Crónicas desde a Edição 814 a 745
• António Moniz de Palme
Edição 814 (28/10/2021)
O célebre português Padre Himalaya, nasceu antes de tempo!
A sua obra apresentada, por surpreendente, causou grande escândalo na Exposição Universal, realizada em São Louís, no Estado do Missouri, nos Estados Unidos da América, em 1904. Na altura, vivia-se o dealbar do Séc. XX., incendiado com a explosão de novidades sem fim, apresentadas pelos cientistas de todo o mundo. Na verdade, estas eram mais do que muitas e faziam abrir de espanto a boca dos visitantes e da intelectualidade científica universal, que tinha acorrido a tão célebre Exposição, atraída pelo ineditismo das invenções apresentadas. A expectativa era grande, na esperança que aparecessem novos mecanismos que motivassem o progresso da Colectividade e a melhoria das condições de vida de toda a Humanidade. Contudo, o ”stand” que maior curiosidade despertava nos visitantes era, sem dúvida, o que exibia uma máquina apresentada por um modesto e desconhecido Padre Português, de seu nome Himalya.Esclareço que o seu verdadeiro nome era Manuel António Gomes, nascido em 1868, em Cendufe, Arcos de Valdevez, mas devido à sua extrema altura, no Seminário de Braga, foi baptizado com a alcunha de Himalaya, pelos outros seminaristas, seus colegas. Assumiu a alcunha e assim se passou a chamar…!
Para espanto de todos, a imprensa americana, desde o “New Iork Times” ao Sunday Magazine”, não lhe pouparam os mais rasgado elogios, tendo honras de primeira página o vistoso invento do nosso clérigo cientista. O invento era constituído por uma gigantesca estrutura de aço, onde se integravam milhares de espelhos que reflectiam a luz do sol contra uma espécie de tambor que funcionava como centro focal de um forno. Na realidade, os visitantes estavam perante a descoberta de uma autêntica máquina de aproveitamento da Energia Solar. Nem mais…! Os mais cultos logo referiram estar perante um novo Leonardo da Vinci, devido ao seu poder inventivo e visionário. O Padre revolucionário da energia solar, antecipou-se uma centena de anos aos inventores e aos intelectuais do nosso tempo. Pois, apesar da indiferença dos políticos e dos bem pensantes da sua terra natal, o que é certo é que o nosso cientista construiu um estrutura para aproveitamento da energia solar, conseguindo obter cerca de 3500 graus de temperatura, num forno fixo que encimava a sua máquina, que baptizou de “ Pireliófero”, e que significa “eu trago o fogo do Sol”… Ainda por cima e, mais que não fosse, a sua invenção era majestosa, ocupando uma área de cerca de oi- tenta metros quadrados de superfície, com o brilho da sua estrutura metálica, encimada por um gigantesco reflector, isto é, uma imensa parabólica, sendo o conjunto movido por um complicado e vistoso aparelho de relojoaria que fazia girar toda a enorme estrutura à mesma velocidade do Sol. A multidão fazia longas filas para poderem observar de perto aquela reverberação solar que ainda por cima a todos entusiasmava, pois encandeava cada um, fazendo-os sonhar que estavam num autêntico mundo de magia.Através do enorme espelho parabólico apontado para o Sol, aproximando-se o forno refractário do ponto focal, por artes mágicas tudo se liquefazia instantaneamente, desde o granito ao basalto, materiais então utilizados em experiência tão espectacular. Em compensação da sua descoberta, recebeu o Grande Prémio, a Medalha de Ouro, da Exposição Universal de S. Louis.
O simpático Padre Himalaya, com a sua extrema magreza e o seu ar escanzelado de místico medieval, com uma altura desmedida que lhe dava uma estranha aparência, apesar da sua extrema simplicidade, bem depressa entrou na história das Energias Renováveis, mesmo muito tempo antes de haver necessidade da sua utilização. Para espanto de muitos, falou na Força das Marés, cuja energia devia ser aproveitada para produção da electricidade. Assim, delineou uma ponte a instalar, a 300 metros do local onde actualmente está a Ponte Vasco da Gama, ponte essa constituída por turbinas que produziriam electricidade suficiente para abastecer a cidade de Lisboa….
Claro que o sector religioso americano tratou de criticar o pobre Padre Português, quase dizendo que o mesmo estava metido em actividades censuráveis, próximas e próprias da bruxaria. Em Portugal, tinha sido ajudado, pelo Rei D. Carlos, mentalidade superior, a custear as despesas da construção e da montagem das suas máquinas mas, com o advento da República, caiu no forçoso e inconcebível esquecimento, movido pela vendida imprensa da altura. Para mal dos pecados do pobre cientista, a sua máquina, apesar de contemplada com um primeiro prémio internacional e embora de grande porte, foi roubada e desapareceu peça por peça, sem deixar qualquer rasto. O nosso Padre ficou completamente desanimado e com as mãos a abanar. Como poderia, em Portugal que vivia numa constante revolução, arranjar apoios para executar os seus projectos, nomeadamente de concretizar o seu sonho de accionar motores com a energia solar! E quem lhe iria custear o seu projecto para tratamento dos lixos industriais? E a necessária arborização do país? E a construção das imprescindíveis centrais hidroeléctricas para aproveitamento dos imensos cursos de água existentes no nosso território? Enfim, limitou-se a iniciar e incentivar o estudo da qualidade da água e do mundo vegetal. Nessa actividade, deslocou-se à Argentina. Nas suas investigações levadas a cabo, ficou envenenado e começou a sentir-se muito doente, tendo regressado a Portugal, onde pouco tempo viveu. Anteriormente, na América, tinha inventado uma espécie de pólvora, a que chamou “Himalaíte”, uma especial mistura ternária ou quaternária, composta de diversos elementos, que tornavam esta nova pólvora de utilização rápida e isenta de perigos, pois este explosivo era insensível ao choque e á trepidação, não se alterando com a luz e com o calor, conservando-se indefinidamente, não exigindo precauções especiais. Era utilíssima para a feitura de furos, no solo, para a plantação de árvores. Ainda esteve em Inglaterra a aperfeiçoar a sua pólvora. A sua produção era segura, factor que foi muito apreciado pelos cientistas da altura. Os americanos pretenderam comprar a patente ao Padre Himalaya, que se aceitasse tal proposta, passaria a ter fundos para as suas investigações científicas. Mas o nosso Padre achou indecente tal transacção, dizendo que a patente seria de Portugal. Mal andou, pois os alemães, nas suas contas, roubaram-lhe descaradamente o seu invento. Mas a imaginação e as novas concepções nunca mais acabavam, apesar de sua impossibilidade de criar os protótipos de máquinas, que ia concebendo. Aliás, segundo corria, até máquinas de guerra projectou!!!. Na pura realidade do seu espírito criativo, as suas utopias e os seus formidáveis projectos não tinham fim. A sua Máquina de Chuva Artificial fez brado neste atrasado País, cujos governantes apenas discutiam política de grupo, sobrepondo os seus interesses partidários e jacobinos à urgente solução dos problemas mais carentes do povo português. Queriam lá saber da possibilidade de utilização dos inventos que iam aparecendo e que pudessem ajudar a população portuguesa, nomeadamente a mais pobre do Interior!!!.? Respigando uma notícia do Jornal “O Século” de 22 de Julho de 1913, sobre a celebérrima máquina que fazia chover. Era ela constituída por um polígono, contendo um canhão, com projécteis explosivos lançados de canhões verticais, colocados nos vértices de um polígono adaptado às condições do terreno, causando fortes detonações. Como consequência das regras da física, ocorria um esmagamento das partículas de vapor de água, contidas na Atmosfera, e provenientes das explosões simultâneas verificadas à mesma altura do solo. Embora não tendo sofrido desagradáveis consequências, nunca deixou de se manifestar em vários campos da religião e da filosofia, opondo-se às verdades intocáveis dos bem pensante e perante a indiferença dos sábios desta terra. No fim de uma vida em constante viagem pelo Mundo, regressou ao seu País e tornou-se Capelão da Caridade, tendo falecido no fim do ano de 1933, em Viana do Castelo. Existe uma interessante publicação, datada de 1999, denominada “ A Conspiração Solar do Padre Himalaya”, da autoria de Jacinto Rodrigues.
Seria necessário que esta formidável personagem da nossa história fosse devidamente estudada e tratada e lhe fosse feita a justiça que os contemporâneos não fizeram.
António Moniz Palme 2021.
Edição 813 (14/10/2021)
Ciganices e outras Aventuras de tenda e vagabundagem errante 3ª Parte
As minhas relações com os ciganos, por este ou opor outro motivo, nunca terminaram….
Ainda estava por Coimbra, pelos cantos da Faculdade de Direito, e tive conhecimento de que as autoridades de então tinham resolvido expulsar do território português todos os ciganos que não estivessem devidamente documentados. Ora, muitos já por cá residiam há várias gerações. Os seus filhos frequentavam estabelecimentos de ensino e a maioria tinha o apoio das organizações religiosas portuguesas. Levantou-se grande clamor contra esta atitude insensata pois, na sua qualidade de povo errante, não lhes passava pela cabeça que necessitassem do corriqueiro cartão de identidade… Calculei, na altura, que pretendessem que os ciganos fizessem o serviço militar como os outros cidadãos. Não me enganei. Apareceu então um documento significativo em que um dos signatários era o Senhor Dom Duarte Nuno de Bragança, acompanhado por uma multidão de intelectuais e que pretendiam que tal determinação legal drástica não fosse executada em relação aos que imediatamente se fossem registar, tirando o respectivo Bilhete de Identidade e procedessem ao registo dos descendentes. O que é facto é que a frontalidade dos signatários, gente independente e sem telhados de vidro, moveu montanhas de má vontade contra os ciganos. Felizmente, a inexplicável má vontade contra a sua raça quedou-se por aí. Na realidade, foi permitido, sem aplicação de sanções, que os ciganos fossem tirar os documentos então exigidos, na circunscrição onde passavam a maior parte do tempo, quando não andavam a deambular de terra em terra e de feira em feira. Julgo que o meu Pai também assinou tal petição, a pedido do Sr. Prof. Doutor Guilherme Braga da Cruz. Muita gente do meio académico coimbrão apoiou ostensivamente tal justa petição. Mas as atitudes pagam-se caras. Mais tarde, cumpria eu o meu serviço militar e, no Regimento de Cavalaria 6 do Porto, vi entrar pela porta de armar adentro uma multidão de ciganos. Alguns com aspecto de idosos bem entrados na idade, com ar alquebrado e de não poderem com uma gata pelo rabo. Verifiquei, para meu espanto, que muitos deles tinham a minha idade ou pouco mais. Cheguei à conclusão de que a romântica e aventureira vida nómada tinha o seu preço, pois causava um desgaste enorme nos seus praticantes. Na verdade, a maior parte tinha invariavelmente o aspecto de respeitáveis anciãos. E para concluir, fiquei a saber que afinal estava cheio de razão quanto à exigência da documentação. Após a respectiva identificação e o registo como cidadãos portugueses, tinham todos sido chamados às Inspecções para cumprirem o Serviço Militar. Para espanto geral, quase todos ficaram apurados. Livres, ficaram apenas os muito velhos e doentes, bem como as cavalgaduras onde se faziam transportar!!!. Estávamos perante pessoal que errava permanentemente por montes e vales e tinha um ciclo de vida muito mais curto que um português vulgar! Envelheciam muito depressa. Os mancebos, aparecidos por Cavalaria, eram oriundos, pelas minhas indagações superficiais, das cercanias de Espinho e de outras povoações do litoral nortenho. Muito bem, o pior foi quando saiu na Ordem de Serviço que tinha sido nomeado instrutor de dois pelotões destes estranhos mancebos. Fiquei aterrado e com vontade de desertar. Procurei averiguar qual a razão da minha nomeação, não era nem o mais novo, nem o mais velho da Escala. O simpático e bondos Coronel Tadeu dourou a pírula daquela estranha nomeação e disse-me que devido ao meu contacto fácil e à minha preparação cultural, estava praticamente formado, deram-me naturalmente o privilégio de desempenhar tão melindroso cargo, ainda por cima sabiam que tinha boas relações com os ciganos…! Vi logo que as minhas manobras, em Coimbra, na defesa dos boémios, tinham dado mau resultado para a minha pessoa. Nem mais! O meu Pai logo me aconselhou a cumprir e a ultrapassar o problema, fazendo o melhor que pudesse, único modo de proteger aquela difícil rapaziada, aproveitando para lhes conceder compreensão social, formação militar e o mínimo de preparação cultural. Claro que imediatamente arranjei modo de serem submetidos a rigorosos exames clínicos e de frequentarem aulas para aprenderem a ler. Tinha um esquema especial de fiscalizar os meus estranhos recrutas. O meu impedido, Inácio de Sousa, conhecido pelo Vizela, popular personalidade por ser um clarim de primeira e que me acompanhava a viola, nos descantes e guitarradas militares, mal havia alguma altercação, fosse a que horas fosse, ia chamar-me ao quarto, onde passei a pernoitar. E o tempo passou rapidamente. Muitos foram internados no Hospital Militar, outros dispensados por incapacidade física total, mas um grupo de ciganos mostrou ter aptidões militares excelentes, sendo extraordinários nas manobras tácticas no terreno e na preparação e actuação nos simulacros de emboscadas. Graças a Deus, tudo correu bem e um dos chefes de um acampamento, com as suas enormes barbas brancas, veio conhecer-me a Cavalaria 6 , convidando-me para um casamento , cujos festejos durariam vários dias, como era usual. Aconselharam-me, sem qualquer justificação plausível, a recusar o convite. Achei mal não aceitar aquela prova de amizade pela minha pessoa, de um grupo étnico que geralmente era hostilizado e discriminado pela maioria da população. Lá fui ao casamento com uma prendinha para a noiva e uma caixa de vinho para o noivo. Comi durante um dia inteiro, dancei as suas vibrantes danças, com a vida facilitada pelos treinos feitos nos intervalos da instrução. Enfim, passei um dia feliz, embora extremamente cansativo, escusando-me, junto do simpático anfitrião, por não poder estar mais tempo. Ainda solicitei ao venerando responsável por aquele acampamento que obrigasse os mais novos a irem à escola. Prometeu tudo fazer para tal. Abraços e lágrimas à despedida, declarando-me com a voz embargada que gostava tanto de mim que não se importava que eu casasse com uma das bonitas netas que me estiveram a servir durante a refeição. Ficámos amigos, sabendo, tanto um como o outro, que reciprocamente estávamos prontos a ajudar caso houvesse algum problema. O meu querido Pai, apesar de achar que eu era um irrecuperável anarquista, como a hierarquia me não louvou por este trabalho melindroso, disse-me quanto estava orgulhoso com o meu comportamento. Mais tarde, ficou furioso quando, nas vésperas de sair da tropa, me mandaram, de um dia para o outro, dar um C.O.M. a médicos, na Escola Prática de Cavalaria, pois os oficiais do quadro tinham tido já dois levantamentos de rancho com os ilustres clínicos.
Dos militares “gitanos” mais nada soube. Encontrei um bastante comunicativo, na Estação de S. Bento, quando já trabalhava nos Caminhos de Ferro, no Porto. Ficou de aparecer para almoçar comigo, mas deve ter mudado de área de actuação. Ainda reconheci dois meus antigos militares. Contudo fugiam de mim a sete pés. Soube pelo pessoal que habitualmente frequentava, nos seus negócios, a bonita Estação de S. Bento, que os meus antigos recrutas andavam a vender clandestinamente umas pistolas, talvez de origem espanhola, que deviam ser de alumínio e rebentariam ao primeiro tiro, além da imprescindível droga, marada com qualquer outro produto. Enfim, pensei que os meus antigos militares eram uns ingratos com a minha pessoa. Mas estava redondamente enganado. Certa manhã, quando ia entrar na átrio da Estação, um matulão, acompanhado por dois outros, apertava o pescoço a um rapaz negro, em perigo de este cair da rampa e plataforma existente em frente da Estação. Imediatamente intervim e ordenei ao matulão que largasse imediatamente o pobre negro. Começou por me dizer que eu não tinha nada com isso. Olhando para os acólitos, tudo gente com ar de baixa extracção. Entretanto, juntaram-se muitos mirones. Após ter tomado a atitude que tomei, não podia recuar, não tinha outra saída. Respondi, já com a mão a agarrar o braço do agressor, ou largava o rapaz a bem ou a mal e levantei a mão com ar agressivo… Para meu espanto, o desconhecido largou o rapaz de cor, muito mais fraco do que ele e com ar de quem se alimentava mal. Os companheiros, ficaram quedos e calados. Fiquei espantado com o respeito físico que tinha incutido naquele grupo de facínoras. Afinal olhei para trás e vi que um grupo animado de ciganos estava mesmo nas minhas costas com ar de quem ia saltar sobre os meus opositores, declarando que os traçavam, se eles não me obedecessem. Fiquei de boca aberta, Ainda por cima acrescentavam que “… não faltava mais nada, que alguém se atrevessem a agredir, o nosso oficial…!” Fiquei esclarecido. Mais tarde soube que os agressores viviam da prostituição e da exploração de mulheres e o negro queria que lhe dessem uma percentagem por ter apresentado ao gangue a sua irmã…!? Os meus fumos de cavaleiro andante esfumaram-se num ápice
António Moniz Palme 2021
Edição 812 (30/09/2021)
Ciganices e outras aventuras de tenda e vagabundagem errante Segunda Parte
João Pereira ©http://jlplive.blogspot.com /
Como referi, na primeira Parte deste artigo, as jovens ciganas continuam a fazer vibrar o coração da rapaziada, pela sua beleza e pela sua simplicidade. A sua pele aveludada, respira os aromas da Natureza, electrizando o vulgar portuguesinho. Recordo perfeitamente que há muitos anos, quando frequentava a Faculdade de Direito, em Coimbra, o meu amigo, cantor e poeta Zeca Afonso, em plena Baixa, topou uma cigana a ler a sina aos transeuntes, acontecimento que já tive ocasião de relatar no meu livro “O Almofariz”. Claro que ficou completamente apaixonado pelos olhos quentes de azeitona e pela doce pele morena, daquela guapíssima ledora de futuros. Nem ouviu com a necessária atenção a leitura feita nas linhas da palma da mão. Agarrando a mão da jovem cigana, declarou-lhe imediatamente o seu amor e, com ar dramático e teatral, bem alto, anunciou a quem o quis ouvir, que com Ela queria casar. A jovem ciganita devia saber quem era o Zeca Afonso, figura bem conhecida na Lusa Atenas, e talvez para dele se livrar, pediu-lhe para ir ao seu acampamento, pedir a respectiva permissão ao chefe da sua tribo, geralmente um dos homens mais velhos e experientes do bando, segundo aprendi mais tarde. E se o pensou, o Zeca Afonso, com o seu espírito excessivamente romântico, logo projectou e prontamente executou o seu plano amoroso, arregimentando-me para sua testemunha e levando-me à trela, até à Estação Velha, onde perto estava instalado o acampamento. Ambos fomos de capa e batina para nos darmos ao respeito, exibindo uma mínima solenidade. Como era de calcular, fomos recebidos pela hostilidade visível da comunidade “gitana”. Cheguei a ver as coisas mal paradas. Após uns minutos de espera e de tensão, fomos recebidos pelo patriarca da comunidade que revelou ter bom senso, elogiando o Zeca pela sua frontalidade e lisura de comportamento. Sabendo ser Ele um cantor popular e conhecido por toda a gente. Ainda por cima, trazendo uma testemunha abonatória do seu comprometimento!!!. Contudo, explicou devagar e com ar sério, que a jovem cigana seria muito mais feliz casando com alguém da sua raça, com os mesmos hábitos e projectos de vida. E deste modo se desfez a paixão à primeira vista do meu querido amigo, que voltou para a Baixa de orelha murcha, a toque de caixa da minha solidariedade total…. Ainda chorou de puro amor uns breves dias. Mas o desgosto deve ter passado logo que encontrou uma outra beleza. Dei o susto por bem empregue e jurei a mim próprio nunca mais fazer parte de qualquer embaixada nupcial, mesmo a pedido do Zeca Afonso!
E os meus contactos com os ciganos ficaram por ali. Em S. Pedro do Sul, acampavam nos pinhais da Pedreira, durante as feiras e durante os dias de Romaria, com permissão dos proprietários responsáveis das explorações agrícolas vizinhas. Geralmente eram lhes facultadas palhas para a alimentação e para a cama do gado, sempre uns burros escanzelados e umas pilecas cavalares a cair da tripeça… Na Beira, na região da Guarda, de Gonçalo e de Aldeia Viçosa passava-se exactamente o mesmo. Para não serem criados conflitos, era dada a permissão para acamparem dois ou três dias, sendo facultada água, palha e por vezes fruta e o que houvesse mais à mão para o seu sustento. Este era o modo de não serem criados conflitos com a gente da lavoura. Claro que eles tinham a sua polícia local muito bem montada, e por artes magicas, quando morria uma vaca ou um porco e os mesmos eram enterrados, já se sabia que no prazo de duas noites, os ciganos vinham desenterrar o cadáver, no silêncio das altas horas da noite, para se alimentarem e com ele desapareciam do mapa, sem ninguém dar conta|||. Mais tarde, na Baixa de Cacéns, na Região do Algodão, no Norte de Angola, bem recordei essas passagens, pois quando se chegava a um aglomerado de palhotas, no meio do mato, e solicitávamos qualquer coisa para comer, logo o Soba mandava arranjar uns bifes para os visitantes. Era então desenterrada uma peça de caça, no caso concreto, uma palanca, enterrada há dias. Cortavam um naco de carne, com o qual faziam uns saborosos bifes e guardavam outra vez o cadáver debaixo da terra, como se estivessem a armazenar carne num frigorífico! Claro que o problema era diferente, porque a palanca tinha morrido com um tiro ou com um golpe de azagaia e não de doença desconhecida, como acontecia com os animais domésticos desenterrados pelos ciganos.
Muitas vezes os ciganos eram objecto de injustiças flagrantes dos populares, nomeadamente quando estes estavam em maior número. Recordo uma cena passada na Senhora da Guia. Um cigano fez-se engraçado, elogiando a beleza de uma pequena da Região e foi o diabo. Os grupos de caceteiros habituais, que sempre arranjavam sarilhos entre si, em todas as romarias, pretenderam sovar os três ou quatro ciganos que ali se encontravam e que nada tinham feito de mal, a não ser cometerem o crime de serem ciganos…. Após grandes confusões, a cobarde maioria, perante uma minoria isolada, pretendeu aproveitar a ocasião para sevar os seus maus instintos nos pobres zingaros. Na altura, tentámos protegê-los. e as coisas acalmaram. Entretanto, viemos de automóvel até à Vila e lá soubemos que uma nova tentativa da agressão foi sustida pelos ciganos que exibiram as suas armas brancas. Perante o receio e hesitação dos hipotéticos agressores, aproveitaram a confusão, para partirem à desabrida para local desconhecido. Eu e os meus amigos parámos, como era habitual, para ouvir as últimas novidades locais, na loja de fazendas do Sr. Américo Correia de Paiva, onde trabalhava o Gui, seu sobrinho, e que era responsável pela gestão do conhecido estabelecimento. Com o Gui e comigo, estava o Zé Borges e talvez, o Zé Correia de Paiva, o Zé Joaquim Couceiro (Murilo) e o Celso Barros. Eis senão quando, aparecem dois ciganos na loja e, junto ao Gui e à minha frente, pedem para lhes guardarem e esconderem duas enormes facas, pois tinham medo de serem revistados, pela Guarda. Eles próprios meteram as facas no meio das peças de pano para fatos, acamadas em cima no balcão. Claro que a GNR, mais tarde, lhes fez uma vistoria e não encontrou as armas brancas que os provocadores anunciaram. Mais tarde, chegaram na camionete alguns dos frustrados agressores e, perante a declaração da Guarda de que não foram encontradas as anunciadas facas, na posse dos ciganos, como me tinham visto assistir à cobarde tentativa de agressão, foram a casa das minhas tias ameaçar me por estar a encobrir uns criminosos, pois era eu que certamente tinha as facas que usaram para se defender…!. Na altura, perdi a cabeça perante tanta ousadia e espírito racista, mandei os sair imediatamente lá de casa, dizendo-lhes que era uma vergonha tanta gente unida para bater em três pessoas de uma raça diferente e que nada tinham feito de mal. Era uma autêntica agressão à liberdade de cada um. Do facto iria participar à Guarda. Lá foram a vomitar ódio por todos os poros. Voltei à loja do Sr, Américo Correia de Paiva. O Gui disse-me que foram lá procurar se os ciganos lá tinham deixadas algumas armas, pois souberam que tinham entrado na loja, O Gui lá explicou calmamente que estavam num comércio e que nada sabia do que estavam a reclamar. Entretanto e mais tarde, apareceu um diferente personagem da etnia cigana a procurar e a levar as facas escondidas pelos irmãos de raça. Quase à hora do jantar e quando a loja estava a fechar, passa um carro muito velho, cheio de ciganos, que acabavam por ser libertados por nada encontrarem na sua posse que os comprometesse. Abrandaram e agradeceram bem alto, demonstrando a sua gratidão perante o espanto do muito pessoal que por ali andava. Gato escondido com o rabo de fora…!
Tanto o Gui como eu dormimos descansados. Defendemos quem devia ser defendido…!
Edição 810 (29/07/2021)
Os miasmas da corrupção já chegaram à Lavoira – Segunda Parte
Já esquecido do desastre das aveleiras e após me ter metido na florestação, orientado por gente séria e competente dos serviços oficiais, sonhei, para ter mais estrume para as árvores, dar início à criação de vacas leiteiras frísias que estavam a dar produções fabulosas de leite e. cruzadas com gado de carne americano, um rendimento significativo com os vitelos. Comecei logo por ter problemas com a recepção das vacas, na fronteira, vindas num camião TIR, pois os técnicos que as tinham que fiscalizar, à entrada do País, apesar do calor que se fazia sentir, estavam-se a armar ao caro e pretendiam fazer esperar o transporte e o gado horas e horas seguidas, debaixo de um sol quentíssimo, sem cumprirem as suas obrigações. Passado um dia nesta incerteza, perdi a cabeça. Claro que avisei os responsáveis que estava a partir para a fronteira para os obrigar, debaixo de pontapés, a fazerem a necessária vistoria às vacas, chegadas da Bélgica. Já quase na fronteira de Vilar Formoso, cruzei-me com o camião das vacas importadas, tendo feito meia volta, mas tendo perguntado por escrito, posteriormente, quem era o veterinário responsável por aquela inexplicável demora. Nunca obtive resposta. Na verdade, a culpa era minha, como me diziam os meus amigos com ar de troça, pois devia ter untado a mão do técnico responsável, que certamente agiria com mais rapidez.
Com muitos sustos sucessivos, pois tinha comprado as vacas com empréstimos bancários, só respirei aliviado quando o último tostão da aquisição das vacas, da raça “frízia” foi pago. Claro que logo passei a ter problemas de outro género. Pois a inseminação das vacas “ saídas”, isto é com o cio, era feita por um serviço especial, que nem sempre actuava a tempo, deixando ultrapassar o espaço de tempo em que o gado ficava grávido. Era a corrupção a espreitar…! Acabei por ser obrigado a ir falar com um responsável. Com testemunhas, claro está, tendo feito uma ameaça física muito pouco própria, de que hoje em dia me arrependo. Além de o responsável ter saído imediatamente em direcção à minha vacaria, à laia de desculpa, o patife disse-me que estava farto daquela vida e que devia era ter ido para o Algarve tratar dos cãezinhos das inglesas, ora toma!. Claro que lhe respondi que devia ir imediatamente, pois não servia para aquele serviço, acrescentando que a primeira vez que deixasse passar a altura devida para a inseminação, ajustaria contas! Protestou, mas passou a ter mais cautela. Como é que com serviços destes a Agricultura Portuguesa pode progredir?. Mas o pior estava para vir. Entraram em cena as vacas loucas e alguns técnicos, na Região, apesar das enormes suspeitas havidas, diziam que não havia qualquer situação a recear na região. Estavam a tentar abafar um problema, em vez de o tratarem com prontidão.
Junto à empresa que me vendia as rações para a vacas, indaguei se as mesmas eram feitas com produtos animais, com as carcaças dos animais mortos, transformados em alimento. Na Europa, a investigação feita, descobriu que esse tipo de alimentação produzia a doença. Com a minha insistência, acabaram por declarar que as rações não tinham produtos animais, Quando a primeira das minhas vacas começou a ficar esquisita, resolvi consultar o meu querido amigo, Sr. Manuel Portêlo, que enviava comigo o seu funcionário Ganso para me ajudar a diagnosticar o problema existente detectado, pois eu não tinha qualquer confiança no veterinário que me prestava serviço e que, além de um incompetente acabado, desconfiava ser um corrupto de alto gabarito. A vaca nada tinha que justificasse a sua visível doença. Um responsável de um organismo oficial, garantiu-me que não existiam vacas loucas na Região. Como prémio desse tipo de afirmações, mais tarde, após um ministro ter comido uma mioleira de vaca na televisão, numa reportagem dramática, tal técnico, aliás de uma incompetência atroz, noutras matérias agrícolas, foi convidado para uma das lista locais de deputados, naturalmente te como prémio…! Está tudo dito.- Bem, quando adoeceu e morreu a segunda vaca, fiz transportar para o Porto, uma quantidade significativa de órgãos e da carcaça do animal falecido, para procederem ao respectivo exame, solicitando me declarassem se estavam ou não perante uma vaca louca. Calculam a trabalheira que me deu o transporte dos restos do animal, tendo que pedir a ajuda a técnicos amigos, como o meu amigo Eng. Fernando Paulino. Após todo este complicado processo, o resultado da autópsia feita às vísceras e restos do animal morto foi considerado inconcludente, sendo necessária uma quantidade maior de matéria para um preciso exame. Ora, eu tinha entregue uma quantidade enorme de matéria para esse fim. Perante o resultado obtido, verifiquei que mesmo que transportasse o cadáver inteiro da vaca, nunca obteria a verdade da situação. Estava perante gente vendida. O resultado foi inconclusivo, o material, quase meia vaca, não tinha sido suficiente. Claro que fui informado que os especialistas dessas analises estavam completamente comprometido e eu nunca iria conseguir obter uma prova dos serviços oficiais, nessa matéria.
Entretanto, tive conhecimento que a mulher de um grande amigo meu tinha morrido com a doença das vacas loucas. Nestes termos, verificando não ter condições mínimas à minha volta, para continuas a explorar gado, vendi todo o meu estábulo de uma assentada. A corrupção foi mais forte do que eu,
Pobre País.
Edição 809 (15/07/2021)
Os miasmas da corrupção já chegaram às cebolas e aos outros produtos da lavoira
Fazia-me uma certa impressão o tipo de agricultura que se praticava quando era pequeno. Não falo na agricultura de subsistência que, no campo, matava a fome a tanta gente. Referia-me a situações bem diferentes, com extensões já capazes de aguentar um diferente tipo de agricultura, simplesmente abandonadas ou mal aproveitadas. Por vezes, áreas significativas, mais ou menos postas de parte, por serem distantes dos centros populacionais ou, simplesmente, da atractiva zona do litoral onde o progresso se via crescer a olhos vistos. A animação e o melhor nível de vida eram um verdadeiro e irresistível chamariz para o homem do Interior. Enfim, uma das causas do absentismo…
A minha Mãe, contrariando essa conjuntura e dando o exemplo, começou a tratar da agricultura de uma propriedade da família, isolada no interior beirão, extremamente quente no Verão e gelada no Inverno, e onde apenas havia umas modestas construções, tendo que dormir lá dias e dias seguidos, na altura de plantações, tratamentos e colheitas.
A certa altura, era já considerada uma especialista em matéria de fruticultura e de tal modo era conhecido o seu trabalho de campo que, após o 25 A., o meu colega do Parlamento e dos Tribunais, o advogado, Dr. Lino Lima, não sabendo quem era tal mulher trabalhadora, deslocou-se ao local da exploração, perto de Belmonte, para a conhecer e a convidar para chefiar um sindicato de trabalhadores rurais. A minha Mãe, no Quadro do Pessoal da Exploração Agrícola, por sua exigência, figurava como trabalhador, isto é, minha empregada. Enfim, feitios…! A visita daquele deputado do Partido Comunista, foi feita numa altura de calor intenso e de regas permanentes, estando os campos completamente alagados. A minha mãe de galochas de borracha e com o seu inseparável capacete colonial, adquirido na sua estadia em África, ofereceu ao visitante um chá com torradas e um bolo caseiro. Claro que discutiram o futuro da agricultura e o Dr. Lino Lima constatou que estava perante não uma simples operária agrícola, mas perante alguém evoluído e culto, defensora da Reforma Agrária ensinada pelo Ribeiro Teles e defendida pelos agricultores mais progressistas do País. Só mais tarde o advogado de Famalicão descobriu quem era aquela trabalhadora agrícola, mulher fora de vulgar de culta, aliás uma das primeiras mulheres portuguesas a tirar um curso superior, com vastos conhecimentos agrícolas, adquiridos por experiência própria. Claro que o Convite para o Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas ficou por ali….!
Como o meu Irmão, que gostava da agricultura, tivesse entrado na carreira das armas e a minha Irmã, regente agrícola, tivesse casado com um elemento da vida diplomática, andando a saltar de país em país, não havia outra espingarda disponível, na altura, para os trabalhos agrícolas, senão a minha modesta pessoa, advogado a tempo inteiro, no começo da vida profissional e a ter que frequentemente me deslocar do Porto, onde tinha escritório, à Beira para tratar de problemas inadiáveis. Por essa ocasião, a minha Mãe lamentava que não era só a incompetência que atrasava a vida da Agricultura, mas igualmente a corrupção, bem escondida, que até em organismos oficiais espreitava. Se não era verdade, pelo manos, parecia!!!
E se existiam técnicos conhecidos de enorme competência e seriedade, infelizmente, tive que dar razão às opiniões da minha mãe e de agricultores a tempo inteiro das vizinhanças que, além das alterações climáticas, das subidas de preços permanentes dos produtos para a agricultura, da concorrência descarada das safras estrangeiras aos produtos nacionais sem qualquer protecção, acrescentavam que nem tudo corria bem no Reino da Dinamarca. Na verdade, existia mesmo corrupção, prejudicando os interesses nacionais e dos produtores portugueses. Enfim, o triste fado menor do agricultor que tinha uma vida modestíssima, plena de sacrifício até mais não, para alimentar a família e a população nacional.
O meu primeiro contacto com a corrupção descarada, uma autêntica Hidra de Lerna que sufoca este País, abateu-se sobre a minha pessoa. Pretendi instalar em terreno, considerado apropriado para o efeito, uns milhares de aveleiras, pois os frutos secos estavam muito na moda, acompanhando, ao fim da tarde, o copo habitual do turismo nascente. Antes da plantação e para não me meter em aventuras desastrosas, resolvi pedir a ajuda de organismos oficias. Pois bem, tive conhecimento que tinham sido mandados ao Sul de França e a Itália, técnicos especializados para saber quais as qualidades que melhor se adaptavam ao nosso território, qual a melhor preparação de terreno, quais as máquinas mais apropriadas e mais baratas, que tivessem em conta as nossa modestas posses. Além destas circunstâncias, pretendi conhecer todas as técnicas que tinham obtido êxito nas grandes produções estrangeiras que, no comércio português, apresentavam avelãs gigantes e saborosas, muito melhores que as nossa “Gradas de Viseu”, talvez as melhores produzidas no agro nacional. Na altura, esses responsáveis foram portadores de árvores que foram vendidas aos agricultores portugueses interessados na respectiva plantação. Instalei então uma série de qualidades obtidas junto desses técnicos, compradas debaixo dos seus conselhos. Achei as árvores demasiado caras, mas o preço seria a garantia da sua boa qualidade!!!. Mesmo assim, tive receio que tivessem comprado árvores do refugo, do mais barato que encontraram, atraiçoando os interesses nacionais, e aproveitando aquela viagem de estudo, paga pelo Governo, para encherem os próprios bolsos. Por puro romantismo instalei, além das qualidades compradas, umas centenas de árvores da qualidade “Grada de Viseu”. Ao mesmo tempo, constatei que os mandatários dos serviços oficiais, aproveitando-se dos conhecimentos recebidos na viagem pagas pelo Governo, colaboravam com empresas de venda de máquinas para a recolha de avelãs, cujo preço atingia, na altura, cerca de nove mil contos…!. Achei os preços um escândalo e as minhas funestas suspeitas sobre corrupção, mais aumentaram. Claro que num contacto directo com uma empresa italiana, obtive uma máquina por cerca de mil contos. Fiquei aterrado. Andava a fatal corrupção misturada nas ajudas aos agricultores. O que é certo é que as árvores compradas e instaladas cresceram e ficaram com um bonito aspecto, fazendo um vistaço, querendo toda a gente saber onde tinham sido comprado o material utilizado. Eu pedia calma pois seria melhor verem o resultado da produção antes de se meterem em sarilhos, verificando concretamente o que acontecia com as árvores já plantadas. Torciam o nariz e achavam que estava a fazer jogo sujo para não os informar. Já de pé atrás, lembrava-me daquele Chico Esperto do Minho que vendeu milhares de oliveiras para o México para serem usadas num terreno impróprio e que o nosso compatriota localmente referiu ser a terra apropriada. Depois de instaladas ficaram lindíssimas, simplesmente não deram uma azeitona que se visse. Claro que o vendedor ainda há pouco tempo tinha a cabeça a prémio nas terras dos Aztecas. Comecei então a desconfiar que com as minhas aveleiras talvez se pudesse passar o mesmo. O Sr. Dr. Almeida Santos, homem da Beira, meu companheiro e amigo no Parlamento, foi ver as minhas aveleira. Ficou encantado e disse-me que queria instalar aveleiras numa propriedade sua e que eu iria ser o produtor agrícola do ano em matéria de inovação. Pedi-lhe para não plantar as árvores que se estavam a vender, pois desconfiava que eram o refugo mais ordinário que havia, de que os mandatários da administração se aproveitaram para enriquecer à custa dos seus concidadãos. Felizmente Almeida Santos não instalou o avelal na altura, ouvindo o meu aviso. Passados anos sem qualquer produção que se visse, tive que arrancar hectares e hectares de aveleiras, …! Desgraçado e infeliz encontro com a corrupção.
É o País que temos. (Continua)
*Advogado
15/07/2021
Edição 808 (24/06/2021)
Arreda, o Príncipe Bombeiro
A História é sempre injusta com algumas personalidades do Passado.
Qual a razão deste tipo de afirmação!!!? Há dias, recordei uma conversa de há muitos anos com um velho amigo de meu Pai que, numa visita a S. Pedro do Sul, me perguntou se eu sabia quem era o Infante D. Afonso de Bragança, filho do Rei D. Luis e da Rainha D. Maria Pia de Saboia. Respondi que sim, que era o irmão do Rei D. Carlos. Ficou espantado com a minha sabedoria de rapazola. Esse amigo de meu Pai, Domingos Tavares de Mello, era um beirão ligado aos primeiros automóveis entrados em Portugal, pois era filho do celebérrimo Dr. Tavares de Mello, que adquiriu, em 1897, uma viatura, uma carruagem automóvel, já com pneus de borracha, com um motor Daimler, fabricado pelo francês Levassor. Era assim proprietário da segunda viatura entrada em Portugal, pois a primeira era do Conde de Avillez. Mas vamos ao que interessa. No fundo, pouco mais sabia desse príncipe Bragança que tinha uma alcunha bem engraçada, posta pela população lisboeta. Era chamado “O Arreda”. Nem mais. E fui sabendo pelo desportista, amigo da Família, que o Príncipe, além da simplicidade e modéstia que o caracterizava, não estava nada adaptado à vida da Corte, não tendo a cultura dos príncipes seus contemporâneos. Apesar de tal, falava correntemente uma série de línguas, desde o alemão, passando pelo francês e pelo inglês, acabando no italiano. Contudo, para a investigação intelectual, não era lá muito dado. Porém, compensava essa falta com outras qualidades, com referia Tavares de Mello. Por Ele, soube igualmente, que o pai, Dr. Tavares de Mello, era uma pessoa excepcional para a Época, pois tinha aprendido num ápice a compor não só a sua viatura, quando estava avariada, bem como todos os automóveis que apanhava à mão, nomeadamente os que posteriormente adquiriu. Na realidade, podia solucionar mecanicamente qualquer problema que acontecesse, o que era uma grande vantagem. Na altura, não havia um mecânico conhecido em cada esquina, como aconteceu posteriormente. Ora, Ele era um amante da marcenaria e da serralharia, descobrindo logo, por si, os vários e complicados segredos da nascente mecânica automóvel. E o príncipe D. Afonso tinha naquele companheiro de amor ao automobilismo, um mestre ideal e competente na mecânica e um permanente incentivo para a sua aprendizagem. Assim, o Príncipe criou um novo gosto paralelamente à sua grande paixão pelos bombeiros. Em relação aos soldados da paz, devo esclarecer que o Rei D. Luis, seu progenitor, tinha apoiado os bombeiros da Ajuda, cedendo-lhes um vasto espaço de uma sua propriedade. Razão porque a nova Real Associação dos Bombeiros Voluntários da Ajuda, passou a ter um Príncipe, apenas com 16 anos, como seu presidente honorário e que foi nomeado, em 1889, segundo comandante dessa Associação, tendo ajudado e apoiado a construção de um novo quartel. Por essa ocasião, o Sr. D. Afonso mandou vir da Alemanha uma escada especial Magirus, uma raridade na altura e que fez um tremendo sucesso. No meio dos abnegados bombeiros, seus companheiros, D. Afonso foi considerado um dos seus melhores e o povo lisboeta considerava-o um dos mais corajosos voluntários entre os soldados da paz.
Num célebre fogo acontecido no Chiado, D. Afonso foi o primeiro a acometer uma casa incendiada, já envolvida pelas chamas, salvando muitas pessoas e transportando algumas nos seus braços. Claro que, na altura, foi criticado pelos elegantes e snobes da Capital e por determinado tipo de crítica republicana, por considerarem não ser as funções de bombeiro próprias de um príncipe!!! Mas, D. Afonso de Bragança nunca se importou com esse tipo de críticas e continuou a exercer abnegadamente as funções de Soldado da Paz. Mal acontecia um incêndio, era o primeiro a saltar para o carro de cavalos dos bombeiros, que guiava com extrema mestria, conduzindo a alta velocidade, pelas ruas estreitas da cidade, e gritando a todo o pulmão, “ARREDA”, para que todos se desviassem e fugissem à passagem da carreta dos bombeiros, puxada pelos cavalos, em galope desabrido. E a alcunha de “Arreda” passou dos carros de cavalos dos bombeiros para os recém chegados automóveis, que D. Afonso conduzia lindamente. Ainda por cima, sabendo compor as avarias em qualquer local onde eclodisse uma pane. E o povo gostava de ver o seu Príncipe debaixo dos carros, deitado no chão, cheio de óleo, a aplicar os conhecimentos mecânicos que tinha aprendido à sua custa. E Tavares de Mello recordava que D- Afonso, além do mais, em 1895, corajosamente assumiu a sua qualidade de oficial, como tenente coronel, e partiu para a Índia, a comandar uma expedição para acabar com uma revolta militar qua a má língua segredava ter sido instigada pelos ingleses. Após uma vitória esmagadora, passado um ano, assinou uma amnistia e regressou à Europa. Porém, a prisão do Gungunhana e os feitos das nossas forças em Moçambique, tirou ao Príncipe o seu legítimo lugar nas letras gordas das páginas principais da Imprensa.
Mas voltemos à actividade automobilística do “Arreda”. Se a maior parte dos automobilistas preferia os automóveis francesa, D. Afonso, por influência da Mãe, preferia os italianos, nomeadamente da marca Fiat.
Ao volante do seu Fiat, D. Afonso, em 1904, venceu a primeira edição da Gincana de Cascais. E não resistiu a inscrever o seu 12 CV na pioneira competição Figueira da Foz-Lisboa., a qual venceu. Foi sétimo, em 18 de Março de 1906, no disputado e inovador Quilómetro Lançado, de Valada do Ribatejo, prova idealizada pelo Real Automóvel Club, talvez a primeira de velocidade. O Arreda”, sentia-se bem, no meio da multidão, entre os abraços dos populares e as provas de admiração e carinho da gente simples como Ele. Por esse motivo, aceitou ser presidente de júri em diversas competições, para continuar a sentir o cheiro da gasolina e o calor da competição. Nesse sentido, colaborou na criação do Real Automóvel Club de Portugal, de que foi presidente da Asse4mbleia Geral até à implantação da República.
O simpático D. Afonso, após a queda da Monarquia, foi para o exílio em Itália, onde sua Mãe acabou por falecer, assistida por Ele e pela Rainha D. Amélia. Sentindo-se só. D. Afonso, Duque do Porto, resolveu casar-se com uma escritora americana, Nevada Stoody Hayes. Foi viver então para Nápoles, onde faleceu com 54 anos. Está o seu corpo no Panteão dos Braganças, em Lisboa. Deste modo, desapareceu de cena uma das figuras mais carismáticas do seu tempo, um príncipe bombeiro e mecânico, amado pela gente simples alfacinha. Não posso deixar de recordar ainda as figuras sampedrenses de Mário Clemente e de Manuel Borges, amigos do meu Pai e, igualmente, admiradores de D, Afonso e dos Tavares de Mello.
António Moniz Palme – 24/06/2021
Edição 807 (10/06/2021)
Combatentes, as vítimas de sempre (Segunda Parte)
Continuando na linha de raciocínio da Primeira Parte deste artigo, os militares portugueses, desde o oficial ao tarata, quando da Primeira Grande Guerra Mundial, embora contrariados, não desertaram e partiram para morrer aos milhares nas trincheiras da frente francesa. O mesmo acontecendo em Angola e em Moçambique. Mas aí todos os portugueses acorreram com entusiasmo às fileira, pois pretendiam voluntariamente defender os territórios coloniais contra a invasão alemã, apesar de mal armados, de mal fardados, de mal calçados e sem a mínima preparação militar. Sendo assim, os que na altura combatiam em nome do Exército Português, contrariados ou não, cumpriram as suas obrigações, embora determinadas por um governo odiado pela generalidade do Povo.
Ora, durante a Guerra Colonial, os que foram mobilizados cumpriam os deveres determinado pelo Governo então responsável, quer concordassem ou não com o mesmo. A gente da Metrópole, após a preparação militar adequada, lá ia para o Ultramar. Os naturais de cada território, independentemente da virtude ou da pouca virtude das ordens superiores recebidas, engrossavam as fileiras do exército português, batendo-se com denodo e morrendo em nome de uma Pátria que, no momento, era a sua…! Por essa razão, ambos os tipos de combatentes, tanto os naturais da Metrópole, como os naturais de cada Província, têm que ser respeitados e protegidos pelas instituições vigentes, isto é, pelos governantes actuais. Como combatentes na defesa de Portugal, ganharam direitos intocáveis perante a comunidade, pois actuaram em nome dos interesses superiores do seu País. Se estavam, no lado errado, tal não lhes dizia respeito, estavam a cumprir ordens superiores e todos, sem excepção, terão que ser acarinhados e protegidos pelas instituições do actual estado soberano, a que pertencemos.
No Parlamento, quando em Espanha houve uma tentativa para impedir o progresso da Vida Democrática e o Rei teve a coragem de condenar os revoltosos, na altura, como deputado, na Assembleia da Republica, fiz uma intervenção criticando a tentativa havida para acabar à força com a Democracia no País Irmã e aproveitei para declarar que teriam que ser rigorosa e prontamente cuidados, em Portugal, os interesses de todos os antigos combatentes do Ultramar, completamente abandonados pelos governantes portugueses. Mas, referi-me tanto aos de cá, nascidos na Metrópole, como como aos de lá, oriundos dos diversos territórios coloniais e que muitos deles, ainda por cima, continuavam a viver debaixo da nossa bandeira. E invoquei o respeito pelos direitos sagrados dos combatentes, por ser a vontade da esmagadora maioria dos portugueses. E tomei essa atitude para que, no futuro, não haja qualquer justificação para um desrespeito ao Estado Democrático, onde todos pretendemos viver. Os iluminados do costume, à volta com os seus traumas pessoais. criticaram-me por me atrever a defender os antigos combatentes. Não entendiam que a sua defesa era a defesa da própria Democracia e da Liberdade. Na realidade, ousei e atrevi-me a ofender a pituitária daquelas múmias paralíticas bem pensantes, que não gostavam dos combatentes e ficaram incomodados com a minha defesa intransigente dos interesses dos que se bateram no cumprimento das suas obrigações, pelos vistos, atitude politicamente incorrecta. Recordo bem, que o entrevistador de uma Rádio ficou espantado quando verificou que tanto eu como o deputado César Oliveira, da esquerda socialista, já falecido e cuja Casa da Cultura de Oliveira do Hospital tem o seu nome, tínhamos a mesmíssima opinião, condenando a invasão militar das Cortes e, por outro lado, exigindo, veementemente, a defesa de todos os combatentes portugueses, fosse qual fosse o lugar de nascimento ou a cor da sua pele. Os combatentes devem merecer o respeito da colectividade, sendo galardoados pelos seus feitos heroicos na altura, e protegidos nos seus problemas de saúde e nas confusões familiares, consequência da Guerra do Ultramar. As suas cruzes de guerra merecem o respeito de todos e que cada cidadão lhes tire respeitosamente o chapéu. Os chicos espertos, tentando agradar não sei a quem, tentaram insinuar que, defendendo todos os combatentes, estava a defender a posição dos militares espanhóis que entraram nas Cortes, para derrubar a vida democrática. Um disparate continuado de uns falsos intelectuais, ainda por cima de má fé, a tentar impedir que alguém defendesse a Verdade e os interesses dos que lutaram pela salva guarda dos Interesses Portugueses. Bem depressa tiveram que engolir as injustas críticas, perante o elogio por mim feito ao Rei D. Juan Carlos. No fundo, estiveram a tentar desviar a atenção do Parlamento, para não ser ouvida a defesa dos combatentes da Guerra Colonial, que ali tinha sido feita. Tive o prazer de receber inúmeras mensagens de incondicional apoio pela minha intervenção.
Actualmente, veio à baila o problema dos combatentes e o facto de o governo desde sempre não ligar nenhuma aos seus problemas, como todos sabemos. Após o falecimento do Ten. Coronel Marcelino da Mata, que nunca renunciou à nacionalidade portuguesa e acreditou naqueles que o chamaram às fileiras, foi levantado mais uma vez a situação de abandono dos combatentes. Ora, Combatentes são todos os que deram o corpo ao manifesto, na defesa da Pátria, mesmo na defesa de posições que, segundo os actuais valores, estavam erradas. Sabemos bem como esses pobres militares foram explorados pelo anterior regime e depois escandalosamente abandonados. Não têm culpa nenhuma. Terá que lhes ser feita justiça e os responsáveis não podem ter receio das atitudes como foi a do acompanhamento do corpo de Marcelino da Mata à última morada.
– António Barreto, o grande homem da Cultura, da Democracia e da Liberdade, com a sua profunda sabedoria e sensatez, bem dizia que a Comunidade tem que honrar todos os que combateram por ideais e no cumprimento das suas obrigações militares. Todos merecem o respeito da Comunidade Portuguesa que, aliás espontaneamente respeita e louva os que se sacrificaram. Na altura, na sua boa fé, cumpriam os seus deveres.
