A. Moniz de Palme (Ed. 659)

A Centenária Primeira Grande Guerra já estará esquecida pelos portugueses?

O equilíbrio existente entre as gigantescas triplas Alianças, existentes na Europa, no princípio do Século passado, Alemanha, Império Austro-Húngaro e Itália, por um lado, e França, Grã Bretanha e Rússia, por outro, era mais do que precário, exactamente igual à segurança dos artistas de circo que nos deliciam com passos arriscado, com uma sombrinha na mão, a dançar na corda bamba, como ouvia dizer em Lafões. Claro que à mínima corrente de ar estaria o “Caldo Entornado”, o que em matéria de política aconteceria a qualquer pretexto. Mas as motivações de ruptura apareceram prontamente, sem ser pedida autorização a qualquer das partes. O Arquiduque Francisco Fernando da Áustria, monarca sensato e amado pelo seu povo, foi assassinado em Seravejo, em 28 de Junho de 1914. Como é óbvio, este acontecimento, agravado pelo desejo de expansão territorial dos Sérvios e a responsabilidade territorial por este crime perpetrado na pessoa de um chefe de estado, bem como o desrespeito da Alemanha pela neutralidade da Bélgica, foram a causa próxima do início da Primeira Grande Guerra Mundial.

Os alemães invadiram a França, como todos sabemos. A estratégia defensiva do general Joffre, bem ao contrário do que os franceses pensavam, não parou a invasão, e o comando aliado, foi passando de mão em mão, através das chefias sucessivas de Nivelle, de Petain, acabando por o comando unificado das tropas em campanha ser assumido pelo Marechal Foch..

Em Portugal, viviam-se os tempos complicados da Primeira Republica, onde ninguém se entendia, com levantamentos revolucionários permanentes. A carbonária, braço armado da maçonaria, sequestrava, intimidava, assassinava, deitava bombas e ninguém lhe ia à mão, pois os responsáveis da altura faziam vista grossa às atrocidades que eram cometidas. Na verdade, aquele era um modo prático de limpar o sarampo aos inimigos políticos..!

Tínhamos um exército mal armado, mal fardado e mal preparado que os políticos assim queriam manter, com medo que os Quartéis interviessem na vida pública portuguesa. Mas, apesar da situação miserável das nossas forças armadas, muita gente que mexia os cordelinhos da política, pretendia que Portugal entrasse na guerra, para conseguirem o apoio dos Aliados ao sistema republicano saído da revolução do 5 de Outubro e para iniciar uma série de negociatas decorrentes da entrada na guerra e que iria encher os bolsos de alguns. As discussões foram muitas e a esmagadora generalidade dos cidadãos pretendia que Portugal apenas equipasse um exército que defendesse os nossos interesses em Moçambique e em Angola, atendendo ao desejo expansionista alemão, demasiado descarado. Pois, mesmo não sendo Portugal um dos beligerantes, tropas alemãs atacaram um pequeno posto português, em Maziua, no Norte de Moçambique, em 1914. Devo referir que Maziua era uma sentinela perdida junto da fronteira. No entanto, situava-se num triângulo fértil junto ao Rio Rovuma. Tal posto era chefiado pelo 2º Sargento Costa, que comandava um grupo de soldados indígenas, que viviam em cubatas com as suas famílias, junto ao posto, agricultando aquela região e apascentando as suas cabeças de gado. Os alemães, vindos dos territórios do Tanganica, substituíram a nossa tropa indígena pelos seus “ascaris”. Com esta ocupação, conseguiram que toda a foz do Rio Rovuma ficasse nas suas mãos. Apesar deste atentado à soberania portuguesa, os responsáveis portugueses não tomavam qualquer decisão e apenas queriam mandar os nossos soldados para a Flandres, mesmo contra a vontade dos nossos aliados. Entretanto, a maioria da população, nomeadamente os residentes em Moçambique, exigia o envio rápido de militares bem preparados para o Ultramar. A discussões no Congresso Republicano, apenas formado por deputados dos partidos republicanos que tiveram autorização para concorrer às eleições, continuavam intermináveis, nenhum fruto produzindo, fazendo orelhas moucas ao se dizia publicamente nas conversas de café, ao que circulava nas camaratas dos aquartelamentos militares e ao visível mal estar que borbulhava por toda a província. Perante o receio de uma atitude do Exército, o General Almeida de Eça foi mandatado para organizar duas Brigadas Expedicionárias, comandadas pelo Coronel Alves Roçadas, que iria defender o Sul de Angola e de Massano de Amorim, que partiria para Moçambique. Corpos Expedicionários estes que embarcaram para os seus destinos, vergonhosamente equipados, com armamento obsoleto, pois os responsáveis republicanos apenas queriam calar os protestos do Povo Português.

Porém, as dúvidas sobre a matéria, se existiam, acabaram com uma súbita pedra caída sobre o assunto quando, para agradar aos ingleses, apresámos os barcos alemães que se encontravam nos nossos portos. Com tal decisão, a ambígua posição portuguesa na contenda acabou. Estava praticamente declarada a guerra a Portugal, a qual aconteceu em Março de 1916. Assim, os que pretendiam mandar as nossas tropas para a Flandres, ganharam a jogada. Um exército mal preparado, esfarrapado e mal armado, com as armas que os nossos parceiros nos cediam, por ultrapassadas, entrou numa guerra a sério sofrendo os nossos militares as terríveis consequências, apesar de se terem batido com enorme valentia. Todos se lembram dos prodígios feitos pelo Soldado Milhões, emblema de coragem e da valentia portuguesas, historiados num livro de Francisco Galope.

Em plena Segunda Grande Guerra, nas feiras e romarias, os aedos populares cantavam versos de pé quebrado elogiando a heroicidade dos nossos bravos portugueses e as peripécias do Milhões, o portuguesinho valente que tinha metido na ordem toda uma secção alemã. Mas, o que é verdade é que La Lys, em 9 de Abril, redundou numa terrível carnificina nas nossas hostes, praticamente entregues a si mesmas, para dar tempo que os exércitos aliados recuassem e alterassem o campo de manobra. As nossas tropas continuaram na linha da frente, não sendo substituídas como estava previsto, apesar de se esperar, naquela zona, a intensificação da actividade militar alemã. Nem os nossos militares foram substituídos, nem o seu armamento renovado e as suas munições reforçadas. Enfim, milhares de baixas portuguesas e milhares de prisioneiros e de homens gaseados pois, sem preparação, entrámos numa guerra em que até armas químicas estavam a ser utilizadas.

E da memória dessa guerra, os próceres republicanos mais tarde nem queriam ouvir falar, lavando olimpicamente as mãos pelo sarilho em que tinham metido a nossa pobre gente. Dessa guerra, passados uns anos nada restava, a não ser a nossa gigantesca dívida pública por ela ocasionada, e a multidão de militares retornados da Flandres, estropiados, gaseados e incapazes para o trabalho, sem qualquer esquema de auxílio implantado. Para sobreviverem, teriam que pedir esmola. Lembro-me de alguns. O valente Joaquim Farrusqueiro, um gaseado, que perdeu em combate uma das vistas, e que desesperado com a negra situação da sua vida, pensava dar cabo da sua atribulada pessoa. Porém, o nosso Povo é bom e na província há sempre uma mão amiga e solidária que nos mata a fome, apesar da extrema pobreza existente na altura. Na verdade, devido à generosidade portuguesa, aparece sempre um familiar ou um amigo que deita a mão ao seu semelhante, arranjando trabalho e garantindo o sustento dos infelizes regressados.

• António Moniz Palme 2014

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Redação Gazeta da Beira