, o abalo sofrido pelo falecimento do marido acabou por a atirar para um estado de desequilíbrio permanente. Corria que Santa Beatriz de há tempos atrás vinha sentindo fortemente os efeitos dos sintomas de demência progressiva da sua ama e os consequentes ciúmes doentios que a sua beleza provocava. E o clima de inveja atingiu o clímax, quando um pintor rogou permissão para a aia da Rainha servir de modelo para a execução do retrato da Virgem Maria. Como já disse, todos os homens ficavam deslumbrados com a beleza serena da aia da rainha, apesar de D. Beatriz gastar o seu tempo nas devoções a S. Francisco e a Nossa Senhora da Conceição. Entretanto, o estado mental da Rainha começou a agravar-se com o nascimento da sua filha Isabel. Mais tarde, correu, nos “mentideros” sociais, que a rainha, cheia de ciúmes perante o respeito devotado pelo Rei à sua aia, acabou por a mandar encerrar dentro de um baú, guardado nuns aposentos onde ninguém teria acesso e onde a pobre infeliz fatalmente acabaria por morrer sufocada. Porém, o homem põe e Deus dispõe. Apareceu, na Corte Castelhana, um tio de D. Beatriz, o português D. João de Menezes, para a visitar e lhe trazer pessoalmente a triste notícia do falecimento do pai. Perante esta inesperada visita, a Rainha mandou rapidamente abrir o baú. Afinal, apesar dos dias decorridos, Beatriz estava fresca como uma alface, viva e bem viva e, se possível, ainda mais bonita. Revelou que lhe tinha aparecido a Virgem Maria, comunicando-lhe que não a deixava morrer, mas que lhe outorgava a missão de fundar uma ordem religiosa dedicada à Imaculada Conceição. Apesar de ter perdoado à sua ama o mal que lhe fizera, Santa Beatriz exigiu retirar-se da Corte.
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Redação Gazeta da Beira
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