Edição 806 (27/05/2021)
Combatentes, as vítimas de sempre (Primeira Parte)
Era muito novo quando começou a guerra do Ultramar. Com o espírito de cavaleiro andante próprio de determinada idade, sempre pronta a sonhar com feitos heroicos, candidamente suspirava pela altura em que pudesse defender os interesses do Pais. Contudo, cheguei à conclusão de que os dramas passados no Ultramar, tinham muita coisa que se lhe diga e que eu, nem pouco mais ou menos dominava. Os nossos territórios coloniais estavam cheios de portugueses oriundos das províncias mais pobres e atrasadas do continente. Desde sempre, foi iniciado um processo de desenvolvimento vagaroso, mas firme, a pulso como antigamente se dizia, à base do pequeno comércio, das obras públicas, nomeadamente na construção de grandes vias de penetração por todos os territórios, e da gradual implantação de estruturas de um País civilizado, com a qual os restantes países, diga-se a verdade, abriam a boca de espanto. Porém, O desenvolvimento quedava-se por aí. Pelos vistos, parecia haver o receio de educar e civilizar as populações indígenas, como era a nossa inteira obrigação. Os quadros administrativos locais eram sempre oriundos da Metrópole, estando uns anos no local e voltando à terra natal. Jamais a gente da terra ocupava os lugares de topo das diferentes hierarquias… Esse era o drama que começava a despontar e de que rapidamente me apercebi!
Numa ida com o Orfeon Académico de Coimbra a Angola, tivemos conhecimento de que o Governador de Malange e sua Mulher, que não eram brancos, davam uma recepção, para festejar qualquer acontecimento. Ficámos radiantes e um pequeno grupo partiu rapidamente para saudar o Sr. Governador, pensando logicamente ser um natural daquela Província. Após beijarmos respeitosamente a mão da Mulher, tivemos uma enorme desilusão quando constatámos que o casal em questão não era angolano e sim de Cabo Verde, tendo iniciado a carreira na Metrópole, onde pensava radicar-se. Ali estaria apenas o tempo necessário para o marido ser promovido. regressando imediatamente para o bem estar europeu. Na realidade, o Estado Novo tinha esquecido aquilo que tinha aprendido com os Comissários Régios, afastando-se definitivamente das doutrinas de António Enes, dos ensinamentos de Mouzinho de Albuquerque, de Freire de Andrade, de Eduardo Costa, de Aires de Ornelas, de Paiva Couceiro e do republicano Norton de Matos, que pretendiam a aplicação a cada território de uma lei orgânica adaptada às condições locais e à cultura das populações, conseguindo-se desse modo um desenvolvimento paralelo, normal e sem o permanente choque das diferentes culturas. A solução era afirmar o valor das instituições tradicionais e dos costumes gentílicos, mantendo-se a relevância jurídica das mesmas, perante a legislação geral do País, único modo de se franquear permanentemente uma porta para a entrada dos naturais, nas diferentes hierarquias da administração. Porém, foi feita tábua rasa das mesmas, sendo afastadas as instituições gentílicas que desde sempre tinham sobrevivido sem contratempos de maior, como era o caso do casamento, da sucessão e de outros institutos em que se desenvolvia a vida social das colectividades nativas. Contrariando tal espírito dos sucessivos governantes que conheciam África como as suas mãos, foi criado um mal fadado Estatuto do Indigenato que considerava o natural da terra um ser limitado, inacabado, como referia Almeida Santos, no 1º Vol. das suas “Quase Memórias”, e. por consequência, afectado de menoridades várias, que reclamavam uma estranha protecção da Administração. Assim, não podiam casar sem autorização, a não ser pelos seus usos e costumes, casamentos esses que lamentavelmente não eram reconhecidos pela lei portuguesa, o mesmo se passando com os costumes familiares e com os seus negócios comerciais e cívicos. Nada podiam comprar ou vender e eram obrigados a pagar o imposto de palhota, não se podendo deslocar livremente para fora da sua terra e tendo que andar sempre acompanhado por uma caderneta onde estavam os seus dados. Que raio de protecção era esta, perguntava eu aos meus botões…! Em vez de uma Lei Orgânica que aceitasse os usos e costumes das populações autóctones de cada província ultramarina, foi imposta a Lei Geral do País, apenas aos chamados Assimilados, um pequeno grupo de naturais que acediam a tal situação por um acto discricionário da administração, um funcionário muitas vezes de letras gordas… O resto da população, a esmagadora maioria, vivia isolada nos seus direitos e deveres, consuetudinários, sem qualquer protecção por parte das autoridades. Ainda por cima, não existiam incentivos para o desenvolvimento cultural em cada província, para ultrapassar a situação dos não assimilados. Adriano Moreira quis acabar com essa situação, concluindo que a Administração devia reconhecer o normativo tradicional que regulava a vida das colectividades autóctones. As comunidades indígenas deviam ver reconhecida a autoridade e o prestígio dos seus chefes tradicionais através da concessão às suas pessoas de um mais largo leque de competências, de uma maior autoridade e importância que garantissem aos indígenas a eficiência dos seus normativos tradicionais.
Adriano Moreira, o grande humanista português, que compreendeu planetariamente o sentido do Império Português, sabia bem qual a terapêutica necessária para resolver os males e estancar o processo desastroso que iria forçosamente acabar numa independência envenenada e no caos absoluto. Assim, após ter criado escolas superiores em Angola e em Moçambique, acabou sem qualquer hesitação com o Estatuto do Indigenato. Iria iniciar a preparação para a Autonomia, fossem qual fossem as consequências. Claro que foi prontamente corrido do Ministério do Ultramar…!
Entretanto, a guerra decorria, calma e silenciosa. Embora com o domínio do exército continental, a oposição dos autóctones crescia de dia para dia.
E a rapaziada que no meu tempo entrava nas fileiras do Exército, dispondo-se prontamente, se preciso fosse, a sacrificar-se pelos interesses do seu País, começou a ter dúvidas. O Meu Pai que conhecia bem África, perguntou-me o que esperava dele, se eu pretendesse sair de casa e constituir uma família independente? Respondi que certamente me apoiaria…! Ora, no Ultramar, passa-se o mesmo! Com esta calou-me e passei a ver a problemática colonial por um prisma totalmente diferente. Se era assim o problema, que faria quando eu e o meu Irmão fossemos mobilizados ?!!! E o meu Pai explicou-me que o País tinha um Governo e era o mesmo que determinava os caminhos a seguir. Até a alteração do seu pensamento, teríamos que obedecer, mesmo sacrificando a própria vida. Os portugueses que foram para a Primeira Grande Guerra Mundial, cumpriram as ordens de um governo incompetente e déspota, que não respeitava a maioria da vontade do Povo Português. Ora. na verdade, o poder estabelecido que mantinha a guerra colonial, com uma confrangedora falta de visão política, contrariava o pensamento político mundial, as opiniões avassaladoras da chamada” África Negra” e satisfazia o desejo das grandes potências de deitarem a mão às matérias primas e riquezas dos nosso territórios coloniais. Enfim, políticos inconscientes que apenas queriam defender a sua posição política pessoal, insustentável até perante os nossos aliados tradicionais, não se importando que o Império fosse tomado por “aprendizes de feiticeiro” e pelo comunismo internacional.
27/05/2021
Edição 805 (13/05/2021)
Cristóvão Colón – a descoberta de Cuba (Segunda Parte)
Na primeira Parte, reduzi ao máximo os argumentos que sustentam a tese do escritor Mascarenhas Barreto, contidas em centenas de páginas, matéria um bocado extensa para um artigo na nossa Gazeta. Claro que não posso deixar de aconselhar, para uma visão mais profunda, que leiam Mascarenhas Barreto, cuja opinião tem sido aceite ultimamente por grandes nomes da cultura mundial.
Cristóvão Colón enviuvou e, para calar a má língua de uma facção da elite castelhana, mudou-se juntamente com o filho Diogo, com armas e bagagens, para o País vizinho, cujos Reis Católicos servia.
Muitos tentaram, mais tarde, lhe fossem retiradas as honras nobiliárquicas espanholas que recebeu e as comendas e pensões com que o seu trabalho foi galardoado, como descobridor. O filho mais velho teve muitos amargos de boca na defesa da honra e do nome do seu pai que estavam a ser fortemente enxovalhados.
Mas vejamos alguns elementos elucidativos de todo este romance histórico. Nem Cristóvão Colón nem os filhos usaram o nome “Colombo” (pomba em italiano) e já havia famílias Colombo, em Portugal, há muito tempo.
Cristóvão Colón tudo enredou para esconder o seu nascimento e adolescência, assinando o seu nome com uma firma cabalística, continuando, oficialmente, tanto a sua naturalidade como a origem familiar, na maior obscuridade.
Não sabia uma palavra de italiano e quando necessitou de enviar uma carta para um banco italiano, escreveu num espanhol arrevesado, uma espécie de “espanholês”, como agora apelidamos o castelhano falado por certos portugueses. A Rainha Isabel a Católica aceitou as ideias e os projectos de Colón, por insistência dos padres portugueses Frei João Peres e Frei António Marchena, o último confessor da Rainha e com grande influência na mesma.
A correspondência mantida com Toscanelli, o conhecido cartógrafo, foi escrita em português, e este referia-se a Colón, como o “Português”.
Todos sabem que os agentes secretos, através da história, não podiam revelar a sua ascendência e naturalidade. Após se saber publicamente do Achamento do Brasil, os conselheiros castelhanos acusaram-no de ter favorecido a consumação do Tratado de Tordesilhas, desviando as atenções da possível existência de um continente a Ocidente. Verdade nua e crua. Na realidade, o receio que D. João II mandasse meter a fundo a esquadra de Colón, em pleno alto mar, forçou os Reis Católicos a assinarem o Tratado de Tordesilhas e, desse modo, a partilharem o mundo à feição da vontade de D. João II
Existem cartas significativas de D. João II para Cristóvão Colón, no arquivo dos Duques de Verágua, escritas pelo Rei Português, datadas de Avis, no ano de 1488
Cólon aprendeu a navegar com os portugueses, sabendo quais os métodos secretos dos nossos navegadores, nomeadamente para avaliar a desafinação das agulhas de marear (Bússolas)
Quando regressou da Primeira Viagem, após ter descoberto Cuba e Haiti, o que era natural é que imediatamente partisse para Palos de onde tinha saído a 8 de Agosto de 1492. Mas não, foi cumprimentar e falar ao Rei D. João II e foi ainda fazer uma visita de cortesia à Rainha D. Leonor que estava num Convento, fora da capital. Significativo…!
Mal morreu Isabel a Católica, o seu marido, Fernando, afastou da Corte Cristóvão C0lón, que morreu em Valladolid só e na miséria, vítima das calúnias levantadas, pois não passava, segundo diziam, de um testa de ferro da Coroa Portuguesa.
Não sou um investigador histórico a tempo inteiro, pois sempre tive que ganhar a minha vida no exercício da advocacia. Todavia, procurei, neste artigo, mostrar alguns elementos significativos da razão por que reconheço Cristóvão Colón, como um navegador português, com um comportamento estranho idêntico ao de um pau mandado de D. João II. Se não é, parece…!
Vou relembrar uma série de circunstâncias bem significativas. Cristóvão Colón descobriu Cuba e a “Hispaniola” (Haiti), além de outras ilhas, tendo andado ao largo da costa ocidental da América Central, naturalmente sem consciência de tal. Pois bem, descoberta Cuba, uma das maiores ilhas do Mar das Caraíbas, em 1492, baptizou-a com o nome de Ilha de Juan, nome do filho dos Reis Católicos. Mas por causa da má língua e sabendo do falecimento do Príncipe, alterou o nome para Cuba. Na verdade, os seus opositores sempre seriam tentados a referis que estava a homenagear D. João II E porquê Cuba? No íntimo estava a homenagear a terra onde nasceu, Cuba no Ducado de Beja. Para arranjar uma boa desculpa, dizia que o nome proveio da palavra “Colba”, toponímico indígena dos nativos “Taina”, que queria dizer terra. Contudo tal palavra tinha uma vocalização bem diferente de Cuba…! Mas, como já referi numa publicação anterior sobre tal tema, perante as dúvidas e acusações feitas à sua pessoa, pondo em causa a sua lealdade a Fernando e Isabel, deu como explicação do nome escolhido a palavra gentílica referida. E o nome Cuba foi adoptado pelos indígenas e pelos posteriores colonizadores, mantendo-se através dos tempos e ultrapassando todas as possíveis vicissitudes.
A beber um “mojito”, em Havana, bem me lembrei dos navegadores portugueses, grandes intervenientes da História da Descoberta do Novo Mundo…
António Moniz Palme 2021
Edição 804 (29/04/2021)
Cristóvão Colombo e a sua falsa naturalidade (Primeira Parte)
Quando um jogador de futebol é mesmo bom, todos os países o querem nos seus clubes profissionais, muitas vezes, sussurrando-lhe que se obtivesse a dupla nacionalidade, poderia representar internacionalmente o país onde presentemente é uma estrela. Contudo, a dupla nacionalidade resolve prontamente tal impedimento. Estamos a falar dos tempos actuais, pois em épocas passadas os processos eram bem tenebrosos e escuros quanto baste.
Vejamos;- quado começaram os descobrimentos e como tal matéria era completamente dominada pelos portugueses, os países que não tinham descobridores nem uma máquina montada para navegar pelos mares e mundo desconhecidos, começaram a dar voltas à cabeça para tentar arquitectar novos “Ulisses” e “ Jasões” , nem que fossem roubados a Portugal. E se tal não conseguissem, inventavam descaradamente, aproveitando confusões conjunturais.
Como tenho referido em vários artigos, após a descoberta do Caminho Marítimo para a Índia, as praças comercias da Península Itálica foram à vida, não aguentando a concorrência dos preços dos produtos orientais, trazidos pelos portugueses. Em Génova, havia uma central de mentirosos, alguns com hábitos talares para melhor fazerem passar as suas perfídias e invenções contra os portugueses, para tentar a sua destruição. E, desconhecendo o que é o secretismo templário consagrado pela Ordem de Cristo, não percebendo a figura e a estranha personalidade de Cristóvão Colombo, logo lançaram ao mundo a atoarda de que o pretenso descobridor do Caminho Marítimo para a Índia, pelo Ocidente, seria um genovês. Nas suas investigações, nada tinham encontrado palpável para a identificação da sua terra natal. Esqueceram-se que a sociedade medieval tinha princípios invioláveis, tinha estratos sociais que se não misturavam, que havia mistérios de família secretíssimos de que ninguém tinha conhecimento. Em Portugal, quando uma senhora casada tinha um filho de pessoa que não era o marido e quando o homem casado tinha um filho fora do casamento, para não cair o Carmo e a Trindade, a situação era envolvida por um segredo de morte. Quem se atrevesse a revelar o que quer que fosse, ficaria certamente com o pescoço cortado…! Porém, esquecendo-se de tais circunstâncias e do secretismo templário que influenciou toda a elite portuguesa, os escrevinhadores do costume inventaram que Cristóvão Colombo, seria genovês, filho de um cardador de lã, um simples tasqueiro que vendia vinho ao copo! E tal circulou até em Portugal, aproveitando os inventores das atoardas da ignorância e da impreparação de alguns intelectuais da nossa praça em matéria de investigação histórica, não contando já com as circunstâncias concretas que impediam as próprias vítimas de esclarecer a verdade. Por motivos que todos sabem, não convinha revelar qual a naturalidade deste falso genovês, ainda por cima quando a má língua castelhana espalhava que os Reis Católicos não deviam confiar a chefia de uma armada a alguém que estava feito com os portugueses, nomeadamente com D. João II…!
Pois bem, a falsidade perdurou pelos séculos até aos nossos dias. Porém, já no nosso tempo, o investigador e escritor Mascarenhas Barreto, no seu livro “ O Português Cristóvão Colombo, Agente Secreto do Rei D. Joãp ii”, acrescido de dois volumes de documentação probatória, por si recolhida, sobre a pátria do questionado navegador, de forma lapidar e bem documentada, afastou a tese de que Cristóvão Colombo era genovês. As discussões sobre este tema foram então acesas. Infelizmente, apareceu na liça gente inteligente mas que não tinha preparação suficiente para tomar atitudes de oposição à tese de Mascarenhas Barreto de que o descobridor genovês afinal era português. Não estou para me meter em mais discussões, pois verifiquei na ocasião do aparecimento desta publicação que muitos intelectuais perderam pouco tempo na necessária investigação de documentos existente na Torre do Tombo e em outros locais do estilo, exibindo uma sólida e, por vezes, escandalosa ignorância. Alguns até eram pessoas intelectualmente responsáveis, que bem conhecia e até de quem era amigo, mas com quem não podia concordar pela incompreensível ligeireza das suas apreciações. Volto a falar no problema, pois encostaram-me à parede, pedindo para esclarecer a confusão existente com a nacionalidade de Cristóvão Colombo. Ora bem, pelo que sei e até prova em contrário, nasceu em Cuba, no nosso Alentejo, em 1448 e não em 1451, como refere o comentário saído da imaginação do falso historiador genovês. Na verdade, o verdadeiro nome do navegador é Salvador Fernandes Zarco, filho bastardo do Infante D. Fernando, um dos filhos do Rei D. Duarte. D. Fernando, neto de D. João I, estando casado, teve um romance proibido com uma jovem judia, D. Isabel da Câmara, em resultado do qual nasceu um filho ilegítimo. Devo esclarecer que D. Fernando, Duque de Beja, era Mestre da Ordem de Cristo e Condestável do Reino. E para o situarem na História convenientemente, e como já referi, D. Fernando, filho de D. Duarte, era por consequência irmão do Rei D. Afonso V e pai do futuro Rei D. Manuel e da mulher do Rei D. João II, a Rainha D. Leonor.
Usando o nome de Cristóvão Colon, muito jovem, entrou na Ordem de Cristo, onde não entrava qualquer um. Os filhos de algo com sangue judeu faziam lá a sua educação, visto não poderem frequentar a Corte. Foi por pertencer à Ordem de Cristo que, independentemente de outros motivos, teve um salvo conduto especial de D. João II para acostar em Lisboa, no regresso da sua viagem, o que realmente aconteceu em 1488, onde inclusivamente, após conversações com o Rei Português, foi visitar e foi recebido pela Rainha D. Leonor, pelos vistos, sua meia Irmã!!! Anteriormente, teve que atracar nos Açores, na Ilha de Santa Maria, para tomar água e proceder a reparações, tendo sido preso pelas autoridades portuguesas que imediatamente receberam ordens determinantes da capital para permitirem a sua partida para Lisboa. Muito estranho!!!
Em 1478, tinha casado com Felipa Moniz Perestrelo, filha de Bartolomeu Perestrelo, descobridor do Porto Santo, e de D. Isabel Moniz, pertencente a uma das famílias mais ilustres do Reino. Na maneira de pensar da época, como já tive ocasião de referir, era insustentável que um casal da maior nobreza portuguesa permitisse o casamento da filha com um aventureiro estrangeiro, filho de um cardador de lãs e que, para cúmulo não sabia uma palavra de italiano..!. Igualmente era impossível tal casamento com alguém que não fosse do círculo da maior nobreza portuguesa. O casal esteve a viver no Porto Santo, numa casa que ainda existe e que é procurada pelos que visitam a bonita ilha.
Devo acrescentar que Cristóvão Colon quando partiu para a primeira viagem, a sua esquadra encontrou, em pleno mar, uma nau portuguesa que vinha pedir reforços a Lisboa, pois Arzila, uma das praças portuguesas do Norte de África, estava a ser atacada por um fortíssimo exército árabe. Estranhamente, Cristóvão Colombo alterou imediatamente o rumo e partiu em direcção à fortaleza em questão, fazendo fugir o exército atacante. Só após estar tudo calmo, levantou ferro novamente. É muito estranho, não é?
Estes são argumentos significativos sobre a sua naturalidade e sobre as suas relações com D. João II. Fiquemos por aqui
António Moniz Palme – 29/04/2021
Edição 803 (15/03/2021)
Visita do Barão de Rothschild a S. Pedro do Sul. E esta hein?!!! (2ª parte)
A fotografia de Henri Rothschild foi tirada no Jardim da Rua do Salitre, em Lisboa
Houve um jantar em sua honra, na casa da minha Avó, Viscondessa de S. Pedro do Sul, mãe do meu Pai. Na altura, recordo a enorme nervoseira por parte de toda a minha provinciana família, de todos respeitadora, a querer receber principescamente uma personalidade que na época andava pelas bocas do Mundo, mas que era de uma religião diferente da nossa. No fundo, Henri Rothschild veio a S. Pedro para homenagear os Moniz, agradecendo pessoalmente tudo o que por Ele tinha sido feito…! Foram convidados os parentes e amigos íntimos para a recepção ao Barão de Rothschild, seguida de um jantar bem português. O meu Pai não concordava que, nas refeições de cerimónia, o cardápio fosse constituído por pratos sofisticados franceses, como era costume, que nada diziam com a nossa cultura e tradição. Foi então estudado meticulosamente um menu que nos representasse, mas que não criasse melindres com as limitações gastronómicas judaicas. Lembro-me da governanta, a querida Margarida Bastos Pina, num frenesim para saber qual o tipo de doce que devia ser servido a tão ilustre hóspede, visto estar fora de questão a possibilidade do caseiro “Abade de Priscos” pela sua necessária composição com banha de porco! Calculo bem que os Pasteis de Vouzela fizeram parte da sobremesa, além de ovos moles de Aveiro, mandados vir expressamente pelo Vale do Vouga e que Henri tinha apreciado muito quando os tinha provado antes. Igualmente, deduzo que as “Migas à Moda de S. Pedro do Sul”, prato histórico obrigatório em refeições de responsabilidade, foram certamente servidas. Devo dizer que o Barão de Rothschild gostava sempre de tudo, mesmo que fossem produtos contra os seus hábitos religiosos. Por esse motivo, a cautela na escolha ainda era maior. Perdia a cabeça com os doces caseiros. Os elogios às minhas Tias pelo doce de abóbora, que acompanhava o requeijão, foram mais do que muitos. Antes de regressar a Lisboa, convidou a Família Moniz para um elegante jantar no Hotel Palace, acompanhado pela música de fundo de um conjunto de cordas, naturalmente contratado na altura, chefiado por um violinista que, junto das mesas, exibia a sua arte, como a minha imaginação calcula.
Devo dizer que o meu Pai andou a mostrar ao visitante as belezas de Lafões e todos os recantos de Vouzela e de S. Pedro. Quando Henri morreu, penso que em 1947, os meus Pais manifestaram à Família o seu pesar, o mesmo acontecendo quando o meu Pai faleceu em 1969. Nessa altura, um dos filhos, que se encontrava muito doente, pediu à minha Mãe para ir com os filhos fazer-lhe uma visita a França, a sua casa, onde ficaríamos. Infelizmente, não pudemos aceitar tão honroso convite, atendendo ao súbito falecimento do Anfitrião. Como calculam, tive imensa pena de não aproveitar a oportunidade para conhecer melhor os Rothschild…!
15/04/2021
Edição 802 (25/03/2021)
Visita do Barão de Rothschild a S. Pedro do Sul. E esta hein?!!! (1ª parte)
O nome Rothschild faz parte, no Mundo Ocidental, dos mitos misteriosos que a generalidade relaciona apenas com bons vinhos, com paragens luxuosas e com automóveis topo de gama. Esta é a realidade. Muitas vezes, nem sequer se dão ao trabalho de pensar como serão os seus representantes, imaginando que são intocáveis e invisíveis. Como são judeus ricos, logo deduzem que serão sionistas e com outras estranhas qualidades!!! Enfim, um desconhecimento total dessa gente, sendo Eles iguaizinhos aos restantes mortais.
Pois bem, o Barão de Rothschild, de que estou a falar, chamava-se Henri James Nathaniel Charles, era médico e dramaturgo sob o pseudónimo de André Pascal, e era o principal representante da Família. Acrescentarei que esteve em S, Pedro do Sul, em meados do Século passado. Vou tentar reconstituir o que motivou essa visita. Eu era ainda muito novo e naturalmente só consigo recordar o que a minha pouca idade podia assimilar.
Quando da invasão da França, pelos Nazis, durante a Segunda Grande Guerra, os judeus procuraram refúgio em várias partes do mundo onde não pudessem ser incomodados. Claro que muitos milhares deles foram apanhados e famílias inteiras acabaram nos fornos crematórios dos Campos de Concentração. Tal é um ponto assente e triste que todos conhecemos.
A minha Mãe, Maria Frederica Ressano Garcia, muitos anos antes do início da Segunda Grande Guerra Mundial, juntamente com a Mãe, acompanhou uma irmã mais nova, Maria Eugénia, a França, onde teria que passar uma grande temporada para ser submetida ao tratamento a uma luxação numa anca, tratamento esse que, na altura, não existia em Portugal e, com sucesso e o mais perto da nossa Terra, apenas em Paris. Entretanto, a minha Mãe conheceu uma filha do Barão de Rothschild, Nadine, de quem ficou amiga para sempre e que acabou por arranjar um emprego para a minha Tia, como secretária do Pai. Nessas funções tratava de toda a correspondência em línguas portuguesa e castelhana. Aliás, essa foi a única possibilidade da minha Tia poder permanecer tanto tempo de tratamento em França. Assim, foi sendo criada uma sólida amizade entre a minha Família e os Rothschild.
Quando a guerra deflagrou, o principal elemento da família, Henri de Rothschild, veio para Portugal onde veio refugiar-se junto dos amigos de confiança, nomeadamente a Família Ressano Garcia. A minha Tia prontamente lhe arranjou, em 1941, uma casa discreta, para os lados da Av. António Augusto se Aguiar, em Lisboa. Mais tarde, nunca abandonando o velho amigo, a quem muito devia, em 1942, ajudou a mudança da residência para o Estoril, para a Av. Afonso de Albuquerque, onde ficou devidamente instalado. Acontece que as coisas foram-se agravando e o ambiente em matéria de espionagem e de assassinatos era de cortar à faca…! Todos temiam um atentado ao velho Barão, que estava a ficar com menos saúde e mobilidade, devido à idade. Havia ameaças veladas, feitas por parte de germanófilos, anti-semitas, e de esbirros dos nazis, instalados em Portugal, onde circulavam com a deplorável condescendência da neutralidade das autoridades. A certa altura e durante uma doença, resolveram os seus amigos não confiar em ninguém e o Barão deixou a sua casa, onde permaneceu o seu pessoal, fingindo tudo continuar na normalidade, e passou a viver e a pernoitar em casa da minha Avó, na Rua do Salitre, na velha Lisboa, onde esteve alguns anos, sentindo-se devidamente protegido e tratado como família. Ocupava uma enorme parte da casa, uma espécie de apartamento, com um enorme quarto, uma sala privativa e um jardim. Lá recebia as visitas dos amigos íntimos e lá se manteve, até terminar a guerra. Lembro-me perfeitamente da sua figura simples e da sua simpatia. Sei que admirava o meu Pai e achava-se devedor de favores incomensuráveis em relação à sua pessoa. Nunca consegui sabe bem qual motivo de tanta admiração. Claro que desconfio, mas se o meu querido Pai nunca mo disse, não tenho legitimidade de estar agora a sugerir hipóteses! Entretanto, nós íamos passar sempre uma temporada, na Quadra Natalícia, a Lisboa, a casa da Minha Avó Joana e lá víamos o importante hóspede da Família que, oficialmente, tinha residência numa casa onde só ia a reuniões profissionais com gente por nós desconhecida. Como já referi, Henri Rothschild tinha uma grande admiração pelos meus Pais e a sua amizade estendia-se a nós. Escreveu uma mensagem no “Livro de Bebé” da minha irmã Maria Eugénia, cuja assinatura aqui reproduzo. Atendendo a essas circunstâncias, antes de partir definitivamente para França, foi passar uns dias ao Hotel Palace, às Termas de S. Pedro do Sul.
Henri Rothschild escreveu uma mensagem no “Livro de Bebé” da minha irmã Maria Eugénia, cuja assinatura aqui reproduzo
Edição 801 (11/03/2021)
Sinédrio, um movimento nortenho de civis, para pôr na rua os ingleses e criar uma Constituição Liberal (Segunda Parte)
Apareceu no Porto, na ribalta da política local, um natural da bonita e provinciana Figueira da Foz, que se formou em direito pela Universidade de Coimbra. Lá deu os primeiros passos nas controvérsias sociais. Claro que percorreu, com a sua juventude, e como a maioria da rapaziada universitária, todas as vertigens dos extremismos, incluindo os ideais republicanos, sonhando romanticamente com Simão Bolívar a dar constituições aos novos países da América do Sul. Provou de todas as mezinhas revolucionárias que apanhou pelo seu caminho. Porém, perante a moda da maçonaria, não esteve para perder a sua independência de espírito. È verdade. .Após a estadia em Coimbra, acabou por rumar para o Porto onde, em 1817, era desembargador do Tribunal da Relação da Cidade Invicta. Foi este o grande herói que para nós conquistou a Liberdade. Perante a letargia dos intelectuais da nossa praça e as opiniões desencontradas dos militares, apesar de toda a população estar dominada por uma ditadura militar inglesa, diga o que se disser, resolveu fundar uma associação secreta, denominada Sinédrio, para tentar preparar uma constituição liberal. Várias outras pessoas se reuniram nesta iniciativa, desde José Ferreira Borges, advogado na Relação, secretário da Companhia dos Vinhos do Alto Douro, José da Silva Carvalho, Juiz dos Órfãos e João Ferreira Viana, comerciante por grosso. Mais tarde, aderiram ao Sinédrio outras quatro personagens da vida pública do Porto, Duarte Lessa, José Maria Lopes Carneiro, José Gonçalves dos Santos e Silva e José Pereira de Menezes. As suas reuniões rodearam-se de grande secretismo. Começaram por ser feitas na Foz do Douro, mas passaram a ser no Porto profundo para não dar nas vistas. E tão bem passaram despercebidos, que o comandante da polícia nunca fez alusão às suas actividades, referindo, quando falava no Porto, haver um certo mal estar, provocado pelo atraso no pagamento do pré aos militares Esta situação, apesar de o Sinédrio ter começado a ter contactos em vários pontos do Norte e do Centro. Mas conseguiu nunca ser considerado suspeito.
Porém, em 1820 um facto novo veio alterar a programação revolucionária do Sinédrio. Na verdade, os espanhóis que tinham suspenso a Constituição liberal de 1812, para a substituir, por uma absolutista, em 1814,deram a volta ao cenário político e o Rei Fernando VII jurou a Constituição de 1812, entrando a Espanha novamente na vida política liberal.
Ora, se o Sinédrio tinha estado a sofrer as pressões dos absolutistas espanhóis, a partir de então, passou a ser assediado permanentemente pelos liberais castelhanos que pretendiam formar com Portugal uma frente liberal que se opusesse aos desígnios da Europa Absolutista, e à enorme agitação que levedava perigosamente no país vizinho.
Foi então enviado, pelos “nuestros hermanos” um general para tentar criar uma aliança peninsular contra o absolutismo. Esse emissário era um general, de nome D. José Maria Pando, que andou por todo o País a tentar subverter os portugueses. Aproveitou o facto de Beresford ter ido ao Brasil pedir mais dinheiro para aumentar o número de baionetas portuguesas, assustando a Corte de D. João VI com a possível invasão feita na Europa, por Espanha, como represália por, no Brasil, termos, ocupado a margem esquerda do Rio da Prata e tomado Montevideu, circunstância completamente cá desconhecida, tanto pelo povo castelhano como pelo povo português. Mas, na verdade, foi uma sorte a ausência de Beresford., pois as actividades desse general centravam-se numa loja maçónica de Madrid, que tinha delegações em vários centros europeus, e de que era venerável figura um tal Xavier de Burgos. Ora, D. José Maria de Pando era membro dessa loja. Simplesmente, o mal não era o liberalismo com que sonhavam, mas sim o facto de serem Iberistas, isto é, pretendiam a união de Portugal e da Espanha, a qualquer preço, formando um único reino, constituído por sete repúblicas duas das quais eram formadas pelo território português. Vendo-se assediado por estes Iberistas, nomeadamente por um esbirro do General, o Coronel Barrero, foi feita uma reunião num jardim da Rua de Cedofeita, pela calada da noite, Nela o espanhol prometeu dinheiro e um exército que já estaria na fronteira galega à espera de ordens. Fernandes Tomás e os seus companheiros, sabendo tal, acabaram as negociações, declarando que iriam fazer a revolução liberal, só Deus sabendo o que lhes poderia acontecer, mas “unir Portugal a Espanha NUNCA. Perder a nossa independência, nunca”. O Espanhol ainda rosnou que seria um perigo se os ingleses tivessem conhecimento deste encontro, isto é, prosaicamente ameaçou denunciar os portugueses à Polícia Inglesa, liquidando assim o Sinédrio de uma só penada. Nesta perspectiva, o Sinédrio imediatamente juntou todos seus apoiantes, muitos deles que se reuniam na Beira, no Minho e em Trás-os-Montes. Alinhavaram à pressa os princípios que iriam pautar a revolução e perante a permanente hesitação dos militares, declararam que sairiam à rua sem a sua colaboração. Perante este arrojo e com medo de ficarem de fora, os militares ficaram mais cordatos e aceitaram os termos da proclamação que seria feita na revolução. Nela se referia serem necessárias reformas estruturais e políticas, num ambiente de paz e de concórdia, sob a chefia do Senhor D. João VI, sendo ainda guardada a Santa Religião. Foi feita esta Proclamação, no Campo de Santo Ovídeo, no dia 24 de Agosto de 1820, estando a tropa formada e perante a aclamação de civis e militares. Estavam, os dados definitivamente lançados. Já não podiam recuar. Nesse mesmo dia, numa reunião realizada na Câmara, foi escolhido um governo provisório, presidido por um Juiz eleito, que governaria em nome do Senhor D. João VI. Seriam ainda convocadas Cortes que, à maneira da Monarquia Tradicional, faria uma Constituição. Os acomodados do governo central em Lisboa ainda ameaçaram levantar o exército e caminhar até ao Porto para abafar a revolução nortenha. Sempre os mesmos, desta vez com medo dos ingleses! Porém, toda a província já estava sublevada e do lado de Manuel Fernandes Tomás e do seu Sinédrio e desistiram de dar pernas aos seus temores….
Em 1822, foi publicada a nova Constituição Portuguesa, que em parte reproduzia a Constituição de Cádis de 1812, com um corpo de ideias que espelhava a linguagem das sociedades secretas. Como aconteceu após o 25 de Abril, a nova Constituição tinha bocados copiados de uma constituição do Leste e que tem custado muito trabalho a alterar!!!. Igualmente, a Constituição de 1822 teve que ser progressivamente alterada e adaptada aos interesses do Povo Português. Mas, não posso deixar de chamar à atenção que nela ficou consagrado que a Lei é igual para todos e que todos lhe devem obediência. Igualmente foi consagrada a proibição da prisão sem culpa formada, o respeito pela segurança pessoal e pela propriedade privada, a inviolabilidade do domicílio, a liberdade de expressão, o direito ao sigilo da correspondência. Para a época, inovações revolucionárias, princípios estes que, só por si, absolvem o Sinédrio. Além do mais, perante um Portugal em armas, os ingleses levantaram imediatamente voo. Os civis do Porto, corajosamente, tinham arrastado atrás de si os militares e correram com os ingleses, com os iberistas e com os extremistas de ambos os lados. Vivam os heróis do Sinédrio.
António Moniz Palme – 2021
Edição 800 (25/02/2021)
Revolução. Sinédrio, um movimento mal conhecido e pior avaliado pela classe culta – Primeira Parte
A Revolução Liberal de 24 de Agosto de 1820, feita pelo Sinédrio, e que eclodiu na cidade do Porto, fez duzentos anos de idade, no decurso do ano de 2020.Geralmente, é apenas avaliada pela Constituição aparecida em 1822, criticada por muitos por ser uma simples cópia da Constituição de Cádis de 1812, eivada pelo palavreado da maçonaria que, na altura, estava na moda. Na circunstância, foi o que puderam arranjar do pé para a mão. Entretanto, vamos relatar os acontecimentos que a fizeram aparecer à luz do dia.
Nas celebrações do seu Aniversário, na Cidade Invicta, limitada pelos incómodos confinamentos e das suas obvias consequências, foi feita uma exposição organizada pelo Professor Universitário, José Manuel Lopes Cordeiro, na Casa do Infante, e o activo Progresso da Foz, através do escritor, Sr. Dr. Joaquim Pinto da Silva, me veio solicitar um artigo para ilustrar o acontecimento. Foi o mesmo publicado, o que muito me honrou, com prefácio da autoria do lente universitário já referido, organizador da exposição.
Convém, numa breve pincelada, fazer uma panorâmica do ambiente que se vivia no princípio do século passado.
A invasão feita pelos exércitos de Napoleão tinha sido finalmente rechaçada pelas tropas anglo-lusas. Os soldados franceses deixaram de oprimir e desgraçar a população portuguesa. Contudo, o Rei D. João VI, que inteligentemente tinha retirado com a Corte para o Brasil, não regressou logo como pretendia a maioria da população lusitana. Devo acrescentar que, anteriormente, os “Afrancesados”, intelectuais que admiravam os princípios políticos da Revolução Francesa e que desejavam a invasão de Portugal, espalharam falsamente que o Rei tinha fugido. Porém tal não era verdade. Retirando o Rei para o Brasil, Portugal continuou a ser um País Independente e a governar a partir das Terra de Vera Cruz, Se os franceses tivessem apanhado o nosso Monarca, como era seu objectivo, era logo substituído por um irmão de Napoleão, como aconteceu em diversos países ocupados . E nenhuma resistência poderia haver, por parte dos verdadeiros portugueses, com medo de represálias sobre a pessoa do Rei. Aliás, os mesmos que espalharam ter sido a ida para o Brasil uma fuga, andaram a convencer os responsáveis do nosso exército a não fazerem frente ao invasor e a bater palmas de regozijo, quando da entrada da soldadesca gaulesa no território português, nomeadamente em Lisboa, perante o choro de raiva dos populares, que impotentes assistiam ás manifestações de regozijo daqueles peralvilhos. Muito irritada ficou essa cambada, quando teve conhecimento que, no Brasil, o Rei, em 1818, tinha criado a Ordem de Nossa Senhora de Vila Viçosa, para celebrar a sua aclamação como Rei de Portugal, após o falecimento de Sua Mãe, a Rainha D. Maria I.
Devo lembrar que, na altura, pertencer à maçonaria era moda e não havia burguês ou aristocrata que não entrasse numa loja qualquer para assim subir na escala social determinada pelos bem pensantes. Em Portugal, sempre foi assim. O que é estrangeiro é que é bom…! Chegaram a entrar na maçonaria figuras da realeza e até elementos do clero. Mas, os ritos maçónicos eram diferentes de loja para loja, limitando-se alguns aos objectivos das associações culturais ingleses. Ao contrário, os chamados “Afrancesados” seguiam ditames especiais, querendo acabar com a religião católica e com a chefia monárquica do estado. Ora, no fim da primeira invasão francesa, foi feita uma Convenção em Sintra, com a participação de dois generais ingleses e do General Junot, contra a vontade de general Welesley, que até então tinha chefiado vitoriosamente o Exército Anglo-Luso .Escandalosamente, nessa Convenção, contrariando tudo o que era legítimo, não foram ouvidos os Portugueses que, juntamente com os ingleses, tinham, no Vimeiro, batido rotundamente o exército francês. Os generais ingleses que aceitaram esse acordo, contra os interesses portugueses e dos próprios ingleses, acabaram por ser expulsos de exército, naturalmente por incompetência, após terem sido julgados por um tribunal inglês, devido aos protestos dos portugueses.…! Uma das indignidades que foi aceite, nesse estranho acordo, foi a proibição de os responsáveis portugueses submeterem a julgamento os traidores “Afrancesados” e, legitimamente, confiscarem os seus bens…!
Após a expulsão dos franceses, passou Beresford a governar Portugal, que embora só tivesse competência para os assuntos militares, através da ponta das baionetas, dava ordens ao timorato Governo da Junta, sito em Lisboa. Além do mais, tinha uma polícia execrável que mandava liquidar qualquer um, à mínima suspeita de acções contra os ingleses. Estes, apesar do mal estar económico, que agravou o mal estar político, gastavam o erário público com os altos vencimentos do gigantesco Estados Maior de oficiais e funcionários ingleses, vencimentos e regalias incomensuravelmente maiores do que os salários dos portugueses com a mesma categoria e patente militar. E a actuação dos ingleses era tão cruel que recordava o comportamento do General. francês Loison, que unanimemente foi considerado um autêntico demónio. Como não tinha um braço, era conhecido pelo “Maneta”. E se alguém ia para a tutela do “Maneta”, sua alcunha para sempre, sabia-se que estava pronto!!!.. Pois, a polícia inglesa usava uma cartilha igual à do célebre e odioso “Maneta”, cujo nome ainda agora é tristemente recordado.
Para agravar a situação, apareceu no panorama, um general espanhol, Francisco Cabanes, que se intitulava embaixador do país vizinho, acompanhado por um tal Wals. Invocando a sua qualidade de diplomata, fez uma visita ao general Gomes Freire de Andrade que, por cortesia, o convidou para uma refeição. A polícia descobriu que esta rapaziada, que logo desapareceu do mapa, não tinha documentos que titulassem os seus cargos e não passavam de uns simples espiões que andavam a verificar qual a capacidade de resposta do exército português, no caso de uma invasão espanhola. Além do mais, eram iberistas, pretendendo acabar com a independência portuguesa,. unindo os dois países. Claro que os ingleses logo levantaram o problema, dizendo que estavam a preparar uma invasão para derrubar o Rei D. João VI e, com esse objectivo, tinham estado a conspirar com Gomes Freire, um aliado português nessa movimentação revolucionária. O jantar com Gomes Freire serviu para fundamentar as acusações que lhe fizeram no julgamento a que foi submetido e que acabou com o seu, talvez injusto, enforcamento, sem provas suficientes para o condenarem. O Povo Português abriu os olhos e viu que estava numa situação política sem saída, provocada pelos ingleses. Ainda por cima, os nossos cabos de guerra perdiam-se em discussões políticas, uns absolutistas e outros liberais, uns mais à esquerda outros mais á direita, no fundo, a verem para que lado cairia o poder!!!
O interesseirismo costumeiro a ditar as suas leis quando, de momento, os grandes inimigos eram os ingleses que davam ordens não só no exército como igualmente filtravam a seu favor as decisões do timorato e comodamente encostado Governo Provisório.
Finalmente, apareceu, como sempre, um herói na história portuguesa, para salvar a situação, reconquistando a Santa Liberdade. No Porto, foi criado um grupo clandestino denominado Sinédrio, chefiado pelo grande patriota Manuel Fernandes Tomás, de que poucos agora falam. Mas a continuação desta página ficará para uma segunda parte.
António Moniz Palme – 2021.
Edição 799 (11/02/2021)
O Brasil e o seu achamento. Teria sido apenas descoberto em 1500? Penso bem que não…!
Desde há muito que em Portugal se especulava sobre a existência de terras no fim do mundo, no Hemisfério Sul, nas denominadas zonas quentes. Na realidade, tal mistério já era preocupação dos responsáveis pela navegação oceânica, nos tempos de D. Dinis, e de tal maneira que os servidores do Rei D. Fernando “O Formoso”, receberam orientações precisas para explorar, nas suas viagens de investigação, o Atlântico Ocidental. Aliás não é nenhuma novidade, pois tal existência fazia parte da tradição da Cultura Clássica. De tal modo era essa a realidade que a legenda de um Planisfério chegou a remeter para um texto da Alta Idade Média, escrito por Santo Isidoro de Sevilha, onde se refere a possibilidade de existir uma Quarta Parte do Mundo, sendo tal conclusão fundamentada em escritos da Antiguidade!!!
Ora, a tese do achamento das Terras de Santa Cruz por mero acaso foi largamente sustentada pelo facto de os navegadores serem obrigados a fazer um largo bordo para Ocidente, para conseguirem rumar para Oriente e passar o Cabo das Tormentas. E num desses bordos, Pedro Álvares Cabral teria descoberto o Brasil! Mas o que é verdade, é que foi o conhecimento do regime de ventos e correntes na Região Equatorial, entre Cabo Verde e o litoral brasileiro que levaram ao traçado da rota seguida pelos pilotos de Bartolomeu Dias e de Vasco da Gama, após largarem das Ilhas de Cabo Verde. Na realidade, em vez de rumarem para Oriente, vogavam para Ocidente, pois verificaram, por experiência feita anteriormente, ao longo de muitos anos, que existiam ventos favoráveis a uma Longitude Ocidental, situada a Oriente do Cabo de S. Roque, e numa Latitude situada entre os 17 graus e os 20 graus a Sul, antes de virarem para o Oriente, onde reencontrariam os ventos que impulsionavam os navios de vela redonda, a ultrapassarem o Cabo da Boa Esperança. Assim, refere o historiador José Manuel Garcia, no seu bem documentado e excelente livro “Pedro Álvares Cabral e a Primeira Viagem aos quatro Cantos do Mundo”.
Acontece, todavia, que essa manobra a Ocidente, antes de retomarem o rumo do Oriente, cabia perfeitamente nas 100 Léguas a Oeste do Cabo Verde, como limitava o Tratado de Alcáçovas, que D. João II exigiu alterar. Por essa razão, o argumento utilizado da simples sorte de D. Manuel na descoberta do Brasil, que foi encontrado por mero acaso, não colhe por não corresponder à realidade. Repito o que afirmei. A hipóteses da alteração das 100 para as 370 Léguas, para garantir uma mais ampla área de manobra no Atlântico Sul para as esquadras portuguesas, não justifica as exigências e a posição portuguesa no Tratado de Tordesilhas e, por consequência, afasta a tese da descoberta por simples acaso. Enfim, a esquadra de Pedro Álvares Cabral rumou conscientemente para onde sabia estar o Quarto Mundo.
Como já referi, num artigo publicado na Gazeta, sobre o Tratado de Tordesilhas, o Secretismo Templário passou para a Ordem de Cristo e foi assumido por D. João II e pelo seu sucessor e cunhado E foi o que valeu, pois os nossos vizinhos tinham uma rede de espionagem muito bem montada. Na verdade, é de admirar como nada se sabia do que se passava. Nada estava escrito em parte alguma, por causa das dúvidas. Pelos vistos, era apenas de boca a boca que se transmitiam todos os assuntos relativos às descobertas! Apesar desse secretismo, os espiões castelhanos, bem postados no território português, iam nos trazendo algumas arrelias. Os Reis Católicos vieram com o protesto veemente de que teria partido uma caravela, da Ilha da Madeira, para o Atlântico Ocidental… “Fazer o quê?”- Perguntavam oficialmente “Nuestros Hermanos”. A não ser que os portugueses estivessem simplesmente a invadir abusivamente a parte do Atlântico onde não tinham qualquer jurisdição. E D. João II, prontamente respondeu, esclarecendo que foi alguém que desobedeceu às ordens recebidas, contrariando o que oficialmente estava estabelecido. Mais, sublinhou que, imediatamente, ordenou que três caravelas perseguissem o navio não cumpridor das regras estabelecidas e trouxessem o respectivo comandante a ferros por desobediência. Nem mais! Bom pretexto para mandar descaradamente uma armada para Ocidente. Lembro que os descobridores iam sempre em frotas de três navios. Basta recordar Diogo Cão, Bartolomeu Dias, Cristóvão Colombo e, mais tarde Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral. Na verdade, para uma perseguição não era preciso um aparato tão grande. Na dúvida, D. João II, para evitar possíveis represálias pelas clandestinas actividades náuticas madeirenses, mandou construir as muralhas da cidade do Funchal… O Rei não acreditava que os Reis Católicos engolissem a história da desobediência. No entanto, a existência de um continente no Atlântico Sul foi mantida religiosamente atrás da cortina, durante as negociações do Tratado de Tordesilhas. E, por curiosidade, sempre se vai dizendo, que faziam parte da embaixada portuguesa, entre outros, Rui de Sousa, navegador experiente do Atlântico, que comandou a expedição enviada ao Congo, em 1490, Duarte Pacheco Pereira, que acompanhou a armada de Pedro Álvares Cabral e que os companheiros disseram que muita sabedoria acumulou em relação ao que já sabia em relação às Terras de Vera Cruz, e ainda um nobre madeirense, Rui Leme, que, antes de 1484. alegou ter visto Ilhas a Ocidente, pondo-se a possibilidade de ter estado na chefia da suposta perseguição da caravela clandestina, saída da Madeira, para Ocidente.
E já agora um episódio, ligado a Lafões, e que ilustra bem como era permanente a convivência dos portugueses com o Oceano Atlântico e com as paragens de Vera Cruz.
Em 1534, partiu para o Brasil uma esquadra, chefiada por Martin Afonso de Sousa, para afastar da costa brasileira embarcações francesas que se soube terem rumado para lá. Levavam, igualmente, como incumbência, fundar uma povoação, na região costeira, que foi chamada de S. Vicente, perto da actual cidade de S. Paulo.
Qual o espanto do comandante português quando, após ter desembarcado, encontrou um grupo de índios que o vieram cumprimentar e o respectivo chefe, um homem já passado da meia idade, com um imponente cocar de penas, lhe falou em português correcto, talvez com um sotaque de Lafões. Actualmente, calcula-se que tenha viajado num dos barcos de exploração do Atlântico Sul, enviado pela Coroa Portuguesa, e que naufragou, dando este falso índio à costa, ou então era um tripulante de um dos barcos da esquadra de Pedro Álvares Cabral, que se perdeu junto ao litoral brasileiro.
Este ilustre beirão de Lafões, era João Ramalho Maldonado, muito provavelmente nascido na Quinta de Valgode, em Vouzela, casado com Catarina Fernandes das Vacas.
Por carta de 1487, foi armado cavaleiro, guarda-mor de D. João II, isto é, chefe de alabardeiros e de archeiros, e que embarcou para o Brasil, segundo declarou no seu testamento, feito em S. Paulo de Piratininga, pelo tabelião Lourenço Vaz. Simplesmente, nunca disse quando e como viajou para lá!!! Martin Afonso de Sousa, encontrou-o com os coloridos penachos de um chefe gentílico, e soube que era o marido de Potira, filha de Tibiriçá, chefe dos Tupiniquins.
A ilustre ensaísta e intelectual sampedrense, Maria Ester Vargas, tem um interessante trabalho publicado, tendo feito uma conferência sobre João Ramalho, na Casa da Beira Alta, no Porto, que foi um sucesso. Pouco se sabe da vida deste aventureiro mas, o que é facto, é que ajudou a construção da cidade de S. Paulo, de que foi oficialmente um dos fundadores, Prometo que voltarei a falar neste herói lafonense.
Edição 798 (28/01/2021)
Tratado de Tordesilhas
D. João II, um grande diplomata e um dos monarcas mais esclarecidos da Europa.
Recordo, no Liceu de Viseu, umas interessantes prelecções históricas feitas pelo professor Correia de Barros, que vivamente nos cativava o interesse pelas suas aulas. Invocava o nosso sabedor mestre a herança templária do Príncipe Perfeito, que cultivava o secretismo no exercício das suas funções. E não só, igualmente como tinha acontecido com a Ordem do Templo, utilizou a permissão dada pelo Papa Inocêncio II para a admissão, na Ordem de Cristo, de mercenários muçulmanos, os Turcopulos, especialistas na construção de embarcações, de material de guerra, de medicina e de astrologia. Seguindo esta sábia filosofia, rodeou-se de cartógrafos, de cosmógrafos, de especialistas em matéria de navegação de todas as nacionalidades e proveniências. Assim, vários judeus foram aliciados para o seu serviço. O sábio Abraão Zacuto, que viera fugido de Espanha, astrólogo famoso, passou a ser um dos seus conselheiros. Aliás, em Salamanca, tinha sido mestre de José Vizinho, um dos peritos de navegação astronómica de D. João, além de responsável pela preparação da edição do Almanaque Perpetuum, importante publicação, editada em Leiria, por Abraão Orta, quando decorriam os preparativos para a viagem de Vasco da Gama. Era com base nas tábuas solares, nele impressas, que se baseavam os pilotos, para calcular as latitudes.
Enfim, rodeado das maiores sumidades, em diversos campos, D. João II criou à sua volta um autêntico estado maior, poderosíssimo em matéria das artes e da ciência náutica, programando uma eficiente actividade para concretização dos seus sonhos, planeamento esse que ficaria sempre no segredo dos deuses. Apesar da agitada actividade política que lhe ocupava o dia e a noite, ainda tinha tempo para promover os primeiros passos da cristianização da Bacia do Congo.
Na verdade, após assinatura do Tratado de Alcáçovas, em 1479/80, na década seguinte, os portugueses solidificaram o seu domínio no Atlântico.
Porém, Cristóvão Colombo, ao serviço dos Reis Católicos, parte em direcção ao Ocidente, na busca das terras da Ásia. Será bom recordar que era um navegador pertencente à Ordem de Cristo, que aprendeu com os nossos navegadores a arte de navegar, deduzindo muito bom historiador, pelas provas encontradas, que além de ser português, era filho natural do Infante D. Fernando, e naturalmente deduzindo que seria um simples testa de ferro de D. João II, actuando no sentido de confundir as outras potências marítimas em relação à estratégia dos descobrimentos portugueses. Mas tal assunto, não cabe agora aqui referir. Bem poderei tratar do mesmo noutra altura! O que é certo é que, no regresso desta viagem às Antilhas, Cristóvão Colombo, antes de se apresentar as Reis Católicos, passou pelos Açores, vindo a Lisboa avistar-se com D. João II, com quem conversou longamente, visitando ainda a Rainha D. Leonor, presumivelmente sua meia Irmã.!!! Estranho não é?!!!
Deixando amainar a situação, D. João II proclamou aos quatro ventos que as terras das Antilhas, descobertas por Colombo, em nome de Castela, eram portuguesas, segundo o tratado das Alcáçovas, e começou, com grande publicidade, a armar uma poderosa esquadra, chefiada por D. Francisco de Almeida, um conhecido cabo de guerra, para tomar posse desses territórios e dar cabo dos estrangeiros que fossem topados no caminho. Era uma forma eficaz de pressionar os Reis Católicos que logo enviaram uma embaixada a Portugal, para que, junto de D. João II, o demovessem dessa acção militar contra um país amigo. E adiantando que, se alguma circunstância tivesse criado um litígio entre os dois países, seriam iniciadas imediatamente conversações para resolver o problema. Era o que D. João II queria ouvir. Na realidade, o Papa tinha apadrinhado a posição Castelhana, referindo que seriam da sua jurisdição as terras demarcadas por uma linha que passaria a 100 léguas a Oeste do Arquipélago de Cabo Verde. Perante esta situação desfavorável para o reino português, D. João II aceitou e propôs negociações directas entre as duas partes, passando de uma posição irredutível à aceitação de uma divisão da jurisdição, feita por um meridiano cuja linha de delimitação passaria das 100 léguas estabelecidas para mais das 270 léguas a ocidente das ilhas de Cabo Verde, não sendo levantada qualquer suspeita ou referência sobre a possível existência de terras a Ocidente. Começaram as demoradas conversações em Tordesilhas. Nelas esteve, além de Rui de Pina e de Pedro Dias, Duarte Pacheco Pereira, um dos navegadores de D. João II que permanentemente fazia buscas para Ocidente, como se verificou mais tarde. Quando o Acordo estava praticamente concertado e pronto para ser assinado pelas embaixadas de ambos os países, D. João II deu o dito por não dito e volta atrás, exigindo que a linha de delimitação passasse a 370 léguas e não a 270 como antes tinha sido preliminarmente acordado e por si aceite.
Os Reis Católicos nem queriam acreditar nesta nova exigência. Contudo, cederam para evitar problemas, pensando que seria uma implicação vingativa de D. João II pelo facto de terem apoiado o Papa e a Rainha Portuguesa, D. Leonor, sua mulher, conjuntamente com grande parte dos bem pensantes lusos, na oposição à sua pretensão de constituir sucessor ao trono o seu filho natural D. Jorge e não o seu primo e cunhado D. Manuel. Recordo que o seu filho legítimo, herdeiro do trono, D. Afonso, em 1491, após ter casado com uma das filhas dos Reis Católicos, morreu numa queda de cavalo. E os Reis Católicos, tendo em conta tal situação, para amenizarem o possível melindre, acabaram por concordar com esta exigência de última hora do rei português, aceitando o alargamento da linha divisória para os 370 metros a Ocidente de Cabo Verde. Ficou ainda acordado obrigarem-se as duas partes a não recorrerem à Cúria Romana para alterar as determinações deste Tratado.
Foi então assinado o Tratado, na vila castelhana de Tordesilhas, a 7 de Junho de 1494.
Quando os ilustres castelhanos, que constituíam a embaixada respectiva, fizeram as necessárias explicações aos Reis Católicos, a Rainha Isabel, com a sua conhecida argúcia feminina, suspirou, referindo que “o Homem, (modo como se referia ao monarca português), enganou-nos certamente, disso não tenho a menor dúvida, mas ainda não descobri como!!!”
A resposta seria dada mais tarde, já no tempo de D. Manuel, em 1500, com o achamento do Brasil, cujas terras eram da jurisdição portuguesa, pela alteração feita à última hora.
Edição 797 (14/01/2021)
Brasil, um Lafonense “no pedaço”
Numa das minhas múltiplas idas ao Brasil, visitar o meu amigo José Joaquim Matos Couceiro, o Zé Murilo, como era conhecido, quando visitei a Casa de Lafões, constatei que existia um rancho folclórico, chamado João Ramalho. Contudo o seu ensaiador pouco sabia acerca do nosso herói e da sua história. A pedido do então presidente daquela Associação, Comendador José Gonçalves de Almeida, natural de Valadares, escrevi umas linhas para serem lidas nas apresentações do Rancho. Numa exibição, no Hotel Ritz, no Rio de Janeiro, num jantar confeccionado pelo célebre cozinheiro lafonense Mestre Silva, onde se encontrava a Fina Flor carioca, o rancho fez um sucesso e muita gente quis saber mais pormenores sobre João Ramalho, o chefe índio, natural de Vouzela, que o comandante das caravelas portuguesas , Martin Afonso de Sousa, encontrou, na costa brasileira, cerca da actual cidade de Santos .
Contei este episódio à minha companheira da Assembleia Municipal de S. Pedro do Sul, a ilustre intelectual e escritora Maria Ester Vargas, que me disse ter um trabalho sobre este herói português, denominado ” João Ramalho, Bandeirante de Lafões”. Pedi para participar, numa reunião literária na Casa da Beira Alta do Porto, sobre João Ramalho, que obteve um grande êxito.
Mas passemos a falar sobre este Lafonense, um dos primeiros bandeirante, que desbravou o sertão brasileiro. Dele, Tomé de Sousa, em carta ao Rei D. João III, datada de 1553, dizia que o nosso homem, cavaleiro ilustre, antigo guarda-mor de D. João II, tinha tantos filhos , netos e bisnetos e descendentes destes, que se fosse preciso, levantava em armas 5 mil guerreiros da sua família. É obra! Na verdade, participava, como figura principal, nos conflitos guerreiros da tribo, como referem os historiadores brasileiros Darcy Ribeiro e Carlos Araújo Neto, na sua obra “A Fundação do Brasil” Claro que para constituir tão grande família, João Ramalho tinha imensas mulheres, de quem tinha um mundo de descendentes, apesar de ter uma companheira principal, que honrava e respeitava, a princesa Bártira ou Potira, filha de Tibiriçá, chefe dos Tupiniquins. Os filhos mestiços eram denominados Mamelucos, os quais tiveram um papel primordial na obra da colonização portuguesa, contribuindo para o início do fenómeno local da Miscigenação.
O Padre Manuel da Nóbrega, em carta a um seu superior, descreve a situação, explicando objectivamente que João Ramalho era a consequência dos costumes índios a que teve que se adaptar, para sobreviver. Na tradição tribal, a única forma de se arranjar um relacionamento pacífico com um estranho, era integrá-lo no grupo comunitário da tribo, estabelecendo com ele uma relação de parenteso, como refere o historiador, já referido, Darcy Ribeiro. Esta verdadeira instituição indígena tradicional, com a chegada dos marinheiros e militares portugueses, tornou-se numa forma de viabilizar a colonização. A tribo punha à disposição dos homens recém desembarcados uma quantidade bastante de mulheres, as quais levavam os irmãos com elas, para ajudarem o novo companheiro branco a exercer os diversos serviços de que estava incumbido. Enfim, a ”Mestiçagem” à boa maneira portuguesa e que criou um Brasil multirracial, cheio de diferente e bonita gente, que aprendeu a conviver pacificamente, debaixo da nossa bandeira !
Alguns estrangeiros, como o falso descobridor da América, Américo Vespúcio, que viajou numa caravela portuguesa para o Brasil, como embarcadiço, tinham uma ideia completamente errada da situação, ignorando completamente as instituições locais. Em relação à tão rápida constituição de famílias mistas, erradamente referiam ter origem na situação de sofreguidão erótica das índias!!!. Ora, o que viam esses comentadores baratos como luxúria, não era mais do que o empenho em conseguir as boas graças dos brancos recém-chegados, para se obter, “no pedaço”, as necessárias relações de convivência.
Devido à situação familiar falsa de João Ramalho perante a Igreja, e atendendo que não se quis confessar nem arrepender da vida conjugal ilegítima que levava, foi proibido de participar nas cerimónias religiosas. Ficou ofendido e protestou. Como consequência, foi excomungado. Para impedir a sua marginalização, inteligentemente, o Padre José Anchieta mandou investigar se a mulher legítima, que tinha ficado em Vouzela, Catarina Fernandes das Vacas, ainda seria viva…! Dessa investigação nada resultou de positivo, sinal que o cônjuge, talvez ainda fosse vivo! Perante o facto de João Ramalho pretender casar com a princesa indígena e legitimar a sua numerosa prole, o Padre Manuel da Nóbrega tudo fez para o libertar da Excomunhão e para resolver o seu problema com a Igreja, conseguindo criar para João Ramalho, uma situação de dignidade moral e social, perante a colectividade e a própria Igreja.
No testamento que fez, a princesa indígena aparece como criada e mãe dos seus filhos!!!
O nosso herói ficou conhecido pelo Patriarca do Campo, pois fundou a povoação de Santo André da Borda do Campo, localidade que esteve na génese da grandiosa cidade de S. Paulo, como refere Ester Vargas.
Foi Alcaide Mor do Campo e foi o Primeiro Capitão de Guerra da Borda e Dalém Campo. Martin Afonso de Sousa, anteriormente, tinha-o contemplado com uma Sesmaria. Na verdade, segundo Gomes Matias, João Ramalho, de modo insuspeito, contribuiu para a fundação da Vila de Piratininga, núcleo inicial da ocupação do Planalto. Afrontando as serras e as matas, impossíveis de transpor, através das trilhas desconhecidas dos índios, dominou todos os obstáculos que se lhe deparavam. Vencida a Serra do Cubertão, estava aberto o caminho para a fundação, em 1554, da cidade de S. Paulo. Na realidade, o nosso Lafonense, evitou que os índios atacassem e destruíssem os bens dos portugueses. Daí as recompensas, já descritas, feitas por Martin Afonso de Sousa.
Quando os franceses conseguiram pôr o pé em terra brasileira, comprando a colaboração dos índios Tamóias, começaram os assaltos a Piratininga. João Ramalho, apesar de já não ser novo, foi escolhido como Capitão-Mor da praça recém construída, defendendo os interesses portugueses e desbaratando completamente os gauleses e os índios seus apoiantes que, sem mais, se submeteram à soberania portuguesa.
Moreira de Figueiredo recordou que “é este filho de Vouzela que o Brasil consagrou, mandando-lhe erigir um monumento, em Santo André da Borda do Campo, em S. Paulo, em 8 de Abril de 1953, quatrocentos anos após a fundação daquela povoação
João Ramalho personifica bem o espírito de aventura da gente lafonense.
Edição 796 (31/12/2020)
Tratado de Alcáçovas, assinado em 4 de Setembro de 1479
Tratados, uma espécie de espartilhos incómodos, durante as Descobertas
Um amigo meu, que costuma inquirir-me acerca de temas históricos que tenho tratado nas páginas da Gazeta, veio dizer-me que apesar de ter já escrito sobre a viagem de circum-navegação de Fernão de Magalhães e até sobre a descoberta das Ilhas Molucas, por Francisco Serrão, não tinha falado ainda no essencial, isto é, nos tratados que legitimavam as correrias das caravelas e naus de diferentes nacionalidades pelos sete mares deste Mundo. Claro que dei inteira razão ao meu leitor, cujos reparos já me levaram a escrever outras notas históricas. Bem haja. Na verdade, os Tratados vêm complicar o raciocínio dos que estudam as descobertas portuguesas.
Vamos então ao assunto: – Nessa matéria, o primeiro Tratado importante será certamente o TRATADO DE ALCÁÇOVAS, que pôs fim a um conflito entre Portugal e Castela., originado pela sucessão ao trono, por morte do Rei de Castela Henrique IV. A princesa Joana, herdeira do trono, era filha do monarca falecido e de sua mulher, uma princesa portuguesa, irmã de D. Afonso V. Contudo, era conhecida pela “Beltraneja”, e não foi pacificamente reconhecida como filha de Henrique IV, por uma facção da população castelhana, com base na má língua que corria de que Joana não seria filha do Rei, tido como impotente, e sim de Beltrán de la Cueva, um favorito da Rainha! Logo apareceu uma outra pretendente ao trono, Isabel, que mais tarde foi conhecida, por Isabel, a Católica, que teve o apoio de grande parte da nobreza castelhana. Perante esta situação, D. Afonso V, para valer à sobrinha, casou com Ela, apresentando-se, como pretendente ao trono de Castela. Mas as coisas não correram de feição e a ala do exército, chefiada por D. Afonso V, foi derrotada na batalha do Toro. Foi feito então, em 1479, em Alcáçovas, no Alentejo, um Tratado entre os Reis Católicos, Isabel e Fernando, e D. Afonso V, onde foram concertadas as questões relacionados com o fim da guerra. Porém, o príncipe D. João, cujo troço do exército por si chefiado desbaratou as hostes castelhanas, participou igualmente na elaboração do Tratado, e exigiu acrescentar, no clausulado respectivo, algumas imposições, em nome do cargo de que já estava investido pelo suserano, seu pai. Na verdade, já era responsável pelas actividades relacionadas com os Descobrimentos e com a gestão do mercado africano, que se desenrolava até abaixo do Equador. Assim, os Castelhanos tiveram que reconhecer o direito de Portugal poder explorar, em exclusividade, as Regiões até a um paralelo a Sul das Canárias. Em contrapartida, os portugueses deixavam de reivindicar a posse dessas ilhas com até então vinham fazendo, metendo no fundo as embarcações que para lá se dirigiam. Os Castelhanos, instados pelo príncipe português, ainda reconheceram todas as terras descobertas pela gente lusa, como seja o caso da Madeira, dos Açores e de Cabo Verde, além das Terras da Guiné e das minas de ouro encontradas na costa africana. Será bom lembrar que os castelhanos tinham enviado as suas embarcações aos territórios já descobertos pelos portugueses, atrevendo-se a aportar à região da Mina, e pondo em causa o exclusivo da navegação portuguesa naquelas águas. Claro que as armadas portuguesas eram muito mais eficientes, com um enorme poder de fogo e a marinhagem lusa era conhecida mundialmente pela sua ferocidade. Em diversos encontros, os castelhanos foram derrotados e escorraçados daquelas áreas. Contudo, com a assinatura deste Tratado, os portugueses conseguiram que o Papa Sisto IV, através da Bula Aeterni Regis Clementia, confirmasse novamente a exclusividade portuguesa às terra para além do Cabo Bojador, sendo incorporadas no seu texto as anteriores Bulas de Nicolau V e de Eugénio IV, que continham os privilégios concedidos ao Infante D. Henrique. D. João II conseguiu um notável e vantajoso êxito diplomático de uma só assentada.! Aproveitando bem a situação, acabou por obter uma enorme vitória, apesar da derrota do Rei, seu Pai, em relação à sua pretensão, ao trono castelhano, e conseguindo o equilíbrio internacional para continuar com toda a calma a exploração da Costa Africana e a preparação e realização da sonhada descoberta do Caminho Marítimo para a Índia. Do tratado constava ainda que os portugueses podiam dar ordens aos seus capitães para deitar ao mar, para que logo morram, quem fosse encontrado a desrespeitar os direitos decorrentes da exclusividade portuguesa. Enfim, todos ficaram a ganhar com este Tratado, a não ser a pobre princesa Joana que acabou os seus tristes dias encerrada num convento…!
O grande chefe da colectividade portuguesa, que de facto já era o príncipe D. João, ficou com as mãos livres para continuar na exploração do mundo desconhecido que pretendia desbravar. Deve ter apanhado um bom susto na perspectiva de o Pai poder ocupar o trono de Castela, pois Portugal entraria num ciclo de guerra civil desgastante e permanente, que frustraria todas as oportunidades de encetar a investigação científica que pretendia e as navegações experimentais, para conhecimento de correntes, de ventos e do achamento a Ocidente de possíveis terra desconhecidas.
António Moniz Palme – 31/12/2020.
Edição 795 (17/12/2020)
As Misericórdias e o Serviço Nacional de Saúde – 2ª parte
Continuando a referir as Misericórdias através da história, recordo que com a criação de uma em Gondomar, todos os concelhos portugueses passaram a beneficiar da sua actividade.
Conforme referi na primeira parte, havia uma omnipresença das Misericórdias no exercício da caridade, conforme as directrizes do Concílio de Trento, que reafirmou a autoridade da Igreja em matéria de caridade e pobreza e consagrou as Misericórdias como confrarias de imediata protecção régia
Ora bem, atendendo às suas boas relações com a Igreja, embora dela independentes, as Misericórdias sempre tiveram amargos de boca com o poder constituído. Deste modo, por razões meramente políticas, em 11 de Agosto de 1834, através de Joaquim António de Aguiar, foi extinta a Misericórdia de Lisboa. Pelos vistos, não gostavam de quem nela prontificava, o popular barbeiro Costa, da Rua de S. Roque, e o velho e bondoso Marquês de Ficalho.
Para contrabalançar este ataque à independência das instituições, logo a seguir, no Congresso Internacional de Assistência Pública e de Beneficência particular, realizado, em Paris, em 1900, foi considerada a Misericórdia do Porto a mais importante instituição de beneficência de Portugal e uma das primeiras do Mundo, sendo feitos grandes elogios à actividade das Misericórdias Portuguesas. Convém referir, evocando o historiador Manuel Leal Freire, autor de muitas obras sobre a matéria, nomeadamente responsável pela publicação “As Misericórdias e as IPSS em Geral”, que estas extravasaram a competência que tradicionalmente possuíam, decorrentes das obras de misericórdia enumeradas pelos catecismos, embora essa seja a sua missão essencial. Contudo, a modificação das condições de vida também geraram transformações na nossa maneira de viver. Assim, podemos bem evocar novas actividades que, a pouco e pouco, começaram a ser exercidas pelas Misericórdias, como sejam os Transportes Sanitários e Sociais, a Doação de Sangue e Órgãos, a Protecção Civil; a Organização e Administração de Dispensários Médicos; a Organização e Administração de Casas de Apoio; a Organização de Centros de Diálise; o Apoio Domiciliar a Doentes, Idosos e Crianças; o Apoio Domiciliar a Deficientes Profundos; o Apoio a Toxicómanos; a criação de Consultórios de Medicina da Família, especificamente para tratamento da problemática sexual; os Serviços telefónicos de apoio a indivíduos com depressões, através da chamada “Voz Amiga”.
Claro que houve sempre governantes que tentaram dar cabo das Misericórdias, aproveitando momentos de ruptura política, Não se deitem a adivinhar quem são, pois eu denuncio-os claramente. Além do Marquês de Pombal e dos seus complexos religiosos, o inefável Afonso Costa que queria acabar com a Religião num breve espaço de tempo e, após o 25 de Abril, quando se levantou a defesa do serviço nacional de saúde, a maioria parlamentar procurou que se melhorassem e beneficiassem as Misericórdias, cujas funções cobriam todo o País, respondendo às necessidades locais. Claro que o anti-clericalismo radical, como usualmente, tomou uma posição camuflada contra as Misericórdias, pelas mesmas estarem indubitavelmente ligadas espiritualmente à Igreja .Vindos à estacada prontamente deixaram entrever as suas aversões religiosas doentias. No Parlamento, tive várias questões e debates sobre o tema, nomeadamente uma acesa discussão com António Arnaut, apesar de comungar das suas ideia em relação à Saúde. Quanto a mim, as Misericórdias, arreigadas nos costumes portugueses, deviam constituir um complemento do sonhado Serviço Nacional de Saúde. Mas, pelos vistos, certas seitas, que tentam dominar a vida do País, assim não pensam, sabe-se lá por que razão!!!. Na altura, deputados de todos os quadrantes políticos, desde o P.C. ao C.D.S., acabaram por manter troca de ideias com a minha pessoa, sobre esta matéria, sendo todos a favor do aproveitamento das Misericórdias, que funcionavam bem, assim como da rede de gestores esforçados que em prol da colectividade, sacrificavam a sua vida. Todos queremos um Serviço Nacional de Saúde que proteja e trate prontamente todos os cidadãos sem excepção e que não aconteça como em muitos países que os infelizes que não têm seguros de saúde ou dinheiro são postos fora dos hospitais e deixados morrer na rua. É bom que se saiba que, através da história, quem evitou no nosso País, esse género de calamidades, incluindo nas antigas colónias, foram as Misericórdias e a Igreja.
Claro que muita coisa há a rever. Lembro-me sempre de uma imagem que funciona como uma caricatura. Numa misericórdia da província, considerada exemplar, os irmãos cotizaram-se e compraram um bom aparelho de televisão, para entreter os mais idosos que estavam no respectivo Lar da Terceira Idade. Tal aconteceu quando começaram os programas televisivos oficiais. Muito barulho com a inauguração. O aparelho ficou na sala de estar dos idosos e estes todos virados para o recém chegado e moderno aparelho. Acontece que o programa começava à sete da tarde, hora do jantar dos mais velhos, que em seguida iam directamente para a cama, não tendo ocasião de ver a televisão!!!.. Ficou toda a gente indignada. Passavam o dia virados para o aparelho e quando começava o programa, eram retirados sem volta, indo para as suas cama após a refeição. Claro que isto foi uma excepção. Mas, há muita coisa a melhorar. Aos futuros provedores não basta serem apoiados pelo partido maioritário da região, têm que procurar preparar-se e ter o mínimo de conhecimentos e de formação para ocuparem tão importante cargo. Por outro lado, os funcionários devem frequentar cursos de formação especiais para poderem exercer com competência as suas funções.
E, claro está, deve existir um Serviço Nacional de Saúde que eficientemente sirva toda a Colectividade sem excepção. Neste momento, com o prático encerramento dos Serviços Regionais de Saúde, com os doentes crónicos ao Deus dará, sem o necessário tratamento e acompanhamento médico, se não fossem as Instituições Privadas de Solidariedade Social e os Serviços prestados pela Igreja, a situação seria catastrófica. Mais reafirmo, se não fossem os serviços prestados pela Igreja, nesta situação de crise, muita gente sem o seu ganha pão, acabaria por morrer à fome e sem poder valer à Família.
Os que pensam, por motivações anti-religiosas, extinguir as Misericórdias, ou o que seria mais grave, esvaziá-las do espírito cristão que lhes deu origem e as inspira, cometeriam um crime irreparável. Direi como o poeta e escritor Leal Freire, A obra está acima das simples ambições políticas, que contra ela:- “Em vão se atiçam, /Encarniçam, /E correm…/Obras de Deus, não cedem, não temem/ E não morrem.
Edição 794 (26/11/2020)
GONÇALO RIBEIRO TELLES, um dos maiores portugueses do Séc. XX
As alterações políticas e sociais desencadeadas com a revolução do 25 A, apanharam-me completamente só e marginalizado, no aspecto político. No princípio da minha carreira profissional de advogado, tinha saído da Causa Monárquica , anos antes, por discordar da orientação que estava a ser levada por uma facção ligada à situação e, por outro lado, o movimento iniciado com gente da direita independente, para afastar Marcelo Caetano de primeiro Ministro, tinha corrido mal, inclusive acabando com o meu pedido de exoneração da função pública, o mesmo acontecendo com alguns dos meus amigos que eram funcionários públicos e que se tinham comprometido com a frustrada revolução monárquica do Porto para derrubar o marcelismo.. Na verdade, verifiquei que o Ministro do Trabalho da altura, Silva Pinto, que posteriormente à Revolução, foi deputado socialista, não permitiu que a minha pessoa concorresse a um lugar vago, na minha carreira de funcionário. Em protesto, saí do lugar que ocupava, Subdelegado do I.N.do Trabalho do Porto. Claro que provoquei um escândalo enorme e, para me aliciarem, convidaram-me para diversos lugares, desde a chefia de uma Caixa de Previdência até ao lugar de Governador Civil de Bragança!!! Claro que não aceitei… Enfim, a conquista da independência tem sempre os seus custos e passei um mau bocado com a transição. Mais tarde, enquanto advogava, concorri a um lugar na C.P., de chefe do Sector do Pessoal do Norte, tendo ficado em primeiro lugar. Valeu-me então o administrador Miguel Sequeira Braga, que sabendo da abertura desse concurso, foi ver quem tinham sido os concorrentes ao lugar aberto e os respectivos resultados, obrigando a Administração a respeitar o resultado do concurso, pois verificou estarem preparados para impedir a minha entrada por simples motivações políticas.
Após a Revolução, como todo o cidadão, andei a estudar os programas dos diversos partidos e, no Porto, acompanhado pelo Francisco Lucas Pires, fui assistir a uma prelecção feita pelo Partido Popular Monárquico, gostando do pouco que vi e ouvi. Resolvi então ir a Lisboa à sede do PPM. Lá encontrei personalidades que me encantaram desde Henrique Barrilaro Ruas, o grande filósofo e humanista, que já conhecia, ao Augusto Ferreira do Amaral, ao António Borges de Carvalho e ao Luís Coimbra, meu companheiro de Verão na Praia da Figueira da Foz. Fui então apresentado ao Arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles, que apenas conhecia de nome. Com o meu Pai, fui ver uma tourada, em Santarém, em que participava um Ribeiro Telles, cavaleiro tauromáquico, filho de um amigo de meu Pai, que nos acompanhou. Este era primo do Ribeiro Telles do PPM.
Fiquei encantado com o programa de Reforma Agrária, da autoria de Gonçalo Ribeiro Telles bem como com os seus projectos de Ordenamento do Território, com os seus Planos Urbanísticos tanto para as grandes cidades como para as terras mais pequenas do Interior. E ainda com o que pensava sobre o combate às diversidades entre o Interior e o Litoral, bem como com a defesa intransigente do Mundo Rural. Fiquei convencido. Ainda por cima, falava na criação de um Ministério do Mar, para defender a nossa Zona Económica Exclusiva. Com o desejo de mudar o Mundo, após o que tinha ouvido. entrei imediatamente no PPM, embora o meu querido amigo Francisco Lucas Pires me tentasse demover, referindo-me que um partido monárquico não ganharia para já as eleições, em virtude de estarem em jogo outros interesses imediatos, mais urgentes do que a mudança do regime! No PPM, não teria possibilidade de ocupar uma pasta no Ministro da Agricultura, como era o meu sonho, para transformar prontamente o agros nacional. Com a convivência e com a minha estadia no Parlamento, como deputado, comecei a conhecer melhor os projectos políticos do meu chefe de fila e a interiorizar que estava perante um ser excepcional, cujas teorias iriam marcar decididamente a paisagem política deste século a exigir profundas transformações.
Devo dizer que nunca fui seu amigo íntimo. Ele tinha a mentalidade de um rural ribatejano e eu de um rural beirão. Duas personalidades muito especiais confesso, que nunca se pentearam bem através da história. Na altura do Gonçalvismo, no Norte, tinha tomado atitudes muitas vezes à revelia da centralizadora capital. Sempre o Porto e o culto da independência mas, doutrinariamente, era um seu fervoroso seguidor. Tive a honra de ter feito, no Porto, a apresentação de um livro sobre o seu programa político e pensamento, que muito me honrou. Sem qualquer tipo de complexos, Ribeiro Telles explicava o que para Ele era o ideário de uma monarquia moderna europeia. Além do mais, era o nosso “ Jardineiro de Deus”, como a Ele se referia Eduardo Lourenço, tendo em atenção os seus belíssimos projectos de jardinagem, nomeadamente do jardim da Fundação Calouste Gulbenkian. E conseguiu a concretização de vários sonhos, a criação da Reserva Agrícola Nacional e a Reserva Ecológica, instrumentos de gestão territorial que todos os partidos acabaram por assumir, pois foi a forma de impedir a construção desordenada e galopante, atendendo aos interesses imobiliários em jogo e que o Estado se mostrava incapaz de controlar, muitas vezes já com a corrupção pelo meio. Construía-se em locais expostos às cheias e derrocadas, porque tinham umas bonitas vistas, como foi o caso das construções sobre as ribeiras da Madeira que, na altura. tiveram a viva oposição do meu antigo partido. Com um grande temporal, acabaram por morrer quase cinco dezenas de pessoas, pois as casas foram arrastadas pelas encostas abaixo. Por outro lado, o Ordenamento do Território permitiu viabilizar o Corredor Verde de Monsanto e a Estrutura Ecológica de Lisboa, Em vez de um somatório de canteiros e jardins, propôs e conseguiu uma relação visual e funcional entre os elementos que compunham a paisagem. A sua visão ambiental humanista, tornaram Ribeiro Telles numa personalidade muito à frente do seu tempo, num dos sábios e pedagogos da política da natureza. Enfim, uma das figuras mais insignes do Séc. XX .
Em 2013, recebeu o prémio Geoffrey Jellicoe, o maior galardão mundial da arquitectura da paisagem.
Morreu o defensor do Homem Rural e do Habitante do Interior, que teve a oposição das forças partidárias nos governos, mas cujas ideias acabaram por absorver na sua linguagem e nos seus programas. Morreu um grande Homem do nosso tempo. Deus o tenha junto de Si.
António Moniz Palme, 11 de Novembro de 2020
Edição 793 (12/11/2020)
Misericórdias. A sua grande influência na vida portuguesa de outrora (1ª- Parte)
Neste momento e com os problemas havidos nas Misericórdias, em consequência da pestilência que nos assolou, de um momento para o outro, perdeu-se a imagem romântica, santa e poética que estas instituições ostentavam perante o grande público, atendendo aos inestimáveis serviços que sempre prestaram, principalmente aos mais necessitados.
Contudo, a situação anormal que nos ultrapassou e que ceifou a vida a muitos, não vai beliscar a imagem que delas sempre tivemos.
Desde os primórdios da Nacionalidade, houve a preocupação de instituir estabelecimentos que cuidassem dos mais pobres dos velhos e dos peregrinos. Foram então criadas, em diversos locais, as chamadas Albergarias e, pelo impulso da Rainha D. Mafalda, mulher de D. Afonso Henriques, em Manhouce, instituição essa que tinha por objectivo cuidar dos doentes, alimentar quem tinha fome e dar guarida e alimentação aos peregrinos de Santiago que, fazendo atalho, pelas veredas serranas de Lafões, procuravam chegar mais rapidamente ao Douro, e ao túmulo do Santo, via terras da Galiza.
Mas a explosão das Misericórdias, aconteceu mais tarde, igualmente pela mão de uma Rainha, D. Leonor, que embora considerada uma santa tinha uma mão de ferro que se impunha á personalidade forte e autoritária do grande Rei D. João II. E D. Leonor conseguiu que uma Lei de 1498, desse vida à primeira Misericórdia, em Lisboa. O nome desta instituição é significativo. Nós nunca nos preocupámos em meditar no significado da palavra MISERICÓRDIA, isto é, uma virtude que sensibiliza o ânimo de cada um a compadecer-se com os desgostos e misérias alheias. Está tudo dito para se compreender bem o cerne destas instituições que se multiplicaram no território luso, quer no Interior quer no Litoral.
Entretanto, em 1692, foi fundada a Congregação das Irmãs da Misericórdia de Jesus que imediatamente passaram a dedicar-se ao serviço das instituições hospitalares, como era o caso das Misericórdias.
Pois bem, foi no reinado de D. João II que se iniciou a gesta das descobertas e, naturalmente, a difusão das misericórdias acompanhou a ocupação portuguesa dos novos espaços descobertos, no claro exercício das várias competências da real virtude da misericórdia. E a sua proliferação foi de tal ordem, que as mesmas surgiram mesmo em locais fora da administração portuguesa, designadamente no Japão e nas Filipinas, mantendo a mesmas características e, mais tarde, até em lugares que deixaram de estar debaixo da tutela portuguesa, como é o caso de Ceuta e de Olivença
No fundo, vistas bem as coisas, foi a forma do Poder Real organizar a necessária assistência, através de confrarias devidamente protegidas. Recordo que a assistência, antes da intervenção do poder real, era prestada pelas Igrejas e Conventos, através dos seus clérigos e frades, únicos médicos e professores das primeiras letras da gente mais humilde.
O espírito mesquinho e inculto dos pseudo intelectuais da nossa praça nunca se preocupou em se debruçar no trabalho intenso feito, através da história, pelas Misericórdias, limitando-se a fazer críticas, mal fundamentadas, eivadas de uma ignorância petulante, na minha modesta perspectiva. Apareceu, entretanto, no panorama da História Universal, um historiador inglês, Charles Ralph Boxer, .nascido em 1904, na Ilha de Wight, que percorreu todos os cantos do planeta, e se debruçou sobre o fenómeno Descobrimentos feitos pelos Portugueses, nomeadamente em várias publicações, como foi o caso da notável compilação “O Império Marítimo Português, de 1415 a 1825”. Através delas, o mundo culto de todos os Continentes ficou perplexo e encantado com a obra feita pelos portugueses na melhoria das condições de vida da gente autóctone das várias paragens onde chegavam e se estabeleciam e com a eficiente actuação das recém criadas misericórdias. Na realidade, segundo Boxer, havia uma dupla perspectiva e competência nos órgãos locais, Câmaras e Misericórdias, nos diferentes territórios do Império. Igualmente ao que se passava nas nomeações para os cargos dos órgãos locais, havia um comportamento semelhante nas Misericórdias. Desde 1577 a 1618, os Compromissos respectivos, estatutos destas instituições, passaram a estabelecer crescentes restrições elitistas nas admissões dos irmãos, impedindo a entrada de gente oportunista, desprovida de qualidades morais e de seriedade. Por outro lado, procuravam nobilitar os responsáveis das Misericórdias, que passaram a constituir uma espécie de nobreza local, preocupada com a promoção da cultura e da saúde das populações que serviam e com o êxito administrativo da instituição de que faziam parte. As elites locais passaram a ter vantagens em participar na criação das Misericórdias, pois o exercício de funções, nesses novos órgãos locais, cuja actuação era independente do Poder Local, constituía uma forma de poderem demonstrar as suas qualidades pessoais, a sua competência e o espírito de sacrifício em prol dos mais necessitados. Assim podiam, através do exercício de cargos nas Misericórdia, contribuir para o desenvolvimento da população, constituindo, no fundo, uma espécie de olheiros locais do Poder Real, entrando em competição com os elementos nomeados dos diversos órgãos locais, para ver quais deles trazia mais vantagens á Colectividade e ao Poder Central. Desse modo, a nascente elite local, tanto dos negócios como da cultura, que cresceu à sua própria custa através de enormes sacrifícios e de muito trabalho, nobilitava-se perante os representantes do Poder Real. Com o seu comportamento, contribuía para a propagação da Fé, criando experiências de caridade e de assistência ajustadas às específicas necessidades locais. Apesar da natureza religiosa exercida, estavam sob a jurisdição real, que via aumentar o leque das várias vertentes de actuação das Misericórdias. Será bom recordar que a amplitude das suas competências, abarcava o auxílio aos carecidos, nomeadamente aos envergonhados, gente de posses e pergaminhos que tinha empobrecido por qualquer razão, factor muito importante, atendendo à mentalidade da altura. Isto e ainda o auxílio às viúvas e aos órfãos, aos doentes, aos presos e, principalmente, na fundamental prestação de serviços aos moribundos e aos defuntos. Na realidade, preocupavam-se tanto com a cura da Alma, como com a cura do Corpo, numa global preocupação assistencial.
Por uma questão de curiosidade, vou referir as competências conferidas pelo Rei D. Manuel I (1516), no Compromisso da criada Misericórdia brasileira de OLINDA. Entre os privilégios outorgados e competências conferidas, na realização de enterros e prerrogativas na gestão dos hospitais locais, foi outorgado o poder de decisão nos rituais fúnebres, poder esse ampliado em relação à capacidade de receber doações testamentárias, circunstância que constituiu um suporte de vida das Misericórdias, nos territórios de além mar, especialmente visível nos casos de Goa e da Baia. Devo acrescentar que outra circunstância veio consolidar as misericórdias na sua estabilidade. A transferência da tutela dos hospitais para as misericórdias, factor que conduziu estas para a primeira linha da assistência pública, sendo incluídas no leque das suas competências o tratamento e educação dos EXPOSTOS e a gestão dos Recolhimentos Femininos. Por esta descrição poderemos avaliar o importante papel das Misericórdias, na saúde do Povo Português, através dos tempos. Mas, no próximo artigo, direi mais sobre as Misericórdias, em pleno tempo dos dramas do Serviço Nacional de Saúde
Edição 792 (29/10/2020)
Bolsos sem Fundo
Diz a má língua que os bolsos dos corruptos não têm fundo, pois os seus donos, na sua tara impulsiva de deitarem a mão ao alheio, não sabem parar no desvio de bens do Erário Público. A apetência para a roubalheira é superior às suas forças. Nem o medo de uma punição trava o seu ilegítimo comportamento. Ainda por cima, os mais graúdos estão confiantes que ninguém lhes vai à mão, pois parece haver uma impunidade total para elementos de seitas e grupos de responsáveis pela coisa pública. Eles lá sabem as linhas com que se cosem.
Óh, como as coisas se alteraram desde os meus tempos de criancinha inocente!!!. Claro que ouvíamos falar em gente que não era séria, de um fulano que, no seu estaminé, abandonava a mão num dos pratos da balança para ganhar mais na venda da mercadoria que estava a pesar. Mas eram furtos formigueiros, como dizia a legislação de antanho. Na verdade, não sabíamos, mas vivíamos numa terra séria e num País que quem dava ordens era igualmente sério. Era um autêntico paraíso em matéria de honestidade. Claro que, por vezes, de Páscoas a Natais. rebentavam escândalos com responsáveis governamentais. Mas eram raros e a crítica social, só por si, arrumava para toda a vida tal agente menos escrupuloso.
E na nossa juventude nem queríamos acreditar em alguns factos reais que se passavam lá fora, como era o caso do célebre Idi Amin, Imperador do Uganda, que enriqueceu de um momento para o outro e até encomendou um trono feito de ouro, único local decente onde a sua pessoa se poderia sentar!!!. O mesmo se passava com Jean Bokassa da Republica Centro Africana e com uma série de governantes de países africanos que enriqueceram de um dia para o outro, amealhando colossais fortunas, depositadas no estrangeiro, à custa dos bens nacionais, roubando as pobres e indefesas populações que viviam na miséria, sem os meios essenciais de subsistência e sem receberem a necessária educação para poderem progredir. E a rapaziada ia ouvindo os mais velhos e os que criticavam por sistema os nossos responsáveis governamentais. Sabiam bem que Salazar não respeitava a Liberdade dos cidadãos e, em certos aspectos, era um governante ultrapassado. Contudo, era uma pessoa séria. Até pagava a conta da luz e da água do edifício do estado onde vivia, enquanto governante e, quando morreu, tiveram que estabelecer uma pequeníssima pensão para a célebre D. Maria, sua governanta, para esta não morrer de fome!!!. E o espólio de Salazar era constituído por modestos objectos pessoais, bem como livros e documentos cujo alto valor foi neles incorporado pelo facto de lhe terem pertencido. Passados uns anos, em plena revolução, o enriquecimento dos responsáveis passou a ser regra comum, que ninguém discutia. A fortuna que Mário Soares deixou aos seus herdeiros era significativa, além de uma Fundação, que vive à nossa custa e que apenas servia e serve interesses particulares. Estas situações fazem a diferença. E, os exemplos sucederam-se aos milhares, dando cabo da nossa economia e das reservas que existiam e que foram delapidadas num ápice. Menino houve que, passado uma dúzia de anos do exercício de funções políticas, ficou podre de rico. Todos sabiam que tinha enriquecido ilegitimamente, mas a legislação nunca alterou o respectivo ónus da prova. Assim, o ministério público é que tem que fazer prova de que os bens foram adquiridos de forma ilegítima, o que é sempre difícil, senão impossível! Os possuidores, de quem se suspeita, é que devem ser obrigados legalmente a explicar e a provar a forma como enriqueceram em tão curto espaço de tempo. Na situação actual, a pouca vergonha continua numa escalada vertiginosa. O Ministro Cravinho bem quis alterar a situação, mas foi prontamente corrido e não aceite as suas iniciativas legislativas para acabar com a corrupção, esfumando-se a esperança que todos tinham que fosse posto fim à rebaldaria económica da politicagem.
E os maus exemplos, vindos de cima, deram cabo do equilíbrio existente. Recordo de uma empresa que não pagava ou atrasava o pagamento aos seus trabalhados e a solução foi nomearem mais um administrador, sem currículo que se visse, saído da roda dos amigalhaços do partido que estava no governo. E daí por diante, o poder instalado passou a ser uma espécie de agência de empregos para os seus militantes, conferindo vencimentos completamente desajustados ao nível económico do país, não olhando aos vencimentos do sector privado, dos agricultores e dos trabalhadores subordinados. Claro que os nossos parceiros europeus começaram a olhar para os portugueses de soslaio. O partido no governo deve estar a dar emprego para arrebanhar votos para as eleições seguintes. Só podia…! Enquanto uma Alemanha com 82 milhões de habitantes tem um chanceler e oito ministros. Portugal, além do 1º Ministro, tem mais 11, além de 38 Secretários de Estado. E claro está que pela Europa fora não têm os governantes as mordomias dos responsáveis portugueses, tanto no aspecto do direito à habitação e aos transportes, como nos gastos da alimentação, não falando nas várias ajudas de custo. A multidão de motoristas e de assessores é escandalosa. Enfim, uma “desbunda”, como refere a má língua internacional. E o pobre cidadão vê impotente os fundos públicos mal gastos, nos malabarismos da TVI com Cristina Ferreira e outros, fundos esses que deviam servir apenas a comunicação social mais modesta, completamente depauperada com a crise.
E de boca aberta de espanto, tenta perceber como é possível, quando os concursos públicos ficam desertos, haver a possibilidade de serem adjudicados os bens em questão por qualquer preço e a quem quiserem…! Na verdade, incrível. Mas tal não basta. Para cúmulo, somos agora confrontados com uma nova e inacreditável decisão política. Na verdade, a União Europeia referindo que nos últimos cinco anos cerca de 640 milhões de Euros de fundos estruturais foram indevidamente utilizados e que os Estados Membros perdem anualmente 50 mil milhões devido a fraudes transnacionais, resolveram tomar uma atitude. Para tal evitar, foi criada uma Procuradoria Europeia, órgão que vai procurar detectar as fraudes que prejudicam os interesses da União Europeia, com a necessária competência para exercer eventual acção penal contra os desvios que envolvam os fundos da EU superior a determinado montante e às fraudes transfronteiriças, relativas ao IVA, que igualmente ultrapassem certo limite considerado aceitável. Nessa ordem de ideias, para esse órgão fiscalizador, supra nacional, cada Estado tem o direito de nomear um membro para o grupo de procuradores da P.E. Ficou então estabelecido que a selecção desse membro seria estabelecida pelo Conselho Superior do Ministério Público que indicaria três nomes possíveis que, posteriormente, seriam submetidos a uma Comissão Independente da U.E., constituída por um júri de doze elementos. Essa comissão é que determinaria qual dos candidatos apresentados teria melhor perfil para o cargo. A União Europeia pretende tirar, deste modo, a influência do governo de cada País na escolha e na nomeação do(a) respectivo(a) Procurador. Tudo muito claro. Pois bem, o júri concluiu que o melhor candidato era a Procuradora Ana Mendes de Almeida. Perante o espanto da gente séria deste País, o Governo teve o atrevimento de não concordar com a decisão de um órgão internacional, que afinal apenas cumpriu uma competência que tem por finalidade evitar o perigo de cada país tentar sabotar os objectivos que se pretendia. Pessoalmente, nem queria acreditar naquilo que me diziam. Afinal o jornalista João Miguel Tavares, num lapidar artigo, veio esclarecer a colectividade. O Governo quer colocar um amigalhaço mais afeito e maleável às manobras costumadas. Ainda por cima, a Engenheira escolhida tinha andado, como se constava, a meter o nariz no caso das golas antifumo, compradas pela Ministério da Administração Interna, que levaram à demissão do Secretário de Estado da Protecção Civil.
Acabarei como o ilustre jornalista agora referido, O Governo transformou o que devia ser um cargo independente, numa nomeação por confiança política
Um autêntico escândalo!
Edição 791 (10/10/2020)
Breves Flashes
Amália Rodrigues, uma mulher do povo, independente, que se transformou numa diva do canto, conhecida em todo o Mundo
No Centenário do Nascimento de Amália Rodrigues, não posso deixar de, em sua Homenagem, evocar três simples “flashes” relacionados com a minha vida
A primeira vez que ouvi falar na sua figura excepcional, foi há muitas dezenas de anos, ao fim de uma tarde quente, em S. Pedro do Sul, enquanto eu, minhas irmãs e umas nossas vizinhas, jogávamos a “Macaca”
Na altura, antes da hora marcada para o início da sessão cinematográfica, no Cine Teatro de S. Pedro do Sul, como então era conhecido, o sistema sonoro, através de poderosíssimos altifalantes, transmitia, para toda a vila, uns largos minutos de música portuguesa, lembrando a exibição do filme programado a partir das nove e meia da noite. Julgo que a penúltima ou a última música, era uma canção ligeira espanhola, denominada “Tengo una vaca lechera”, cantada, em português, pelas conhecidas e populares Irmãs Meireles e que todos acompanhavam com entusiasmo, em alta gritaria, mais que desafinados
“Tenho uma vaca leiteira, não é uma vaca qualquer, não dá leite não dá nada, mas que vaca tão chalada, TOLON, TOLON “ e a série musical, penso eu, terminava com o último sucesso do fado português, que uma das jogadoras da macaca me informou ser a cantadeira “ Amélia Rodrigues”…! Foi o meu primeiro contacto com a inesquecível Amália, cujo centenário é agora celebrado.
Antes de tudo, convém referir que as Irmãs Meireles eram popularíssimas e foram convidadas para inaugurar a Praia Fluvial das Termas, passeando de barco, perante a enorme multidão que bordejava as margens do Vouga, cada uma das embarcações conduzida por um dos manos Carvalhas, os gémeos Gastão e Orlando, e uma terceira, pelo primo destes, Luís Carvalhas.
Vivia-se, na altura, um período de transição cultural bastante difícil. Para os snobes endinheirados da nossa Pátria, o que era estrangeiro é que era bom, fazendo-se troça, por sistema, da música portuguesa e dos artistas nacionais, incluindo em geral o nosso fado e o nosso folclore, que no fundo, bem ou mal, representavam a nossa cultura e a nossa ancestral maneira de ser. Não compreendia tal atitude desta nova raça de estrangeirados…! A pobre Amália não fugia à regra e os idiotas, pseudos intelectuais das fusas e das semi fusas, displicentemente consideravam-na uma cantadeira de baixo nível, apenas digna de cantar em casas modestas e instalações públicas e particulares de deplorável extracção. Felizmente, os que tinham gostado de ouvir Amália, puderam assistir à sua ascensão prodigiosa e meteórica, entrando de rompante nas salas de cinema com filmes em que era a actriz principal e nas fechadas tertúlias sofisticadas da alta sociedade da cultura europeia, cantando ainda em todos os bons lugares, tanto em Portugal como no Estrangeiro. Veio o 25 de Abril e logo a intelectualidade medíocre e invejosa, não conseguindo competir com a sua categoria e não aguentando o nível inatingível da sua arte, resolveu denegrir a sua imagem, dizendo que era uma criação do anterior regime, atrevendo-se a sugerir que pertencia à Pide e procurando colocar a população portuguesa contra a sua pessoa. Amália passou um mau bocado, não arranjando salas de espectáculo para actuar, pois todos tinham medo de a contratar, devido às ameaças feitas pelos extremistas do costume, empurrados pelos estalinistas que tentaram controlar a vida portuguesa. Foi, nessa altura, que tive o segundo contacto com a sublime Amália. Com um grupo de gente sem medo, foi organizado, no Porto, um espectáculo no Cinema Sá da Bandeira, seguido de uma ceia modesta de preço acessível a qualquer um, onde todos se poderiam inscrever e fazer perguntas à cantadeira. Muitos actores vieram, voluntariamente, colaborar no evento, fartos das ameaças dos politiqueiros medíocres que davam ordens neste País e pretendiam ilegitimamente arregimentar o meio cultural português. Foi um tremendo e inesquecível êxito. E a nossa Amália cantou primorosamente, como sempre, até às tantas, não só dentro do Teatro Sá da Bandeira, mas tanto na rua para a multidão que a esperava, como igualmente na simples ceia servida em sua honra. Fomos ameaçados com a possibilidade do espectáculo ser interrompido e boicotado por facínoras armados. Claro que foi respondido que os esperávamos, pois a sessão seria certamente muito mais animada!!!. Claro que não apareceu ninguém, a não ser um mar de gente para ajustar contas com tal hipotético grupo de terroristas. O bom povo do Porto bem esperou, morto por lhes dar uma lição. Mas o medo, pelos vistos, venceu as baixas convicções dessa gentalha. Estivemos a conversar até ao romper do Sol. Amália não entendia muito de política. Tinha-se cultivado à sua custa, quando já era mais velha pois, na juventude, tinha tido que trabalhar no duro para matar a fome e ajudar a sua numerosa família. Quase nas despedidas, confessou não estar preparada para responder às questões políticas com que qualquer pessoa era actualmente confrontada. Ela apenas pretendia um Rei para Portugal, um chefe de estado independente dos partidos e que defendesse o Povo contra todo o tipo de prepotências dos poderosos. Para meu encanto, descobri, na sua simplicidade, uma Amália Monárquica.
Os meus contactos e até as relações de amizade com Amália passaram a ser mais frequentes, embora sem qualquer intimidade, tendo aceite uma ida a sua casa, após o jantar, onde estavam reunidos vários seus amigos, durante a temporada em que estive mais tempo em Lisboa, como deputado.
Porém, nova surpresa Amália me reservava, Nas manifestações do Povo de Vizela, que desceu do Minho a Lisboa, para reivindicar a Restauração do seu Concelho, estive sempre na primeira linha, visto ter sido um dos deputados que assinou o projecto entrado no Parlamento para a restauração e que interesses partidários obscuros tentaram impedir. Pois bem, quando milhares de pessoas se deslocavam para o Palácio de S. Bento, para assistirem a uma das agitadas sessões de discussão da criação do almejado concelho, quando, no caminho, passaram pela casa da Amália Rodrigues, estava esta debruçada numa janela com uma bandeira do futuro concelho, desfraldada, batendo palmas aos que desfilavam e associando-se ao seu querer. “Viva o município de Vizela”, gritou bem alto, para que fosse bem ouvida. Mais, acabou por descer à rua para cumprimentar e festejar pessoalmente os Vizelenses, declarando estar emocionada com aquela sã manifestação do Povo em prol dos seus legítimos direitos de autonomia municipal.
E os meus contactos pessoais com Amália resumem-se a estes três e simples episódios, que não quis deixar de evocar na altura que passa a data do seu Centenário e quando o verdadeiro Povo Português acarinha a sua Memória.
António Moniz Palme – 2020
Edição 790 (24/09/2020)
As Limitações do Planeta Terra incompreendidas pela Política Económica (2ª Parte)
Perante as confusões e a impreparação económica que tenho consciência possuir de sobra, as dúvidas sobre as soluções para este pobre Planeta têm aumentado, tirando-me o sono e, o que é mais grave, atirando igualmente para uma permanente insónia a colectividade ecologista, aterrada com o fatal esgotamento da Terra. Quando pretendo convencer os meus amigos mais lúcidos a comungar comigo das preocupações provocadas pelas maleitas da Humanidade, é sempre difícil obrigá-los a raciocinar em termos do dia a dia, onde logo se refugiam comodamente nos comezinhos problemas do futebol e quejandos. Na verdade, levar a cabo um trabalho de meditação, com o frenesim dos tempos de hoje, é obra!!!.. Entretanto, rendi-me às virtudes das Imagens e dos Gráficos e tomei consciência que será certamente uma ferramenta valiosa para a criação dos caminhos do futuro. Recordei então o meu professor de Economia da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Teixeira Ribeiro, que com uma linguagem lapidar, demonstrava a Lei da Oferta e da Procura através de simples gráficos e linhas que os seus alunos facilmente compreendiam. A “lei do sobe e desce”, como nós atrevidamente lhe chamávamos sem o Mestre saber. Quando o preço de um produto subia, a oferta aumentava e a procura descia e, vice-versa, quando o preço de uma determinada mercadoria descia, a procura subia e a oferta descia….
Como já referi, na primeira parte deste artigo, os diagramas proporcionam uma compreensão mais firme, dispensando as sofisticadas explicações dos especialistas. Na verdade, através das imagens e dos diagramas, constrói-se uma ciência económica. Ora, este estilo visual foi um grande êxito para Paul Samuelson, no ensino das suas matérias. Através da imagem apareceu o seu diagrama mais conhecido, o Fluxo Circular, que se baseava e lembrava a metáfora da água a fluir numa canalização. No fundo, era a forma de representar o rendimento a fluir na economia, do mesmo modo que a água flui nos circuitos onde penetra. Enfim, uma imagem simples que permite o entendimento por parte dos alunos das situações económicas, independentemente dos conceitos tradicionais estabelecidos. E o método das gravuras tem vindo a aumentar gradualmente. Os quadros visuais tornaram-se mais importantes do que os verbais.
Eis senão quando, descobri um livro sensacional, para interessados pelos problemas económicos do nosso tempo, de leitura fácil e com uma linguagem clara e perceptível, cujo autor é uma investigadora e professora da Universidade de Oxford, Kate Raworth, considerada, pelo “Guardian”, uma das dez principais “Tweeters” sobre a transformação da economia. Para meu encantamento, apresenta um diagrama, cuja figura junto e espero apreciem. Tal figura ilustra a chamada Economia do Donut, expressa em Círculos Concêntricos com uma base social de bem-estar, abaixo da qual ninguém poderá cair, e um teto ecológico de pressão planetária que não devemos transpor. Entre essas duas linhas, existe um espaço seguro e justo para todos. Enfim, para não tirar o interesse da leitura do seu fascinante livro, vou apenas frisar as sete maneiras de pensar como um economista do Séc. XXI., apontadas pela autora:
Em primeiro lugar, é necessário mudar imperiosamente de Meta, até aqui considerada essencial. Não mais o PIB como objectivo, isto é, as produções nacionais que têm sido a justificação para as enormes desigualdades sociais que se verificam, conjugadas com uma destruição acelerada da capacidade de vida do Mundo onde vivemos. A Meta a prosseguir, tem que obrigatoriamente satisfazer os direitos humanos de cada pessoa, dentro dos limitados meios que o planeta disponibiliza, sem comprometer o seu futuro. Esse objectivo está contido no conceito Donut. O desafio feito aos economistas é a criação de economias que ajudem a trazer toda a humanidade para o espaço seguro e justo do Donut. Em vez de procurarmos obter um PIB cada vez maior, chegou a altura de descobrirmos como prosperar em equilíbrio, como refere Kate Raworth
Em segundo lugar, teremos que procurar obter uma clara visão de conjunto e não limitarmo-nos a acusar de incompetentes os governantes dos Estados, reforçando apenas a eficiência do mercado para resolver os problemas imediatos Ora, teremos sim, que conceber de novo uma economia como elemento essencial da sociedade, mas integrando-se definitivamente no seio da natureza. Estamos perante novos desafios, onde vai pesar o papel nuclear do agregado familiar, a necessária parceria com o Estado e a criatividade dos bens comuns.
Em terceiro lugar, estimular para melhor a Natureza Humana. O Homem do nosso tempo é considerado egoísta, calculista, individualistas em excesso. Ora a natureza Humana é muito melhor do que isso e é possível ser estimulada de forma a entrar no espaço seguro e justo do Donut.
Em quarto lugar, estudar a proficiência dos sistemas. O cruzamento icónico das curvas de oferta e de procura do mercado é o primeiro diagrama com que se depara qualquer pessoa interessada em economia, Contudo, tem subjacente, como base de sustentação, metáforas equivocadas de equilíbrio mecânico provenientes do Séc XIX, eivadas com os erros próprios da altura, de que nos pretendemos agora livrar. Para a compreensão do dinamismo da Economia, devemos utilizar o pensamento sistemático, resumido por um simples par de ciclos de retroacção. Instalar uma dinâmica desse tipo no centro da economia, vai abrir muitas perspectivas novas, desde a expansão e quebra dos mercados financeiros à natureza auto sustentada da desigualdade económica, incluindo os pontos determinantes das alterações climáticas. A autora, finaliza esta quarta regra, referindo que se está na altura exacta de deixar procurar as esquivas alavancas de comando da economia e começarmos a geri-la como um sistema complexo sempre em evolução. Procurei, nesta quarta regra, para não trair o seu pensamento, usar quase a mesma linguagem de Kate Raworth.
Em quinto lugar, conceber para distribuir. No passado Séc. XX, havia uma pressuposição errada sobre a desigualdade. As coisas têm que piorar antes de melhorarem e, no futuro, o crescimento equilibrará a situação. Mas acontece que a desigualdade não é uma necessidade económica, é sim uma falha de concepção. Na verdade, existem formas de conceber economias mais distributivas do valor que geram. Essa é a verdade.
Em sexto lugar, criar para regenerar. A teoria económica exibiu sempre aos cidadãos um “ambiente limpo” como um bem de luxo, apenas acessível a gente rica Esta visão errada foi reforçada pela Curva Ambiental de Kuzner, que sugeria que a poluição tem que piorar antes de poder melhorar, pois o crescimento, num futuro (talvez incerto, nunca se sabe!!!), limpará tudo!!!. Claro que essa lei não existe. A degradação ecológica é apenas o resultado de uma concepção industrial degenerativa. Ora, este Século necessita de uma concepção económica regenerativa e não degenerativa, a fim de criar uma economia circular e não linear. repondo os seres humanos como participantes plenos nos processos vitais cíclicos do planeta Terra.
Em sétimo lugar .Ser agnóstico em relação ao crescimento. A economia dominante, tenham tal em atenção, vê o crescimento económico incessante como uma necessidade, mas sabemos que nada na natureza cresce para todo o sempre e a tentativa para contrariar essa heresia económica, que dominou o passado, está em ascensão, em países de altos rendimentos, mas de crescimento baixo. Por isso mesmo, temos que ultrapassar a dependência que temos do PIB., como meta económica. Aquilo que precisamos é de economias que nos façam prosperar, independentemente de crescerem ou não. Esta viragem radical, refere Kate Raworth, convida-nos a tornarmo-nos agnósticos em relação ao crescimento.
Na verdade e concluindo, resta-me dizer que estas regras não são soluções radicais para encontrarmos o futuro, isto é, receitas políticas específicas e infalíveis. Todavia, são essenciais para os que querem reformular a Economia, obtendo deste modo novos meios para a formação da mentalidade económica do futuro, respeitando as limitações do nosso PLANETA. Deus inspire os condutores e o Mundo
Edição 789 (10/09/2020)
As Limitações do Planeta Terra incompreendidas pela Política Económica…! (1º PARTE)
Desde há muito que os que defendem a Natureza e o Planeta Terra andam de candeias às avessas com os conceitos político-económicos actuais, nomeadamente com os problemas criados pela Sociedade de Consumo. E o grande público, que somos todos nós, assistimos a esta contenda como se dela não fizéssemos parte. Sempre que no assunto ouvimos falar, assobiamos para o lado e transplantamos os problemas daí decorrentes talvez para o Planeta Marte, bem longe do nosso dia a dia, do nosso egoísmo e do nosso conforto pessoal. No entanto, mais que não fosse, todos sabemos da injusta situação das populações mais pobres, cuja juventude tem o futuro permanentemente comprometido por razões de carência económica. Não deve ser necessário mais nada acrescentar para acordar a Humanidade para o que se passa. Basta recordar que em 2015, morreram seis milhões de crianças com menos de cinco anos de idade, metade delas devido a doenças fáceis de tratar, como era o caso da malária e da diarreia. Triste miséria deste Mundo…! Na realidade, dois mil milhões de pessoas vivem com menos de três dólares diários e milhões de jovens não conseguem arranjar trabalho. O “crash” financeiro de 2008 veio agravar a situação, criando ondas de choque em toda a economia mundial, privando milhões de pessoas dos seus empregos, das suas poupanças e da garantia da segurança da sua saúde. Como consequência, o Mundo tornou-se ainda mais gritantemente desigual e injusto, com clamorosas diferenças de nível de vida entre os seus habitantes.
A acrescentar a tal calamitosa situação, deve acrescentar-se a degradação visível do Planeta Terra, devido à exagerada pressão da actividade humana. sobre os vários sistemas vivos. Claro que, com esta situação, a temperatura média mundial já teve uma subida de 0.8 graus e a esperada subida não vai parar, se nada fizermos para isso. É bom não esquecer que cerca de metade dos terrenos agrícolas mundiais já estão seriamente degradados e, dentro de uma década, um terço da população viverá em pleno stress hídrico. Disso não tenho qualquer dúvida. Com o crescimento gradual da população, o cenário ainda terá tintas mais dramáticas!!!. E com este percalço da pestilência, novos desafios vão nascer na nossa sociedade, complicando ainda mais a recuperação social e económica da Humanidade. Já referi há tempos que tudo mudou e que o futuro terá que ser agora bem diferente. O conceito económico aceite não pode manter o mesmo esquema tradicional. Com a agravante de que, como todos sabemos, a Economia é a língua materna da política, tendo grande influência na comunidade e no seu modo de pensar e de viver. Aliás, o próprio Jonh Keynes, na década de trinta, já estava preocupado com a responsabilidade que lhe acarretava o exercício da sua profissão.”As ideias dos economistas e dos filósofos políticos, tanto quando estão certos, como quando estão errados, são mais poderosas do que é comummente compreendido. Com efeito, o mundo é regido por pouco mais”.E os economistas mais conhecidos, embora tomassem posições diferentes uns em relação aos outros, no essencial tinham e vão tendo todos a mesma opinião. Apesar do número de estudiosos de economia ter crescido de modo incomensurável, continuam a aprender por cartilhas passadas de moda. O seu modo de pensar, tragicamente, mantém-se o mesmo, aprisionado pelos ultrapassados manuais das ultimas décadas. E perante aa desgraças humanas com que nos deparamos, no dia a dia, teremos que saber utilizar um novo conceito de Economia como remédio para debelar os males que afectam a Humanidade e o próprio Planeta Terra. Entretanto, Paul Samuelson verificou que os diagramas eram uma técnica excelente para tirar a confusão aos alunos de economia. Na verdade, as imagens e os gráficos são uma estratégia de comunicação privilegiada. Mas, por outro lado, juntamente com Schumpeter, Samuelson compreendeu que era muito difícil livrarmo-nos das ideias serôdias que convivem connosco há séculos, e cuja ruptura com as mesmas terá que ser obrigatoriamente feita, para nos libertarmos dos conceitos ultrapassados de economia que permanentemente nos são transmitidos. Se queremos salvar a Humanidade, vai ser um longo esforço de fuga dos quadros mentais que nos transmitiram os nossos antecessores pois, como é óbvio, os estudos económicos dos principiantes não começam do nada, partem dos conhecimentos que outros obtiveram com o seu trabalho, conhecimentos esses que funcionam um pouco como uns ditadores que controlam a nossa mente e o nosso modo de raciocinar. E tal não pode acontecer. Terá que ser um autêntico trabalho do Colosso de Rodes, fazer tábua rasa de todos os modelos e conceitos existentes. Claro que os mesmos não podem deixar de ser encarados, mas apenas como meros esquemas transitórios, simples pistas para encontrar novos caminhos, que acompanhem a evolução constante dos valores e das metas da Humanidade. Na verdade, a criação de alternativas novas é a única possibilidade de se poder enterrar os velhos conceitos económicos que nos cercam e perseguem. Talvez esteja a ser um bom maçador, mas não posso deixar de recordar o que todos sabem. Durante as últimas décadas os economistas viveram obcecados pelo PIB, ou seja, pela produção nacional, medida de progresso considerada primordial. No fundo, esta visão económica tem servido para esquecer as desigualdades extremas de rendimentos e de riquezas, de país para país e de continente para continente, conjugadas com uma destruição insustentável do mundo vivo, como refere a moderna filosofia económica. Ora, em vez de procurarmos um PIB cada vez maior, devíamos descobrir um caminho bem diferente: – Em conjunto, planetariamente, prosperar sim, mas de modo equilibrado ..
António Moniz Palme – 2020
Edição 788 (30/07/2020)
Austrália. Os Cangurus, as Koalas, as Emas, os Boomerangues e outras curiosidades da Oceânia made in Portugal
James Cook, célebre navegador inglês, nascido no Hawai, apresentou-se ao rei da Inglaterra, como tendo descoberto a Austrália, após viagens sucessivas àquele novo e desconhecido continente, já imbuído por um espírito científico e investigador, talvez bastante diferente dos comportamentos anteriores levadas acabo por portugueses e holandeses, os únicos europeus que sistematicamente andavam por aquelas paragens.
Os holandeses apenas tinham como meta o descortinar dos locais onde poderiam colher riqueza fácil ou negociar com proveito, nas suas viagens organizadas racionalmente, como um projecto empresarial, isto é, sem emoções e sem limites, onde o lucro, chave da posterior economia liberal, era o único objectivo em mente. Devo dizer que em 1660, o capitão holandês Willen Janzoo, nas suas notas de bordo registou o desembarque na ponta norte do Continente australiano. Mas não havia ninguém com quem comerciar, nem riquezas à vista para explorar, nem vivalma para escravizar, pois os habitantes mantinham-se invisíveis, para sua comodidade.
Os portugueses pretendiam igualmente enriquecer com o comércio, mas havia outra finalidade mais profunda nas suas viagens de navegação: – evangelizar as populações indígenas dos territórios que encontrassem, para alargar a cristandade mundial.
Ora, após achegada à Índia, as caravelas portuguesas esquadrinharam tudo o que era ponto territorial da Ásia, onde pudessem negociar, conquistar e submeter territórios à coroa portuguesa e, espiritualmente, à Igreja. Concomitantemente, foi iniciado um século de vadiagem náutica por tudo o que era território desconhecido. Após a conquista de Malaca e o descobrimento das Molucas, os portugueses ocuparam os mares da Ásia, navegando repetidamente pelo Arquipélago Malaio e Indonésio. Claro que à primeira vista não existem provas documentais dessa postura portuguesa, em relação a muitos territórios, nomeadamente o australiano, mas restaram indícios permanentes da passagem lusitana por tudo o que era lado. E a explicação é bem simples, a presença portuguesa, na maior parte das vezes era informal, ou limitada às meras actividades comerciais, ou liminarmente, em nome do Reino Português, dando cabo dos portos de abrigo das embarcações propriedade de comerciantes maometano ou ninhos de juncos da pirataria asiática. Claro, que nessas actividades, houve permanentemente um cruzamento de dados cartográficos e de informações de navegação, integrados por notícias dadas por populações locais, que permaneceram através dos tempos. .
A existência da Austrália, durante muito tempo, foi indiferente para os portugueses. Esta a razão pela qual não é de estranhar o profundo silêncio que pairava sobre a terra dos cangurus e da sua estranha gente. Aliás, convinha politicamente manter o maior silencio e secretismo possíveis sobre a Austrália para não despertar a cobiça e as atenções indesejáveis dos nossos inimigos europeus. Apesar de tal, muitos indícios ainda agora emolduram o panorama mundial das descobertas e das visitas portuguesas ao continente Australiano. Os Mapas da Escola de Dieppe, de meados do Séc.XVI, nos quais surgem cartografadas grandes massas continentais a Sul de Java, com toponímia indubitavelmente portuguesa, segundo o historiador Paulo Jorge Sousa Pinto. E tais mapas seriam da autoria do piloto português João Afonso, que resolveu ir viver para França, onde deixou os seus relatos das viagens feitas, incluindo toda a documentação com elas relacionadas.
Mas o que é facto é que os portugueses nuca se preocuparam em contestar o achamento oficial da Austrália, invocado por James Cook. Ainda por cima, este explorador foi morto por indígenas das Ilhas Sandwich, pouco tempo depois, o que é capaz de ter constituído um empecilho incómodo à denuncia oficial dessa falsa descoberta…!
Contudo, a verdade acabou por ser revelada, não pelos portugueses, mas pela investigação de documentos à escala mundial. Na verdade, foi encontrado um novo Mapa da Austrália, do Séc. XVI, que prova à saciedade que não foram nem Holandeses nem Ingleses a descobrir as terras da Oceânia e sim os navegadores portuguese. Tal mapa, descoberto numa biblioteca de Los Ângeles, onde foi parar, com referências escritas em português, foi elaborado pelo português Cristóvão de Mendonça, em 1522, prova cabal de terem sido os navegadores portugueses a descobrir a Austrália. Muito naturalmente, desembarcaram e exploraram o território dentro das suas possibilidades. Esta personalidade lusitana chefiava uma armada de quatro barcos, 250 anos antes do Capitão James Cook ter reclamado a descoberta da Austrália!!! No mapa elaborado, pelo navegador português, são feitas várias referências à Costa Este do território tocado pela sua armada. Vários historiadores vêm suportar a descoberta feita pelos portugueses, nos seus posteriores estudos de investigação. Peter Trickett, um investigador e jornalista australiano, no seu livro “Para Além do Capricórnio”, refere vários achados e até danças cerimoniais dos aborígenes, com influência do folclore da gente lusa, que através dos tempos contactou com os habitantes australianos, aparentados com o povo papua da Nova Guiné de onde devem ser originários. Estes eram caçadores e recolectores, sem o culto dos animais domésticos e só com uma convivência directa com a marinhagem portuguesa poderiam assimilar as suas toadas musicais. Naturalmente, os tripulantes das nossas caravelas, enquanto armazenavam água e compunham as naves, aprendiam com os aborígenes a caçar a fauna local, com o célebre boomerangue, assobiando e cantando, nos intervalos, uma modinha da sua terra, que logo foram aprendidas e repetidas à maneira local. O boomerangue, devo explicar, era uma lâmina de madeira curva, objecto de arremesso que voltava à mão do hábil arremessador. Nos achados de origem portuguesa, consta aliás uma replica de um canhão português do Séc. XVI, que está guardado em chão sagrado dos indígenas, em Kimberley. Por outro lado, aludem os historiadores a existência de um pote de cerâmica, idêntico aos transportados com víveres, nas embarcações lusas. Circunstância deveras significativa. Tal recipiente foi pescado ao largo de Gabo Island e, cientificamente, datado de cerca de 1500, sendo considerado português e que teria servido para transportar vinho ou azeitonas. Igualmente, foram encontrados apetrechos de pesca europeus, numa praia de Fraser Island, contendo um peso de chumbo, datado cientificamente de 1500, sendo o chumbo identificado como tendo origem numa mina portuguesa. Aliás, os nomes que Cristóvão Mendonça deu a vários pontos de referência na costa, tiram as últimas dúvidas sobre a descoberta portuguesa da Austrália. Enfim, tal não é de estranhar. As caravelas de muitos portugueses, por essa altura, nomeadamente de António Abreu, do descobridor das Ilhas Molucas, Francisco Serrão, e de D. Tristão de Meneses entre muitos outros, navegaram repetidamente por aqueles mares, zingareando na sua exploração, por todas as terras circundantes. Assim, acaba o mito da descoberta da Terra dos Cangurus, pois, foi feita pelos portugueses, em 1522.
António Moniz Palme – 2020
Edição 787 (16/07/2020)
Nova modalidade da Caça aos Gambozinos
No interior português, a tradição da prática da caça aos gambozinos vem de longe. Nas reuniões de amigos e de familiares, há sempre um mais ingénuo, adulto ou criança, que cai na esparrela e é convencido a colaborar na aventura de uma caçada a tão misterioso animal. A última caçada a que assisti, foi perto da bonita terra beirã de Avô, na Carvalha, para onde tinha ida com os meus filhos. O dono da casa, Dr. Vasco de Campos Lencastre, propôs aos presentes organizar uma caçada nocturna aos gambozinos, a que logo aderiram com entusiasmo tanto os meus filhos e como os descendentes do anfitrião. Claro que colaborei nesta partida, que certamente iria criar situações divertidas e inofensivas! Devo confessar que, muito pequeno, em S. Pedro do Sul, os amigos mais velhos aliciaram me e a outros da minha idade para participar, numa caçada aos gambozinos, para os lados de Sul. Desconhecia de todo o que era um gambozino, razão pela qual, sem explicar quais as razões das minhas dúvidas, perguntei ao meu Pai se um gambozino era um animal ou uma planta…! Como apaixonado impenitente por zoologia e botânica, logo me tentou ensinar que espécie de animal seria um gambozino, nunca lhe tendo falado do estranho convite cinegético que tinha recebido dos meus amigos mais espigadotes. E para meu espanto, o meu querido Pai, com toda a naturalidade, explicou-me que existia uns peixes de água doce, nos rios da América do Norte, que tinham esse nome e eram úteis à sociedade, pois alimentavam-se das larvas dos mosquitos, comendo bateladas delas. Como podem calcular, vi logo tratar-se de um logro em que me queriam fazer cair, pois não seria muito normal ir dar uns tiros, com espingardas de chumbos, durante a noite, pelos pinhais das vizinhanças da minha terra, tendo como alvo uns gentis peixinho americanos, da ordem dos Teleósteos, por mais potentes e mágicas fossem as suas asas. Claro que não mais esqueci a explicação científica paternal, oportunamente recebida.
Ora na Carvalha, no coração do Concelho de Oliveira do Hospital, muitos anos depois da frustrada caçada para que fui convidado, fiquei com enorme curiosidade de presenciar um evento deste género. Após o jantar, avançaram todos os Pequenos, com um certo medo, depois de devidamente instruídos do modo de apanhar, com um saco que cada um transportava, algum gambozino que lhes passasse à mão, no local onde estavam postados em vigilância, a meio de um íngreme caminho no meio do arvoredo. Embalados por um luar encantador, os incautos aventureiros, embora receosos do que não conheciam, aguardaram a pé firme que passasse por eles um tão raríssimo animalejo. A certa altura, começaram a ouvir-se gritos e brados “Aí vai um bastante grande!!!”.- Tal vozearia acompanhada de latidos e do barulho de um tropel de latas a bater nas pedras da calçada. “Aguentem firme, preparem os sacos, isto é exactamente como quem pega um touro”, dizia o dono da casa para acalmar os trémulos caçadores…!. E para meu espanto, não é que passou mesmo por nós, como uma bala, numa correria desabrida, qualquer bicho de quatro patas a ganir, com o corpo enfaixado em papel higiénico, como uma múmia egípcia, arrastando uma serapilheira que parcialmente o cobria, dos pés à cabeça. A avantesma aparecida vinha acompanhada pelo arrastar de latas pelo chão, que trazia presas aos membros posteriores. Claro que tão corajosos caçadores apanharam um valente susto, mas viram um gambozino como tanto desejavam e, pelo menos, não molharam as calças com aquela inusitada aparição. Depois, constatei, pelos organizadores, que tinham enrolado o cão de estimação dos mais pequenos da casa, em papel higiénico, e prendido latas às patas traseiras daquele inocente gambozino, de coleira e de licença passada pela Câmara Municipal. Tinha sido este transportado, dentro de um saco, pela serra acima, até ao começo do íngreme caminho, onde mais a baixo esperava o timorato grupo que fazia a espera!
Embora tivessem negado, devem ter dado um bom pontapé ao pobre e pacífico actor que ainda por cima estava a representar um difícil papel, única razão para ter feito tão enorme alarido ao trotar pela montanha abaixo, arrastando a parafernália de lataria que lhe prenderam às patas…!
Na altura, aproveitei para consultar as lendas populares, nesta matéria, verificando que os imaginários gambozinos tanto podiam ser peixes, como aves ou mamíferos, mas sempre, sem excepção, com o carimbo de muito selvagens e perigosos, a fim de electrizar a fértil imaginação dos mais novos ou dos mais crédulos.
Pois bem, descobri que nos tempos actuais foi inventada e praticada, perante as nossas incrédulas barbas, uma nova modalidade de Caça aos Gambozinos. A Caça aos Gambozinos em que o animal a apanhar não é um simples e inofensivo peixinho alado, mas sim o Corona Virus com todos os seus efeitos letais. Na verdade, a organização de Trabalhadores, Inter Sindical. fintando as claras orientações determinada pelos responsáveis da Saúde e pelas altas figuras do Governo e da Chefia do Estado, no 1º de Maio, em Lisboa, promoveu um decorativo ajuntamento de operários seus associados, arrebanhados de diversos pontos do País, pelas camionetes do costume, estando-se nas tintas para o perigo de os mesmos ficarem infectados com o novo vírus. Esta situação, apesar de terem sido proibidos aglomerados de pessoas, nos cemitérios, apenas podendo comparecer, nos enterros, a família directa do falecido. Igualmente, a Igreja acedeu sensatamente à não permissão da assistência colectiva dos cristãos às cerimónias de Culto. E se alguma dúvida existisse, para salvaguardar a Saúde dos peregrinos, colaborou prontamente com a proibição da habitual Peregrinação a Fátima, no dia 13 de Maio.
Enfim, estamos perante uns iluminados da Inter Sindical, ainda cheios de tiques estalinistas, que, escusadamente, sujeitam os seus associados aos perigos de serem tocados pela pandemia que nos assola. E qual a utilidade tal insensatez?
Simplesmente para atingirem os seus nebulosos fins, não olhando a meios, como bons não humanistas. A sua pura e deplorável actuação de checas irracionais que não se importam de sacrificar gente inocente para obter duvidosos e ridículos fins políticos. E , claro está, sempre contando com a fraqueza dos responsáveis , que em vez de tomarem uma atitude firme de censura, que ponha cobra à actuação dementada dos que, incompreensivelmente, atentam contra a saúde de trabalhadores, vêm por arrastamento e por falta de coragem, com paninhos quentes, tentar passar uma esponja num comportamento criminoso e infame de uma organização que não se importa de sacrificar a saúde dos seus associados.
Ou são múmias estalinistas desenterradas do passado e perdidas no mundo actual ou são simplesmente demasiado ignorantes e completamente irracionais.
Bem, o que é certo é que inventaram uma nova modalidade da Caça aos Gambozinos, a Caça ao Corona Virus, em que o engodo para os atrair são os próprios camaradas operários.
Abaixo a estupidez.
Edição 786 (25/06/2020)
Na vida de aventuras, não há bem que sempre dure – Terceira parte
A chefia militar desta aventura dos jovens portugueses Felipe Nicote e Salvador Ribeiro de Sousa, esteve sempre a cargo do aventureiro minhoto. Cada um deles tinha qualidades muito próprias. Enquanto um, era um chefe militar excepcional e que apenas pretendia honrar a sua pátria, o outro, era um malabarista, tanto na gestão comercial como nas curvas complicadas da política e da intriga. Quando Filipe Nicote regressou de Goa para tomar oficialmente posse da coroa, em nome do rei de Espanha e de Portugal, o seu amigo Salvador, grande herói de todas as tropelias militares em que ambos andaram metidos, resolveu por fim à sua vida de aventuras. Não havia razão para ficar. Nicote tinha regressado a Pegu, apoiado por uma boa armada e, para cúmulo, casado com uma mulher linda de morrer, o que significava que a sua vida de aventuras tinha acabado. No meio de todos os contratempos, Nicote tinha deslumbrado com os seus feitos, o Vive-Rei da Índia, Aires de Saldanha que, como recompensa, lhe deu a mão de uma sua sobrinha, Luísa, natural de Goa e filha de uma javanesa da aristocracia local. Perante este cenário, Salvador mais nada estaria ali a fazer Não tinha a ambição de aumentar a sua fortuna através do comércio e apenas pretendia continuar como um excelente cabo de guerra e partiu sem demora do Reino da Birmânia, regressando mais tarde a Portugal, onde foi feito comendador da Ordem de Cristo. Quanto a Nicote, embora adorado pelos seus súbditos, que o aclamavam quando passava transportado por um majestoso elefante, não tinha a mesma afeição dos próprios portugueses, que residiam na Índia, que contra ele metiam todo o género de intrigas e procuravam, motivados pela costumada inveja, denegrir nos seus feitos de cabo de guerra e de administrador, conseguindo que D. Felipe II o tomasse de ponta e lhe exigisse, por carta de 1605, uma explicação pormenorizada das razões de todo o seu singular comportamento. Apesar de lhe fazer tais exigências, o monarca castelhano, ostentava pomposamente, entre os seus variados títulos, o de rei dos Reinos do Pegu.
Além de sentir na pele a inveja mesquinha dos seus compatriotas e a má vontade do monarca espanhol que temia sempre que algum português lhe fizesse frente, Nicote resolveu iniciar as suas obrigações como conquistador em nome da sua pátria :-. Converter os seus súbditos à Fé Cristã.
Ora, o budismo era a religião das variadas populações que compunham o seu reino e se a catequização de umas centenas de indivíduos não dava nas vistas dos potentados religiosos da região, a conversão colectiva dos habitantes de um reino de influência budista era um atentado à história e à ordem social e religiosa e um impensável desequilíbrio de toda aquela região. Religiosamente, o Budismo já tinha resistido às investidas de grupos sectários, com uma visão diferente de Buda, além dos ataques da agressiva religião muçulmana, tendo sobrevivido e sempre mantido uma possível unidade.
Mas, Nicote não teve a percepção dessa crua realidade e, além do mais, como português, tudo o que fazia pela sua terra natal tinha por objectivo final a conversão do seu reino ao cristianismo. Não é para admirar, foi sempre essa uma das finalidades dos descobrimentos, aumentar a cristianização. Nesta conjuntura, chegou a Pegu, um grupo de missionários, liderado por Frei Francisco da Anunciação, que logo iniciou as suas tarefas de conversão, sendo construídas as necessárias igrejas e um seminário, junto à fortaleza de Sirião. Rapidamente, foi iniciado o ensino do português a milhares de súbditos de Nicote e a prática da religião cristã. Tal foi a gota de água no equilíbrio de toda a Birmânia, que apesar de terem permanentes conflitos internos por posições diferentes em relação à religião oficial, não lhes passava pela cabeça que, no seu território, florescesse uma outra religião.
Entretanto, subiu ao trono um novo monarca birmanês, Anauk-Hept-Lun, que por todos foi aceite, incluindo os antigos inimigos do seu reino, que o pretendiam apoiar para acabar com a ousadia dos cristãos. E a Birmânia inteira ergueu-se contra Nicote e os Portugueses. Sirião é cercado durante imenso tempo. Acabam os portugueses por se render e a cidade e o reino português cair nas mãos dos seus inimigos e Nicote e os seus homens são feito prisioneiros. Embora respeitando as qualidades do português, o rei birmanês, atendendo ao diferendo religioso criado, cara a cara com o rei de Pegu, deu três dias para este se converter ao Budismo, acrescentando que com a sua conversão talvez pudesse permanecer no seu reino, visto ser amado verdadeiramente pelos seus súbditos. E Nicote, vendo que tinha chegado ao fim a sua vida de aventura, resolveu resistir e, após ter conseguido a libertação dos portugueses, declarou que continuava fiel à sua Religião Cristã.
Nestas terríveis circunstâncias, o português Felipe de Brito Nicote, Rei do Pegu, foi morto da forma mais cruel que se pode imaginar e que o espírito oriental congeminou. Teve uma morte horrorosa, lenta e dolorosa, foi empalado em canas de bambu. Além de um herói, este modesto português, foi um verdadeiro mártir da sua Fé.
Edição 785 (11/06/2020)
Birmânia, território asiático longínquo que teve como Rei um Português de lei
(Segunda Parte)
Muitas histórias existem, não conhecidas do grande público, mas que revelam a faceta aventureira do nosso Povo e o apelo a que permanentemente está submetido, um autentico chamamento vindo do mar, bem como o desejo de aventura que corre ardentemente nas nossas veias.
Vou descrever a vida simples de dois modestos portugueses, Felipe de Brito Nicote, um simples carvoeiro de Lisboa, que chegou a ser rei da Birmânia, e um outro, um rapaz da província, Salvador Ribeiro de Sousa, nascido em Ronfe, nas cercanias de Guimarães, filho de um pequeno proprietário, que se alistou como militar e, em 1587, embarcou para a Índia, na armada de D. Francisco de Melo, praticando lá actos guerreiros que ficaram na lembrança de todos.
Felipe de Brito tinha como apelido um nome fora do vulgar, Nicot. Todavia, era filho de uma senhora de baixa condição social, de nome próprio Marquesa, não tendo esse apelido nada a ver com um título de nobreza. O pai era um trabalhador francês, Jules Nicot, que acabou por se naturalizar português. Corria que este português de fresca nacionalidade, era irmão de um antigo embaixador francês, em Portugal, Jean Nicot, conhecido linguista francês que esteve em Portugal, a partir de 1559. Segundo constava, o seu nome era decorrente do facto de ter levado o tabaco para a corte francesa, motivo pela qual se pensa que passou a ser conhecido pelo “Nicotina”, um conhecido alcalóide que se extrai do tabaco. E a família passou a ser conhecida pelos Nicote. Apesar do possível tio embaixador, o filho da Marquesa Nicote teve que trabalhar no duro para comer o pão de cada dia, andando de porta em porta a vender carvão. Entretanto, Portugal tinha perdido a sua independência em relação a Castela e a gente mais nova, fosse qual fosse a sua categoria social e o seu grau de cultura, desesperada, suspirava morrer com uma arma na mão a defender a Soberania Portuguesa. E uma maneira de o fazer, era partir à aventura para o Extremo Oriente, para enriquecer e reunir bens para essa luta contra os castelhanos. E assim, o nosso Nicote partiu para a Índia, onde acabou por encontrar o minhoto Salvador de Sousa.
Convém fazer aqui uma pausa para uma pequena explicação geográfica. A Birmânia, amplo espaço territorial onde vão correr as aventuras destes dois valentes portugueses, situa-se no Oceano Índico, no Golfo de Bengala. Está cercada pelo actual Laos, pela República da China e pela Tailândia. Hoje em dia é um país independente, com fronteiras definidas, denominado Myanamar, se bem com poucas dezenas de anos de estatuto de país independente, reunindo uma série de regiões fragmentadas que sempre se digladiaram e permanentemente andaram em convulsão interna.
Após uma demorada viagem e mil aventuras, os dois jovens acabaram por desembarcar na Birmânia, na Ilha de Sundiva.
Será essencial recordar que, na altura, o reino birmanês de Taungu tinha conseguido submeter o poderoso reino de Pegu, unificando a Baixa Birmânia e, a partir daí, começou a conquistar palmo a palmo a Alta Birmânia, e as regiões vizinhas de Manipur e Chiang Mai, além de territórios “shans”.(da China). E prosseguiram nessa escalada de conquistas, conseguindo dominar o Reino Siamês de Ayutthaya (Tailândia) e, mais tarde, em 1574, submeter à sua autoridade os laocianos Lan Xang (Laos). Claro que mal morreu o grande conquistador, o poderoso Rei Bayinnaung, recrudesceu a agitação territorial, acabando os siameses por conseguir libertar-se do domínio birmanês. Como consequência, logo se estendeu a anarquia por todos o território.
Ora bem, Felipe de Brito Nicote que gastava o seu tempo vendendo, não carvão como em Lisboa, mas sal, resolveu meter-se nos complicados problemas locais que estavam a destruir toda a Birmânia. Na realidade, tinha sucedido ao grande rei conquistador, o seu filho mais velho, Nandabayin, sem grande jeito para as artes marciais e, para cúmulo, sem a sábia e forte autoridade e estratégia militar do progenitor, não conseguindo sequer meter na ordem os próprios vice-reis, seus irmãos.
Perante este panorama de confusão e anarquia, bem descrito no livro, “Histórias Secretas de Reis Portugueses”, de Alexandre Borges, o português Nicote, aproveitando a ocasião, alistou-se no exército dos vice-reis, com os amigos portugueses que conhecia, incluindo o minhoto Salvador Ribeiro de Sousa. Tal exército era apoiado pelo filho do rei de Arracão. Xilimixa.
Ajudados por mercenários, assaltaram Pegu, a capital do reino. Após terem tomado toda a cidade, invadiram o palácio real e prenderam o próprio Nandabayin, entregando o mesmo nas mãos de Xilimixa que, no fundo, era o chefe máximo dos revoltosos. Como recompensa a Nicote e aos portugueses que o ajudaram, foi-lhes dado o porto de Sirião, rio Pegu, perto da foz, junto á poderosa cidade de Rangum, sendo fácil, a partir daquele local privilegiado, controlar todo o activo comércio da região e todas as embarcações que por ali passavam. Perante este cenário, Nicote propôs a construção de uma alfândega, cobrando os respectivos impostos para o seu rei. Xilimixa. Os resultados foram excelentes e Xilimixa deu imediatamente carta branca a Nicote para fazer o que bem entendesse. Mas, o nosso português, em vez de uma simples alfândega, iniciou a construção de uma fortíssima fortaleza, O Rei, descobrindo a marosca a que estava a ser submetido, mandou Banhadala, um cabo de guerra seu vassalo, que o tinha avisado do que se passava, impedir à força os portugueses de se manterem no local. Mas Filipe Nicote era rápido a agir e, imediatamente, apoiado pelos portugueses e por militares locais que tinham combatido debaixo das suas ordens, reagiram prontamente, tomaram conta do forte, expulsando os militares enviados. E, mais tarde, puseram o rei Xilimixa contra Banhadala, o próprio comandante das forças que foram enviadas contra a sua pessoa, referindo ser este um saqueador de lugares sagrados, para angariar fundos para pagar aos seus próprios homens e para enriquecer ilegitimamente. Em consequência, foi retirado da chefia e dada a responsabilidade de restabelecer a paz a Filipe Nicote. Imediatamente, as obras da fortaleza prosseguiram. Restava pedir às autoridades portuguesas que tal região fosse considerada um território do Império Português, na Índia. Mas, Nicote não ficou por aqui. Já como governador do Sirião, convenceu Xilimixa de que estava a organizar uma expedição armada para conquistar o reino de Bengalo e Xilimixa acreditou piamente nesse ousado projecto e deu todas as bênçãos a Filipe Nicote. Mas as mentiras têm o seu limite e Filipe Nicote, nas costas de Xilimixa, contou a mesma história a todos os príncipes desavindos, a quem prometeu a cada um, em segredo, colaboração futura. Claro está que a aldrabice foi bem depressa descoberta. Foi então enviada, chefiada outra vez por Banhadala, uma poderosa armada com milhares de homens para tomar o forte de Sirião e prender todos os portugueses e seus sequazes. Mas com a gente lusa as coisas não eram tão fáceis como pareciam. Apenas com três navios e 30 homens, chefiados por Salvador Ribeiro de Sousa, não se assustando com a diferença existente com as forças em confronto, entrou a nossa gente a matar, metendo no fundo os primeiros quarenta barcos inimigos, dando cabo da maior parte dos seus tripulantes e pondo em debandada e fuga o resto dos invasores. Banhadala ainda fez novas tentativas, atacando agora, não pelo rio, mas por terra. Simplesmente os portugueses saíram da fortaleza, em segredo, antes de serem cercados e, à noite, vindos da rectaguarda, das florestas onde tinham estado escondidos, atacaram o acampamento dos sitiantes pelas costas, dando cabo, mais uma vez, dos homens de Banhadala . Ainda outra tentativa aconteceu, mas nessa dificil situação, o Vice-Rei da Índia, Aires de Saldanha, veio em socorro dos portugueses, ajudando a derrotar o exército de Xilimixa. Contudo, Banhadala não conseguia engolir as sucessivas derrotas sofridas e, mais uma vez, voltou com um grande exército. Todavia, o inesperado aconteceu. Uma bola de fogo recortou os céus, cortando a escuridão da noite profunda, e iluminando a foz do Pegu, como se fosse um dia de sol aberto. Os homens de armas de Banhadala debandaram apavorados, abandonando armas e máquinas de guerra, pensando que Nicote tinha poderes sobrenaturais. Pelos vistos, um providencial meteorito que se incendiou provavelmente ao penetrar na barreira da atmosfera terrestre, fez os portugueses ganhar uma difícil batalha. Pela oportunidade, um autêntico milagre…!. Assim se tornou Filipe de Brito Nicote, em 1600, Rei de Pegu, da Baixa Birmânia.
Edição 784 (28/05/2020)
PESTILÊNCIA, seu historial “à vol d´oiseau”
(Primeira Parte)
Andamos todos fartos das ameaças televisivas, alçando o espectro do coronavírus de garras bem afiadas, em cima das nossas pobres cabeças, com a finalidade de respeitarmos os outros e as sensatas determinações dos responsáveis, para nos precavermos. Este cenário é completado à saciedade com os exageros resultantes da pouca educação de alguns e da tremenda incultura de outros. A chamada “Mentalidade Latrina”…!
Já que estamos obrigatoriamente enclausurados na nossa própria solidão, bem podemos meditar um pouco sobre a Pestilência.
As Epidemias que grassaram pelo Mundo, através dos Séculos, invariavelmente despontavam no remoto e misterioso Oriente. Eram, na generalidade, doenças altamente contagiosas, provenientes das regiões asiáticas, transmitidas por uma bactéria produzida por um vírus, cujo veículo eram as pulgas dos ratos, que atacavam diversos animais, acabando por contagiar o próprio género humano.
O Velho Testamento, para justificar as epidemias, invocava os castigos dados por Deus para punir populações devassas e que não cumpriam as leis fundamentais das respectivas religiões. Como exemplo desse comportamento tão generalizado na altura, apontarei um famoso e poderoso quadro a óleo, de Poussin, exposto no Museu do Louvre, em Paris, retratando o drama dos Filisteus atacados pela Peste Negra. Este povo era oriundo de Creta e ocupou espaços territoriais entre a Síria e o Mediterrâneo, chegando a submeter militarmente a Judeia. Contudo, acabou por ser derrotados por David, que deu cabo fisicamente de Golias, como ainda nos devemos lembrar da leitura da Bíblia. Nessa situação de povo submetido pelos judeus e perante a devastadora Peste que lhes caiu em cima, acusavam a Arca da Aliança como causa do flagelo, a qual significativamente aparece na conhecida pintura. Mas Deus, de maneira alguma, é um Ente Castigador e, pelo contrário, é o Salvador dos Homens, perdoando-lhes os seus pecados.
Na verdade, a epidemia mais conhecida e temida pelas populações europeias, nomeadamente pelos portugueses, foi a PESTE NEGRA. Já na Idade Clássica a mortandade causada em Atenas, no ano 429 a.C. foi enorme. E em Roma, os surtos de peste, durante os Séc.s II, III) e IV d.C. foram significativos pelos seus desastrosos efeitos. Igualmente, foi bem conhecida pelos portugueses através da mortandade provocada, durante o Séc. XIV, com grande intensidade entre os anos de 1347 e 1350. Todos se lembram que o Rei de Castela, D. João I, casado com D. Beatriz, filha de D. Fernando e de Leonor Telles, como pretendente ao trono do Reino Português, invadiu Portugal. Na realidade, não ficou lá muito satisfeito com a decisão tomada nas Cortes de Coimbra, decorridas em 1385, que proclamou D. João Mestre de Avis, Rei das Terras Lusitanas. Em represália, cercou Lisboa, por terra e por mar, com um poderoso exército e uma forte esquadra. Mas, apesar da imensa e terrível fome dos sitiados, acabou por ser derrotado, não pela valentia portuguesa, mas por um prosaico surto da Peste Negra, que dizimou a vidas de milhares de militares castelhanos e obrigou o Rei de Castela, também doente, a retirar a toda a pressa para o território do seu País.
Por uma questão de curiosidade, recordo como apareceu e entrou na Europa esta epidemia, vinda da Ásia. Os Venezianos, oriundos da Cidade Estado de Veneza, na Península Itálica, viviam do comércio com os Povos de outros Continentes e possuíam, para esse fim, uma fortaleza militar, na Crimeia, que funcionava como entreposto comercial com o Oriente, lá trocando os bens europeus pelas mercadorias chegadas dos confins da Ásia. Acontece que os Tártaros, povo guerreiro, sempre em movimento, resolveu tomar aquela posição militar veneziana para saquear os seus bens, e como a mesma resistisse e não vissem modo de nela entrar num curto espaço de tempo, retalharam os corpos de alguns dos que tinham morrido com a peste negra e atiraram esses bocados de despojos humanos pestilentos, naturalmente através de catapultas, para dentro das muralhas. A cidade foi conquistada pela peste, que ainda por cima acabou por contaminar toda a Europa.
Segundo rezavam as crónicas e as descrições coevas, os infectados ficavam com umas terríveis manchas negras, nos braços e nas pernas, denominadas petéquias, e com permanentes hemorragias cutâneas, nasais e nas gengivas, além de vómitos violentos, incontroláveis. Mais tarde, as cidades Estado Italianas, nas suas guerras permanentes entre si, chegaram a atirar bocados de cães mortos pela peste, pelo facto de terem comido carne de cadáveres de pestilentos, que enxameavam as pouco limpas ruas e ruelas dos aglomerados populacionais. Claro que pagavam posteriormente bem caro essa estupidez.
Durante os Descobrimentos, houve uma Matança de milhares de Judeus em Lisboa, pois durante um surto de peste, puseram a correr que eram os judeus que contaminavam propositadamente os poços de água potável, envenenando os cristãos. O Monarca reinante veio de Setúbal, onde se encontrava, durante a noite, e mandou prender todos os que organizaram aquele infame morticínio. Quando a população acordou, constatou estarem todos os responsáveis da perseguição e da morte dos inocentes judeus dependurados em forcas montadas à pressa, lá estando igualmente os elementos do clero que tinham participado naquele acto criminoso, alçando cruzes para instigar o povo contras judeus e cristãos novos.
Convém relembrar uma outra Peste, a Bubónica. Uma variante da Peste Negra que entrou na Europa a partir de Chipre, propagando-se através dos vários portos europeus. As embarcações comerciais, enquanto carregavam e descarregavam mercadorias, ratos infestados aproveitavam para embarcar ou desembarcar, contagiando os ratos locais e as populações. Enfim, as Rotas Comerciais eram o centro de disseminação da pestilência. A Peste Bubónica era conhecida igualmente por MALIGNA. Atacou em grande a Península Ibérica nos anos de 1347 e 1348. As pessoas contagiadas ficavam com enormes bubões nas virilhas, que acabavam por se infectar e por gangrenar.
Por último, não posso deixar de referir a PNEUMÓNICA que matou tantos portugueses durante e após a Primeira Grande Guerra. Era uma manifestação pulmonar epidémica, muito grave e fortemente contagiosa. Chamava-se igualmente INFLUENZA. Todos têm avós que morreram com a Pneumónica. Foi uma grande calamidade sobre todos os aspectos que caiu sobre o Povo Português.
Após este divagar pelas Pestilências ocorridas, resta ter paciência e cumprir todas as regras de Prevenção prescritas pelos responsáveis contra o novo Vírus que nos assolou, para mal dos nossos pecados. Ao mesmo tempo, pedirei fervorosamente a Nossa Senhora que livre o Mundo desta terrível praga.
António Moniz Palme – 2020
Edição 783 (14/05/2020)
Um infeliz Vírus faz mudar o panorama da civilização actual
Há pouco mais de um mês, mal saia da cama, partia feliz para o trabalho recebendo, tanto dentro do meu escritório como fora dele, o bom e fraternal acolhimento de todos, no entusiasmo da troca de notícias matutinas, nos comentários dos últimos escândalos sociais ou nos provocados pelos negócios pouco claros do futebol. E o mesmo se passava nas barras do tribunal onde, além do trabalho, confraternizava com magistrados, funcionários e colegas, convívio esse que me dava alento para enfrentar o dia a dia. Finalmente, no café mais próximo, durante a pausa da manhã, encontrava sempre gente de todas as categorias profissionais que me saudava de sorriso afivelado, misturado com a linguagem mais ou menos bravia, apimentada com algumas expressões vernáculas, sopradas directamente de um dos diferentes e animados mercados de peixe. E tal palavreado fazia-me sentir o pulsar generoso e sincero das gentes desta terra onde agora resido e onde ganho a minha vida. Mas, continuando o meu raciocínio, podia pressentir que cada um, incluindo o empregado municipal responsável pelas limpezas, na sua actividade, vivia na esperança optimista de que, apesar da crise económica, o dia seguinte seria pleno de certezas, onde se incluía a Santa Liberdade à moda do Porto. Ainda por cima, com a certeza de que na doença e nos azares da vida sempre se ajeitava qualquer coisa nos Centros de Saúde e nos Hospitais ou na ajuda solidaria da vizinhança. Mas, pelos vistos, isso era dantes!!! Na verdade, tínhamos de comum a esperança no futuro da nossa terra, apesar da centralização governamental descabelada e opressiva que as boas gentes tripeiras sempre odiaram. E eu, cidadão vulgar de lineu, desembarcado da província profunda, pois sou natural de S. Pedro do Sul, sentia que havia uma harmonia feliz que pairava na mente de todos, quer tivessem mais ou menos posses. Em consequência, no dia a dia, havia uma vivência, alimentada pela democrática e real amizade entre vizinhos e amigalhaços da mesma cidade e arredores, que se respirava no café da esquina ou no libertário restaurante do lado, apesar de lá fervilharem constantemente as mais extravagantes doutrinas e ideias, bem como as mais díspares opiniões, sobre qualquer assunto!!!. Mas, no fundo, todos eram amigos, sentindo que as possíveis diferenças de opinião eram compensadas por um espírito colectivo telúrico, que brota das profundezas da terra e dos históricos trilhos, sedimentados paulatinamente pela permanente aventura da sobrevivência da Província Portuguesa. Isto, apesar de tantas vezes ser deixada sozinha nas suas carências e abandonada comodamente pelo poder centralizado. No dobrar da página da história, iam-se enchendo os nossos pulmões de octanas encorajadoras, para resistir com dignidade e independência às prepotências do injusto e egoísta centralismo. Porém, esta saudável convivência, de um momento para o outro evaporou-se com as clausuras e com os perigos planetários que nos assolam. Mas será pertinente fazer aqui uma pausa para declarar preliminarmente que pela mente dos tripeiros nunca passou a ideia de converter a sua terra numa segunda capital do reino, como temem alguns pseudos intelectuais sulistas da nossa praça. Bem ao contrário, sempre por cá se assumiu a defesa das aspirações de toda a província portuguesa, desde o Norte ao Sul Mediterrânico. O Porto sempre foi a esperança de toda a Província na luta pelos seus direitos e garantias fundamentais. Na verdade, foram iniciadas no Norte e na cidade de Santa Maria, todas as lutas pela liberdade e pela independência da nossa Pátria. Mas esse cenário, na conjuntura, está a diluir-se, embora se mantenha bem viva a matéria prima espiritual disseminada pelas margens durienses e do Mondego. Como as brasas no borralho, à mínima aragem incendeiam-se novamente, disso não tenho dúvida. Mas, na realidade, o substrato que animava essa ordem sentida no Porto e em toda a Província Portuguesa foi espatifada por um vírus disseminado por todo o Universo. Como consequência, sabemos bem, que tudo terá que ser novamente construído desde os alicerces. Pessoalmente, lá terei que voltar uns bons anos atrás e reatar as discussões sem fim que mantinha com os meus amigos, de S. Pedro do Sul e de Viseu, para congeminarmos a construção de um futuro a nosso gosto. Se fosse possível, lá voltaríamos a chamar à colação o positivismo irrealista dos Enciclopedistas, Diderot e d´Alembert, que no fundo não se ajustavam em nada à maneira de ser de cada um de nós, quer fosse da direita quer da esquerda. E, ultrapassada essa etapa, lá voltaria o confronto com Voltaire, o polemista Voltaire que se metia em tudo, até tendo comentado o Terramoto de Lisboa, mas que não nos proporcionava as soluções práticas para os múltiplos problemas portugueses, a não ser a exibição do seu ódio mortal à Igreja. E como poderemos actualmente utilizar o guião constituído pela obra educacional de Jean Jacques Rouusseau, que tratava de maneira bem diferente a Mulher e o seu Companheiro, subordinando inteiramente a Primeira ao Segundo, de modo semelhante ao que a Sociedade retrógrada do Nosso tempo pensava?!!! Ora, as velhas ideias e os respectivos comportamentos complementares foram irremediavelmente destruídos pela maldita pestilência amarela. E a discussão entre marxistas e não marxistas já nada poderá trazer à reconstrução do Mundo Futuro, pois estão bem enterrados os seus fundamentos e terapias. E as sementes que sobreviveram são fonte de sociedades injustas, não humanistas, sem pingo de liberdade, ainda por cima com amplos e injustos leques salariais, em relação a cada actividade e dentro das respectivas categorias profissionais, criando inconcebíveis desigualdades. Mas tal, é de somenos importância. Pois a realidade exige um tratamento bem diferente:- O modo de viver em todos os continentes foi pulverizado e completamente destruído. Teremos, no futuro, que virar a história de cima para baixo, esquecendo o passado. Teremos que colocar em cima da mesa os argumentos necessários à construção de um Mundo Novo, completamente diferente e planetário, em que nas especificidades de cada continente, e ultrapassados que sejam os vários credos políticos e dogmas religiosos, não seja perturbado o nascimento de uma sociedade que saiba viver perante a terrível situação que se nos depara:
Ou saberemos viver de uma maneira diferente, ou o planeta terra explodirá como um simples balão de plástico. Está na hora da ONU cumprir as suas finalidades e pautar as regras de convivência do Universo, que ultrapassem o egoísmo dos Estados Totalitários e a ganância do Liberalismo Selvagem, obtendo-se a Paz e o Bem Estar de toda a Humanidade. Se não for assim, o no nosso futuro será irremediavelmente breve e bem triste.
Edição 782 (30/04/2020)
O desaparecimento físico da dupla Uderzo e Goscinny, grandes monstros da banda desenhada, e a postura de Astérix em relação à Globalização e às suas nefastas Consequências na Europa
Qual de nós não perdeu uma tarde a ler as aventuras de Astérix e de seu amigo Obélix?… Na verdade, marcaram estes heróis gauleses a nossa época, no contexto da agitada cultura europeia. Não tenho qualquer espécie de dúvida desse facto. Porém, não se ficaram por essa fronteira limitada. Ultrapassaram o continente europeu e entraram, pela porta grande, na cultura mundial. Contudo, com uma significativa característica: – Abarcaram, com diáfana leveza e profunda graciosidade, as diferentes facetas regionais, as virtudes e os defeitos de cada cultura local, com todas as suas especificidades.
Sei bem que outros conseguiram interessar jovens e adultos de todo o planeta, com os seus trabalhos. Basta pensarmos em Walt Disney, nascido em 1901, em Chicago e que criou figuras que transcenderam o Mundo Ocidental, extravasando o gosto da sua leitura para todo o Universo. Tanto na Índia como na China cultas, a figura do Mickey Mouse e do Pato Donald, embora exibindo a gritante marca americana, ocuparam bem depressa a imaginação e o entusiasmo da todas as camadas mais jovens, numa autêntica acção explosiva de globalização. Alíás, essa capacidade de osmose da obra de Walt Disneiy, provocou uma reacção bem pouco honesta num sector determinado da comunicação social dos países aliados, manobrada pela “intelligenza” pró soviética. Despudoradamente, levantaram o miserável labéu a Walt Disney, no fim da Segunda Guerra Mundial, de que o herói da banda desenhada não passava de um mísero nazi encapotado. Nem mais…! Foi necessário ser exibido um filme cómico, bem significativo, produzido durante o conflito, que acaba com o pato Donald, na sua trapalhice e mentalidade primária, mas no seu espírito de defensor extremo da liberdade, a dar umas marretadas bem aplicadas na cabeça de HItler, interrompendo um seu discurso interminável e odiento. Na verdade, todo o seu trabalho, é uma elegia à liberdade, à integração rácica, às diferenças culturais, circunstâncias estas, apesar de natural de um país em que brancos e negros estavam de costas voltadas, parecendo viver em mundos completamente separados.
E não posso deixar de referir ainda outro grande escritor e desenhador, o belga Hergé que, desde muito cedo, até ao ano em que faleceu, em 1983, produziu desenhos para histórias apaixonantes, destinadas à juventude, criando um herói de tenra idade, o repórter Tim-tim, e a sua fiel companheira Milú, bem como os seus divertidos amigos, que, nas aventuras aparecidas à estampa, manifestavam invariavelmente uma enorme solidariedade pelos mais fracos, fosse qual fosse o seu credo ou a sua raça, e aceitando, na sua convivência, diferentes culturas e costumes.
Apesar de tal, nada que chegue aos calcanhares de Astérix e dos terríveis gauleses, que conseguiram fazer nascer uma dinâmica universal, combatendo a globalização cultural naquilo que tem de castradora e de massificante. E aproveito para homenagear os dois monstros, criadores das inúmeras aventuras de Astérix e Obélix, Goscinny e Uderzo que, nos seus desenhos, criaram vários arquétipos aceites pela maioria dos habitantes do mundo civilizado, que acreditam firmemente na sua terra, nos seus costumes, nas suas crenças e na sua pátria. Nessa ordem de ideias são paradigmáticas e bem claras, nas mensagens que encerram, as suas engraçadas figuras: Astérix, um significativo cavaleiro andante dos tempos modernos, defendendo os valores fundamentais da humanidade, os fracos, os velhos, as mulheres e as crianças, bem como as diferenças de cada um, a igualdade e a liberdade. O seu amigo Obélix, que gosta de meter o dente em tudo o que é bom e bem autêntico, um verdadeiro “gourmet” à francesa, apreciador dos manjares da sua terra natal, qualidade em perigo de extinção, atendendo à peste dos responsáveis da “cuisine” distinguida permanentemente pelas famigeradas Estrelas “Michelin”. Anda sempre acompanhado pelo seu cão Idéfix que “hurle” de desespero quando cortam alguma árvore onde gosta de alçar a perna para se aliviar, um modelo de sabedoria canina, defensor intransigente da natureza. O druida Panoramix, é bem o exemplo da sensatez e da sabedoria dos mais velhos, cultor de um mundo espiritual que sempre marcou o Continente Europeu e a Civilização Ocidental e que muitos pretendem agora destruir. O cantor, Assurancetourix, com péssima voz e ainda pior ouvido, mas cheio de boa vontade, idêntico a muitas das estrelas que nos impingem na televisão, mas que têm o direito e a liberdade que deve marcar a expressão artística. No fundo, é um símbolo e o apelo à democratização da Arte e da Cultura. E, por fim, Abracourcix, o chefe natural por excelência, bom, sério e humano que todos gostaríamos de ter com as rédeas da chefia dos Estados.
E a globalização, com os medíocres governantes que têm os países Europeus, está cheia de mazelas que destroem a Europa, roubando a felicidade aos seus habitantes, dificultando-lhes o exercício dos seus costumes e da sua religião, na perspectica das particularidades de cada território e de cada cultura regional. Nesta altura do campeonato europeu, ainda não perceberam que integrar imigrantes não é simplesmente abrir as fronteiras, hospedar ou agregar. Pelo contrário, é essencial a demonstração clara de que temos uma identidade europeia, que tem que ser respeitada obrigatoriamente por quem quer ser integrado. A Europa tem que definir o essencial da sua própria cultura e quais os valores fundamentais que têm que ser acatados pelos que vêm para a Europa. Notem bem, a Europa de Astérix não pretende que os que chegam alterem a sua cultura e se convertam à nossa religião, mas pretende sem qualquer espécie de dúvida a sua conversão social, através da qual seja respeitada a nossa maneira de ser e os nossos hábitos ancestrais. Caso contrário, os europeus transformam-se nuns infelizes e uns prisioneiros dentro das suas próprias casas, o que será muito triste, convenhamos…! Se não se preservarem os direitos dos Europeus de continuarem a viver como querem, com o respeito pelos seus valores e tradições, seremos atirados para uma inevitável luta pela nossa integridade, uma espécie de guerra civil com os imigrantes prevaricadores, única solução para manter a ordem e o respeito por nós próprios. Como diriam Astérix e o chefe da sua tribo; – “Que le ciel me ne tombe pas sur la tête”.
Esperemos que a actuação negligentemente criminosa dos dirigentes, em relação à globalização e à entrada dos imigrantes, se altere e não continue a actuar perversamente por arrastamento, apenas através de ineficazes remendos políticos…!
Astérix é bem um símbolo da Europa Unida, contra a separação dos Países do Norte e do Sul e exigindo o respeito que as nossas instituições merecem por parte dos que nos procuram para, no trabalho, cá refazerem a sua vida, integrados nos nossos princípios sociais.
Enfim, aos dois grandes da banda desenhada, Goscinny e Uderzo, infelizmente já desaparecidos, tiro respeitosamente o chapéu, esperando que o seu Espírito Europeu e a sua mensagem, em prol de uma Europa forte, continuem vivos na cultura e no coração de cada um.
António Moniz Palme 2020
Edição 781 (16/04/2020)
Ilhas Molucas e o fado menor lá tocado pela gente lusitana – Primeira Parte
A propósito da primeira viagem de circum-navegação do português, Fernão de Magalhães, realizada em 1514, vieram à baila as Ilhas “Malucas”, como eram conhecidas quando por nós foram descobertas e que sempre constituíram um pomo de discórdia entre castelhanos e portugueses, devido à diferente interpretação da partilha do Mundo, feita pelo Tratado de Tordesilhas. Pois bem, foram as especiarias das Ilhas Molucas que motivaram o Imperador Carlos V a financiar a armada de Fernão de Magalhães para que lá aportasse, não velejando através do mar português. Vejam então um mapa do Extremo Oriente para poderem localizar essas ilhas do fim do mundo. Verificamos a correnteza de ilhas a partir de Samatra, seguida das Ilhas de Java, de Bali, e de uma série enorme de ilhas mais pequenas, onde se inclui Timor, até às remotas Ilhas Molucas. Este arquipélago indonésio, no Pacífico, é constituído pelas Ilhas Ternate, Tidore, Maquien, Motir e Bacan, entre outras de menor dimensão. Não podemos esquecer que tais ilhas tinham grande importância económica, pois era apenas lá que se produziam as especiarias mais valiosas, transaccionadas no então mercado internacional. Na verdade, o CRAVO e as MAÇAS, eram vendidos pelas populações locais a comerciantes mouros que as colocavam na Europa, nas Repúblicas Italianas, as intermediárias para todo o Mundo Civilizado de então. Com a interferência portuguesa, no circuito comercial, através do transporte das mesmas pelo Cabo da Boa Esperança, o preço desceu vertiginosamente, e os Estados Italianos saltaram fora do baralho comercial, atendendo ao alto preço por que obtinham tais mercadorias. Devo esclarecer que o CRAVO nasce de uma árvore parecida com o loureiro e com folhas semelhantes às do medronheiro. Parece um pinha, semelhante à da madressilva ou à flor de laranjeira, muito verde, e que se vai tornando mais clara com o passar do tempo, acabando num vermelho vivo quando acaba de amadurecer. È colhido à mão pela gente local e posto a secar ao sol, tornando-se preto. Se não há sol, é seco ao fumeiro. Esta descrição simplista foi colhida do interessante livro “A Viagem de Fernão de Magalhães e os Portugueses”, da autoria de José Manuel Garcia. Quanto à MAÇA é, no fundo, o cálice que envolve a Noz-Moscada e que, quando seco, é utilizado como especiaria requintada para a confecção dos pratos de caril, que os portugueses tanto apreciam. Ora, ilhas havia onde o CRAVO crescia em abundância e de enorme dimensões e, em contrapartida, noutras ilhas tal não acontecia, sendo a MAÇA exuberante e com grande valor comercial. Estamos esclarecidos.
Pergunta-se então. Mas quem descobriu as Molucas? O cronista Fernão Lopes de Castanheda refere ter sido António de Abreu. Contudo não foi esse português a quem coube a ventura de lá chegar. Como uma das naus da armada, que António Abreu chefiava, tivesses que ser substituída para prosseguir viagem para Malaca, foi comprado, um junco, na Ilha de Banda, a um mercador local. António de Abreu deu a chefia dessa embarcação ao seu subordinado, FRANCISCO SERRÃO, moço de Câmara del Rei D. Manuel. Todavia, este acabou por não prosseguir viagem para Malaca, pois logo naufragou na Ilha das Tartarugas, por ter apanhado fortes ventos contrários. Como os portugueses ficassem isolados, numa ilha deserta, foram avisados, por habitantes de uma ilha próxima, que se deslocaram em barcos a remos até ao local onde os náufragos estavam, de que um grupo de piratas andava de ilha em ilha a assaltar os tripulantes das embarcações de mercadores que tomavam água ou tinham dado à costa com avarias. E, na verdade, assim aconteceu. Contudo, os portugueses não eram nenhuns ingénuos, nem criaturas para se deixarem apanhar nesses contratempos, habituados que estavam a situações bem mais complicadas. Assim, quando os piratas desembarcaram despreocupadamente, foram eles próprios emboscados pelos portugueses, que lhes roubaram a embarcação onde seguiam, bem como toda a mercadoria que transportavam!!! E, assim, conseguiram continuar viagem… Porém, numa outra ilha, resolveram, sem autorização de Francisco Serrão, ir negociar com a população local, mas tomando comportamentos menos dignos, pois pretenderam adquirir os produtos que lhes ofereciam por um baixo preço, não aceitando as contra-propostas dos residentes e tomando ainda atitudes pouco respeitadoras com a população feminina. Enfim, os maus hábitos de autênticos corsários. No fundo, uma vergonhosa tentativa de exploração do próximo, acabando por se dar mal com a sua deplorável atitude. Fartos das impertinências de uns estrangeiros, os indígenas acabaram por liquidar sete portugueses, escapando com vida Francisco Serrão e outros tripulantes que não estavam no local. Ora, a Ilha em questão, onde se verificou este triste acontecimento, era obediente ao Rei das Molucas, estando sob a administração de um seu subordinado, o rei de Pacham. Mal soube desta ocorrência, o Rei Boleife das Molucas, que estava no seu palácio em Ternate, e que queria por todos os meios conhecer os navegadores portugueses, cuja fama corria por todas aquelas paragens, e pretendia ter o Rei Português como seu aliado, imediatamente mandou buscar Francisco Serrão ao local onde estava. Desta sucessão de acasos e através de uma estranha e agitada viagem, acabou Francisco Serrão por chegar às Molucas, descobrindo involuntariamente as mesmas, em 1512, tendo lá ficado a residir até à data da sua morte, em 1521 !
O rei das Molucas, querendo agradar a Francisco Serrão, pois desejava que os portugueses construíssem uma fortaleza em Ternate, logo reuniu o seu conselho para deliberar sobre a situação e punir os responsáveis pela morte dos tripulantes lusos. Foi então resolvido que seria mandada uma forte armada com gente suficiente, chefiada por Francisco Serrão, e destruísse Pachan, matando como exemplo a respectiva autoridade local. Porém, outra circunstância ocorreu para tornar ainda mais complicada a história deste descobridor involuntário das Molucas. Uma filha do rei de Pachan, que vivia na corte do Rei das Molucas e devia ser a sua concubina preferida, pois este muito a distinguia e amava, para tornar ainda mais estranha esta autêntica novela de folhetim barato, sabendo da decisão tomada pelo conselho do seu Senhor, secretamente mandou uma mensagem ao pai prevenindo que ia partir uma armada, chefiada por Francisco Serrão, com o intuito de matar todos os responsáveis pela morte dos sete portugueses. O rei de Pacham pediu à filha para envenenar o Rei das Molucas e o Português, único modo de impedir a sua própria destruição. E esta assim fez, ministrando um forte veneno na comida do seu senhor e do seu ilustre convidado. Quando o Rei das Molucas se sentiu a morrer e viu que o mesmo estava a acontecer ao seu amigo e aliado Francisco Serrão, constatando que tinham tomado peçonha misturada com a comida, pediu aos filhos para não matarem a filha do rei de Pacham, pois nada ganhariam com isso. Por outro lado e sem demora, o seu filho mais velho devia seguir para Portugal, como seu representante diplomático, com D. Tristão de Menezes, que estava a chegar com uma forte armada, vindo de Malaca. Em Portugal, seria o seu diplomata junto do Rei Português, e pedir-lhe-ia para construir uma fortaleza em Ternate, o que aliás acabou por ser feito em 1522. Porém, as coisas não correram tão pacificamente, como o falecido Rei das Molucas pretendia. Logo que o Rei deu o último suspiro, o seu filho mais velho mandou prender a filha do rei de Pacham, mandando-a levar para a praça pública, onde foi completamente despida, exibida à multidão completamente nua, e cortada ao meio, com uma espada, pelo próprio filho do monarca envenenado E é esta a história de faca e alguidar, documentalmente testemunhada, que narra a descoberta das Molucas pelo português Francisco Serrão. Na verdade, só o espírito aventureiro dos portugueses poderia engendrar uma história deste calibre
Enfim, aventuras e desventuras dos valentes portuguesinhos pelo Mundo de Cristo, completamente desconhecido do Ocidente, mas que alteraram totalmente o panorama universal !. Nem mais, na altura, fizeram a globalização possível!!!
António Moniz Palme – abril 2020
Edição 780 (26/03/2020)
Eng. Armínio de Lemos Quintela, uma lufada de ar fresco nas vicissitudes da vida
Faleceu uma figura carismática sampedrense, embora não nascido em Lafões. Na verdade, aportou há muitas dezenas de anos às margens do Vouga, com toda a sua numerosa e simpática Família, a sua competência sobre matéria agrícola, nomeadamente florestal, qualidade rara nos responsáveis nomeados nesse campo e, acima de tudo, possuidor de uma enorme bagagem de sólidos valores fundamentais, de bondade às resmas e de espírito de solidariedade cristã que baste. Bem depressa passou a ser amigo de cada um em particular e de todos em geral. Com todos convivia, fosse qual fosse a sua categoria social, e por todos era estimado
Para espanto de muitos, foi nomeado Governador Civil de Viseu, numa época agitada, que o obrigava a exercer algumas das competências inerentes a tal cargo, completamente adversas à sua maneira de ser. Contudo, no seu peculiar espírito de fazer a vontade aos amigos, passou a desempenhar as mesmas, revestindo-as das suas características pessoais de bom eremita, de um S. Cristóvão à paisana, patrono de todos os necessitados. Como responsável distrital, era um guardião eficaz de todos os seus concidadãos e paladino dos respectivos direitos de cada um, mesmo daqueles com ideias políticas a contra-ponto, bem diferentes das circunstâncias, politicamente correctas. Embora merecedor dos mais altos cargos possíveis, resmungavam alguns à sucapa : – “Quem terá impingido este cargo ao pobre Quintela?”. Tais interrogações nascidas, na sensatez de todas as correntes políticas, dos habituais clientes do Edgard….! Na verdade, todos descortinavam a olho nu que o seu espírito não se coadunava com o cargo onde tinha sido encurralado por instância insistente das amizades, numa época de mudanças que se avizinhavam profundas. Apesar de tal, continuou a exercer olimpicamente, nas mais adversas circunstâncias, um companheirismo fora de vulgar, constituindo uma autêntica asa protectora para as aflições de cada um. E não sabia dizer que não, mesmo à custa da sua paz e da ortodoxia das suas próprias ideias. Sofria pelos outros, tinha uma visão planetária do cargo de governador civil, sentindo-se defensor de toda a população, sem excepção de qualquer ordem, na área da sua competência. Tudo aceitava para ajudar quem dele necessitasse e, até como bom cristão, dava a outra face quando despejavam em cima da sua pessoa solicitações que certamente o iriam prejudicar.
Estive bastante tempo afastado da vida sampedrense e dos seus problemas, no tempo da frequência da Faculdade de Direito de Coimbra e enquanto cumpria o Serviço Militar. Mas, todas as notícias que me chegavam revelavam ser o Sr. Eng. Quintela, a tempo inteiro, uma espécie de Humanista de Província, que colocava os seus valores à frente das determinações das voltas e reviravoltas da vida social e política. Habituei-me a ver nele uma espécie de Unamuno Sampedrense, por vezes incompreendido pelo poder temporal, tanto anterior como posterior à Revolução havida, mas sempre rodeado da aureola sobrenatural com que são distinguidos superiormente os Homens Bons deste Mundo.
Sempre que ia à minha querida terra natal, lá me encontrava com o Sr. Engenheiro Quintela em todas as funções sociais onde podia prestar o seu apoio incondicional. Era uma presença obrigatória pela amizade que por Ele todos sentiam. Fazia parte da tessitura social permanente das gentes de S. Pedro e de Lafões. Com a sua partida, nunca mais S. Pedro do Sul e a própria Região serão iguais. Deus O tenha junto a Si, no lugar dos mais privilegiados.
À sua Ilustre Família, nomeadamente ao meu bom amigo Paulo Quintela, a expressão da minha Solidariedade à sua sentida Dor.
António Moniz Palme – 2020
Edição 779 (12/03/2020)
Cônsul Aristides Sousa Mendes e o desejado monumento nacional, consagrado à sua obra em prol da Humanidade
Aguarela da autoria de António Moniz de Palme
A figura do Cônsul Aristides Sousa Mendes, à primeira vista, parecia ser conhecida apenas por meia dúzia de intelectuais, pelos seus amigos e conhecidos, pela gente da sua terra e pelos milhares de estrangeiros a quem Ele salvou a vida, prejudicando os seus interesses e da sua Família. Mas não. Para espanto da maioria dos portugueses, numa sondagem feita pela televisão para se saber qual a personagem mais popular da história portuguesa, apareceu o Cônsul destacado em segundo lugar. Afinal, era bem conhecido apesar do silêncio de cada um. Era natural de Cabanas de Viriato, um provinciano beirão, formado em direito pela Universidade de Coimbra, pai de numerosa prole que com Ele circulava pelos diversos consulados onde ia sendo colocado. Durante a sua agitada vida, nunca foi querido pelo sucessivo poder estabelecido. Não tinha medo das palavras nem das ideias e expunha publicamente o que sentia e pensava. Na verdade, má terapêutica em tempos de crise e de revolução constante. Era monárquico e católico, numa república dominada pela Carbonária. Por outro lado, era apaniguado de um regime democrático, durante a Ditadura da Segunda República e um anglófilo, durante a Segunda Grande Guerra Mundial. Pelos vistos, andava sempre ao contrário da maré que ia dominando este País, o que lhe trouxe graves consequências no desempenho das suas funções. Mas a nota dominante da sua personalidade era a independência em relação ao poder constituído, fosse ele qual fosse. O seu comportamento colocava-o a jeito para todo o género de perseguições, nascidas de todos os lados. Após o assassinato de Sidónio Pais, apesar de estar longe de Portugal, em Curitiba, no Brasil, de nada sabendo do que se passava em Portugal, foi colocado na situação de disponibilidade por ser considerado suspeito, pela simples circunstância de ser monárquico…! .A inactividade em que foi colocado por motivos políticos, sem qualquer justificação, durou até 1921, desgraçando economicamente a sua numerosa Família. Finalmente, foi nomeado para o consulado de S. Francisco da Califórnia, ocupando sucessivamente vários postos de trabalho consulares e recebendo múltiplos elogios pelo nível com que tratava e resolvia os assuntos profissionais. Porém, mais tarde, desiludido com o Regime do Estado Novo, em conversas particulares com amigos e familiares manifestava a sua decepção com o comportamento de alguns responsáveis do Poder! Tal atitude saiu-lhe cara, passando os “olheiros” do regime a andar sobre a sua pessoa, aproveitando para o tramar na primeira oportunidade. Depois de sofrer diversas injustiças lesivas da honra da sua pessoa e do seu ganha-pão, acabou por pedir para ser colocado na China ou no Japão, para estar bem longe das intrigas onde injusta e permanentemente o metiam. Contudo, o deflagrar da Segunda Grande Guerra e o início da invasão de toda a Europa, pelas tropas alemãs, fez estancar esse rosário de perseguições de que estava a ser vítima. Atendendo às suas qualidades já demonstradas, foi mandado para um dos locais mais difíceis, diplomaticamente falando, atendendo às circunstâncias concretas que se viviam. Foi colocado no Consulado de Bordéus. Ora, os judeus que residiam em França, para onde tinham fugido do regime nazi, viram-se na contingência de novamente escapar dos territórios que podiam ser ocupados militarmente pelas forças germânicas, circulando para locais onde pudessem transitar para o Continente Americano. Por esse motivo, nesse posto consular, a personalidade corajosa e intransigentemente cristã do Cônsul revelou-se explosiva e de enorme de significado universal. É bom elucidar que, em 11 de Novembro de 1935, o nosso Ministério dos Negócios Estrangeiros tinha mandado publicar a discutida Circular nº 14, que proibia terminantemente e na generalidade a passagem de vistos. Claro que com a invasão da França pelos Nazis o caso mudava inteiramente de figura, pois todos os que tinham procurado refúgio em França, como já tive ocasião de referir, tinham que desaparecer de lá o mais rapidamente possível, para não serem prontamente liquidados. Perante este dramático cenário, um qualquer país civilizado e dito cristão e humanista devia imediatamente ter adaptado a referida Circular nº 14 às novas circunstâncias. Perante este obstáculo administrativo, que fechava praticamente as fronteiras e perante a necessidade urgente de salvar a vida a milhares de refugiados, Aristides de Sousa Mendes afastou a aplicação da injusta proibição e mandou passar vistos para a entrada de refugiados em Portugal, fazendo tábua rasa da Circular em questão. Na verdade, as autoridades portuguesas exigiam uma licença passada caso a caso pelo Ministério a cada um que pretendia passar a fronteira, o que tornava inviável a entrada em Portugal, em tempo útil, de quem quer que fosse…! Em 14 de Junho de 1940, após a queda de Paris, o nosso Cônsul passou os vistos necessários para salvar uma enorme multidão de refugiados que, desesperada, invadiu o nosso Consulado de Bordéus. Mais, deu ordem terminante aos seus subordinados para serem passados todos os vistos que fossem necessários, mesmo sem a cobrança de emolumentos. Na realidade, atendendo ao estado de necessidade em que se encontravam, a situação não se compadecia com as demoras burocráticas que atrasariam o atendimento célere que a situação exigia. E, deste modo, foram salvas as vidas de milhares e milhares de refugiados, mais de trinta mil almas escaparam dessa forma à morte certa que os esperava à mão dos nazis. Claro que o mundo germanófilo, na altura, com grande peso em Portugal, não descansou enquanto não trucidou o heróico Cônsul. Foi julgado, punido ilegalmente com duas sanções pelo mesmo crime, fazendo-se correr que o Cônsul vendia os passaportes e os vistos de entrada, metendo o dinheiro ao bolso. Tal era uma tremenda mentira. O meu Pai era amigo do Cônsul e considerava infame este tipo de invenções para denegrir a imagem de um Homem Bom que, por uma questão de solidariedade e de espírito cristão, desgraçou a sua carreira profissional e colocou na fome e na miséria a própria Família. Perante esta situação, verifica-se que o poder político tem demonstrado não gostar do Cônsul, tomando apenas atitudes, por arrastamento em relação à sua pessoa para, hipocritamente, agradar à opinião pública internacional. O Poder Político vai sendo forçado, caso por caso, a satisfazer a enorme gratidão de todo o Povo Português ao seu corajoso Cônsul. Mas, sub-repticiamente procuram fazer esquecer a sua imagem de grande Herói Português, igual aos maiores e melhores da nossa História. Por consequência, pergunto e não me calarei jamais: – Quanto tempo vamos ainda esperar para que se mande erigir uma estátua do Cônsul Aristides Sousa Mendes, numa praça significativa da Capital? O Povo Português certamente exige, sem mais delongas, tal acção governamental .
António Moniz Palme – 2020
Edição 778 (27/02/2020)
A História e as perversões dos que dela se utilizam
A Lavagem da história com finalidades políticas – 2ª parte
Assim como gente existe que criminosamente lava dinheiro, muitos responsáveis políticos lavam os acontecimentos históricos, alterando os programas de ensino para fazer esquecer a história do País ou alterando-os a seu bel prazer, para deles tirarem ilegítimos dividendos. Durante a Segunda Grande Guerra Mundial, muitos referiam que a existência de campos de concentração, onde eram mortos milhares de judeus ou inimigos de um ou dos outros campos dos beligerantes em confronto (alemães e russos), eram uma grosseira mentira e fruto da propaganda política de um ou do outro lado das trincheiras. Procuravam, com essa actitude, livrar-se do ordenamento jurídico internacional, vigente na altura para os crimes de guerra. Acontece que, acabada a Guerra, continuam alguns a afirmar que os campos de morte nazis e comunistas nunca existiram, apesar dos milhões de inocentes trucidados e as instalações preparadas para o efeito, que o exército dos Estados Unidos não permitiu que desaparecessem, sendo mandadas tirar fotografias aos infelizes presos e aos criminosos equipamentos. Mentem nas nossas barbas, insistindo sempre na mentira, com esperança que a verdade acabe por ser esquecida. Pura lavagem da História, já se vê..Por outro lado, os europeus, à sombra dos crimes dos nazis, não cuidaram de saber com rigor o que se passou com os bolchevistas durante a guerra e dentro da cortina de ferro, em relação ao trabalho escravo a que eram obrigadas populações inteiras e prisioneiros de guerra que deviam ter sido prontamente repatriados. Na verdade, uma informação sectária orientada pela propaganda política das amplas liberdades, enganou durante dezenas de anos os europeus de boa fé. Foi necessário ir à URSS para se verificar localmente a realidade e a desgraçada situação das populações dominadas pelo regime comunista, bem como as atrocidades hediondas mandadas praticar por Lenine e pelo inacreditável e primário Estaline. Alguns intelectuais da nossa praça, por ignorância ou por pura má fé, fingiam que o paraíso comunista não era um inferno impensável de miséria, de dor e de desespero dos povos a ele sujeito. Neste momento, as atrocidades comunistas e nazis foram denunciadas por toda a Europa Livre e equiparadas em conjunto pela União Europeia. Isto é, acabou a lavagem da história nesse campo.
Pensando na lavagem de factos históricos, que continuamos a ter que suportar, em determinado tipo de imprensa, lembrei-me de um acontecimento, passado durante a Guerra Civil de Espanha e que permanentemente é pasto de clamorosas mentiras de facciosos elementos ligados ao comunismo internacional.. Um exemplo claro, de lavagem da história. Todos ouviram falar do poeta, escritor, pintor e dramaturgo espanhol, Garcia Llorca, e da sua obra que os intelectuais portugueses tanto apreciam, nomeadamente a trilogia das tragédias rurais Andaluzas “Bodas de Sangue”, “A Casa da Bernarda Alva” e “Ierma”. Foi assassinado e foi posto a correr que foram as tropas de Franco. Mas não. Tal não é verdade. Basta compulsar a imprensa saída a público durante a Guerra Civil de Espanha e artigos de comentaristas independentes contidos nas publicações sobre o dia a dia da Guerra Civil Espanhola, com a informação dada por ambos os lados da trincheira, para se saber que o crime foi cometido por um grupo comunista que teve ordens para o suprimir, pois receavam que aderisse ao grupo anarquista que, dentro do campo da esquerda castelhana, iniciou uma oposição tenaz aos comunistas estalinistas que dominavam o governo, bem como o exército republicano. Pretenderam ridiculamente afastar as motivações políticas havidas em tão miserável crime, explorando a orientação sexual de Garcia Llorca, razão por que o fuzilaram de costas, para desviar as atenções dos motivos bem diferentes que motivaram esse miserável assassinato. Garcia Llorca era amigo de Luís Buñuel, de Salvador Dali e do Poeta José Rosales. Os intelectuais não comunistas de um campo e de outro, sabiam que não era verdade tal acusação feita às tropas nacionalistas, que praticaram outros crimes, mas não na liquidação de Garcia Llorca. Aliás tal crime não espantou ninguém bem informado sobre a desgraçada Guerra Civil de Espanha. Como Barcelona estivesse dominada pelos Anarquistas e pela gente do Partido Obrero de Unification Marxista (POUM), as Checas do Partido Comunista fizeram sangrentas purgas em Barcelona para fazer cair o poder nas suas mãos., causando milhares de mortos. Alguns responsáveis republicanos, perante o desaparecimento misterioso do chefe trotskista Andrés Nin e dos responsáveis políticos do POUM começaram a indagar o que lhes teria acontecido. E foram os próprios elementos do exército republicano que descobriram que após a depuração, tais desaparecidos da face da terra tinham sido levados secretamente para uma prisão especial de Madrid e lá foram abatidos sem dó nem piedade, apesar de estarem do mesmo lado da trincheira. Continuam, entretanto a fantasiar sobre a morte de Garcia Llorca. Eis um bom exemplo da lamentável lavagem da história.
Estas são inúmeras, mas a verdade vem sempre à tona de água. Por esse motivo utilizam agora um sistema mais radical, tirar o ensino da história nos estabelecimentos de ensino. Uma autêntica canalha intelectual que quer alterar à força a memória de um Povo.
Edição 777 (13/02/2020)
História e as perversões dos que dela se utilizam
O modo incorrecto e lamentável como são vistos e criticados acontecimentos históricos, por alguns pseudo historiadores e responsáveis políticos ignorantes ou simplesmente de má fé – 1ª Parte
Com esta preliminar lamentação, convém fazer uma pequena explicação para se poder compreender bem o que pretendo demonstrar:
Como todos aprendemos, nos bancos da escola, o homem é um ser eminentemente social, que normalmente só sabe viver em sociedade. Ora, para se poder viver em sociedade, o bicho homem tem que ter o seu comportamento regulado por normas de conduta. Sem elas, os homens comem-se uns aos outros!!! E quando o cumprimento dessas normas é obrigatório, as mesmas têm que ser acatadas, quer se queira quer não, quer se concorde ou não com as mesmas. Tais normas são consideradas jurídicas, pois o seu não cumprimento pode ser punido com a prisão e até com a pena de morte em alguns países, bem como os infractores podem ficar sujeitos a multas ou outro tipo de sanções. Ora muito bem. Assim, as normas só são jurídicas, quando o seu cumprimento é obrigatório, com a finalidade de serem protegidos determinados valores. Valores esses que uma sociedade, estabelecida em determinado território, assumiu como essenciais à vida em colectividade. Claro que essas normas jurídicas só protegem tais valores, enquanto os mesmos, em determinada época histórica e em determinado espaço geográfico, forem queridos e aceites pela maioria da colectividade. Se tais valores se modificarem, as normas jurídicas que os protegem, terão necessariamente que se adaptar a tal evolução da sociedade. E tal acontece permanentemente, pois os valores assumidos pelas colectividades de determinado território, em determinado momento, vão se modificando e evoluindo através dos tempos, revestindo uma configuração diferente de época para época, e muitas vezes de forma diferente, em espaços geográficos vizinhos.
Ora, por aqui se vê, como os valores são diferentes de geração para geração e de colectividade nacional para diferente colectividade nacional. Por essa razão, as normas jurídicas que preservam e defendem tais valores vão-se igualmente modificando, através dos tempos e de território para território. Assim, como os acontecimentos históricos concretos, desencadeados em dado momento temporal, estão sufragados pelos valores que os determinaram e que são respeitados pela maioria dos componentes da colectividade, tais acontecimento, para sempre, têm que obrigatoriamente ser vistos á luz dos valores assumidos pela maioria da colectividade da altura e não à luz dos valores actuais que pautam o comportamento legal nos nossos dias.
E compreende-se facilmente que quando a maioria da colectividade altera esses valores, as normas jurídicas que os protegiam, terão que ser alteradas para continuarem a proteger os interesses da maioria. Por consequência, os valores actuais não podem servir de base para se julgarem factos históricos do passado determinados por valores diferentes dos por nós actualmente assumidos. E assim como não temos legitimidade para julgar os factos históricos do passado à luz dos nossos valores, poderemos sempre igualmente alterar tais valores, atirando para fora da nossa vida institutos que antes eram intocáveis, mas que foram ultrapassados pelos tempos e até acabando por ser proibidos.
Vejamos :- Durante a Idade Média, em toda a Europa, onde se incluía Portugal, as ofensas à honra, principalmente de uma mulher, teriam que ser punida imediatamente com a morte, devendo ser, em princípio, a própria família ofendida a proceder à execução da sanção respectiva, tirando a vida ao ofensor, fosse quem fosse e estivesse onde estivesse. Enfim, justiça feita com as próprias mãos. Mais, se o marido, o pai ou os irmãos não o fizessm, eram considerados, pelo ordenamento jurídico vigente na altura, contido nas diferentes Ordenações, uns infames, que podiam ser abatidos por qualquer um. Não tinham, direito à vida por não terem defendido a HONRA da Família.
Claro que a importância do Valor Honra foi ultrapassado pelo Valor Vida.
Nos tempos de hoje, quem não respeitar a Honra de uma Mulher deve ser severamente punido judicialmente4 e a execução da possível sanção não está na mão dos cidadãos e sim do Poder Judicial Além do mais, a sanção nunca poderá consistir na pena de morte, já há séculos proibida em Portugal. Isto é, na perspectiva da maioria da colectividade onde vivemos, o Valor Vida tem um peso muito maior do que o Valor Honra. Vejam agora o ridículo que seria estar a julgar um ajuste de contas, acontecido na Idade Média, por ofensa à honra de alguém, à luz dos valores actualmente assumidos pela maioria da colectividade portuguesa!!! Se assim é, como se poderão julgar factos históricos, como os descobrimentos e até a escravatura, assim como actos políticos ou comportamentos guerreiros, pelos valores agora assumidos? É, na realidade, um disparate sem pés nem cabeça
Ora, quando perante um facto histórico do passado é o mesmo visto, ajuizado e criticado à luz dos valores actuais, estamos perante um ignorante ou alguém de má fé.
Infelizmente tais errados comportamentos são moeda corrente nos nossos dias.!!!
António Moniz Palme – 2020
Edição 776 (30/01/2019)
A Regionalização, de novo na ribalta
Aviso aos incautos e ingénuos
Devo confessar, por uma questão de lealdade que, quando estive no Parlamento, como deputado, acreditava plenamente nas virtudes da Regionalização, como meio eficaz para acabar com as graves assimetrias existentes entre o Interior e o Litoral. Por outro lado, seria o meio eficiente de estancar o processo gradual de desertificação do Interior e a crescente proletarização dos habitantes dos seus meios urbanos. Lá, além dos serviços, geralmente apenas despontavam pequenas e incipientes industrias e frágeis explorações agrícolas, que só á custa de enormes sacrifícios eram capazes de se manter. Pois, tinham que fazer frente à feroz concorrência que se fazia e faz sentir, ao aumento natural dos salários, e ao acréscimo de preços dos produtos necessários à agricultura, sem contra partidas nos proventos. Além do mais, a compasso destas funestas perspectivas, verificava-se facilmente uma destruição acelerada dos laços culturais, sociais e económicos, existentes no Interior, motor da degradação e da inevitável destruição da paisagem e do meio ambiente.
Pois bem, por essas razões, participei há uns anos, com entusiasmo e na minha boa fé, à constituição de uma Associação Regional da Beira Alta, para se tentar visualizar a futura região administrativa que englobaria o espaço geográfico beirão. Realizou-se então o Segundo Congresso Beirão, em Viseu. Entretanto, no Parlamento, o PPM, que então representava como deputado, tinha apresentado um Projecto de Regionalização com base nas Regiões Naturais. Seria necessário que cada partido, posteriormente, elaborasse um projecto indicando os elementos objectivos que, na sua perspectiva, caracterizariam tais Regiões Naturais, visto que todos pareciam ter aceite, nas discussões preliminares, essa solução como base para a futura Regionalização. Claro está, que o partido onde então militava, apresentou um projecto para ser discutido, no hemiciclo. Porém, um balde de água fria caiu sobre os regionalistas, em relação à actuação dos restantes partidos, que apenas se limitaram a elaborar mapas com a divisão do País em Regiões, mais nada de útil acrescentado. Mais nada mesmo…! Espantem-se. Isto é, tiveram a ousadia de dividir o País em parcelas territoriais, sem qualquer fundamento científico visível, a não ser retalhar o território nacional, como já tive ocasião de dizer publicamente, para o adaptar melhor aos seus desejos eleitoralistas. E para provar a leviandade desses projectos partidários, na mesma Região, eram juntas duas das áreas do interior mais carentes de Portugal, estou a falar da Guarda e de Castelo Branco. Como é que tal projecto iria acabar com as assimetrias existentes entre o Litoral e o Interior? Parecia estarmos perante uma brincadeira de mau gosto de um grupo de amigos a divertirem-se ao fim do dia, enquanto bebiam um copo!!! Estavam autenticamente, a gozar com o pagode. Ainda por cima, exibiam uma ignorância absoluta da história, pois desde tempos imemoriais, que as gentes da Guarda e de Castelo Branco viviam em permanente conflito entre si, devido à transumância e por causa dos pastos, sendo criados graves problemas entre pastores e populações inteiras de uma região e de outra, não se suportando reciprocamente e nunca perdendo a ocasião de provocarem rixas sangrentas, com pessoas assassinadas à mistura. As circunstâncias eram de tal modo graves que acabavam por exigir intervenção do Poder Central. Claro que tal não se passa no nosso tempo, mas o relacionamento entre uma comunidade e outra ressente-se sempre do seu passado e da velha animosidade tribal de antigamente. Porém, tal problemática nada tem actualmente de grave. Grave é tentar meter num gueto dois territórios pobres do interior, que acabariam por sufocar com tal medida administrativa. E no Congresso da Beira, trilhando sensatos e lúcidos caminhos para acabar com as assimetrias existentes, foi proposta e aprovada uma Região Administrativa constituída pelas terras da Guarda e de Viseu, complementadas por toda a Região Natural da bacia hidrográfica do Vouga, incluindo Aveiro e o território envolvente. Na verdade, desde tempos imemoriais, tinham estes territórios mantido um tráfico cultural e comercial importante entre as respectivas populações, bem com o estabelecimento de fortes relações de defesa contra inimigos comuns que atravessavam a raia cerca da Guarda ou, igualmente, vindas do Norte, como aconteceu com as invasões francesas. Devido às intensas relações entre as suas populações, foi-se sedimentando uma cultura comum entre as gentes do Interior e do Litoral. Estavam criadas as condições para um desenvolvimento harmonioso com espaços heterogéneos, com múltiplos centros de impulso, constituindo uma malha global activadora, evitando-se o progresso a dois compassos, como referia o Prof. Doutor Valente de Oliveira. O meu amigo Carlos Candal, conhecido deputado socialista, perante as propostas do seu Partido, com as quais não concordava, como não tivesse possibilidade de chegar a tempo ao Congresso de Viseu, telefonou-me a perguntar se estava de acordo com uma região que apenas incluía as terras da Guarda e de Castelo Branco. Expliquei que não. No Congresso estava em discussão uma Região que incluía, Guarda, Viseu e Aveiro Pediu-me então para, em seu nome, informar os congressistas que concordava com essa proposta e com uma outra Região formada por Castelo Branco, Coimbra e Figueira da Foz. Veio o Congresso abaixo com uma saudação especial de aprovação às propostas de Carlos Candal
Mas este não foi o único erro da Regionalização proposta pelas outras forças políticas, nomeadamente, P.S e P.C. Pois, para agravar as assimetrias existentes, os grandes partidos propunham que as Áreas Metropolitanas fossem transformadas em Regiões Administrativas, ficando completamente desligadas da pobreza e do marasmo social das zonas circundantes.
Com este tipo de propostas, a Regionalização ficou ferida de morte. Até os que com Ela sonhavam, acabaram por votar contra.
Ora, perante a centralização feroz que se sente, tenho receio que a bandeira da regionalização seja uma simples tentativa para dividir as populações e continuar tudo como dantes. Mais, o Estado Centralizador procurará isolar-se nas suas comodidades da capital, abandonando a gente do interior à sua sorte, atirando para as costas dos municípios a responsabilidade de muitas das suas actuais competências, sem os necessários meios económicos que suportem as novas atribuições descentralizadas…! Será assim destruído, nas nossas barbas, entre outros o Estado Social, continuando a haver dinheiro para a corrupção, para a compra da liberdade dos órgãos da comunicação social e para a manutenção da perversão constituída pelo Poder Executivo a dar ordens ao Poder Judicial.
Os municípios da província, incluindo o Grande Porto, que se cuidem!
Antes da nova discussão que se avizinha sobre Regionalização, não podia deixar de fazer este aviso à navegação
António Moniz Palme – 2019
Edição 775 (16/01/2019)
Guiné – As duas faces da mesma moeda
Devo confessar que jamais, em toda a minha vida, senti na pele a tremura provocada pela diferente cor e raça do meu semelhante, seja ou não meu conhecido, ou mesmo qualquer irritação pelo facto do parceiro de conversa ter convicções religiosas diferentes das minhas, logo que assuma uma atitude de respeito e de tolerância pelo próximo. Repito o que já referi numa publicação anterior. Para bem da minha paz de espírito, talvez com um pouco de ingenuidade, penso que os homens bons, seja qual for a sua religião, sendo respeitadores das crenças dos semelhantes, são sempre bem acolhidos pela Bondade de Deus.
Claro que fui muito influenciado pela educação que tive e pela mentalidade de provinciano da Beira, que outrora integrava os escravos negros que para lá iam trabalhar, acabando os mesmos casados e a constituir família com o beneplácito local. Este facto, além da diáspora permanente para os territórios coloniais espalhados por todo o mundo, onde o portuguesinho de lei arranjava bem depressa uma nova família. Independentemente de tais circunstâncias, tudo que respeitasse ao Continente Africano e às suas gentes e problemas, cativava o pensamento e os cuidados dos meus Pais. Os diferentes locais onde residi tinham permanentemente a visita de gente de África, de todas as cores e costumes, e que via serem sinceros amigos dos meus Progenitores, sendo logo convidados, sem qualquer cerimónia, para a refeição. Por tal motivo, não me admirei que o Eng. Trigo de Morais, um grande homem, português pelo nascimento, mas africano pela sua índole e paixão, tivesse convidado o meu Pai para organizar os primeiros exames liceais, nas colónias, nomeadamente no território da Guiné Bissau, acabando com a necessidade de os alunos liceais terem que se deslocar a Portugal, para ultimarem o curso.
Todavia, tal boa convivência com a gente africana não me fazia esquecer os males da colonização, da vergonhosa chaga social constituída pela escravatura e da descriminação social que a gente mais inculta e menos civilizada exercia, não respeitando os direitos dos oriundos das nossas antigas colónias. Perante este cenário, após a independência da Guiné, apareceu no Porto, onde vagueava perdido pela rua de Santa Catarina, um natural da Guiné, Manuel Mumine Djaló, de seu nome, defensor da independência da Guiné, mas opondo-se à posteriormente criada União dos dois Países, Cabo-Verde e Guiné, sob a batuta de um mesmo governo, nascido do PAIGC, e onde nas cúpulas, só existia gente de Cabo Verde. Enfim uma nova ditadura e uma fonte de graves conflitos, entre Cabo Verde e a Guiné, criada pela infeliz descolonização orientada pelo MFA Antes que lhe limpassem o sarampo, Djaló, como pessoa mais evoluída que a maioria dos seus conterrâneos, viu logo que se não desaparecesse prontamente, seria eliminado, como foram outros, pois era considerado perigoso pelo seu nível cultural. Assim, veio para o Porto, onde viveu e trabalhou até ao golpe de Estado de Nino Vieira, que pôs fim à malfadada União. Na perspectiva da gente da Guiné, não era tolerável aguentarem uma nova colonização chefiada agora por Luís Cabral. Para Eles, o cabo-verdiano, irmão de Amílcar Cabral, não passava de um estrangeiro que já tinha ocupado todos os cargos da administração da Guiné, rodeado de cabo-verdianos da sua inteira confiança. Com a separação clara e definitiva da vida dos dois novos Países, Djaló já podia regressar à sua Terra Natal, como pretendia, para colaborar na construção de uma nova Guiné. E perante o sacrifício de aqui ter que deixar parte da Família, bem como os amigos com quem convivia, regressou à Guiné. Porém, durante poucos meses Djaló aqueceu o chão da sua tabanca, pois foi convidado para concorrer às eleições pelo PAIGC que, antes do Golpe de Nino Vieira, o quis suprimir…! A situação mudara radicalmente pois esse partido deixou de estar sob o controle do grupo cabo-verdiano que dominava a Guiné. Ora, e como Djaló lhes tinha feito frente, defendendo com risco da própria vida a liberdade e a autonomia do povo da Guiné, resolveram pedir-lhe para se candidatar e animar a vida política local com as suas ideias. Djaló, apesar de se sentir doente, resolveu sacrificar-se pela sua terra amada, pois veio a Portugal para organizar o programa da sua candidatura às eleições, pela circunscrição de Piche. Com a ajuda dos seus amigos do Porto, elaborou um programa de acção, concentrado na educação, na saúde e no combate à corrupção. Obteve de uma série de conhecidos arquitectos e engenheiros nortenhos a promessa de que lhe elaborariam um projecto de uma pousada a construir no paradisíaco Arquipélago dos Bijagós. Foram preparados os necessários cartazes e panfletos e, através da Casa da Beira Alta, fez-se uma recolha de fundos de apoio à sua candidatura. Num almoço de despedida, ficou a saber que se os beirões pudessem votar, ganharia as eleições de antemão. Mas Djaló, com o esforço feito na animada e cansativa campanha, faleceu repentinamente, um dia após o fim das eleições, sem saber que as tinha ganho com uma esmagadora diferença de votos em relação aos outros candidatos.
Esta é uma das faces da moeda, constituída por um fula guineense, muçulmano, com amor à sua terra e a pretender desenvolver o seu novo País, aproveitando todos os meios que Portugal lhe poderia conceder para obter os seus fins. Mas, infelizmente, outra faceta, menos saudável existe para a mesma moeda, o seu nebuloso reverso, constituído por gente que nada fez pela independência do seu chão natal, que foi recebida em Portugal com o mesmo tratamento dos cidadãos de famílias nascidas neste país. Cá tirou um curso superior, agradecendo com insultos a quem lhe deu a mão, isto é, à população portuguesa, de todas as cores e credos religiosos, hostilizando-a com um racismo odiento, que só existe em gente ordinária e sem princípios, desrespeitando o Povo que a acolheu sem preconceitos. Estou a falar da nova deputada Joacine Katar Moreira. Apresentou-se às eleições para o Parlamento, como deputada, mas em vez de exibir projectos para melhorar a vida dos eleitores, nomeadamente dos oriundos da Guiné, arranja modo de entrar na ribalta pela pior porta que podia descobrir, ofendendo quem lhe abriu os braços. Se assim continuar, não tenho dúvida que o Povo Português, de todas as raças e feitios, que não gosta de racistas e da ingratidão, a excluirá da sua convivência, remetendo-a definitivamente para a marginalização que o seu comportamento merece. Mas, atenção, sempre que a senhora Deputada balbucia o seu ódio de estimação ao Povo Português, milhares de cidadãos entram de roldão nos caminhos da extrema direita. Parece mesmo jogo combinado. Uma extrema a fazer o frete à outra, para darem cabo da Democracia. E se não é, parece……!
Edição 774 (26/12/2019)
Amargos de Boca, o que resta das Campanhas Eleitorais, ou a história da Maria Mantela, incarnada na política actual
Desculpem este desabafo, mas a minha falta de paciência vai aumentando, devido à idade, disso não tenho dúvida. Porém, o que se tem passado nas campanhas eleitorais ultrapassa tudo o que pode ser legitimamente aceite e, para mim, de muito difícil digestão!. Como sabemos, os partidos representam correntes de opinião e, na perspectiva de cada força partidária, vão expondo as soluções para os vários problemas que afligem a comunidade. Assim deveria ser… Todavia, as coisas não se passam com esta bondade. E, embora tolerando os entusiasmos e alguns excessos de linguagem e de modos, nas últimas eleições, pairaram sobre todo o eleitorado, como um incomodativo “drone”, as falsas verdades e uma atrevida e deplorável incompetência, por parte de vários representantes partidário. Claro que os eleitores vão perdendo paulatinamente a esperança de que os futuros governantes possam fazer qualquer coisa de útil para o bem da colectividade, tornando-a mais feliz e menos dependente economicamente.
Assim, se assassina alegremente a Democracia. Como consequência, fogem os eleitores das urnas como o “Diabo da Cruz”. Além do mais, a incapacidade política ressalta até da mais curta troca de palavras eleitorais!!!. Os representantes das forças em competição, para assumirem a condução do governo, raramente expõem ideias ou soluções, sobre projectos consistentes para estancarem as carências nacionais. Pelo contrário, numa exagerada profusão de palavreado, digladiam-se com inúteis metáforas, muitas vezes com frases feitas, servindo-se delas como simples armas de arremesso!!!,. Limitam-se a falar do passado, frustrando completamente a esperança dos eleitores num futuro melhor Este tipo de estratégia nenhuma utilidade tem para o esclarecimento dos votantes, a não ser satisfazer o ego do orador de serviço. Sei bem que somos um Povo que, além de latino, entrou há pouco nos circuitos da Democracia e das suas regras. Por essas razões, vão-se aceitando os naturais lapsos de conhecimento, isto é, vai-se tolerando alguma da ignorância exibida. Mas, o que é demais, é moléstia!.. Ainda por cima, tratando-se da chamada Ignorância Atrevida, de gente assente nas tamanquinhas do poder, com a certeza de que ninguém lhe vai à mão. Tal é revoltante para quem paga os seus impostos. No fundo, assim actuam por que estão estribados no silêncio dos órgãos de comunicação social, perfeitamente controlados e que, se não aceitarem este estado de coisas, protestando contra a desonestidade, a ignorância e a incompetência dos políticos, podem ter sérios amargos de boca, sendo afastados dos cargos que ocupam, através do corte do programa de cuja gestão são responsáveis. Claro que esta situação só é visível nos picos das montanhas das actividades políticas, mas o mal multiplica-se certamente pela hierarquia abaixo, influenciada pelos maus exemplos dos superiores respectivos. Excepções existem, já se sabe, pois a maior parte dos portugueses è gente boa e séria, mas está completamente fora do baralho, na tomada das decisões políticas…! Perante este panorama dantesco, de falta de liberdade, chego a questionar-me se será necessária uma outra revolução para acabar com a mentira, com a incompetência, e com a consequente corrupção?
O mal é que de tanto mentirem, vão acabando por acreditar nas inverdades propaladas e o auditório, na sua inocência, vai acreditando em quanto disparate lhe servem. Para não perturbar mais os leitores, vou acrescentar uma historieta levezinha para desdramatizar o que escrevi. Recordo sempre um acontecimento verídico, já com barbas e vestido com a fantasiosa bruma de uma lenda, e que uns parentes de Chaves me contaram, ilustrando bem o que a ignorância pode provocar…!
Vivia, nos arredores de Chaves, no Séc. XVI, um casalinho, que tinha meios de fortuna e gozava de boa reputação no meio, socorrendo sempre quem lhes batia à porta. E o marido, de seu nome Fernão Gralho, bom homem e temente a Deus, procurava constantemente dar bons exemplos à sua extremosa mulher, de nome Maria Mantela. A sua porta nunca até então se tinha fechado a alguém em aflição, nomeadamente aos elementos mais carenciados da população, como agora se diz. Até que, num certo dia, na ausência do Marido, apareceu a Maria Mantela uma desesperada mãe carregada com um par de gémeos.! Maria Mantela, perante o duplo parto da pobre mulher, logo raciocinou do seguinte modo, na sua ignorância estúpida e atrevida: – para ter dois filhos, esta mãe forçosamente teve relações com dois homens, sendo cada um o progenitor de um dos dois filhos, agora nascidos…! “Mas que mãe desavergonhada”, concluiu Maria Mantela!!!!. Assim sendo, Maria Mantela logo correu com a pobre mulher, acusando-a de ter andado a dormir com mais do que um ao mesmo tempo, pois a prova estava bem clara no par de gémeos nascidos. A sorte, nesta história, foi ter aparecido Fernão Gralho, seu marido, que obrigou a ignorante companheira a dar o dito por não dito e a socorrer a já chorosa e desnorteada mãe, perante a grave acusação de adúltera!!! Por outro lado, e para que a mulher ficasse bem esclarecida sobre a situação, obrigou-a a cair em si e a meditar sobre o acontecido com a sua cadela perdigueira de estimação que, apesar de haver apenas um cão na casa, teve sete cachorrinhos !!!. Contrariada, Maria Mantela rendeu-se ao raciocínio do marido e socorreu prontamente a mãe dos gémeos. Porém, para exemplo da colectividade, naturalmente por Intervenção Superior, algo fora do vulgar aconteceu. Passados nove meses, Maria Mantela deu à luz sete gémeos, que cresceram com saúde, se tornaram nuns homens bons, trabalhadores e honestos, construindo cada um o seu templo religioso, em diferentes locais, para homenagear a sua mãe. Quando Maria Mantela faleceu, foi enterrada na Igreja de Chaves, para onde foram, mais tarde, os seus filhos, à medida que iam morrendo. .Nem mais…!
Assim reza o epitáfio: – “Aqui jaz Maria Mantela com sete filhos arredor dela.”. História paradigmática contra a ignorância atrevida e as más e funestas consequências que dela podem ocorrer, prejudicando gente inocente.
Espero tenham gostado.
O mal desta fábula é que a sua conclusão moral é difícil de transferir para a actual vida política, pois a incompetência e a ignorância são maleitas que resistem aos tempos e à própria virtude e vontade da sociedade.
António Moniz Palme – 2019.
(Escrito na véspera das eleições de 6 de Outubro de 2019).
Edição 773 (12/12/2019)
Agustina Bessa-Luis, uma portuguesa que entrou na Imortalidade das Letras.
Fui educado num ambiente de mulheres fortes, com personalidade, sabendo bem o que queriam.
A Minha Mãe, numa altura em que as Mulheres não estudavam, além de piano e lavores, e nem pensar em cursos superiores, com receio de perturbar a pituitária da pressão social, inscreveu-se, no Conservatório de Lisboa, onde estudou e frequentou o respectivo curso.
Mais tarde, esteve durante anos à frente de uma empresa agrícola, que geriu com o maior sucesso
Ora, já estando no Porto, na minha vida profissional, encontrei uma pessoa singular, cujo feitio me fez lembrar a minha Mãe. Era antiga estudante de Coimbra, casada com um advogado, igualmente formado na cidade do Mondego, Sr. Dr Alberto Oliveira Luís. Tratava-se da escritora Agustina Bessa-Luís, falecida em Junho passado, para meu profundo pesar e desgosto de todos os seus incontáveis admiradores.
Muito novo, tinha lido um livro seu, quando ainda frequentava a Universidade de Coimbra. Continuei, com todo o interesse, a ler os seus trabalhos. Afinal, para meu espanto, vim a descobrir uma mulher que poderia rivalizar com os melhores escritores, seus contemporâneos e, ainda por cima, não era apoiada pelos grupos cripto comunistas do costume, que desastradamente dão cartas na cultura em Portugal, certificando os cidadãos que podem ou não ser classificados como elite do mundo intelectual, através dos seus facciosos critérios!.
Claro que fiquei duplamente encantado com a sua personalidade. Ainda por cima, tive a oportunidade feliz de manter com Agustina simpáticas conversas, sobre diversos problemas, verificando que partilhávamos, em muitos aspectos, as mesmas soluções para estancar os dramas que afligem o nosso Povo.
Por tal motivo, e por não ser apadrinhada pelos capatazes domésticos da cultura, bem tentaram denegrir a sua obra os habituais mentecaptos que tratam a literatura como uma coutada privada. Contudo, de nada lhes valeu. Agustina tinha fugido ao injusto cárcere intelectual existente, entrando com a postura de uma rainha e, como uma raridade, na propriedade intelectual indestrutível de todos nós.
Lembro-me que, quando li “A Sibila”, não compreendi bem a mensagem daquele romance. Mais tarde, fiz uma cuidadosa segunda leitura, numa perspectiva bem diferente e acabei por ficar deslumbrado. Da primeira vez, não tinha ainda capacidade suficiente para entender o mistério da personagem Sibila, por quem depois me apaixonei.
Não mais parei de ler a sua obra, atraído pela força da sua prosa escorreita e pelos valores que exibia aos leitores, valores esses que eram os meus, rapaz da província, educado no respeito pelo próximo, no trabalho santificador, na seriedade, no amor ao meu Torrão Natal e à minha Pátria, e respeitador dos princípios cristãos que a maioria da colectividade assumia. No fundo, os valores da generalidade dos Portugueses
Identifiquei-me totalmente com o espírito da escritora Augustina, sentindo ser Ela, além de uma portuguesa autêntica, uma das melhores escritoras do nosso tempo. E a minha paixão platónica pela escrita de Augustina mantinha-se intocável. Mais tarde, na Casa da Beira Alta do Porto, foi realizada uma homenagem a Aquilino Ribeiro, e fiz parte de uma mesa redonda, onde se debateu a sua obra e a ligação à Beira Alta. Igualmente, teve a participação de Agustina Bessa-Luís e do escritor António Rebordão Navarro. Calculam os momentos de aflição que passei, antes da sessão, onde ia emparceirar com dois monstros da cultura portuguesa, numa sala a abarrotar de público, encontrando-se lá a nata intelectual do Porto e os prosélitos do jornalismo da nossa cidade. Após os trabalhos, ambos os escritores presentes tiveram a gentileza de me vir dar os parabéns pela forma como tinha exibido a obra do autor do Malhadinhas e recomendar a publicação do que tinha dito nessa mesa redonda. Como calculam, fiquei profundamente honrado com aquelas opiniões acerca da minha despretensiosa participação.
E tal situação repetiu-se, após ter feito uma dissertação sobre a Universidade de Coimbra e o seu Fado. Nessa altura, Agustina, além de elogiar, tanto ela como o Marido, o meu trabalho, declarou-me que gostaria de fazer o prefácio para o livro que lhe tinha dito ir publicar.
E, na verdade, solicitei-lhe o Prefácio para o meu livro “Revisitação”. Mas, Agustina desapareceu da circulação, pois adoeceu gravemente e ficou sem possibilidade de escrever o que quer que fosse, para minha grande tristeza.
Restava-me continuar a ler os seus romances, maneira de assim conviver com a sua sublime personalidade.
Lembro-me, procurando no meu baú das boas memórias, que tive a honra, na homenagem à sua pessoa, na sua Terra Natal, em Vila Meã, de participar à guitarra numa serenata a Si dedicada, pois além de escritora, era antiga estudante de Coimbra.
Mas nunca me esquecerei do seu carinho e paciência pelos aprendizes de letras, como eu. Tinha Alma de adolescente e a alegria de uma menina de escola. Aliás, Ela própria dizia que tinha nascido adulta e morreria com o espírito de uma criança. Mas a sua doçura com a gente simples era significativa, tornando cada leitor num seu admirador indefectível.
Agustina é imortal, viverá e fará parte, para sempre, das nossas inesquecíveis boas recordações.
António Moniz Palme -2019
Edição 772 (28/11/2019)
Os Corte – Real e a Casa de Angra do Heroísmo
Após a publicação, na “Gazeta da Beira”, de um artigo sobre a “América e os seus errados baptismos”, um leitor simpático, contactou-me para me dar os parabéns pelo que escrevi e para me chamar à tenção para o facto de não ter dito uma palavra sequer sobre a Casa onde viveram os Corte – Real , em Angra do Heroísmo. Para cúmulo, sabe bem que eu conheço perfeitamente o referido edifício…! Ora toma.
E o meu leitor amigo tem toda a razão, o imóvel em si, classificado como Monumento Nacional, merece toda a atenção dos responsáveis e é um elemento importantíssimo na história de Angra do Heroísmo e do próprio Arquipélago dos Açores, que eu devia ter referido. De tal me confesso.
Não posso deixar de explicar que, ao longo dos tempos, essa construção teve diversas designações, desde Casa dos Capitães Donatários, a Casa dos Corte – Real e, ainda, Paço Real de D. António Prior do Crato.
É um imponente edifício, infelizmente mal tratado pelo tempo. Foi começado a erigir no Século XV, remontando aos primeiros tempos do povoamento da Ilha Terceira. Parte da construção está encimada com ameias, por onde se verifica ter acumulado as funções de residência e de fortificação. O Edifício foi tendo diversas intervenções ao longo da sua vida, nomeadamente nos séculos XVII e XVIII. Está situado ao cimo da Rua do Marquês, logo após a bonita casa dos Simões Flores, no centro de Angra, perto do Edifício da Câmara e sobre o belíssimo jardim municipal.
O primeiro ocupante da casa e que deu início à sua construção, para sua residência, em 1460, foi Álvaro Martins Homem, 2º capitão donatário da Terceira e fundador da vila de Angra. Dele descendem muitas famílias terceirenses. Era filho do 2º capitão donatário da Vila da Praia, Antão Martins Homem e de D. Isabel Ornelas da Câmara.
Em 1474, com a atribuição da capitania a João Vaz Corte-Real, por mercê do Infante D. Henrique e de seu sobrinho, D. Fernando, passou este novo donatário a ocupar a casa em questão, fazendo daquele edifício o seu Paço.
Não posso deixar de contar aos leitores que o escritor Júlio Verne, cujos livros povoaram a nossa imaginação, durante a juventude, faz referência à moradia dos Corte-Real, nos Açores, no vol. II da “Descoberta da Terra “ , dizendo”…Estabelecido na Terceira, Vaz Corte-Real, mandara construir para si, desde 1490 a 1497, na cidade de Angra, um belo palácio em que habitava com os seus três filhos” Informando mais, que “ João Vaz Corte-Real era filho de Vasco Annes da Costa, que recebera o apelido Corte-Real por causa da magnificência da sua casa e da sua comitiva…”, enquanto serviu o Rei e o País, no Algarve, onde prestou altíssimos serviços à Colectividade Portuguesa.
Quanto ter sido o imóvel considerado Paço Real de D. António Prior do Crato, tal não passou da simpatia do Povo Angrense a arranjar instalações condignas para o pretendente à Coroa do Reino Português, rivalizando com o poderoso Felipe de Espanha. Contudo, vejamos… Pouco tempo teve D. António para ocupar tal Paço. Como sabem, D. António era filho ilegítimo do Infante D. Luis, donatário das Terras de Lafões, e da bonita judia Violante Gomes, de alcunha “A Pelicana”, e neto do Rei D. Manuel. Era igualmente sobrinho do Cardeal D. Henrique.
O seu pai D. Luis, não tolerava a Inquisição e, claro está, sempre foi perseguido pelo Cardeal, seu irmão, que sempre se opôs a qualquer pretensão de casamento do Infante D. Luis, para não haver perigo de concorrência para o monarca castelhano, possível pretendente ao trono português, segundo dizia a má língua. O Cardeal fazia o jogo sujo, anti independência portuguesa, colaborando nas manobras de D. Catarina, viúva de D. João III e irmã de Felipe de Castela.
Obviamente, o Filho D. António Prior do Crato levou por tabela a inimizade entre o pai e o tio Cardeal. Além de lhe terem pretendido tirar os bens que tinha herdado do pai, o Cardeal, mal foi coroado, em 1578, chamou a si o processo de legitimação de D. António Prior do Crato. Não quis ouvir as testemunhas apresentadas, tendo pronunciado uma sentença em que considerava ilegítimo o sobrinho, tirando-lhe qualquer possibilidade de suceder ao trono português, a quando da sua morte.
Nessa altura, D. António foi mesmo banido do território português. Apesar de tal, D. António Prior do Crato, quando morreu o Cardeal, fez-se aclamar Rei, em Santarém, em 19 de Agosto de 1580. Porém, o seu mal armado exército foi derrotado pelas tropas castelhanas do Duque de Alba, na Batalha de Alcântara. Somente a Ilha Terceira teve a coragem de oficialmente o apoiar, motivo por que para lá se deslocou com armas e bagagens. Mas não teve grande sorte, apesar da valentia e coragem dos Terceirenses. Apenas foi vitorioso no célebre desembarque castelhano da Salga, em 25 de Julho de 1581. com o apoio de manadas de toiros bravos que ajudaram a liquidar os soldados desembarcados que, por afogamento, morreram às centenas junto à praia. Pois, mais tarde, a esquadra francesa que o apoiava, chefiada por Filipe de Strozzi, foi completamente desbaratada, em 26 de Julho de 1582, tendo D. António que fugir rapidamente para França. Esta a razão por que nem tempo teve para aquecer os lençóis e de disfrutar do sumptuoso Paço que lhe foi destinado.
Sobra a Casa dos Corte-Real pouco mais posso adiantar. Espero ter satisfeito a curiosidade do meu simpático e interessado leitor. Penso que o nome geralmente conhecido, de Casa dos Corte-Real está exacto. Mais que não seja, é uma homenagem a uma Família de Navegadores e de Descobridores, nomeadamente homenagem a Miguel Corte-Real, descobridor do Continente Americano, até prova em contrário
António Moniz Palme – 2019
Edição 771 (14/11/2019)
BATALHA DE MATAPÃO
Comportamento inacreditável dos Estados Italianos, em relação a Portugal
Aguarela autoria de António Moniz de Palme
Já aqui comentei a má vontade dos responsáveis dos Estados Italianos, desde tempos imemoriais, em relação ao Reino de Portugal. Tentaram fazer correr que Cristóvão Colombo, que não falava uma palavra de italiano, tinha nascido em Génova. Por outro lado, tentaram apropriar-se de uma série de descobrimentos, feitos por portugueses, apontando gente da sua nacionalidade como seus hipotéticos autores. Mas a deslealdade em relação a Portugal, não ficou por aqui. Longe das vistas da Europa profunda e do Papa, municiaram com armamento sofisticado e especialistas militares o exército turco que navegava pelo Oriente, combatendo as frotas portuguesas do Índico. Na verdade, tinham perdido a corrida comercial com os portugueses, que faziam chegar à Europa os produtos orientais, por um preço muito mais baixo, através da Rota do Cabo, rodeando, por mar, o Sul de África, isto é, o Cabo das Tormentas. Os Estados Italianos continuavam a fornecer-se das especiarias e demais produtos orientais, pela via marítima mediterrânica e através de caras e morosas caravanas terrestres. Numa perspectiva de negócios perdidos com a concorrência portuguesa, a situação era grave!!!. Todavia, nas suas manobras e escuras intenções, os nossos amigos saíram-se sempre mal. Desse modo, o azedume nunca mais desapareceu. A azia violenta contra os portugueses não esmoreceu com o tempo e antes continuou a levedar no silêncio, esperando que os portugueses se esquecessem e tivessem fraca memória para as tropelias feitas pelos transalpinos, através da história. Assim aguardavam pela ocasião certa para voltarem à carga, quando ninguém já desse fé. Sabiam que os portugueses só pela traição e pelas costas poderiam ser desfeiteados. E o momento oportuno, para uma vingança, na sua turva perspectiva, chegou!!!
Corria o ano de 1717 e uma enorme frota turca invadiu o Mar Mediterrâneo, com o intuito de delapidar as cidades cristãs da costa sul europeia. Claro que os principais interessados na defesa do mediterrâneo europeu, eram os Estados Italianos e a Ilha de Malta que imediatamente reuniram as suas armadas para se defenderem, bem como aos seus interesses comerciais. Por essa razão, solicitaram insistentemente uma ajuda ao Papa Clemente XI, para meter no empreendimento defensivo cristão os Países da Península Ibérica e o seu respectivo poder naval. O Papa colocou logo a sua própria e insignificante armada na linha de combate e implorou aos Soberanos Ibéricos a necessária ajuda. A Espanha não respondeu ao apelo feito, mas o Rei D. João V, prontamente, enviou uma frota de guerra, chefiada pelo Conde de Rio Grande, D. Lopo Furtado de Mendonça, constituída por cinco naus, duas fragatas e uma série de embarcações mais pequenas.
No dia 19 de Julho de 1717, portanto há mais de trezentos anos, chegaram os navios portugueses junto das armadas de Veneza, Génova, Florença e Malta e dos navios do Papado. Junto do Cabo Matapão, ao Sul da Grécia, no Peloponeso, entre os Golfos de Lacónia e de Mesena, quando se aproximou a numerosa armada turca, que cobria assustadoramente a linha do horizonte, deu-se o inesperado!!!. Os navios dos Estados Italianos, aterrorizados pela multidão de unidades da armada turca, puseram-se ao fresco, rumando em fuga miserável e abandonando cobardemente os navios do Papa e a Armada Portuguesa. Mas a marinharia portuguesa e as suas chefias já estavam bem habituadas a estas confrontações desiguais, defrontando frotas muito mais numerosas, como já tinha acontecido nomeadamente em Ormuz, no Oriente, e no Mediterrâneo, em Lepanto em 1571. Por essa razão, sem hesitações, os portugueses prontamente atacaram os navios principais turcos, metendo uma série de barcos ao fundo com tiros certeiros e fazendo abordagens aos navios mais pesados da frente da armada inimiga, cuja tripulação se atirava ao mar, desesperada e aterrada perante a ferocidade e o poder combativo da marinhagem portuguesa que lhes caia em cima, voando das suas próprias embarcações para a coberta dos vasos de guerra turcos. O comportamento e a operacionalidade da frota portuguesa colocaram em fuga aquela numerosa armada, tomada de medo perante a estratégia portuguesa e a coragem dos seus tripulantes
A má-língua logo levantou a suspeita de que os responsáveis dos Estados Italianos aproveitaram a ocasião soberana para ajustar velhas contas com os portugueses, fazendo uma retirada à traição e abandonando, na praça pública, os portugueses e os mandatários do próprio Papa. Na verdade, um comportamento indigno, sob todos os aspectos.
A Batalha do Cabo Matapão constitui mais uma página ilustre da História Portuguesa e com tal peso a nível mundial que o Papa Clemente XI., deu o título de Rei Fidelíssimo a Sua Majestade, o Senhor D. João V.
António Moniz Palme – 2019
Edição 770 (24/10/2019)
A Fraca Natalidade Europeia e a Necessidade do trabalho dos Imigrantes (Segunda Parte)
Todos nós sabemos que o baixo índice de natalidade europeia e portuguesa é desastroso para a continuação da nossa identidade. Necessitamos de imigrantes que venham colmatar a falta de nascimentos, aumentar a nossa mão de obra e reforçar o grupo etário produtivo. Assim sendo e como estamos irmanados há muito com os países de língua portuguesa, temos a obrigação de acolher os seus habitantes que vêm até nós. É preferível ser Portugal a escolher a proveniência da imigração do que termos que aguentar gente que não nos diz respeito e com hábitos e valores culturais e religiosos bem diferentes. Todos sabemos de experiência feita ao longo de séculos que um angolano, um moçambicano, um guineense, um cidadão de Cabo Verde, de São Tomé e de Timor logo se adaptam à nossa maneira de viver e de ser porque nos conhecem desde sempre, o mesmo acontecendo da nossa parte. E nenhuma perturbação previsível acontecerá, a não ser as consequências do embate da mentalidade dos frequentadores rascas das nossas boites, com os acabados de chegar, como tem acontecido. A miscigenação sempre foi uma apetência da raça lusa desde a fundação da nacionalidade e a ela já estamos habituados com gosto, porque motivo não o dizer!!!? Claro que com as normais perturbações resultantes do choque de culturas e civilizações diferentes. E quanto á possível diferença de religião, que entre nós nunca foi problema, tal disparidade é resolvida pela garantia dos imigrantes, perante as nossas autoridades, de uma CONVERSÃO SOCIAL aceitando o nosso ordenamento legislativo e cultural. Reparem bem que não falo em CONVERSÃO RELIGIOSA. Os que vêm para o nosso País apenas têm que garantir o respeito pelos valores imanentes na comunidade europeia, pelas suas práticas sociais e religiosas, tendo em contrapartida o direito a exercer a sua própria religião logo que respeitem o próximo e a legislação fundamental portuguesa. Caso contrário, devem ser remetidos imediatamente à procedência. No futuro, aparecerá à luz da comunidade uma nascente raça híbrida, diferente e criativa, idêntica àquela que brotou em todos os cantos do mundo onde aportou um português. Entretanto, é bom não esquecerem que os nascentes países europeus, após a queda do Império Romano, foram formados pela mistura dos cidadãos indígenas que originariamente habitavam o território, pelos romanos que para lá foram viver e pelos povos bárbaros que os invadiram, fixando-se nas suas terras e integrando-se pouco a pouco na civilização e na cultura romanas.
Por outro lado, toda a Europa deve considerar África como um complemento natural e lógico do seu continente. Os portugueses devem procurar exercer uma política de fomento do desenvolvimento dos países de expressão portuguesa, lá investindo em novas actividades, assim promovendo a subida do respectivo nível de vida, cultural e profissional das populações autóctones. Aliás, no seu conjunto, a Europa pouco pesa na balança da Económica Mundial. Com a África como parceiro, o problema será bem diferente e mais atenuado. E os africanos sentir-se-ão muito melhor com os portugueses e com os outros europeus como comparsas do que com os chineses, como vai acontecendo, que tudo lhes tiram e regressam, sem qualquer hesitação, ao seu império após delapidarem as suas riquezas naturais.
Concomitantemente, em relação à Rússia, o nosso comportamento deverá ser completamente alterado. Geoge Orwell , no seu ensaio “1984”, antevia que o grande parceiro dos países da Comunidade Europeia seria a Rússia, um país europeu, e não a América do Norte. Não pensem que politicamente estou rendido às virtudes marxistas. Não. A Rússia nada tem a ver com a União Soviética. Aliás, essencialmente nunca nada teve a ver, a não ser estar submetida a uma terrível ditadura estalinista, tão horrorosa ou ainda pior do que a ditadura nazi. Eu sei que, na generalidade, temos uma visão distorcida da Rússia, formatada criminosamente pela imagem dada por certos intelectuais e jornalistas de esquerda, que impingiram durante décadas, ao incauto europeu, a mentira das virtudes do Paraíso Soviético e a falsa felicidade e bem estar do seu pobre Povo. Temos que pensar que a Rússia é a grande pátria do Cristianismo Ortodoxo, que merece o nosso inteiro respeito. Aliás, os novos países que saíram do desmoronar do Império Soviético têm criado um espírito nacional que ultrapassou as rivalidades internas de várias raças e das diferentes religiões lá praticadas.!!! Essa é a verdade …O Espaço Europeu, além de encontrar a sua Verdadeira Identidade, terá que modificar a sua fisionomia, limitada pelas suas actuais fronteiras, forjando um espírito planetário com uma Europa alargada pela Santa Rússia e pelo Continente Africano.
António Moniz Palme – 2019
Edição 769 (10/10/2019)
O “Bezerro de Palha” e uma actual cópia universitária do oportunismo hipócrita do Barão de Cotegipe
Utilizar um bezerro de palha é o mesmo que mascarar a realidade, para inconfessáveis fins políticos. Quando a Princesa D. Isabel, filha do Imperador do Brasil, D. Pedro II, teve a coragem de assinar a Lei que acabou com a Escravatura, em 13 de Maio de 1888, passou a ser conhecida pela Redentora, tendo o reconhecimento, a admiração e a gratidão da maioria do Povo Brasileiro, exceptuando os grandes potentados que utilizavam a mão de obra gratuita dos escravos e que já tinham ameaçado implantar a República, se fosse concretizada tal medida. E tal aconteceu mesmo, caindo injustamente o Império. Antes dessa desgraçada movimentação militar, que não teve o apoio do Povo, vários iluminados saíram à estacada para defender o horrendo esclavagismo e a legitimidade da alteração da Chefia do Estado, se acaso fosse abolida a escravatura. Nas circunstâncias, o poeta brasileiro, Rui Barbosa, fez uma violenta catilinária, contra o gabinete do Império, chefiado pelo Barão de Cotegipe, que em nome dos interesses da lavoura, se opunha tenazmente à abolição, contrariando a vontade do Imperador D. Pedro II e a opinião dos elementos da cultura de então. Nesses termos, vulgarizou a expressão “Bezerro de Palha”.
Na realidade, os interesses, invocados pelo político Cotegipe, eram um autêntico “Bezerro de Palha”. Em vez de actuar com a responsabilidade que o título nobiliárquico que usava lhe impunha e que a posição de Homem de Estado determinava, resolveu alinhar cobarde e demagogicamente com os vergonhosos interesses económicos decorrentes da escravatura, opondo-se à intenção da Abolição. Sabia bem que os “coronéis”, esclavagistas, donos das grandes fazendas, é que tinham dinheiro para fazer uma revolução, mesmo contra os interesses da população, e que as chefias militares possuíam, igualmente, rebanhos de escravos ao seu serviço.
Mas vamos adiantando o raciocínio inicial, para se poder perceber a origem da referida expressão, utilizada pelos criadores de gado da Escócia, e motivada por um costume aí usual. Sempre que uma das tetas da vaca, quando mungida com insistência, se recusava a dar mais leite, os proprietários usavam um inteligente expediente. Criaram, na verdade, o hábito de encher, com palha, uma pele ou um coiro de novilho, colocando-o ao lado da vaca. Esta, pensando ter ao seu lado uma cria, enganada na sua ingenuidade bovina, talvez por um acto reflexo, começava imediatamente a dar leite ao agricultor, que antes a tinha mungido sem sucesso….! Ora, existem espantalhos contra o progresso e a marcha da civilização que são verdadeiros fardos de palha, amanhados nas vésperas das eleições, para convencer e extrair, à população incauta e honesta, o leite, sob a forma de votos …! Esse tipo de abantesmas, como referia Rui Barbosa, aproveitava-se da falsa ruína da agricultura, através da demagogia fácil, para assustar a população e fazer o frete aos esclavagistas que continuavam com trabalho humano à borla, enchendo ilegitimamente os bolsos.
Por consequência, a estranha atitude da proibição da Carne de Vaca, nas cantinas da Universidade de Coimbra, não pode ficar em claro, pois estamos perante um autêntico “Bezerro de Palha”… Enfim, este género zoomórfico e os seus utilizadores têm que ser severamente criticados, nomeadamente por quem se formou na Escola de Coimbra, perante esta estranha e lapidar proibição da carne de vaca, nas suas cantinas.
Já agora não posso deixar de dizer que, enquanto estudante, algumas vezes tomei refeições em várias cantinas universitárias. Nos respectivos menus, era raro aparecer a carne, na forma tradicional de um substancial bife, em todo o seu esplendor. Quando muito, lá aparecia em palco, a carne de vaca, transvestida num guisado de bofes, ou reduzida a simulacros de carne, numa massa difusa de empadão ou, na histórica versão de massa com elásticos, isto é, com umas tiras sensaboronas de carne a rodear os sempre desagradáveis nervos da vaquinha. Assim, não havia nem nunca houve dinheiro para um maior despesismo. Por pior que a alimentação com carne de vaca faça ao meio ambiente, a alimentação com carne de vaca, em relação à massa estudantil, tem insignificantes consequências. Dali, pouco mal vinha ao mundo, continuando em aberto, pelo contrário, o grave problema que os ambientalistas sérios têm que tentar resolver, mesmo contra os politiqueiros de todo o universo. Mas, no caso concreto, pelos vistos, a necessidade de aparecer na Ribalta da Opinião Pública, era irresistível.
Por outro lado, mais que não seja, há sempre muita maneira de se dizerem as coisas. E um magnífico reitor da mais antiga Universidade Portuguesa, como é a Universidade de Coimbra, tem responsabilidades a dobrar, não podendo utilizar a demagogia e o deplorável comportamento de muitos políticos, que por aí vagueiam para mal dos nossos pecados. Se tivesse feito uma recomendação para se procurar diminuir o uso permanente da carne, nas refeições das cantinas, e nos circuitos internos e, sem alarde, mandar diminuir a carne do cardápio, tal estaria correctíssimo. E até os apreciadores de um bifinho à refeição entendiam perfeitamente a mensagem. Agora, vir proibir radicalmente, sem mais nem para quê, a utilização de carne de vaca nas refeições dadas pelas cantinas, sem a mínima fundamentação científica, caiu muito mal, não tenham dúvida… A Universidade de Coimbra nunca gostou de fundamentalismos, nem de fundamentalistas, pois soube sempre, através da história, manter a sua autonomia, contra tudo e contra todos, habituando-se a pensar pela sua cabeça…!
Não compreendo de modo algum esta proibição radical, que me lembra tristes decisões de organizações políticas de raiz totalitária. Ou estaremos perante uma personagem camuflada, um “bezerro de Palha” de um partido que pretende que o Povo Português seja idêntico à pobre população da Venezuela e se afaste da civilização europeia, nomeadamente da Holanda, acabando com as barragens por causa da evaporação. …! Tenho a legitimidade de concluir deste modo, perante tamanha insensatez. Se não é, parece… Por ventura, inconscientemente, estamos já a cumprir mais uma meta do processo totalitário que alguns iluminados nos pretendem impor?!!! Tenho dito.
António Moniz Palme – 2019
Edição 768 (26/09/2019)
Abstenção nas Eleições Europeias – Primeira Parte
Todos abrimos a boca de espanto com o nível da abstenção, em toda a Europa, no respeitante às Eleições Europeias. E a situação agravou-se em relação à não presença, nas urnas, dos votantes portugueses. Será certamente necessário fazer uma introspecção colectiva e tentar detectar qual a razão de tal desinteresse do eleitorado. E a origem da situação resulta certamente da bizarra situação de os cidadãos de cada país da União Europeia se sentirem uns estrangeiros no tipo de Europa que os responsáveis lhes têm impingido em nome de interesses que, na minha opinião, não são europeus. Pois temos uma Europa burocratizada, plena de regulamentos, mas sem Alma e sem Identidade. Aliás, como vulgar cidadão já esperava um desastre em relação a estas eleições. Os portugueses, como os outros cidadãos europeus, não têm razões para se sentirem integrados na Europa, só nela pensando enquanto foram beneficiados com os subsídios que melhoraram a sua terra ou que pagaram as novas estruturas nacionais. Para cúmulo, tais intervenções foram acompanhadas por obras faraónicas completamente hiperbolizadas e, muitas vezes, escusadas mas que permitiram fazer enriquecer injustamente governantes e gestores da coisa pública. Passada a fase de grandes investimentos, claro está que os votantes de cada país mandaram olimpicamente a Europa às malvas! Para tal ultrapassar será necessário partir de uma realidade por todos sentida, seja qual for a nacionalidade de cada europeu, claramente expressa numa Constituição Europeia, e não ao contrário como se tem tentado fazer.
E volto a repetir o que tantas vezes já tenho escrito. Teremos que descobrir o que nos une, isto é, a Alma Europeia, pois essa realidade espiritual será o elemento aglutinador de todos os Europeus. Na situação actual, a Carta Europeia que nos é exibida é uma carta do nada, que saltou da Europa para a Estratosfera, transformando-se num instrumento universal, sem paladar, sem cor e sem espírito. Os responsáveis europeus entraram, nestes termos, num puro cosmopolitismo que os cidadãos destinatários logicamente não aceitam nem compreendem. Não há qualquer semelhança entre a Europa sentida pelos cidadãos de cada país e o Espaço Comum, simples espaço jurídico, um amontoado de princípios que nada contribuem para que todos os europeus se unam à volta de objectivos comuns.
E com ar de troça afivelado no meu fácies, oiço alguns declarar estupidamente que não é necessário um patriotismo europeu, bastando um patriotismo constitucional decorrente da legislação em vigor. Arre que é demais…!
Para mal dos nossos pecados, os responsáveis europeus, além de medíocres, pertencem a seitas que ficam com os cabelos em pé perante os factores que unem os europeus de todos os países, sem excepção… Fazem tábua rasa de um princípio insufragável que ultrapassa as suas limitações positivistas. O Conceito de Pessoa tem natureza pré-política, é um Conceito Cristão com que se identificam todos os europeus, cristãos ou não, crentes ou não crentes, pois sentem tal como fazendo parte do seu património genético, moral e intelectual. E tal identidade europeia, que nos vem faltando, é essencial, pois é ela que tem que ser respeitada por quem quer ser integrado na União Europeia e que em caso de crise vai ser o motor da união de todos os povos europeus. Enquanto a fisionomia de Bruxelas não for alterada e construída necessariamente uma verdadeira constituição europeia, onde todos se sintam integrados e irmanados por um Espírito Comum, a abstenção verificada continuará a agravar-se.
Assim, cada país terá que ter uma actuação interna que coordene as acções dos seus deputados para objectivos comuns que fomentem a alteração das mentalidades burocráticas que têm estado a dar ordens na União.
Não posso deixar de referir que assisti a diversas sessões da campanha eleitoral para o Parlamento Europeu e algumas com a participação de candidatos de diversos partidos. Porém, a Europa pairou longe das suas intervenções. O conflito partidário nacional, que estava a mais em tal desiderato, sobrevoou permanente os discursos de cada um – “ O meu partido é melhor do que o do parceiro do lado porque fez e deixou de fazer…” e pouco mais!!!. Ninguém demonstrou importar-se com a Construção da Europa e com a sua verdadeira Identidade. Sei bem que os nossos deputados europeus talvez se fartam de trabalhar, mas têm que ter uma estratégia essencial comum que, no interior dos grandes partidos europeus, de carácter ideológico, consigam desburocratizar a União Europeia e criar um verdadeiro sentido de identidade entre todos. Para tal é necessário que, internamente, todos os partidos consertem uma estratégia comum, que esqueçam por momentos a já académica discussão sobre o Federalismo ou Não Federalismo, modo simples de se furtarem às discussões construtivas para a criação de uma urgente estratégia global europeia. Como consequência do errado rumo até agora seguido, a Comissão Parlamentar de Assuntos Europeus tem uma actividade que me atreverei a apelidar de inócua, face à actuação legislativa da Comissão Europeia.
Claro que uma circunstância essencial é necessária em absoluto, factor esse que não tem acontecido :- os órgãos da comunicação social portugueses não podem continuar a desconhecer aflitivamente as atribuições das Instituições da União e os políticos não podem exibir permanentemente uma total e crassa ignorância em matéria de política e organização europeia, não sabendo quais as tarefas confiadas ao Parlamento Europeu, ao Conselho, à Comissão e aos Tribunais de Justiça e de Contas, como tenho verificado à saciedade.
Por outro lado, o comportamento dos Europeus em relação ao Continente Africano e à Rússia, realidade bem diferente da União Soviética, tem que ser alterado. Mas essa é já uma longa conversa que terei, mais tarde, junto dos leitores que tiverem a paciência de me escutar.
António Moniz Palme – 2019
Edição 767 (12/09/2019)
Balança da justiça com dois pesos
A boa justiça foi desde sempre marcada pela cultura mitológica da Época Clássica. Era representada pela Balança de Témis, empunhada por uma figura feminina assim denominada, com uma venda nos olhos, para distribuir decisões imparciais sem que tivesse possibilidade de ver os respectivos destinatários. Assim, aparece sempre com uma balança na mão, para bem sopesar as razões de cada uma das partes e proferir sentenças independentes e justas. Enfim, uma justiça cega que não vê a quem, mas vê como deve ser julgada a situação concreta em conflito, confiando nela os destinatários do poder judicial de então. E tão justa era que, rezam as crónicas, o deus Júpiter, deslumbrado com a competente Témis, pretendeu com Ela prender-se de amores. Contudo, levou com os pés, pois esta recusou tal assédio amoroso para não ser influenciada ou mesmo poder ser submetida ao poder temporal que então era superiormente dominado por Júpiter, a quem obedecia a corte dos deuses do Olimpo!. Mas a coitada da Témis pagou bem caro a recusa da proposta de casamento, pois Júpiter, como rei dos deuses, não estava habituado a que lhe dessem com a porta na cara e não admitia que não satisfizessem as suas vontades e caprichos. Apareceu então repentinamente, aproveitando a oportunidade de Témis ser apanhada de surpresa, ainda por cima, calculo eu, com os olhos tapados pela tradicional venda. Enfim, o pior aconteceu, Témis foi violentada por Júpiter e dele teve dois filhos que se chamaram LEI e PAZ…! Pelos vistos, tanto a venda nos olhos como a balança eram símbolos da extrema imparcialidade de Témis, atendendo aos frutos que gerou. Mas os deuses da mitologia tinham os mesmos defeitos e virtudes dos humanos. E, no caso vertente, saiu vencedora a má personalidade de Júpiter…
Apesar de tal, na sociedade portuguesa de antigamente, com raras excepções da Política a subjugar a Justiça em tempos de totalitarismo absolutista, os representantes do poder judicial eram para todos um exemplo. Porém, nos nossos tempos, tem sido um descalabro em série, provocado pelos corruptos que tiram a venda a quem julga as suas acções e fazem o que muito bem lhes apetece, rindo-se da inocência de Témis, que é o mesmo que dizer da inocência do Zé Povo, que para preservar a sua independência nas decisões dadas não quis ter relações com o supra sumo do Poder Executivo, sendo obrigada à força a submeter-se a Júpiter. Enfim, os violadores judiciais modernos são muito mais sofisticados, colocam a exercer os lugares chaves da magistratura gente da sua confiança, da sua equipe desportiva no mau sentido da palavra, obtendo as necessárias sentenças que protegem os amigalhaços e os “compagnons de route” das seitas e dos gangues económicos onde estão filiados.…!
No enterro de um Juiz Conselheiro, conhecido pela sua competência e seriedade, um grupo grande de magistrados que ali fizeram questão de estar, apanhou-me de surpresa e perguntou-me à queima roupa se ainda pensava do poder judicial nos termos que outrora manifestava, há apenas uma dúzia de anos. Eles próprios, pelos vistos, já punham reservas ao “modus faciendi” dos responsáveis do poder judicial. Pelos vistos nem os magistrados jubilados acreditam já na independência do Poder Judicial em relação ao Poder Executivo. Como continuo a pensar que um País Livre só pode sobreviver com um poder judicial independente, fiquei perturbadíssimo e nessa noite não consegui dormir sossegado. Tive terríveis sonhos, sendo incomodado pelos fantasmas dos tribunais fantoches idênticos aos dominados pelo poder executivo do Marquês de Pombal, que no início dos julgamentos, antes mesmo de ouvirem testemunhas e verificarem as provas, já sabiam qual a sentença que eram obrigados a dar. E, agitado, dava voltas na cama, para tentar entrar na paz dos braços de Morfeu. Mas não, o cenário mudava mas eu continuava a ser perseguido pela má justiça dos esotéricos Tribunais Plenários, do tempo da Segunda República, que negavam de sobremaneira a independência da justiça, pois as doutrinas por si assumidas, eram ministradas e compreendidas, no exclusivo interesse de um círculo restrito e fechado, mas incompreensíveis e não toleradas pela maioria da colectividade.
Na verdade, pelo que consta, a pobre Témis, além de lhe terem roubado a venda, têm-na despido despudoradamente, na praça pública, entrando nos circuitos do poder judicial a vontade de seitas que têm protegido a corrupção dos seus próprios membros.
Para escândalo último, até pesa na balança da justiça a vontade de mandatários transviados de equipes de futebol. Este é o miserável último grito da moda europeia da corrupção judicial.
Mas, em contrapartida, todos estes acontecimentos estão a ter uma vantagem significativa. A não seriedade e a turbulência das actividades exógenas de alguns sectores responsáveis fica claramente à vista da generalidade do pagode. E este começa legitimamente a clamar contra o poder constituído, quer o apelidem de populista quer não. Tanto se lhes dá., como se lhes deu. Se calhar, por eu próprio pretender um poder judicial independente e ser abertamente contra a corrupção, sou igualmente apelidado de um verdadeiro populista. E esta …hein!!!!?
Edição 766 (25/07/2019)
Os Côrte-Real e a célebre Pedra de Dighton – Segunda Parte
Após a resenha dos factos históricos contidos na primeira parte deste trabalho, devo esclarecer, antes de mais, que Cristóvão Colombo, perante a opinião dos maiores investigadores da sua personalidade e vida, é de nacionalidade portuguesa. Quem levantou o problema de forma radical, foi o investigador Mascarenhas Barreto, no seu livro “Cristóvão Colombo, Agente Secreto do Rei D. João II”, que afasta de modo lapidar e definitivamente a tese de que seria genovês. Na verdade nasceu em Cuba (Alentejo), em 1448. O seu verdadeiro nome seria Salvador Fernandes Zarco, filho do Infante D. Fernando, Duque de Beja, Mestre da Ordem de Cristo e Condestável do Reino, e de Isabel da Câmara, uma senhora de origem judia. O Infante D. Fernando, seu pai, era filho do Rei D. Duarte e pai do Rei D. Manuel. Adquiriu experiência de navegação oceânica nas caravelas portuguesas e junto dos homens do mar e cosmógrafos da Casa de Viseu. Pretendia navegar para o Ocidente a fim de por aí alcançar o espaço insular do Extremo Oriente, que correspondia ao Japão. Conheceu, nas suas viagens, parte da Ilha de Cuba e toda a costa norte do Haiti. Mais tarde, fundou a cidade de Isabela, no actual território de Santo Domingo, descobrindo ainda a Ilha de Porto Rico e a Jamaica, mas nunca alcançando Terra Firme isto é o Novo Continente que constitui a América do Norte.
Bem, nesta altura entram em cena outros heróis bem portugueses. Foram Eles os componentes da Família Côrte-Real, cujo chefe, João Vaz Côrte-Real, era capitão donatário de Angra do Heroísmo, nos Açores, por mercê do Infante D. Henrique e do seu sobrinho D. Fernando, o pai de Cristóvão Colombo. Em Angra ainda existem as ruínas do solar dos Côrte-Real Este donatário teve, entre outros, três filhos que se distinguiram no panorama marítimo português, Gaspar, Miguel e Vasco Eanes, ligados à navegação para as regiões setentrionais do Atlântico. Apesar do Rei D. Manuel estar fixado na exploração da Rota do Cabo, ficou perturbado quando, de Bristol, lhe chegaram relatos da viagem do italiano Giovanni Caboto à Terra Nova, que os Nórdicos já conheciam desde há muito, viagem da qual participou o português João Fernandes Lavrador. Devo acrescentar que os Vikings, chefiados por Eurico o Vermelho, exploraram a Gronelândia e o seu filho Leif Ericson, segundo a lenda, terá chegado ao litoral norte americano, baptizando aquela terra de “Vinlândia”, atendendo às vinhas encontradas.
Mas voltemos à viagem de Giovanni Caboto. Segundo consta, um mercador inglês fez chegar a Cristóvão Colombo, a notícia de que nessa viagem, tinham chegado a terras asiáticas..!? D. Manuel, apesar da partida iminente de Vasco da Gama para a Índia, resolveu autorizar os Côrte-Real a explorar oficialmente o Atlântico Norte. Assim, Gaspar Côrte-Real, em 1498 e 1500, costeou a Terra Nova, e avistou a Gronelândia. Dado o entusiasmo de D. Manuel com estas notícias, iniciou nova viagem em 1501, chefiando três navios. Contudo regressaram apenas duas caravelas carregadas de cerca de meia centena de indígenas, mas uma terceira Caravela, onde viajava Gaspar Côrte-Real jámais apareceu. O Planisfério de Cantino, elaborado por um cartógrafo português, como já referi na primeira parte deste artigo, referia que Gaspar Corte-Real tinha descoberto a Gronelândia, sendo esta a “ponta dassia”.!!! Na verdade, chegou a ser convicção errada dos cartógrafos portugueses, durante um curto espaço de tempo, que a extremidade da Ásia estava por ali…! Assim mesmo.
Perante o não aparecimento de Gaspar Côrte-Real, seu irmão Miguel, investido do honroso cargo de porteiro de D. Manuel, obteve deste permissão para retomar a exploração daquelas paragens. Partiu, em 1502, com uma frota de três caravelas, em direcção à Terra Nova. Dois desses navios regressaram a Lisboa, porém o navio chefe, onde seguia Miguel Côrte-Real, não voltou, perdendo-se definitivamente o seu rasto e aumentando de forma significativa o mistério daquelas paragens. O seu irmão Vasco Eanes e várias personalidades da Corte pretenderam que D. Manuel autorizasse a organização de uma nova frota de resgate, mas D. Manuel não consentiu tal. Com a descoberta da Rota do Cabo e do Caminho Marítimo para a Índia, o interesso da chegada ao Oriente pelo Ocidente desvaneceu-se…! Contudo, os portugueses continuaram a frequentar os mares do Atlântico Norte, como todos sabemos, habituando-se a ir para lá, pelo menos, para pescar bacalhau, o fiel amigo, factor importantíssimo da alimentação portuguesa.
E agora a cena final na tragédia da busca das terras do Novo Mundo.
Foi descoberto um enorme bloco de rocha, de arenito feldespático, com cerca de quarenta toneladas de peso, cuja face superior está coberta de inscrições. Encontrava-se dentro de água, no estuário do Rio Taunton, em Berkley, Estado de Massachussetts. Neste momento, está o achado em terreno seco e com a sua superfície protegida. Tive a felicidade de o ver pessoalmente. Foi muito discutida a origem das inscrições, correndo ter sido feitas por populações aborígenes ou por navegadores vikings, teoria de um nórdico, de 1837, que sabia pouco da história das descobertas feitas pelos navegantes portugueses no Atlântico. Em 1918, com o investigador finlandês Edmund Delabarre nova teoria apareceu, teoria essa retomada pelo investigado Manuel Luciano da Silva que viram nessas inscrições o nome de Miguel Côrte-Real, pela vontade de Deus, Chefe dos Índicos, 1511, palavras essas completadas com a Cruz de Cristo, adornada com Escudetes Portuguesas. Pelo que eu vi e pelo pouco que sei, a América foi descoberta por Miguel Côrte-Real, pela Graça de Deus, em 1511. Nestes termos, deveria o Novo Mundo ser apelidado de modo diferente e não ter o nome de Américo Vespúcio, tripulante e armazenista por grosso, com estabelecimento em Castela, fornecedor especializado de mantimento para as caravelas.
Edição 765 (11/07/2019)
A América e o seu erróneo baptismo Primeira Parte
O Novo Continente, existente do outro lado do Atlântico Norte, sofreu tratos de polé, no longo processo do seu baptismo, acabando por tomar um nome completamente estapafúrdio, América, atendendo à realidade dos factos históricos. Os responsáveis pelos atropelos à verdade concreta dos acontecimentos, eram sempre intelectuais de Veneza e de Génova, pois além de sofrerem de uma espécie de síndrome de Marco Paulo, pensando ter o monopólio da navegação europeia, ficaram, mais tarde, bem ressabiados pela concorrência feita aos seus negócios pelas caravelas portuguesas que trilhavam o caminho marítimo para a Índia. Bem ajudaram os muçulmanos com homens, armas e técnica, a combater a lusa gente no extremo Oriente, mas foram por nós derrotados em toda a linha. Como vindicta, procuravam branquear a história em todas as oportunidades, levando permanentemente para o conhecimento público factos deturpados que denegriam os feitos portugueses. Lembram-se os leitores do roubo de um mapa elaborado por um português, crime esse cometido por um fulano chamado Cantino? Esse mapa acabou por tomar o nome do larápio que o furtou. Mais tarde, chegaram a declarar, os mesmos criadores de falsos factos históricos, que um genovês, António da Noli, que seguia como marinheiro numa das caravelas portuguesas, chefiadas por DIOGO GOMES, que tocou pela primeira uma das Ilha de Cabo Verde, talvez em 1 de Maio de 1460, teve o desplante de ir declarar para a sua terra de ter sido ele o descobridor da referida ilha. Mas não foi esta a única tentativa de furto cometido por gente daquelas paragens. Cadamosto, que igualmente viajava com Diogo Gomes, apressou-se a anunciar, muito mais tarde, ter descoberto todas as dez ilhas do Arquipélago e quando lhe disseram como tal era possível se apenas tinha tocado numa delas, logo esclareceu que teria subido a uma elevação e, do topo da mesma tinha vislumbrado ao longe todas as ilhas de Cabo Verde de que os portugueses se auto-titularam descobridores, em posteriores viagens…! Agora podemos avaliar bem o calibre das mentiras transalpinas, pois actualmente todos nós vamos conhecendo Cabo Verde e sabemos que é completamente impossível ver as dez ilhas do sítio mais elevado de qualquer uma…! A falsidade histórica tem limites, pelo menos perante as verdades geográficas!!!. Na realidade, foi Diogo Gomes, navegador da Casa do Infante, que descobriu pela primeira vez Cabo Verde, numa viagem ao Golfo da Guiné e, quando tomou conhecimento das mentiras propaladas, logo protestou veementemente, denunciando a tentativa de roubo feito à sua pessoa pelo marinheiro genovês António da Noli e por Cadamosto, seu compatriota, que sem o mínimo pingo de vergonha, se apropriaram ilegitimamente da descoberta de Cabo Verde. Aliás, à primeira Ilha tocada, foi dado o nome bem português de Santiago. Completamente esclarecedor!!!
Na verdade, as outras Ilhas foram descobertas em viagens posteriores. Devo acrescentar que Diogo Gomes navegou pelo Golfo da Guiné desde 1444 a 1460. Igualmente, foi responsável pela redacção de um texto escrito em latim com importantes informações, sobre a história dos descobrimentos henriquinos, aditados com as memórias dos feitos realizados na Guiné, onde se inclui Cabo Verde. Segundo o historiador José Manuel Garcia., este texto é conhecido como o Manuscrito ou Códice Valentim Fernandes. Não faz mal relembrar, que Cabo Verde é constituído por dez Ilhas e está colocado na Região do Trópico de Câncer, tendo sido um importante entreposto comercial e ua escola náutica de apoio à navegação atlântica.
Perante este cenário de baixa política de usurpação dos nossos descobrimentos, já nada nos admira. Vamos então ver a cereja no topo do bolo das aldrabices oriundas dos historiadores pouco sérios da península itálica. Refiro-me ao nome América dado ao novo continente descoberto no outro lado do Atlântico. Na realidade, este nome foi dado ao Novo Mundo em consequência de um erro do cartógrafo alemão Martin Waldseemuller, que publicou em 1507 uma “Introdução à Cosmografia”, acompanhada de algumas páginas contendo mapas, num dos quais, relativo à actual América do Sul, colocou em latim a designação de terras de Américo Vespucci por supor que esse florentino tinha sido o primeiro a nela desembarcar. Vespúcio era um simples tripulante, seu conhecido, e que navegou com caravelas portuguesas e com Colombo e deve ter dito, vangloriando-se ao amigo, que tinha sigo o primeiro a por o pé em terra, numa das praias descobertas por Cristóvão Colombo ou pelos navegadores portugueses que, na altura, para cúmulo, não tocaram qualquer território da actual América do Norte. Este clamoroso erro foi sendo adoptado por outros cartógrafos e acolhido pelos falsos historiadores italianos. E a denominação generalizou-se. Cristóvão Colombo morreu em 20 de Maio de 1505, antes da publicação desta inverdade, razão porque não pôde pedir contas a estes falsários da história e autores do baptismo errado do Novo Mundo. Contudo o romance da Descoberta do Novo Mundo não acaba por aqui…!.
António Moniz palme – 2019
Edição 764 (27/06/2019)
As pensões de reforma dos nossos descendentes correm o real perigo de não poderem ser pagas
Novamente, apareceu à boca de cena o papão da não sustentabilidade económica da Segurança Social e, consequentemente, da não garantia, num futuro breve, do pagamento das pensões e reformas dos que durante toda a sua vida trabalharam e, religiosamente, fizeram os seus descontos. Desde o último alerta dado, nada de concreto foi feito para alterar o panorama de medo em relação ao futuro das pensões da população portuguesa, já submetidas a cortes não repostos. E na última etapa da sua vida, os reformados têm o legítimo direito de não ser obrigados a andar a pedir esmola de porta em porta, como acontecia antigamente com os pobres trabalhadores rurais
A responsabilidade desta calamitosa situação é dos políticos pós 25 de Abril, que alteraram a situação estável e saudável que encontraram, não ouvindo os mais sensatos e contrariado a opinião de alguns, como era o caso de Sá Carneiro, que morreu sem ter tido tempo de estancar a delapidação dos fundos que sustentavam o pagamento das pensões. Como já uma vez referi, em cada sector de actividade, caixas privativas recolhiam os descontos dos seus associados, tendo abundantes fundos de reserva, realizando até investimentos produtivos para prevenir situações de crise futuras. As pensões e as reformas eram a grande prioridade nos objectivos da sua gestão, feita através de gente escolhida a dedo pela sua integridade e competência e não acusada de corrupção como agora acontece com os que vão ocupando determinados cargos públicos. Em todas as revoluções, existe a tentação de destruir tudo o que lembra a anterior situação. Acontece que o anterior regime, a par de coisas más, razão porque caiu, tinha coisas excelentes e bem organizadas. Ora, para poderem dispor do que não lhes pertencia, na sua incompetência e insensatez, começaram a gastar criminosamente dinheiro a rodos, sem contra peso e medida, delapidando o que havia de mais seguro no erário público e destruindo a real segurança que existia quanto ao pagamento aos futuros reformados!
Na altura, nessa matéria, os trabalhadores dormiam sossegados, pensando que os sacrifícios feitos enquanto jovens iriam ser compensados com o recebimento das reformas e pensões, quando não pudessem mais trabalhar. Aliás, Caixas Privadas existiam que, descontando-se mais um tanto, garantiam ao trabalhador, quando se aposentasse, o recebimento de uma pensão equivalente a todo o vencimento recebido no último dia de actividade ou, pelo menos, à quase totalidade do mesmo. Na altura, ainda muito jovem e no princípio da minha actividade política, bem critiquei o que estavam a fazer às Caixas Privadas, nacionalizando-as e fundindo-as num bolo comum. Mas os revolucionariamente bem pensantes ditaram que assim deveria ser e, na verdade, assim foi, não sem que os que protestavam com essas desgraçadas e calamitosas decisões, tivessem incómodos de vária ordem e fossem insultados de reaccionários. E repito o que na altura me era atirado à cara:- No tempo de Salazar, o Estado Novo recorria a empréstimos dessas caixas particulares, utilizando os seus fundos, quando era necessário dinheiro para fazer frente a despesas públicas. Mas esqueciam-se de acrescentar que tais dívidas contraídas pelo Estado, eram escrupulosamente pagas até ao último tostão, com juros e tudo…! Mais tarde, debati a situação no partido onde então militava e com elementos de outros partidos, procurou-se criar uma corrente de opinião que obrigasse os responsáveis a respeitar os fundos que garantiam o pagamentos das reformas e das pensões. Entretanto, Francisco Sá Carneiro foi assassinado, segundo corre, e todas as acções que na altura estavam a ser iniciadas para suster o descalabro económico que se antevia, foi por água abaixo. Não é demais repetir, que os dinheiros que entravam nos fundos de garantia das reformas eram resultantes das contribuições das empresas privadas (cerca de 27,75%) e dos trabalhadores (cerca de 11%).
Ora o Estado em nada tinha contribuído para o amealhar desses fundos.
Assim, a actuação e o comportamento dos responsáveis, do meu ponto de vista, foi um autêntico roubo feito aos trabalhadores, não havendo qualquer justificação política para tal, a não ser querer deitar a luva a bens que não pertenciam ao Estado. Mas o problema foi morrendo por aí. A falta de liberdade de expressão tinha renascido com pezinhos de lã e as ameaças revolucionárias segredavam aos ouvidos dos ingénuos como eu, que tinham acreditado na boa fé dos responsáveis.
Reafirmo, o que já tive ocasião de declarar por escrito e em reuniões públicas :- foi nacionalizado descaradamente o que era dos próprios trabalhadores, prejudicando-se os seus interesses. Comportamento estalinista, deplorável. Essa é a verdade nua e crua. As sereias costumeiras tentaram atenuar o problema invocando a atribuição de pensões a não contribuintes, como era o caso dos agricultores, dos pescadores e dos empregados domésticos. Mas para tal não era necessário colocar em perigo toda a cobertura social, pois bastava criar um novo fundo para esse fim, quando muito com empréstimos ou ajudas temporárias dos fundos privados.
Nunca se obteve uma resposta suficientemente razoável e o problema foi caindo no esquecimento.
Concluindo, como já referi, os sucessivos governos não criaram rubricas específicas, nos respectivos Orçamentos do Estado, para fazer face a este aumentar de despesas e optaram por utilizar abusivamente os fundos que pertenciam a quem toda a vida trabalhou, comprometendo o seu futuro.
Quando foi criado, de forma completamente indiscriminada e demagógica, diga-se de passagem, o Rendimento Mínimo Garantido, o chamado RSI, fiquei esclarecido sobre o que esperava, no futuro, aos reformados e aos pensionistas. Os que trabalhavam que aguentassem!!! Só por torpe e demagógica estratégia de baixa política se podia sustentar tal situação. Os responsáveis fizeram uma deliberada opção, por questões meramente eleitorais, entre os que toda a vida trabalharam, mas agora doentes ou velhos, e os que nada faziam e nada queriam fazer…! Foi privilegiada uma faixa inútil do país, numa perspectiva de angariação de votos, comportamento que vai matando paulatinamente a própria colectividade pois, quem trabalha, vê-se atraiçoado nas suas expectativas de segurança e de sustentabilidade. Os que estão no activo, e com o mínimo de competência em qualquer actividade, esses com sacrifício e mortos de saudades abalam para outras paragens, onde o futuro e o bem-estar da família lhes sejam assegurados. Por outro lado, a generalidade da colectividade assiste ao aumento gradual da corrupção, sendo o país e os bens públicos tratados como se de um quintal privado fossem, para satisfação de meia dúzia de famílias e apaniguados que dominam o poder.
E os trabalhadores que foram apanhados nesta esparrela pois, na sua boa fé, pensavam que os seus descontos seriam sagrados, terão, como em plena Idade Média, que continuar a trabalhar até à “cova”. E quando não puderem mais, passarão a pedir esmola, de porta em porta. Aliás, era o que acontecia, há muito pouco tempo, nos países dominados pelo império moscovita. Quando deixavam de poder trabalhar, por incapacidade, pediam esmola para comer ou então, a cair da tripeça, rachavam lenha ou limpavam neve a troco de uma sopa. É o que nos espera, como já disse alto e em bom som na praça pública.
Edição 763 (13/06/2019)
Pedro Homem de Melo, um poeta que o Povo ama e cuja poesia será eternamente cantada e sentida
Tive o privilégio de, no Porto, privar com diversos poetas e escritores, tendo estabelecido amizades profundas com alguns deles. Eugénio de Andrade, António Rebordão Navarro, Vasco Graça Moura e Pedro Homem de Mello. Há dias, fui jantar com um grande grupo de amigos e relembrámos uma sessão de apresentação de um livro de Pedro Homem de Mello, em plena época Gonçalvista, num restaurante ao fundo da Rua dos Caldeireiros, quase na esquina com a Rua Mouzinho da Silveira. E tal recordação ainda nos emociona pelo seu dramatismo. Como referi, estávamos debaixo da governação Gonçalvista, com a ameaça de uma rápida evolução para uma ditadura marxista-leninista, que já pairava descaradamente por todos os cantos da cidade. Os saneamentos e as prisões sem culpa formada eram mais que muitos e as violências perpetradas contra gente completamente indefesa, constituíam o triste dia a dia. O Poeta Pedro Homem de Mello, que ganhava honestamente a sua vida como professor do ensino secundário, fazendo ainda um programa de folclore na R.T.P., foi saneado de um dia para o outro, sem qualquer motivo. Desde já esclareço, por causa das dúvidas, que Pedro Homem de Mello, como professor, era admirado pelos alunos, que muito dele gostavam, bem como das suas lições dadas com uma voz gutural de pompa e circunstância e que fazia o auditório docente estar permanentemente atento às matérias ministradas. Todos tinham nele um amigo e um companheiro. Quanto aos programas de folclore, realizados no Monte da Virgem, por mais que alguns reles e pouco conhecedores intelectuais da esquerda folclórica, o criticassem injustamente por dá cá aquela palha, os níveis de audiência eram significativamente elevados e um dos preferidos pelos telespectadores. Então qual a razão da ignóbil perseguição que lhe fizeram? Na verdade, esses críticos tinham-lhe um pó de morte e, por outro lado, o popular e conhecido poeta, embora não se penteasse lá muito bem com o regime anterior ao 25 de Abril,, tinha um terrível pecado: – Era um humanista monárquico, e ao contrário do que acontecia com alguns programas feitos por determinado tipo de gentalha, tinha grande audiência, certa e fiel, para o ouvir interessadamente comentar as gótas e os viras e assistir aos passes dos ranchos que criteriosamente escolhia. Claro que a televisão, completamente dominada pelo partido das amplas liberdades, acabou com o programa, substituindo-o rapidamente pelas porcarias massificantes com que, debalde, pretendeu intoxicar a comunidade votante. E o pobre Pedro Homem de Melo, ainda por cima meio cego, com a mulher doente, ficou sem um tostão para o seu sustento. Então, passou a deambular perdidamente, com uma mala de cartão bem pouco estética, por cafés e estações do caminho-de-ferro e até pelas paragens de autocarro, a pedir que lhe comprassem um dos seus livros de versos. O principal livro oferecido ao público, era uma edição de capa bem vermelha cor de sangue, para tentar rimar com o ar inquinado que respirávamos, obtendo deste modo uns magros cobres para a refeição e para os gastos essenciais da casa. O contra senso do seu comportamento com o ambiente que então se vivia, é que o livro vendido se intitulava pomposamente D. Pedro. Assim mesmo. A cara não dizia, na realidade, com a careta…! Dava vontade de rir, se não fosse o drama da situação. Mas o Poeta Pedro Homem de Mello era como era…! Não ligava nenhuma às convenções sociais e ao que os outros dele poderiam pensar!!!
.As aflições, a fome e as múltiplas carências eram de tal ordem, que alguns alunos condoídos com a sorte injusta de uma pessoa honesta, ainda por cima um poeta que todos admiravam, organizaram uns pares de bailadores para, debaixo da orientação do Pedro, dançarem músicas folclóricas para os turistas que enchiam as casas de fados e restaurantes do Porto e Arredores. Muitas vezes, fui aos locais onde actuavam. Quando algum bailarino faltava, era o mesmo substituído pelo próprio Pedro, que elegantemente no seu fato de trespasse, já visivelmente coçado, volteava com ligeireza pela sala a dançar o vira, perante as palmas e os bravos dos espectadores. Os empregados iam-me confidenciando que iriam arranjar uma sanduíche para o D. Pedro, pois era assim que o tratavam. Desconfiavam, pelo que se dizia à boca cheia, que o poeta naturalmente ainda nada tinha comido até àquela hora da noite. Tal era muito significativo e constituía um julgamento popular implacável aos biltres e filhos da mãe que andaram a fazer saneamentos a torto e a direito, por motivações meramente políticas. Enfim, toda a gente sem excepção o acarinhava e o tentava ajudar na desgraça. Perante a conjuntura, Pedro Homem de Melo, após uma reunião de divulgação do último livro, organizada no Ateneu Comercial do Porto, onde actuaram imensos artistas seus amigos, resolveu fazer um lançamento do livro de versos “D. Pedro”, no tal restaurante da cidade, já por mim referido, lugar público aberto a todos os que lá pretendessem ir. Alguns amigos mandaram convites a conhecidos e desconhecidos, mas havia um grande senão. Em pleno gonçalvismo, as pessoas tinham o pavor de sair de casa à noite e, muito principalmente, de dar nas vistas e de serem conotados como reaccionários pela cáfila de patifes que mandava na cidade. Muitos, timoratos militantistas, aconselhavam-no a desistir daquela apresentação pública, pois arriscava-se a que a reunião fosse invadida por uma qualquer manifestação política contra a sua pessoa. Pedro Homem de Melo, encolhia os ombros e dizia que pessoa mais miserável economicamente do que ele, era difícil arranjar e que um homem do povo, como deve ser um verdadeiro fidalgo da província, não tem medo da sua própria gente. E não desistiu. Claro que tais conselheiros não puseram lá os pés. Do programa constava uma breve sessão de fados com letras da sua autoria e a actuação coral do Rancho de Paços de Brandão, capitaneado pela célebre e bonita Joaninha. Muitas bebidas e aperitivos foram oferecidos por amigos mas, obviamente, muito mais coisas teria a sua bolsa completamente vazia que suportar. Contudo, para tentar chamar ao lançamento os amigos que considerava imprescindíveis naquela tertúlia, enviou a cada um cartão escrito à mão, a marcar encontro no evento literário organizado. Fui um dos escolhidos como destinatário desse convite. O Pedro Homem de Mello era grande amigo do meu Pai, tinha-se formado na Universidade de Coimbra, convivendo lá com a minha família, ficando conhecidos uns versos que deixou na capoeira lá de casa para comemorar um rapto frustrado, por si feito, de alguns galináceos. Além do mais, era meu amigo e, inclusivamente, eu já tinha tocado, juntamente com um grupo de antigos estudantes de Coimbra, onde se incluía o Zé Maria Lacerda e Megre, num apontamento televisivo, gravado no Monte da Virgem, em homenagem a seu pai, o poeta Toy Homem de Mello. Como poderia eu dizer que não àquele convite cuja aceitação, no fundo, era o compromisso de arcar com os custos da realização? Na altura, tinha muito pouco dinheiro, e não poderia dispor de uma quantia elevada que não coubesse no meu apertado orçamento mensal. Mas a minha Mãe, sabendo de antemão, das minhas legítimas hesitações, deu-me prontamente ordem de marcha, garantindo a cobertura das minhas inopinadas e eventuais “despesas literárias”!!! Além dos artistas e dos elementos do Rancho, apenas encontrei quatro ou cinco pessoas conhecidas. De resto, era tudo gente anónima, residentes em Mouzinho da Silveira e no Bairro da Sé, que enchia a casa até às costuras, de copo na mão e que fez sumir os croquetes e as sanduíches num ápice. Mas o público nunca mais acabava de entrar e algum era constituído por gente da Ribeira, com os seus gestos largos e exuberantes. As mulheres com criancinhas ao colo, sentavam-se no chão e quando alguma delas começava a chorar, a respectiva progenitora dizia-lhe em altos berros, cala-te que o D. Pedro está a falar. Não havia dúvida, aquela gente gostava e respeitava o Pedro Homem de Mello. Se alguém se atrevesse a perturbar a cerimónia certamente teria que se haver com a gente do Porto Profundo que sempre puniu quem lesou os seus direitos e liberdades. No fim, muitos compraram o livro e o mulherio simples das vizinhanças, apesar da sua tradicional agressividade, beijava a mão do poeta com ar respeitador. Sentiam-no da mesma condição e, apesar das suas falas estranhas e do seu comportamento diferente, o homem simples da rua via-o como um dos seus, identificando-se com ele tanto nas virtudes como nos defeitos. Começou então a fazer os agradecimentos e os seus exagerados e gongóricos elogios a um e a outro dos presentes que compareceram ao seu convite. O poeta estava meio cego, pouco enxergando do panorama que o rodeava, principalmente com a luz a meio pau, e já não se lembrava do local onde estavam os amigos. Foi o que valeu. Ninguém ficou a saber quem era um grande fadista e auspicioso político de futuro, de quem a comunidade muito esperava, segundo a sua amiga perspectiva. Mas o público gostava daquelas tiradas hiperbolizadas e um tanto ridículas, batendo palmas aos que pensavam ser os destinatários dos elogios feitos. Às tantas da noite, o arraial acabou por se desfazer e ficaram na verdade os poucos amigos fiéis que gostosamente pagaram a conta. Nada comi e nada bebi, mas suportei com o aval da Minha Querida Mãe a parte das despesas, que me coube em sorte, juntamente com os poucos que aceitaram o convite. Com que saudades relembro esses tempos conturbados e a figura majestosa de Pedro Homem de Mello, de quem fui advogado no fim da sua atribulada vida. Quando agora oiço críticas ao poeta e à sua poesia, salta-me à memória a forma devotada como a gente simples o tratava e o acarinhava, em pleno gonçalvismo. A sua poesia, como é verdadeiramente sentida e cantada pelo povo anónimo, é eterna, ao contrário das rimas intelectuais de muitos poetas de pacotilha da nossa praça.
Edição 762 (23/05/2019)
Deputados incompetentes, transvestidos de comentadores desportivos medíocres
Os deputados eleitos nas listas partidárias para a Assembleia da República têm por função ajudar a elaborar as leis que resolvam os problemas que afligem o País. Pois bem, o Parlamento tem sido criticado pela escassa produção de soluções eficientes para a melhoria de vida dos portugueses, quer do interior, quer do litoral. E grande parte da população considera que com a actual lei eleitoral não vamos lá, pois, não existe imediação entre os votantes e os deputados escolhidos, havendo uma multidão de deputados que todos pagamos e que nada produzem de útil, sendo necessário, por consequência, reduzir urgentemente o seu número. E para os críticos não terem qualquer dúvida, um grande número de nossos representantes no Parlamento, em vez de estudarem os projectos leis, de auscultarem as aspirações da população dos seus círculos eleitorais, gastam-se antes a discutir futebol em programas televisivos, ainda por cima exibindo um criticável sectarismo e uma ignorância inaudita sobre a matéria. Como se não lhes bastasse a incapacidade para o exercício da política, para onde foram eleitos, os medíocres parlamentares da nossa praça, para conseguirem entrar num debate de ideias, agarram-se para entreter a comezinhas rivalidades futebolísticas, que até mete nojo!!!. Eu sei que somos culturalmente um País do Terceiro Mundo, mas não abusemos, pois com este género de deputados, estamos a dar cabo da Democracia, como bem primordial e valor fundamental do Progresso e da Liberdade. Os responsáveis nacionais dos partidos não deviam permitir tal, que achincalha a visão que a população tem dos seus deputados e da própria Assembleia da República. Facilmente o público conclui :- Como não sabem nada de nada, nada fazem no Parlamento, a não ser o ofício de corpo presente. Foram eleitos por arrastamento do respectivo partido e não pelas suas qualidades pessoais. Para ultrapassarem tal situação, resolvem exibir ridiculamente a sua arte política nos comentários sobre uma falta marcada e sobre a qualidade das arbitragens. Enfim, se soubessem a figura triste que fazem e o que deles pensam os eleitores, naturalmente começariam a preparar-se convenientemente para exercer as funções para que foram eleitos. Independentemente da urgente alteração da Lei Eleitoral, que acabe com a multidão de gente inútil que vive à nossa custa, será necessário o comedimento na ida dos senhores deputados aos programas desportivos. Para cúmulo, estão a ganhar por dois carrinhos:- Pelo Parlamento e pelo programa de televisão onde participam. Ainda por cima, a sua incompetência ressalta a olho nú. Naturalmente, pensam que a sua personalidade de deputados lhes dá as garantias de serem ouvidos na matéria desportiva sem qualquer crítica, esperando que por algum método desconhecido de “transfer” adquiram o dom da omnisciência. Com este tipo de comportamento, só me lembro da saborosa história ocorrida em Waterloo, onde Napoleão foi derrotado de vez, pelo Duque de Wellington, com a ajuda dos prussianos comandado pelo Marechal Gebhard Leberecht , considerado um chefe militar de quintas categorias. Para seu azar, caiu abaixo do cavalo e deve ter batido com a cabeça no chão, pensando, perturbado pela queda dada, que teria ficado grávido, confidenciando ir dar à luz um elefante, gerado em suas entranhas por um soldado francês!!!. A mesma coisa naturalmente acontece com os medíocres da política que enxameiam o Parlamento, pensando que pelo facto de terem sido eleitos deputados, embora um zero na actividade política, por artes impensáveis, passam a ser competentes comentadores desportivos, debitando opiniões, para mal dos nossos pecados, sobre a intrincada problemática dos pontapés na bola. Só espero que com a subida incompetência e facciosismo demonstrados não fiquem mentalmente grávidos, como o prussiano da história…!
Edição 761 (09/05/2019)
João Camossa Saldanha e a Lenda criada pela sua estranha forma de Vida (parte 2)
João Camossa morreu aos oitenta e um anos, em 19 de Outubro de 2007. Até agora nada apareceu à luz do dia sobre a sua figura paradigmática de intelectual e político português, tirando algumas breves e circunstanciais notícias de jornais e revista, evocando alguma situação mais fora de vulgar do monárquico independente e anarquista, que animou indelevelmente a vida política e a noite de Lisboa, durante décadas.
Devo dizer que fui monárquico independente, desde os Estudos Doutrinários Monárquicos, realizados em Coimbra, quando em 1960 frequentava a Faculdade de Direito. Na altura, fiquei encantado pela doutrina exposta por Barrilaro Ruas, por Fernando Amado, pela Sofia de Mello Breyner e pela energia e entusiasmo das palavras de Francisco Sousa Tavares, o célebre Tareco, de quem me tornei discípulo. Formou-se um grupo grande de estudantes, que se demarcou claramente da linha seguida pela Causa Monárquica, bastante enfeudada ao regime da Segunda República do Estado Novo. Eram eles, entre outros, José Luís Nunes, Honório Pinto da Costa, José Guilherme Almeida Coutinho, José Maria Lacerda e Megre e, durante algum tempo, Avelãs Nunes. Ora, João Camossa aderiu aos Monárquicos independentes, aproximando-se de Ribeiro Telles, Francisco Sousa Tavares, Fernando Amado e Rodrigo Costa Félix, que se intitulavam os Monárquicos Independentes de Lisboa, razão pela qual, mais tarde, foi um dos fundadores do PPM. Durante a República do Estado Novo elaborou imensos trabalhos de investigação histórica, escrevendo artigos de enorme coragem e que lhe valiam estar sempre de baixo de olho da policia política.
Independentemente do seu trabalho intelectual, a sua vida entrou na lenda da cidade alfacinha. A Família de João Camossa tinha propriedades em Aveiro e todos sabiam que, uma vez por ano, João Camossa calcorreava, a pé, a estrada de Lisboa a Aveiro e Volta, para ir receber as rendas a que tinha direito. Na verdade, não entrava em transportes públicos. Era uma forma de derrotar o estado organizado, seguindo os princípios propalados por Pedro Kroporkine. Segundo corria, nas primeiras Eleições para a Assembleia da República, João Camossa fez questão de levar pessoalmente as listas de candidatos do PPM, ao círculo de Aveiro, terra da sua Família. Simplesmente, quando lhe confiaram esse trabalho, que tinha prazos improrrogáveis, não passou pela cabeça de ninguém que se metesse a caminho, a pé, da Baixa Lisboeta até ao Tribunal de Aveiro, onde seria recebida a documentação partidária que acompanhava a lista de candidatos a deputados. Chegou um dia depois do prazo fixado, mas chegou. Todavia, como se pode facilmente calcular, o controlo estava irremediavelmente encerrado…! Nesta ordem de ideias, percebi qual razão porque nenhuma pretendida aguentava o João por muito tempo. Quando convidava alguma sua amiga, para almoçar ou jantar ou para tomar um simples chá, galantemente ia buscar a menina a casa e vinha com Ela a pé até ao local do destino. Após uma maratona pelas ruas e calçadas da Capital, como é natural, nenhuma das requestadas, completamente estoirada, tinha ânimo para aguentar uma conversa romântica!. Apesar da sua inteligência, cultura e charme, João Camossa nunca arranjou uma companheira para partilhar a sua vida de anarquista confesso.
Vivia num bom andar, deixado pela família, juntamente com uma cadela de estimação. Tinha sempre as janelas abertas, de par em par. Quando saia de casa, a sua fiel amiga canina ficava a aguardar o dono, ladrando para provar que o local estava ocupado. Os vizinhos, pensando que a cadelinha estava com fome, atiravam restos de comida, pela janela aberta!!!.. . Ora, a primeira vez que João Camossa adoeceu, pagou pesado tributo pelo seu celibato, pois ninguém tinha para lhe valer. Foi internado, para sua tristeza . Um responsável do PPM de Lisboa, teve a trágica ideia de incumbir um grupo da juventude de proceder a uma profunda limpeza de todo o apartamento, aproveitando a ausência forçada do morador. Saíram de lá toneladas e toneladas de lixo, composto por resto de comida em decomposição, resmas de folhas imundas de jornais que naturalmente serviram de embrulho de diferentes matérias. Latas, e latinhas, caixas e incontáveis caixotões de cartão meio rasgados. Enfim, todos os compartimentos sofreram uma radical limpeza. Cozinha e quarto de banho tiveram uma barrela de alto a baixo. Até a cadela apanhou um banho de corpo inteiro. A Juventude fez questão que todos fossem verificar, “in loco”, a limpeza levada a cabo nos aposentos do seu ídolo João Camossa. Enfim, o morador lá regressou após um período de convalescença e estranhamente teve uma recaída, passado poucos dias, que assustou todos os seus amigos e conhecidos, que o foram visitar novamente ao hospital. Um pouco aborrecido com a limpeza levada a cabo, o nosso João Camossa assim justificou as pioras da sua situação clínica,: “ Com as limpezas feitas, quebraram-me o equilíbrio ecológico. Resultado, não resisti.”. Esta rotura ecológica do meio ambiente, da morada do João, correu não só Lisboa, mas o País de lés a lés, entrando de vento em popa no lendário da sua vida. Devo esclarecer que alguns dos meus amigos, que o conheciam há bastante mais tempo, me disseram que João Camossa andava sempre elegantíssimo, muito bem vestido e de colarinho alto engomado!. Augusto Ferreira do Amaral acrescentou que quando Salazar proibiu o uso do jaquetão e das calças de fantasia, a não ser para as cerimónias oficiais da tomada de posse de ministros, João Camossa, com o seu feitio rebarbativo, logo passou a usar permanentemente essa indumentária…! Porém, os seus gostos mudaram por qualquer razão desconhecida…! Vá-se lá saber
Quando se realizou um Congresso do PPM em Leiria, com pompa e circunstância, estando preparada uma intervenção violenta contra a invasão de Timor, por parte da Indonésia. Devido a essa melindrosa situação internacional, os elementos do PPM compareceram às centenas no Congresso. Quando chegou o João Camossa, vestido com um casaco cheio de nódoas e com um bolso descosido, o Conde Paço Vieira foi a uma grande superfície e comprou um blazer, umas calças, uma camisa, uma gravata, um par de sapatos e um par de meias para o João Camossa se apresentar de ponta em branco no Congresso. E obrigou o seu amigo a experimentar as várias peças da indumentária que lhe tinha comprado. O João Camossa parecia outro. Um “gentleman” a condizer com a sua bagagem intelectual.
Qundo foi a sua vez de se dirigir aos presentes, todos acharam que o orador parecia muito mais novo e mais arranjadinho.!!! Feliz com a sua iniciativa, Paço Vieira, no dia seguinte, ao pequeno almoço, resolveu sondar os presentes, perguntando se o João teria ou não gostado da sua nova indumentária. Segundo penso, António Borges de Carvalho logo respondeu,: “Se gostou, até dormiu vestido com a nova roupa…!”.
A Assembleia da República, por ocasião da sua morte, aprovou por unanimidade um voto de pesar. E com tal atitude, foi encerrada a história de uma vida que não pode ficar enclausurada como se de um simples e vulgar mortal se tratasse. È necessário evocar a pureza de um espírito politico que vagueia pelas sete colinas lisboetas, balbuciando como uma doce aragem a sua ideologia anarco comunalista, onde todos se deviam dar tão bem, que se tornasse desnecessário o Estado, restando apenas o seu chefe, um Rei longínquo e doce., estimado, não sujeito a discussões, só aparecendo quando indispensável, na certeza de que o ideal era que não precisasse de aparecer …!.
Edição 760 (25/04/2019)
João Camossa Saldanha, uma mítica figura saída do encantamento sobrenatural (parte 1)
Após o estabelecimento da vida democrática, os partidos começaram a apresentar os seus programas políticos à população. Passou-se o mesmo com o Partido Popular Monárquico, onde eu militava. Primeira sessão no Porto, num grande auditório, a transbordar de gente morta de curiosidade por ver e ouvir os que se diziam monárquicos, pensando talvez alguns que iriam assistir a um desfile de cortesãos do tempo de Luís XIV, vestidos à época, recordando algum filme histórico de capa e espada. Fui um dos oradores escolhidos pelos responsáveis partidários locais. Quando entrei na sala, percorrendo o caminho até ao palanque onde balouçava uma mesa meia desconjuntada e quatro ou cinco cadeiras mal alinhadas, senti um arrepio de aflição. Era o meu baptismo na actividade partidária responsável. Não conhecia ninguém que ali se perfilava para falar, a não ser o filósofo, historiador e escritor Henrique Barrilaro Ruas, homem grande da Cultura., grande humanista e pensador. Lá me acomodei, bem encostado à mesa, tendo iniciado a minha intervenção, imitando os galos que cantam com os olhos fechados, única forma de vencer a inevitável claustrofobia causada pelo facto de estar cercado de gente por todos os lados e mais um. Falei durante cerca de dez minutos, após uma dissertação de um nível intelectual fora do vulgar de Henrique Barrilaro Ruas. Entretanto, para meu espanto, uma nova personagem chegou ao local, com uma barba branca, talvez mal tratada, vestido de preto, com um laço de pontas caídas, num fato mais que coçado e com o ar de quem tinha passado a noite anterior num qualquer albergue de indigência. Juntou-se ao grupo dos oradores monárquicos. Com surpresa, vi que muitos elementos do público o saudaram, batendo palmas à sua passagem e demonstrando que o conheciam de ginjeira. Era o anarquista João Camossa Saldanha. Fez um discurso vibrante, tratando o regime monárquico com enorme espírito crítico, nunca abandonando com humor as graças fáceis com que usualmente os republicanos atacam a ideologia monárquica, destruindo sem piedade o regime republicano português. Falando do futuro que os monárquicos do PPM pretendiam para Portugal, nomeadamente quanto ao ordenamento do território, à ecologia e à necessária revolução agrícola. A sua figura estranha, a sua erudição e o seu alto nível de conhecimentos técnicos, históricos e filosóficos criaram um halo de encantamento nos presentes que o saudaram com entusiasmo, envolvendo nele todos os oradores que ali foram expor as suas ideias.
Entretanto, muitas luas se passaram e o PPM, além de ter eleito deputados, de ter feito parte do governo, participou em muitos órgãos autárquicos. Assim, quando morreu Marcelo Caetano, João Camossa fazia parte da Assembleia Municipal de Lisboa. Os elementos dos restantes partidos da AD solicitaram-lhe que dissesse umas palavras sobre o antigo Presidente do Conselho do Estado Novo, jurista brilhante a nível europeu e considerado professor universitário. A situação era melindrosa, a dimensão do elogio ou da crítica bem poderiam causar algum escândalo, e os políticos dos grandes partidos resolveram despachar comodamente o problema para os braços do representante do PPM., o deputado municipal João Camossa. Este, como não podia deixar de ser, fez um enorme elogio à obra jurídica e á actividado docente de Marcelo Caetano, na Faculdade de Direito e, concluiu o seu discurso com um comentário à actividade política do falecido, acrescentando compassadamente. “como diria o Imperador Caracala.- o que é necessário é verificar se está bem enterrado…” Ficou tudo sem pinta de sangue e incapaz de articular qualquer palavra que fosse!!!. Estava feito o elogio. Todos os partidos encerraram tacitamente, por ali, o respectivo cumprimento da Ordem do Dia, mais nada se atrevendo a balbuciar, para além da vontade de explodirem em inoportunas gargalhadas. Fiquei logo interessado em saber mais sobre a vida do chefe dos anarquistas do PPM, personalidade tão cativante, tanto dentro como fora do meu partido. Após a sua morte em 2007, sempre esperei que alguém, nomeadamente um qualquer seu amigo íntimo, viesse à estacada escrever sobre a sua actividade e a sua imensa cultura. Acabei por desistir. Nem o seu falecimento incentivou os seus antigos companheiros. Pelos vistos, o medo vai sendo muito e vai continuando a alimentar e a inibir a inteligência de alguns…!
Era afinal uma figura bem conhecida da política nacional, alfacinha castiço, célebre por diversas passagens exotéricas da sua atribulada vida profissional e social. Era filho do comandante Augusto Carlos Saldanha, um dos oficiais de marinha que se não rendeu à república de 1910. João Camossa formou-se em direito, levando a par do exercício diurno da advocacia, uma actividade política nocturna, passeando-se de bar em bar, fazendo comícios políticos em cada esquina até às tantas da madrugada, sempre com um auditório fiel de jornalistas, de artistas, de personalidades mais ou menos extravagantes e de gente da noite que o acompanhava nas suas digressões pedestres através das ruas silenciosas de Lisboa, bebendo os seus ensinamentos e encostando-se pelos balcões de todas as locandas por onde passavam. Segundo o Eng. Luís Coimbra, que o conhecia há muito, mesmo de dia, gastava-se pelas leitarias de Lisboa a dissertar sobre política e a conspirar. O que é certo é que os clientes gostavam mesmo de o ouvir, sendo os próprios proprietários que lhe solicitavam continuasse a falar sobre o seu ideário político que tanto entusiasmava os ouvintes. Activista monárquico, opositor ao regime republicano, amigo de alguns anarquistas conhecidos da nossa praça, entrou em conflito irremediável com a Situação. Foi um dos fundadores do Centro Nacional de Cultura, em 1945, e do PPM, em 1974. Participou na Revolta da Sé em 1959 e no Golpe de Beja em 1961, Ao lado de outros advogados, como Palma Carlos, Salgado Zenha, Mário Soares, Artur Santos Silva, participou na defesa de inúmeros presos políticos, nos Tribunais Plenários. Na defesa dos participantes no assalto ao quartel de Beja, a certa altura ficou provado que João Camossa estava igualmente metido na intentona, entre outros, ao lado do monárquico Quintão Caldeira. Para cúmulo, durante as sessões, revelou-se frontalmente contra o ordenamento constitucional vigente. Um dos magistrados, querendo passar João Camossa da condição de advogado à situação de arguido, mandou-o tirar a toga. João Camossa avisou o juiz de que tal não seria nada oportuno, pois estava completamente nu.!!! Mesmo assim, apesar da ameaça de um possível atentado à moral pública e ao pudor, o juiz manteve a ordem dada. Claro está que João Camossa abriu mesmo a toga, num gesto teatral, provando à saciedade que estava como Deus o pôs no mundo. Mas, não exageremos, tinha umas cuecas de corte do tempo do “arroz de quinze”, umas botas velhíssimas de meio cano e umas ligas pretas que lhe subiam pelas magras canelas acima. Foi um sucesso e o magistrado teve que rapidamente dar o dito por não dito. Foi para a Cadeia do Aljube de onde saiu com vida, mas num estado físico miserável. Diga-se de passagem, que João Camossa chegou a ter um escritório montado, com o seu amigo Almeida Monteiro, mas como não levava dinheiro a ninguém, pois o dinheiro era uma entidade mais que desprezível, acabou por ter que encerrar as portas. Então montou banca na mesa de um restaurante na Avenida da República. A sua clientela era angariada durante as suas tropelias nocturnas. Por aí e movido pelo álcool diário de uma garrafa de aguardente “Aldeia Velha”, pode calcular-se a qualidade dos fregueses de advogado tão especial, : – fadistas, porteiros e empregados de estabelecimentos nocturnos, motoristas de táxi, prostitutas, pessoas apanhadas pela polícia em qualquer contravenção, vadios, gente da noite e, claro está, os perseguidos políticos. Acabou mesmo por ser proibido de exercer a advocacia, embora obrigado a continuar injustamente a pagar o imposto profissional. Morreu pobre, esgotado que foi o património herdado. Valeu-lhe o seu fiel amigo dos tempos liceais, Prof. Jacinto Simões, que o albergou em sua casa, na condição de deixar de beber, o que aconteceu para bem desta popular figura, monárquica anarquista, que acabou por substituir os balcões dos tascos e leitarias, pelas igrejas de Lisboa por onde se começou a gastar até ao fim dos seus dias… Morreu um Homem da Cultura Excepcional que marcou a vida política do Século Passado, quer antes quer depois da Revolução de Abril. Contudo, como não era uma figura politicamente correcta, devem pretender apagar a sua memória do quadro da história…!
António Moniz Palme – 2019
Edição 759 (11/04/2019)
BENDITA A LIBERDADE MUNICIPAL
Vizela fez justiça ao seu Povo e ao seu histórico líder Manuel Campelos
Há bem pouco tempo, aquando do falecimento de Manuel Campelos, líder incontestado da Restauração do Concelho de Vizela, historiei a sua vida de combatente pela autonomia municipal da sua Terra e da sua Gente. Passados 21 anos da Restauração do Concelho de Vizela, determinada por decisão parlamentar, foi feita justiça. E falo de restauração do Concelho, pois no Séc. XIV, a população de Vizela conseguiu a almejada autonomia, através de uma carta de D. Pedro I, assinada em Elvas, em 24 de Maio de 1361, concedendo a seu filho D. João de Portugal o Concelho das Caldas de Vizela. Esclareço, por uma questão de mera curiosidade, que D. João de Portugal, era filho de D. Pedro e de D. Inês de Castro. Contudo, as prerrogativas daí decorrentes foram retiradas às populações das terras vizelenses dezenas de anos mais tarde e a luta pela antiga autonomia nunca mais parou. Através dos tempos, muita gente foi condenada e supliciada por causa dessa luta. Todavia, a identidade cultural criada e fortalecida ao longo dos séculos era cada vez mais firme. Os velhos, quando se sentiam a morrer, chamavam os descendentes e faziam estes jurar que continuariam a luta pela Restauração do Concelho de Vizela. E como sabemos, o Parlamento, em 19 de Março de 1998, criou o desejado Concelho de Vizela.
Da esquerda para a direita: Machado, Adelino Campante, António Moniz Palme, Manuel Marques e Lopes Vaz
Será bom verificar que, para qualquer pessoa que defenda e saiba o que é o verdadeiro Municipalismo, existiam todas as circunstâncias necessária, exigidas por lei, para a criação de um novo Concelho. A Autarquia de Guimarães, onde Vizela estava integrada, tinha um exagerado número de freguesias. Nem mais nem menos, do que 73!!! Com esta dimensão geográfica, não existia vislumbre de imediação entre a população e os responsáveis municipais, o que era absolutamente inaceitável.
Pois bem, passados 21 anos, a população de Vizela, conseguiu que as suas autoridades mandassem construir e inaugurar um monumento ao seu líder Manuel Campelos, dando o seu nome a uma avenida nova e fizessem igualmente inaugurar um monumento ao Povo Vizelense que durante séculos lutou e reivindicou a sua justa autonomia. E esta deu frutos. Vizela sempre foi uma bonita e elegante instância termal, mas parada no tempo, valendo o esforço particular dos seus habitantes, dos seus agricultores, dos seus industriais e dos seus comerciantes. Porém, de um momento para o outro, mudou de fisionomia. Tal deveu-se ao fim da colonização infame a que estava submetida. Bendita a Liberdade Municipal que, segundo Alexandre Herculano, é a única possível nos nossos dias.
Edição 758 (28/03/2019)
O Rei D. Manuel II e a Primeira Grande Guerra
Tive a oportunidade de escrever, na Gazeta da Beira, vários artigos sobre o centenário da Primeira Guerra Mundial de triste memória. Em consequência dos meus comentários, recebi uma comunicação de um velho amigo referindo que a situação do nosso império colonial era periclitante e corria perigo de ser invadido por ingleses e alemães, que aliás já tinham entre eles feito uma partilha dos nossos territórios. Na sua opinião, só a nossa entrada no conflito mundial, que aliás não nos dizia respeito, é que salvaguardaria a manutenção das nossas colónias, na órbita tutelar portuguesa.
Todavia, em princípio e, aparentemente, tal poderia sempre acontecer, como aconteceu na realidade com o início da invasão feita pelos alemães no Norte de Moçambique e em Angola. Contudo, da parte dos ingleses tal não ocorreria certamente. Vejamos, na altura, tínhamos um exército num estado deplorável, sem armamento, andrajosamente fardado, e cuja situação era assim mantida para tirar qualquer veleidade às forças armadas de meterem na ordem as permanentes convulsões que constituíam o dia a dia da Primeira República. Mas, na verdade, apesar dessa situação miserável, muitos políticos republicanos pretendiam entrar na guerra, fosse de que maneira fosse. Desse modo, conseguiriam o apoio dos Aliados ao novo sistema republicano imposto revolucionariamente ao País e nunca submetido e sufragado pela vontade da população, através de eleições livres. Os Ingleses manifestaram claramente a Portugal que de maneira alguma devia entrar no conflito que estava a germinar imparavelmente entre as forças das gigantescas duas Alianças Europeias.
Na verdade, o meu amigo esqueceu-se de um modesto mas importante elemento, no esquema internacional, e que movia a vontade dos povos anglo portugueses, que compunham o mundo da velha aliança. Esse elemento que muito influenciou a manutenção dos territórios coloniais durante a Primeira República, foi a presença em Inglaterra, no exílio, do último rei de Portugal, D. Manuel II. Na verdade, quando subiu ao trono, pelo assassinato de seu Pai, D. Carlos I, e do seu Irmão, o príncipe D. Luís Filipe, D. Manuel não estava de maneira alguma capaz de assumir cargo tão responsável, pois não tinha tido a preparação necessária devido ao facto de não estar destinado a reinar. Além do mais, tinha apenas dezoito anos de idade. Ora, em Inglaterra, no exílio, passou a conviver intimamente com os Reis, Mary e Jorge V, sendo a sua presença constante à mesa de Suas Majestades, o mesmo se passando na Corte, bem como em todos os acontecimentos sociais londrinos. As suas relações com os governantes britânicos não podiam ser melhores. Titular da Ordem da Jarreteira, participava dos encontros dos cavaleiros da Ordem, em Windsor. Nas reuniões sociais e em acontecimentos de angariação de fundos para obras de assistência ou para a Igreja, era insistentemente convidado para se exibir perante o público, ao piano e ao violoncelo, instrumentos que tocava primorosamente. Nas competições desportivas, revelou-se um exímio jogador de ténis, conquistando uma enorme popularidade em todos os meios que frequentava. O próprio povo Inglês lamentava que a Inglaterra nada tivesse feito, em 1910, para manter os Bragança no trono. Posteriormente, o Governo Britânico lamentava insistentemente essa situação, como assim manifestou o próprio ministro Harding, depois de se encarregar da sua missão diplomática em Lisboa, referindo que concordava inteiramente com Winston Churchill ao declarar que a Inglaterra havia cometido um enorme erro permitindo o destronamento da Família Bragança e a imposição sem o apoio da vontade popular do detestável regime em vigor. Após ter começado a Grande Guerra, D. Manuel II escrevia ao seu lugar tenente João Azevedo Coutinho :- “Já me ofereci a Sua Majestade, o Rei de Inglaterra, para tudo o que possa ser útil à tradicional aliança que data de seis séculos” Referindo noutra carta que, numa conversa com o Soberano Inglês, teria ficado muito claro o credo político da Inglaterra em relação aos interesses de Portugal : – “Em caso de uma vitória inglesa, ficou garantido que : 1º Será mantida a integridade de Portugal; 2º Será mantida a integridade das colónias portuguesas; 3º Será feito desaparecer qualquer efeito resultante das acções bélicas alemãs nalguma colónia portuguesa; 4º Já existe uma afirmação oficial, mandada por Harding, de Madrid, de que a Espanha respeitará a independência e a integridade de Portugal; 5º Tenho a promessa de Winston Churchill de ser ouvido no momento da paz”. E foi o apoio de D. Manuel II aos Aliados, de forma determinada, que salvaguardou os interesses coloniais até ao fim dos conflitos europeus do século passado. Devo referir que ainda se temeu que a Espanha aproveitasse a maré para invadir a república portuguesa e acabasse de vez com Portugal, como nação independente, como era seu antigo sonho. Na altura pior, valeu a amizade de D. Manuel com o Rei Afonso XIII, para impedir tal acção. Como se verifica, a entrada de Portugal, na Primeira Grande Guerra, era mesmo mais que escusada …!
António Moniz Palme 2019
Edição 757 (14/03/2019)
Um Garibaldi actual na luta pela autonomia municipal
Faleceu durante o ano de 2018, o que me provocou profundo desgosto, um velho Amigo, grande Homem deste Século em matéria de Liberdade Autárquica. Chamava-se Manuel Campelos, chefe de fila de um grupo que, contra tudo e contra todos, conseguiu restaurar a Câmara Municipal de Vizela, recuperando para a sua terra a liberdade municipal perdida, liberdade essa que já há muito Alexandre Herculano dizia ser a única possível, nos dias de hoje Certamente fez tal afirmação como crítica veemente a Mouzinho da Silveira a quem a liberdade municipal causava logicamente erisipela !!!
Não posso deixar de contar esta história pragmática, reveladora das aventuras de uma colectividade que, através do querer de gerações e gerações sucessivas, conquistou a Liberdade Municipal, vencendo as vagas da corrupção que cada vez mais assolam o País e que minaram o seu processo de criação.
Conheci o vizelense Manuel Campelos quando estive, como deputado, no Parlamento. Para lá fui com o intuito de defender os interesses da Agricultura, para proteger a Natureza e o Património, e a Liberdade dos portugueses, , entre outras facetas, na autonomia municipal. Em Portugal, os monarcas da primeira Dinastia, conseguiram escapar ao Feudalismo, dando força ao Povo através da concessão de Forais que criaram Municípios com administração e justiça próprias e que bem depressa começaram a participar na vida pública, tendo os seus representantes assento nas Cortes. Porém, a força dos Municípios definhou, com a ditadura de Pombal e com a centralização de Mouzinho da Silveira, que acabaram definitivamente com a imediação dos munícipes em relação aos respectivos órgãos autárquicos. E o processo da autonomia foi enterrado de vez pela Primeira República e pela República do Estado Novo que apenas viam os municípios como centros de recrutamento militar, serviços de cobrança de impostos e locais de organização das eleições. Ora, perante os objectivos políticos que me animavam, em 1980, estando no Parlamento a receber os que procuravam o meu grupo parlamentar, apareceu uma deputação de Vizela, chefiada por um senhor com um ar palaciano e maneiras de diplomata, Manuel Campelos, grupo esse composto por gente serena, com conhecimento profundo dos problemas da sua terra, educados e a comunicarem claramente o que de nós pretendiam. Os integrantes desse grupo pertenciam a um movimento regionalista, o MRCV (Movimento da Restauração do Concelho de Vizela) que há séculos vinha lutando pela sua restauração. Refiro Restauração do Concelho de Vizela pela simples razão de que a comunidade vizelense tinha conseguido constituir-se em Município, no Século XIV, por carta de foral do Rei D. Pedro I, mantendo-se as respectivas prerrogativas até ao ano de 1408.
Devo esclarecer que Vizela era uma vila e depois cidade, integrada no Concelho de Guimarães, juntamente com outras 73 Freguesias, não havendo, por consequência, as necessárias ligações funcionais e humanas com a chefia do concelho. Ora, os concelhos devem ter uma dimensão geográfica em que se não perca a imediação entre a população e os responsáveis dos órgãos municipais. Se tal era indiscutível para a bancada do PPM, todos os deputados com um mínimo conhecimento do fenómeno autárquico e com um pensamento independente dos obscuros interesses partidários, igualmente assim pensavam. Aliás, desde as minhas discussões no Liceu de Viseu, nos intervalos das aulas, tal opinião era aceite por todos. Bem me lembro das conversas construtivas com os meus jovens companheiros liceais.
Como consequência dessa visita, o PPM, partido onde estava integrado, apresentou um Projecto de Lei de Criação do Município de Vizela, após ser estudado profundamente o problema. Os Concelhos só podem ser criados quando são preenchidas as condições obrigatórias necessárias, pois tal criação não pode, de modo algum, resultar da demagogia leviana da política rasteira partidária. Comecei então a partilhar uma grande parte do meu tempo parlamentar na tentativa de resolução do problema vizelense. Nessa iniciativa, tive o completo apoio dos restantes deputados do PPM, Gonçalo Ribeiro Tele, Henrique Barrilaro Ruas, Augusto Ferreira do Amaral, Luis Coimbra, Jorge Portugal da Silveira e António Borges de Carvalho, ao tempo presidente do Grupo Parlamentar. Como consequência, fiquei inteiramente ligado aos objectivos do MRCV, aos interesses de autonomia municipal dos seus componentes, bem como da sua juventude, organizada pela dinâmica e corajosa “Pesada” e, principalmente, com o Sr. Manuel Campelos. A nossa amizade foi aumentando ao sabor do espingardear contra os inimigos da autonomia vizelense. Nessa luta, devo dizê-lo, por vezes dramática, com ameaças de morte à mistura. A nossa amizade cresceu, aprendendo cada um a descobrir o que o outro pensava, mesmo antes de o declarar. Na verdade, era um autodidata, pois tinha uma grande cultura ganha a pulso, com uma grande sensatez, uma grande coragem, uma visão política claríssima e, acima de tudo, não tinha medo de nada. A sua estratégia política era perfeita e não hesitava quando tinha que chocar alguns com as suas atitudes à primeira vista incompreensíveis. Pois, era um chefe carismático que assumiu frontalmente e sem rodeios a intransigente luta pelos interesses da sua terra e de toda a sua região. Teve que suportar a má vontade de alguns conterrâneos, que propalavam não ter Ele categoria para chefiar o Movimento da Restauração, pois não era licenciado e não era rico, fazendo-lhe uma surda e infame oposição. Esse tipo de gentinha tinha medo de não controlar o processo da autonomia, pois já tinham planeado a aquisição de imóveis, onde seriam construídas as futuras infraestruturas do novo município. Enfim ! Estavam escondidos à sombra de grandes partidos, procurando torpedear o desenvolvimento do processo da criação do município de Vizela. Gente sem valores, gestores falidos sem qualquer credibilidade, a não ser a baixa protecção política que tinham conseguido por falsas razões eleitorais e que, na realidade, atrasaram a criação do novo município anos e anos a fio. No fundo, serviam-se da política apenas para zelar pelos seus ilegítimos interesses privados. Contudo, apanharam um inolvidável comandante, imbuído da mais clara estratégia política, seguido por toda uma população, que apenas e só queria a criação do seu Município. Era essa espécie de Maquiável, o meu amigo Manuel Campelo, já falecido, mas cujo prestígio a Morte não consegue destruir. Mesmo que altos responsáveis da nossa política miserável e corrupta se oponham, o Povo de Vizela já escolheu Manuel Campelos como um autêntico Símbolo da Liberdade da sua Região. Se Garibaldi foi o herói da unificação da Itália, lutando contra o egoísmo dos interesses privados; Manuel Campelos foi o Garibaldi da Restauração do Concelho de Vizela, contra tudo e contra todos.
Edição 756 (28/02/2019)
A Perspectiva científica dos Descobrimentos – 2ª Parte
Nos bancos da escola, bem aprendemos que a conquista de Ceuta, em 1415, tinha sido motivada por razões de estratégia militar e comercial, com o primordial objectivo de acabar com a pirataria moirama que infestava o Mar Mediterrâneo. Igualmente, por razões expansionista, para alargar o nosso território para onde nos podíamos estender. Por outro lado, por razões comerciais, na busca das desejadas especiarias e do apetecível ouro que era transaccionado no Norte de África. Mas, principalmente, pelo desejo ardente de evangelização cristã de novos povos e comunidades. Porém, uma outra motivação, não menos importante, sopesou na balança das decisões dos governantes portugueses. Era ele o Espírito de Aventura e o Chamamento do Mar, fado que só podia ser cumprido com uma significativa bagagem científica sustentável. Ora, embora a existência da Escola de Sagres seja talvez uma ideia romântica que não ultrapassou as brumas da fantasia, já os centros de estudo levados acabo por dois elementos da Ínclita Geração, os Infantes D. Pedro e D. Henrique, são realidades que a história e a documentação da Torre do Tombo, tão pouco estudada, nos têm revelado. Ao encontro das minhas cogitações sobre o assunto, ouvi uma soberba conferência do Sr. Prof. Doutor Henrique Sousa Leitão, da Faculdade de Ciências de Lisboa e especialista de toda a problemática relacionada com os Descobrimentos, tendo coordenado inclusivamente a realização, pela Gulbenkian, da obra do grande Pedro Nunes. E nessa conferência passeou-se pela Cartografia, onde fomos os primeiros na sua elaboração, apesar de outros se enfeitarem com penas de pavão que nos pertencem. O célebre Mapa de Cantino, roubado aos portugueses, foi apelidado, para cúmulo, com o nome do autor do roubo. E esta hein? Por outro lado, era necessário recorrer á medição da altura dos astros para, com segurança, efectuar o regresso dos distantes pontos situados nas terras distantes que as nossas naus tocavam. Esta a razão porque foram introduzidos instrumentos adaptado a esses objectivos. O QUADRANTE, que permitia a determinação da hora e também a medição da altura dos astros. É essencial sabermos que todos os instrumentos de marear, utilizados pelos portugueses, e difusores dos conhecimentos náuticos, foram construídos à mão, por gente simples, com material barato e acessível, normalmente a partir de vulgares pedaços de madeira. O mesmo se passou com o ASTROLÁBIO e com a BALESTILHA. Ora, essa democratização da sua indústria, foi o meio essencial para a divulgação da sua utilização por parte da marinhagem dos diferentes países. E na verdade, o descobrimento de tudo o que interessava à Arte de Navegar, não resultou de golpes de sorte e do mero acaso!!!. Foi o estudo profundo e o permanente contacto com os homens do mar mais experientes, quer nacionais quer mandados vir de outros centros de navegação europeus, e que, a pouco e pouco, foram criando uma significativa bagagem científica náutica na nossa lusa gente. Os pilotos portugueses foram confrontados com a necessidade de observar os astros, tanto no Hemisfério Norte como no Hemisfério Sul, não lhes bastando a observação da Estrela Polar, visto que esta não é visível abaixo do Equador. Assim., começaram a determinar a LATITUDE pela observação do Sol na sua passagem Meridiana, através do Astrolábio Náutico, baseando-se na medição de um ângulo em relação à vertical do lugar. Esta a razão porque as Cartas são feitas apenas com indicação dos RUMOS e da LATITUDE. Além dos mais, os pilotos da Carreira das Índias e da Carreira do Brasil, estavam superiormente obrigados, diariamente, a verificar a declinação do Sol. Com a lua, tinham a mesma obrigação. Deste modo, os portugueses conseguiram elaborar o primeiro levantamento de todo o planeta. Pois, igualmente determinavam as mudanças indicadas pela agulha magnética, provocadas pelas suas variações. Fomos nós portugueses os primeiros a conhecer e a saber representar nas cartas, as linhas magnéticas da terra, isto é, a definição dos respectivos campos magnéticos, limitados pelas chamadas linhas agónicas. O primeiro mapa com tais linhas é de 1585, feito por Luís Teixeira!!!. Na verdade um espanto, como um pequeno país como Portugal deu cartas, em matéria científica, a todo o Mundo Civilizado. Ora, todos os dados recolhidos por cada piloto eram obrigatoriamente entregues ao Cosmógrafo – Mor da Casa das Índias em Lisboa que, com base nestes elementos, mandava proceder à elaboração das cartas ou mapas padrão, entregues a cada piloto, quando iniciava uma viagem.
Por aqui se vê que os portugueses, apesar do seu espírito de aventura e do seu amor à improvisação, tudo fizeram sedimentado no alto esforço da investigação e no estudo profundo de todos os dados que podiam influir na navegação e pudessem facilitar a execução do descobrimento dos territórios espalhados por todo o Mundo. Na verdade, não bastavam os sonhos que povoavam e agitavam o seu pensamento e a sua vocação marítima. Nada foi feito às cegas, ao sabor apenas da coragem, como alguns ignorantes se atrevem a propalar para denegrir a nossa própria gesta marítima. A faceta científica portuguesa foi essencial para o êxito das Descobertas.
António Moniz Palme – 2018
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Edição 755 (14/02/2019)
Fernão de Magalhães, um português Ilustre, a quem a civilização mundial muito deve (1ª parte)
A televisão portuguesa parece apenas estar interessada nos problemas do futebol, mortificando permanentemente os ouvintes com as diatribes do antigo presidente do Sporting e do actual presidente do Benfica, intoxicando a população com as desgraçadas tragédias causadas pela má gestão do património público e comprazendo-se com escandaleiras graves, como o miserável roubo de armamento das forças armadas, ocorridos neste infeliz País, autenticamente a saque. Digo isto porque uma equipe portuguesa de deficientes venceu o Europeu de Andebol, em cadeira de rodas, e nem uma linha sobre o assunto! A gente de Cabo Verde organizou uma gigantesca reunião em Lisboa, ocorrência de uma importância significativa para a vida portuguesa, e nem uma palavra a propósito… O 25 de Novembro, que salvou a revolução do 25 de Abril de uma nova ditadura, ficou no esquecimento completo da nossa comunicação social. É demais…! Claro que os canais de televisão privados têm preocupações com as audiências. Apesar de ser uma má justificação, tal ainda se compreende. Mas a Rádio Televisão Portuguesa, órgão oficial, que vive à custa dos nossos impostos, não tem qualquer desculpa de se divorciar do objectivo cultural de levar ao público as notícias que interessam a toda a comunidade como elementos integradores da nossa história.
Qual a razão desta conversa fiada, perguntar-me-ão os meus amigos?!!!. Na verdade, a razão é muito simples. Na vizinha Espanha estão a preparar-se grandes homenagens a Fernão de Magalhães, o navegador português que realizou a primeira viagem de circum-navegação, em 1519, através dos oceanos Atlântico, Pacífico e Índico. Cá em Portugal, nem um simples murmúrio se ouve sobre o assunto!!!
Vão me dizer que tal viagem foi ao serviço de Espanha e não de Portugal, mas tal não tem qualquer relevância, pois não deixa de ser um acontecimento que alterou completamente a visão do Universo e que modificou completamente os conceitos científicos que perduravam na época.
Mas, entremos nas páginas da história que são bem elucidativas. Fernão de Magalhães nasceu em Sabrosa em 1480, segundo uns. Todavia, outros referem, actualmente, a possibilidade de ter visto a luz do dia, no Porto, onde por essa altura se mantiveram os seus progenitores. Como elemento da pequena aristocracia da província, alistou-se na armada de D. Francisco de Almeida, tendo andado pela Índia ao serviço da coroa portuguesa e, após regressar ao Reino, lá voltou diversas vezes, entrando em várias expedições militares, tendo sido inclusivamente ferido. Todavia, nunca perdeu a ocasião de proceder às suas investigações científicas, nas permanentes deambulações e viagens marítimas. Segundo a má língua, descobriram ter feito pessoalmente negócios com negociantes árabes, actividade comercial na altura completamente vedada aos cidadãos particulares, o que o levou a cair em desgraça perante a ordem estabelecida e perante os olhos do Rei D. Manuel I, que não aceitou os seus serviços nem o projecto de uma viagem ao Oriente, pelo Ocidente. Como tinha levado a sua vida a planear a execução de tal sonho, resolveu deslocar-se a Sevilha e oferecer os seus préstimos ao Rei de Espanha. Procurou o Rei Carlos V, em Valladolid, que o recebeu de braços abertos, entusiasmado com a possibilidade de atingir as Ilhas Molucas por mares não reservados à navegação portuguesa, nos termos do Tratado de Tordesilhas. Com uma equipe constituída por elementos de diversas nacionalidades, entre eles os irmãos portugueses, Francisco e Rui Faleiro, notáveis astrónomos que muito colaborariam na resolução dos intricados problemas, surgidos em plena navegação. Partiram cinco embarcações do porto andaluz de San Lucár de Barrameda, em 20 de Setembro de 1519, com uma equipagem de 265 homens. Atravessaram o Oceano Atlântico até às costas do Brasil, na zona perto do Cabo de Santo Agostinho, cerca de Pernambuco, rumando então para Sul e, passando pelo actual Rio de Janeiro. Bordejaram posteriormente o estuário do Rio da Prata e atravessaram o golfo de S. Martin, navegando até ao extremo Sul, onde encontraram um Estreito a que chamaram de Todos os Santos e que actualmente se chama Estreito de Magalhães. Tal estreito, com o comprimento de cerca de 600 quilómetros e apenas um punhado de metros de largura, separa o continente Sul Americano das Terras do Fogo, fazendo a comunicação do Oceano Atlântico com o Oceano Pacífico. Percorrido o referido estreito, começou então a travessia do Pacífico, rumando a esquadra até às Ilhas Marianas. Desembarcaram já em Cebu, nas actuais Filipinas, em 6 de Março de 1521. Em seguida, desembarcaram na Ilha de Mactán, em 27 de Abril de 1521, onde Fernão de Magalhães foi atingido mortalmente por uma frechada atirada por um indígena. Foi então substituído na chefia da esquadra pelo castelhano Juan Sebastian El Cano. Iniciado o regresso, chegaram a Espanha somente em 7 de Setembro de 1522, reduzida a armada a duas embarcações “Trinidad” e “Victória” e a tripulação a dezoito homens…!
Sobre este acontecimento, os responsáveis portugueses guardam irritante silêncio. A Senhora Ministra da Cultura, além de não ter currículo que se veja, nem de raspão deve saber quem é Fernão de Magalhães…!
Ora, se os portugueses demoraram um século a conhecer o Oceano Atlântico, as suas correntes, ventos e terras circundantes, bem como o Oceano Ìndico, período que medeia do início dos descobrimentos, antes de 1415, descoberta da Ilha da Madeira, até à passagem de Gil Eanes pelo Cabo Bojador, em 1434, de Bartolomeu Dias pelo Cabo da Boa Esperança, em 1488, e de Vasco da Gama, no caminho da Índia em 1498, Fernão de Magalhães demorou pouco mais de um ano, para vencer o terror do desconhecido e desvendar os mistérios ignotos do Oceano Pacífico. Uma empresa e uma vitória que coroa toda a preparação científica do navegador português e do País onde nasceu. Será infame que os nosso responsáveis continuem quedos e mudos sobre esta matéria e não iniciem uma grande homenagem nacional a Fernão de Magalhães, o primeiro navegador que levou a cabo uma viagem de circum-navegação do globo terrestre, vai fazer quinhentos anos.
António Moniz Palme – 2018
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Edição 754 (24/01/2019)
Um Estado sem forças armadas não existe – 2ª Parte
Como já declarei, num anterior artigo sobre esta matéria, não temos forças armadas.
Ora, perante os perigos que espreitam a Europa, perante a incapacidade política dos seus dirigentes, se algo acontecer, Portugal, totalmente desprevenido em termos de meios de defesa, será apanhado completamente descalço.
É bom lembrar que, após o 25 de Abril, todos os portugueses sabiam mexer numa arma, todos tinham a noção clara de como proceder e se enquadrar em determinada situação de crise. Agora, apenas sabemos protestar, evocar os nossos direitos e, ao primeiro tiro, cava tudo para debaixo da cama, numa pressinha vergonhosa, nem sabendo esconder o medo, por uma questão de carácter (como se diz no futebol)…!.
Pois bem, sabemos desde a Antiguidade Clássica, que os estados que não preservam a sua história, não cultivam a educação e o bem-estar da sua população e não têm um exército capaz, acabam por desaparecer. Vejo hoje em dia, por um breve diagnóstico à nossa realidade social que, em cada país, a disciplina incutida na juventude, pela formação militar, é absolutamente necessária, pois constitui um antídoto contra os extremismos que por aí campeiam, para as atitudes anarquizantes de alguns e o cultivo da selvajaria de comportamentos e de vícios de muitos outros, que não respeitam a vontade e a liberdade da maioria da população. Após a revolução, perante o gigantesco exército existente e imprestável, atendendo à independência dos territórios coloniais, seria necessário o inicio de grandes reformas com o objectivo não só de o reduzir, mas igualmente de o adaptar às nossas reais necessidades. Seria tal primordial, para eficientemente se proteger a nossa Zona Económica Exclusiva (ZEE) e para se fiscalizar o espaço aéreo respectivo. Porém, muito se falou e pouco ou nada se fez. Para cúmulo, os responsáveis deram a última machadada no nosso poder naval. Os nossos míopes e incompetentes governantes, receosos do Espírito de Aventura do Povo Português, destruíram completamente a nossa Marinha Mercante, sempre bem apetrechada através da história, mesmo nas alturas das maiores crises, tendo em atenção as nossas possibilidades económicas e necessidades estratégicas. Pretenderam, com a sua limitada visão, como já referi publicamente, transformar o nosso indomável povo num rebanho europeu de órfãos desamparados e massificados, sem alma e sem chama, completamente dependente dos ditames europeus. Sem Marinha Mercante e com uma cada vez mais incipiente Marinha de Guerra, foi nos retirada a possibilidade de abastecer por via marítima o Povo Português e de destruir no mar, se necessário for, os inimigos que exploram e roubam os nossos recursos naturais, comprometendo a nossa independência.
Pois bem, no tempo em que fui deputado pela AD, os parlamentares de todos os partidos resolveram tratar do problema, talvez ainda apoiados na demagogia, utilizando as energias passageiras brotadas das tristes consequências humanas provocadas pela guerra do ultramar e de um aceso e temporário espírito anti-militar. E cortaram o mal pela raiz. A proclamação de nem mais um soldado para o ultramar, transformou-se num posicionamento político, sem pés nem cabeça, contra as forças armadas e contra o cumprimento obrigatório do serviço militar. O PPM foi um dos partidos que pretendeu acabar com o cumprimento obrigatório do serviço militar por toda a população, mas com reservas levantadas por alguns dos seus elementos. Na verdade, após a recruta, era fácil verificar, para quem cumpriu o serviço militar obrigatórios, que ficavam milhares de mancebos desocupados nos quartéis, não podendo trabalhar nas suas ocupações profissionais e, dadas as circunstâncias, sem qualquer utilidade. Todavia seria necessário, na perspectiva de muitos, que todos fizessem uma recruta de um ou dois meses sendo assim enquadrados e prontamente convocados às fileiras em caso de uma crise internacional. Todos os anos fariam tropa durante duas semanas, até atingirem determinada idade, como acontece em muitos países civilizados, nomeadamente na Suíça. Só dessa maneira uma colectividade inteira poderá responder às provocações de qualquer força externa que venha perturbar os nossos hábitos, os nosso costumes e o nosso modo de viver, impedindo prontamente o desrespeito da nossa história e da nossa tradição, condição para a paz e para a nossa felicidade de país independente. Mas não, essa reserva não foi respeitada e as forças militares foram assim puramente condenadas à sua extinção por inanição. Resta a super abundância de quadros militares superiores que herdámos do antigamente e pouco mais. A situação é idêntica nos três ramos das forças armadas. A Região Militar do Norte a quem se deve, no 25 de Novembro, a salvação da Democracia e da Liberdade, resume-se apenas à existência de um gestor de pessoal. Na realidade, confrangedor !!!
N sociedade portuguesa passou a prontificar um certo tipo de burguesia existente nos quadros governativos que, por um motivo ou por outro, no passado, se escaparam ao cumprimento do serviço militar. Actualmente, os seus complexos perseguem as suas consciências e, como antídoto, não respeitam as forças armadas… Desse modo, tentam atenuar os seus pecados!!! Na realidade, furtaram-se ao cumprimento de um dever que cabia a todos os portugueses, quer concordassem ou não com as orientações dos governos vigentes na altura! Nesse aspecto, os apaniguados da facção mais à esquerda, no espectro político nacional, eram exemplares. Eu via que os que eu considerava comunistas não fugiam lá para fora, nem vendiam o fardamento para cavarem mais depressa. Ficavam e politizavam o meio em que actuavam. Fui disso testemunha, no cumprimento do serviço militar e quando, em Santarém, ministrei formação a uma fornada de médicos que, apesar da sua idade, iriam para o Ultramar.
Voltando novamente ao problema levantado, para não cair no esquecimento. Será urgente que todos os portugueses sejam chamados ao cumprimento do Serviço Militar, fazendo apenas a recruta de um ou dois meses e, nos anos seguintes, fazendo exercícios militares durante uma ou duas semanas, de enquadramento com os militares profissionais.
Edição 753 (10/01/2019)
“Ò Laurindinha, chega à Janela,
P´ra ver a tropa, que vai prá Guerra” (1ª Parte)
Versos populares cantados pelo povo, evocando a trágica partida dos nossos soldados para as terras da França, durante a Primeira Grande Guerra Mundial.
Atendendo ao Centenário do Armistício da Guerra de 1914- 1918, em 11 de Novembro, embora já tenha publicado um longo artigo sobre tão funesto acontecimento para os portugueses, não posso deixar de vir à praça pública recordar as motivações infames que nos empurraram para uma guerra que não nos dizia respeito e que os portugueses não sentiam. Por esse motivo, os nossos regimentos embarcavam à sucapa, durante a noite, nas estações de Caminho de Ferro, para evitar levantamentos populares que chegaram a impedir a passagem das locomotivas, deitando-se resolutamente, mulheres, crianças e familiares dos expedicionários, nos carris da linha do caminho de ferro. Para cúmulo, as autoridades de altura ainda tiveram a veleidade de tentar impedir que as nossas tropas fossem acompanhadas pelos capelães militares. Mas tal, já o seu jacobinismo nada conseguiu. Foram derrotados pela determinante força e crença do Povo.
É bom não esquecer que, na altura, era necessário correr rapidamente a Angola e a Moçambique onde a ameaça de uma invasão alemã era previsível. Contudo, os nossos responsáveis republicanos não buliram uma palha para organizar prontamente um exército, como as circunstâncias aconselhavam. Mas nada…! Pois nada foi feito. Apenas pretendiam entrar no conflito na Europa, para ficarem bem vistos por franceses e ingleses e terem apoio para o regime que foi revolucionariamente implantado e que nunca foi submetido a um plebiscito que perguntasse ao Povo Português, como aliás foi prometido: – “— Querem para Portugal um regime monárquico ou um regime republicano?
Enfim, na sua senda expansionista, os alemães atacaram o Norte de Moçambique, em 1914, tomando Maziua, pela força, um posto militar perdido na imensidade africana, chefiado por um valoroso Segundo Sargento, Costa de seu nome, que morreu de armas na mão. Os militares eram indígenas incorporados no exército territorial, que preferiam viver nas suas cubatas, não ocupando as instalações existentes e que se entretinham a agricultar os terrenos circundantes e a apascentar as suas cabeças de gado, nos intervalos dos exercícios militares. Claro está que, apesar da sua valentia, com o armamento que possuíam, autênticos canhangulos, pouca resistência ofereceram e o posto foi ocupado pelos bem armados soldados alemães, vindos do território do Tanganica, entrando desse modo na posse de um triângulo fértil, por muitos apetecido, junto ao Rio Rovuma. Só então, perante o clamor de indignação das gentes portuguesas, que na generalidade tinham parentes a viver nas colónias, os responsáveis resolveram nomear o General de Almeida de Eça para organizar duas Brigadas Expedicionárias, uma para Angola e outra para Moçambique. Mas como tal atitude era apenas para calar a boca do Povo e a má vontade crescente do Exército contra os responsáveis, não se preocuparam em treinar, armar e fardar decentemente tais brigadas pois, no seu pensamento, era necessário poupar dinheiro, para mandar criminosamente milhares de infelizes, esfarrapados e mal armados para a Flandres, em 1916, onde acabaram por morrer como tordos, crucificados pela estratégia do Comando Aliado. A conhecida confrontação militar de La Lys redundou numa terrível carnificina nas fileiras portuguesas, entregues a si mesmas, para possibilitar que os exércitos aliados se escapulissem pela rectaguarda e pudessem alterar o seu campo de manobra. Os pobres portugueses, continuaram na linha da frente, não sendo substituídos por tropas frescas, como lhes tinha sido prometido, apesar de, naquele sector do teatro de guerra, se prever uma enorme intensificação dos ataques alemães. Ainda por cima, o seu armamento não foi renovado como tinha sido estabelecido, o mesmo acontecendo com as munições que bem depressa se esgotaram. Os nossos militares andaram a catar desesperadamente, na terra de ninguém e na zona abandonada das trincheiras, as armas e as munições deixadas pelos militares caídos em combate. Conclusão significativa, 30 mil soldados portugueses mortos e 13 mil prisioneiros, além de uma pesada dívida de guerra aos ingleses, que apenas foi saldada na década de trinta.
Mas, independentemente desta calamidade que afectou a população portuguesa, no princípio do século, por culpa dos governantes republicanos, os cem anos do fim da Primeira Grande Guerra foram festejados com pompa e circunstância e com a gratidão aos nossos valentes militares de então. O Povo Português, enchendo o peito orgulhosamente, gostou do desfile do seu Exército pelas Avenidas de Lisboa, nas Comemorações do Armistício de 11 de Novembro de 1918. Felizmente, a nossa memória é curta e, por outro lado, a grande maioria desconhecia totalmente a terrível realidade portuguesa: não temos Exército.
Para compor o cenário, para inglês ver, foram arrebanhadas todas as praças dos quatro cantos do País para ser exibida uma força militar que se visse. Enfim, uma tristeza, para quem, atrás da ribalta, sabe o que se passa!!!
António Moniz Palme
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Edição 752 (20/12/2018)
A vil subordinação ocidental ao falecido Pacto de Varsóvia (2ª Parte)
Como referi, no artigo anteriormente publicado, devido à intoxicação feita por certo tipo de imprensa e de pseudo intelectuais, os portugueses tinham uma ideia errada do que seria um regime comunista. Na verdade e talvez motivada pela grave incultura política existente, não havia uma noção do que o comunismo seria, caso fosse implantado no nosso País. Felizmente o 25 de Novembro fez encaminhar a Revolução de Abril para os trilhos da Democracia.
Todavia, não expliquei claramente o que era o célebre Pacto de Varsóvia, uma aliança militar, formada em Maio de 1955, como contraposição à instituição da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Era constituída pelos Países Socialistas de Leste e pela União Soviética. Foi firmado na capital da Polónia, como o seu nome indica, sendo um compromisso de ajuda mútua militar entre os seus membros, em caso de uma agressão, sendo legalizada deste modo a presença de milhões de militares soviéticos nos Países Satélites de Moscovo.
Não posso deixar de afirmar que o Pacto de Varsóvia nunca teve ocasião de combater uma agressão militar da Otan, mas apenas actuou para reprimir violentamente as revoltas internas nos países subscritores do Pacto. Claro que com a queda do Muro de Berlim, em Março de 1991, o Pacto de Varsóvia encerrou as suas portas por falta de sócios…!
Já relatei que os países cujo poder foi tomado pelo partido comunista, com a ajuda de Moscovo, tendo sido suprimidos ou exilados os chefes da oposição não comunista, entraram numa situação de dependência absoluta, centralizadora, por parte do aparelho militar e económico da Rússia, não havendo qualquer tipo de liberdade. Pelo Pacto de Varsóvia, todos os exércitos tinham um só comando que actuava em toda a área constituída pela URSS. e Países Satélites.
Só como simples exemplo, direi que nestes últimos apenas os filhos dos cidadãos filiados no partido podiam frequentar o ensino superior, mesmo que tivessem tido boas notas e aproveitamento. Por outro lado, a generalidade da população apenas podia aprender a língua russa, além da língua materna. Os compêndios de língua inglesa e francesa eram absolutamente proibidos, destruídos pelas autoridades e os seus possuidores presos como autores de crimes graves contra o Estado. As gramáticas eram sempre uma colecção de fotocópias sebentas, puídas pelo uso, passadas de mão em mão, e quem aprendia inglês ou outra língua clandestinamente não conseguia articular correctamente as palavras que tinha aprendido de vista pois, na prática, nunca as conseguia ouvir…!
A protecção dos trabalhadores não existia. Os velhos, para não morrerem à míngua, andavam a varrer as ruas, apesar da neve e do frio, para ganharem mais algum que lhes permitisse matar a fome. Pelo menos na Hungria, quando adoecessem e chamassem uma ambulância, os serviços sabendo que era de um idoso que se tratava, não iam buscá-lo…!
Nos regimes comunistas, o governo é do Povo, sendo, por consequência este, em teoria, quem governa. Assim, como os trabalhadores já estavam no poder, através do governo do Povo, não era necessário criar uma organização que defendesse os seus direitos. Tal era um contra-senso na perspectiva comunista!!!. Assim, qualquer actividade diferente da programada pelo Estado, seria considerada logo uma verdadeira traição contra os interesses da comunidade, ainda por cima eram tal acção considerada ao serviço do imperialismo capitalista. Logicamente, os sindicatos existentes eram apenas uma antena burocrática que recebia ordens do governo e, quando muito, serviam para contactos com os sindicatos dos países livres ocidentais. Mais nada.
Quando elementos do Sindicato Polaco Solidariedade vieram a Portugal e visitaram o Parlamento, pude verificar o que era a ignorância inaudita, acerca da matéria sindicalista, tanto de alguns políticos da nossa praça, como dos sindicalistas portugueses. Muitos pensavam que os homens do Solidariedade deviam ganhar as eleições dentro do sindicato polaco já existente e não andar a criar confusões com a criação de um novo!!! Não compreendendo a teimosia do Solidariedade de se afirmar como um sindicato diferente, existindo já uma organização sindical do estado comunista polaco. Enfim, era a prova provada do desconhecimento profundo da filosofia e doutrina comunistas, bem como da sua prática. Santa ingenuidade!!!..
No meio destas andanças dos principais interpretes do poder comunista no mundo, não posso deixar de evocar uma excepção à regra histórica acontecida.
Durante a Segunda Guerra Mundial, os exércitos Alemães de Hitler e os Italianos de Mussolini ocuparam a Jugoslávia, como todos sabemos. Finda a guerra, nas eleições, igualmente ao que aconteceu em todos os países ocupados, foram ganhas pelos comunistas. Tinham feito parte activa da resistência, tendo aproveitado para eliminar obstáculos futuros que pudessem aparecer como possíveis lideres numa situação de liberdade. Assim, foram criadas Frentes Unidas que funcionaram como rampa de lançamento eleitoral. Mas, na Jugoslávia, a chefia dessa Frente Unida ficou nas mãos de uma personalidade “sui generis”, Josip Broz Tito, o célebre marechal Tito, que acabou por ser escolhido como presidente da república. Tinha liderado o movimento da resistência contra os nazis. Após ter obtido o controle de todo o país, seguiu um caminho inteiramente diferente do determinado pela cartilha comunista de Lenine e de Staline. Estabeleceu para a Jugoslávia um Estado Federal, segundo o qual as diferentes províncias que a constituíam passaram a gozar de uma relativa autonomia. Por outro lado, manteve-se à margem do Pacto de Varsóvia. Assim conseguiu, até 1980, manter a unidade e integridade territorial dos chamados seis povos jugoslavos, isto é, da Bósnia, da Croácia, da Eslovénia, da Macedónia, do Montenegro e a da Sérvia. Ao longo da cinzenta época da guerra fria, isolou-se da prática da ideologia comunista, incluindo da comunista chinesa, afastando-se tanto do imperialismo soviético como do americano. Defensor de um comunismo muito próprio, para a construção do socialismo, libertou-se da tutela soviética e adoptou uma política de não-alinhamento no plano internacional. Ao mesmo tempo, procedeu a uma eficaz descentralização, reduzindo os poderes da administração central, fazendo desse modo um cheque mate à capacidade de manobra do Partido Comunista que afinal tinha herdado contra sua vontade. Na altura, era criticado tanto pelos meus companheiros académicos marxistas, como pelos não comunistas. Perante semelhante posicionamentos de campos completamente opostos, nasceu em mim o desejo de conhecer melhor a personalidade e a obra do Marechal Tito, bem como o ideário que serviu eficazmente os interesse do seu Povo, libertando-o da tutela escravizadora do totalitarismo estalinista que vagueava ferozmente por todo o Leste Europeu.
Não podia deixar de escapar este desabafo sobre o sistema que dominou grande parte da Europa….
• António Moniz Palme – 2018
Edição 751 (06/12/2018)
A vil subordinação ocidental ao falecido Pacto de Varsóvia (1ª Parte)
Antes da revolução dos cravos, muitos portugueses ainda pensavam que o comunismo era um sistema político tolerável, atendendo à propaganda maciça, feita pela imprensa da esquerda, controlada pelo partido comunista na clandestinidade, que nos intoxicava o espírito. Os comunistas eram bons: e os nazis eram maus. Ora, ambos tinham as mesmas práticas políticas totalitárias, não olhando a meios para atingir os seus fins, pois nem de um lado nem do outro respeitavam a liberdade de cada um. As duas correntes políticas foram responsáveis por milhões de mortes sacrificados à sombra dos lamentáveis extremismos que decapavam qualquer vislumbre de oposição ou críticas ao nazismo ou ao comunismo. Eram farelos da mesma indigesta massa, que a perversão elegeu como moda política na Europa do Século passado. E quando se pensava que os soviéticos tinham convertido toda uma população, não só da Rússia como dos Países vizinhos, a Europa descobriu finalmente que o comunismo não converteu ninguém, a não ser uma elite saída da revolução e os seus apaniguados a viverem nos Países Livres que, na ignorância cómoda, não conheciam nem lhe queriam conhecer as consequências. O Pacto de Varsóvia e o relacionamento do Povo com os governantes dos países onde os golpes militares submeteram a vontade dos habitantes ao regime comunista são exemplo paradigmático. O Povo Alemão sofreu as mesmíssimas agruras durante o nazismo e a posterior ditadura comunista. E, na Europa, a população continuou muito tempo adormecida no mais puro desconhecimento do que, na realidade se passava, participando em campanhas na tentativa de submeter os respectivos países ocidentais a uma ditadura comunista. Em Espanha, houve uma guerra civil para libertar o Povo do jugo comunista. Claro que depois tiveram que aturar o outro lado extremista de Espanha, empurrada pelo conflito que a dilacerou para os braços do fascismo. Apesar de tal, alguns europeus não queriam conhecer a realidade, ficando-se pelo gozo das prebendas dadas pelo partido das amplas liberdades que lhes pagava o salário de revolucionários profissionais, como referia Lenine. E recordo que, em Coimbra, no Porto e em Lisboa, no meio universitário, havia uma camada de gente que não estudava uma linha e só trabalhava para o partido, almoçando em bons restaurantes para inveja dos seus colegas, e podendo perder a noite em conciliábulos sem fim, enquanto a rapaziada normal, no fim das discussões políticas e do foro académico tinha que se preparar para os inevitáveis exames. E na santa ingenuidade, pensavam muitos que nos países satélites de Moscovo, o povo vivia num paraíso de comodidades, de boa alimentação e de cultura a rodos. Éramos uns bons imbecis!!!. O clima nesses países era de terror. Quem sequer suspirasse por uma leve mudança no regime e pretendesse pensar livremente acabava por ser suprimido ou bater com o costado na Sibéria. E só não via esta situação quem não queria ver. Assim, o Povo Húngaro por pretender a sua liberdade e promover eleições para a escolha livre de governantes que os libertassem da camisa de forças comunista, foram invadidos pelo exército russo, em 1956, que impôs para a chefia Janos Kadar, um homem do aparelho soviético. Lá funcionou brutalmente o Pacto de Varsóvia, com os seus exércitos. Na altura, Nicolae Ceausecu da Roménia, que nada tinha a ver com a Hungria, exigiu ao abrigo do Pacto de Varsóvia que a Hungria fosse invadida e submetida aos ditames comunistas. Recordo bem da imagem impressionante do campeão olímpico Zatopec, nos arredores de Budapeste, de armas na mão, a defender a liberdade do seu povo. A invasão da Checoslováquia foi em 1968, após o levantamento de todo o Povo Checo contra a ditadura comunista gerida por Moscovo, que não tolerou a chamada Primavera de Praga, liderada por Alexandre Dubcec, que pretendia para o seu país um “Socialismo com Rosto Humano”. A Polónia, por sua vez, foi invadida em 1970, tendo havido um enorme massacre do Povo Polaco, em Gdansk, como resposta à revolta dos mineiros contra o regime comunista que apenas lhes tinha trazido infelicidade. O “Solidariedade”, sindicato livre, independente da organização sindical existente, uma mera antena do Partido Comunista, foi destruído, pois tinha invocado e reiterado o desejo de suscitar a lealdade aos valores tradicionais. Mais tarde, um movimento geral da população polaca convidou o Papa João Paulo II, um polaco antigo combatente contra o nazismo, para uma visita à Polónia, desobedecendo às ordens de Moscovo dadas a Varsóvia. Na verdade, os responsáveis comunistas já se não atreveram a invadir a Polónia e o Papa foi recebido por dois milhões de polacos. Na grandiosa cerimónia religiosa, na Praça da Vitória, apesar das ameaças comunistas, estiveram mais de 250 mil pessoas. O responsável comunista Edward Girek, não cumpriu as ordens de Brezhnev, pois teve a clara percepção que se impedisse a entrada do Papa, na Polónia, tinha uma insurreição geral que acabaria com uma derrota violenta do comunismo e, em cadeia, nos países satélites que perante a derrocada económica do comunismo, viviam já de empréstimos da banca ocidental…! Contudo,os líderes dos partidos comunistas dos países ocidentais, apesar de saberem da situação económica da URSS e da miséria das populações, continuavam numa inconcebível dependência em relação às ordens de Moscovo. E se elementos do partido eram ignorantes ou se iam libertando conscientemente do esquema do partido, outros não tinham qualquer desculpa para continuarem a servir os inimigos da liberdade dos povos, Foi esse o caso de Álvaro Cunhal que conhecia o comunismo por dentro e por fora e nunca deixou de pertencer à ala mais dura do partido….!
Uma autêntica perversão dos comunistas do mundo ocidental que ainda hoje fazem loas ao responsável governamental da Venezuela, que apesar do petróleo e da sua riqueza natural, está na mais extrema miséria, dirigida por um tiranete ignorante, que já amealhou uma fortuna incalculável para si próprio, estando a matar o seu povo à fome…!
Edição 750 (22/11/2018)
Centralismo e a sua nova perversão
No meu baptismo de fogo, como deputado, acordei para realidades que me afectavam de sobremaneira. Nasci em S. Pedro do Sul, vivi e estudei por Viseu, conhecendo bem as Terras da Província. Verifiquei então haver semelhanças gritantes em todas essas paragens: – a mesma falta de estruturas e de apoio às populações, com os escassos órgãos de decisão virados de costas para os destinatários, que não os conheciam de todo ou desconheciam onde se localizavam. Embora eu fosse um apaixonado pela gente do interior e até pelos seus costumes, com os quais sintonizava perfeitamente, não aceitava tal situação num país civilizado.
Ainda por cima, diagnosticava perfeitamente um processo gradual de desertificação e uma crescente proletarização dos habitantes dos meios urbanos do interior, onde despontava uma pequena industria ou uma exploração agrícola que empregasse mão de obra, além dos proprietários. Claro que esses terríveis motores de degradação vinham sempre acompanhados por outros pecados, caso da destruição acelerada dos existentes laços culturais, sociais e económicos, da inevitável destruição da paisagem e do meio ambiente. E o que para mim era mais grave:- por todo o lado, a continuação da pobreza rural, apesar da excelência e da alta qualidade de trabalho da gente que vivia do que a terra produzia. Enfim, pensei estar na hora de reagir contra este estado de coisas. Meti-me na constituição de uma Associação Regional da Beira Alta que, em 1997, promoveu o Segundo Congresso Beirão, reunindo muita e boa gente interessada em alterar o panorama do Interior. De lá saíram ideias novas, que ajudaram a revelar a hipocrisia dos grandes partidos que clamavam aos quatro ventos pretender uma Regionalização, então proposta e em discussão parlamentar. O PPM tinha apresentado um projecto de Regionalização com as condições objectivas que deveriam pautar a mesma, baseando a Regionalização nas Regiões Naturais. Os restantes partidos, apesar das declarações favoráveis, para serem ouvidas pelos seus filiados e eleitores, apenas apresentaram propostas com alteração das competências das autarquias e a divisão do País em regiões, determinadas por critérios sem qualquer fundamento científico visível, a não ser retalhar o território nacional e adaptá-lo melhor aos seus desejos eleitorais. Na verdade, dividiam inexplicavelmente zonas tradicionais, com comunhão desde há séculos de hábitos e costumes, para, com parte da respectiva comunidade, compor a seu favor a base eleitoral de determinado território. Uma vergonha!!!. E os que tiveram esperança nessa iniciativa governamental e parlamentar, ficaram esclarecidos. Só para verem o descaramento dos partidos que não estavam nada interessados na Regionalização, aponto um exemplo paradigmático. A Regionalização teria por objectivo principal acabar com as graves assimetrias existentes entre o Interior e o Litoral, sendo motor desses objectivos a convivência mantida desde sempre com as populações próximas do interior e do litoral e vice-versa, com quem foram criados laços de amizade e um intenso relacionamento comercial. E assim, dando o exemplo da Beira Alta, ficariam juntas as terras da Guarda e de Viseu, complementadas por toda a Região Natural da bacia hidrográfica do Vouga, incluindo Aveiro e o território envolvente, território geográfico esse que desde tempos imemoriais tinha tido um tráfico cultural e comercial importante entre as suas populações e uma relações de defesa contra os inimigos comuns que atravessavam a raia cerca da Guarda, ou, igualmente, vindas do Norte, como aconteceu com a s invasões francesas. Por outro lado, nessa área, foi sedimentada uma cultura próxima com valores comuns entre a população do interior e a do litoral. O Malhadinhas de Aquilino Ribeiro era o exemplo cultural dessa ligação permanente, através do comércio, das gente do interior com os habitantes do litoral, quer fossem pescadores, agricultores ou marnotos. Na verdade, havia uma perfeita simbiose da gente da raia, delimitada pelo Rio Côa, com a gente do planalto viseense e com a gente que se espraiava pelos campos do Vouga até à Ria de Aveiro. Pois muito bem, por interesse eleitoral egoístico, foram então feitas propostas de regionalização em que eram incluídas na mesma região e apenas, as terras da Guarda e de Castelo Branco. Criava-se assim um gueto de pobreza sem qualquer possibilidade de manobra com as regiões mais ricas do litoral. Ainda por cima, mostravam um desconhecimento clamoroso da história, pois desde tempos imemoriais que a gente da Guarda não gostava da gente de Castelo Branco e vice-versa. A transumância criou, através dos séculos, graves conflitos entre os pastores de uma região e de outra que se matavam sempre que havia oportunidade para tal. As duas colectividades ficaram para sempre com esse mau relacionamento herdado dos seus gados e pegureiros. Um descalabro, que acabou por exigir a interferência do poder central. Mas a animosidade continuou brava de geração para geração, lá isso é verdade. Ainda hoje se mantém, embora sem os contornos graves de outrora. Durante o Congresso Beirão, em Viseu, o meu amigo, Carlos Candal, esclarecido deputado socialista pelo círculo de Aveiro, pelo telefone perguntou-me se eu estava de acordo com uma região que fora proposta, que apenas incluía Guarda e Castelo Branco. Claro que lhe recordei a existência de uma região natural constituída pela Guarda, Viseu e Aveiro. Pediu-me para usar o seu nome, pois não iria chegar a tempo para intervir. Quando falei na posição favorável de Carlos Candal em relação ao projecto para a Guarda, Viseu e Aveiro, proposta aceite pelo Congresso, veio a sala abaixo com palmas. Então apareceu gente de Castelo Branco que apoiaram inteiramente as nossas razões, referindo que a ligação natural de Castelo Branco seria com Coimbra e Figueira da Foz e não morrerem tristemente isolados nas terras da Guarda e de Castelo Branco. Contudo, com este tipo de manobras, a Regionalização ficou ferida de morte. Além do mais, as Áreas Metropolitanas seriam transformadas em Regiões Administrativas, agravando ainda mais as assimetrias, pois os centros urbanos ficavam completamente desligados da pobreza e dificuldades das zonas circundantes…!
Enfim, tentaram criar um engodo para tão grave situação:- Vieram levantar a solução Descentralização e Desconcentração e outros institutos afins com que tentavam ludibriar o descontentamento do Interior. Contudo, desde um referendo que reprovou o inacreditável projecto de Regionalização apresentada a sufrágio, houve um comprometimento, no discurso governamental, de descentralizar o país. Ora, de lá para cá, as assimetrias em vez de diminuírem, aumentaram tragicamente…!.Se bem que muitos autarcas têm remado contra a maré, tentando contrariar o desequilíbrio que se verifica. Esforços inglórios perante o desenrolar do processo de centralização cada vez mais feroz, que procura descartar-se das obrigações perante a população do País. Quem nos governa esquece-se de uma verdade incontornável. Não existe verdadeiramente um Estado se não funcionarem, em todo o território nacional, serviços públicos de Saúde, de Educação, de Justiça, de Habitação e de Mobilidade, próximos de todos os cidadãos, como há dias declarava peremptoriamente o autarca do Porto, Rui Moreira. Ora, o Estado tem procurado escapar às suas responsabilidades constitucionais, pondo em causa a sua própria razão de ser. Torno a repetir o que afirmou o presidente da Câmara do Porto, quando a coesão territorial se esvai, não se pode pedir aos cidadãos que sustentem um sistema que os abandonou. E o Estado cada vez mais centralizador, vai isolar-se nas suas sete quintas, abandonando a gente do interior à sua sorte e atirando para as costas dos municípios, sem os meios económicos necessários, a responsabilidade pelas suas principais competências. Lavam as mãos como Pilatos e, sorrateiramente, alijam para os municípios o ónus da destruição do Estado Social. Na verdade, o centralismo dos nossos políticos serve para proteger o que se desbarata com a criminosa corrupção e com o bem estar da capital. E o resto é pura paisagem.
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Edição 749 (08/11/2018)
A Capeia Raiana
Um velho amigo meu, especialista da obra literária de Nuno de Montemor, quando lhe mostrei o meu artigo sobre o escritor da Beira, fez me justo reparo, questionando-me pelo motivo de não explicar o que é uma Capeia?!!! Na verdade, teve toda a razão na crítica feita. Foi uma falta grave. Eu sou da Região de Lafões e lá não se fazem Capeias, nem ninguém sabe o que isso seja. Pois bem, passo a corrigir o meu erro.
A Capeia é uma manifestação taurina regional, como são igualmente as Corridas à Corda nos Açores, nomeadamente nas Ilhas Terceira e Graciosa, e as Chegas de Bois em Trás-os-Montes. As Capeias são habituais na região raiana beirã.
Pode-se lá arribar, pela Guarda, Vilar Formoso, Aldeia da Ribeira, Aldeia da Ponte, Alfaiates, ou, em alternativa, pelo Sabugal em direcção à Serra da Malcata, encontrando Quadrazais e, mais distante, Forcalhos e Lajeosa da Raia. A Capeia é realizada em muitas localidades nas proximidades do Rio Côa, normalmente durante o mês de Agosto. Entre outras localidades, realizam-se em Lageosa da Raia, Ruivós, Aldeia da Ponte, Aldeia do Bispo, Soito, Ozendo, Rebolosa, Vale de Espinho, Foios, Vale das Éguas, Aldeia Velha, Nave, Alfaiate e Forcalhos. Contudo, as primeiras sessões, segundo Nuno de Montemor, foram realizadas em Quadrazais, com características muito peculiares.
Como já referi, Quadrazais era a terra dos contrabandistas, com grande prática na travessia clandestina da fronteira com a Espanha. Além de se dedicarem ao contrabando, os Quadrazenhos eram agricultores, cultivando todo género de produtos agrícolas, principalmente o Centeio, e tinham sempre hortas bem recheadas com Mimos e Primores, que eram o seu orgulho e de que faziam muita gala. Como era uma localidade pobre, apenas comiam do que a terra dava.
Ora, junto à fronteira, do lado espanhol, havia a Floresta da Ginestosa e a seguir terrenos planos onde os “ganaderos” castelhanos criavam e punham a apascentar as suas cabeças de gado. Claro está que, por vezes, algumas tresmalhadas entravam na zona florestal e, de lá, atravessavam a linha da fronteira, sem passaporte, fazendo um passeio turístico pelas terras cultivadas portuguesas, propriedade e arroteadas pelos Quadrazenhos, roendo o que podiam, nomeadamente a parte viçosa mais chamativa dos legumes e demais verduras. Quando os pobres agricultores davam conta, era tarde demais e o gado abusador já se tinha posto a mexer de regresso ao País vizinho. Pedir indemnizações, seria muito difícil para a gente de Quadrazais, podendo vir a ser criados problemas diplomáticos num País em que a agitação política já era bem visível. Ainda por cima, os Quadrazenhos não pretendiam aborrecer as autoridades fronteiriças, bem como a “Guardia Civil”, cujos elementos tantas vezes faziam vista grossa à sua passagem na fronteira, carregados até mais não de contrabando…! Essa é que era a questão!!!. Mas os Quadrazenhos arranjaram um modo de se ressarcir dos estragos causados pelas visitas das vacas espanholas e seus imprescindíveis machos…! Uma vez por ano, os melhores cavaleiros da terra, montados nos ginetes mais rápidos, faziam uma surtida pelas terras espanholas da raia, durante a noite, soltando o gado que estava em cercados ou mesmo estabulado, e conduzindo, posteriormente, uma dúzia de cabrestos até Quadrazais, onde eram metidos num compartimento resistente, preparado já para o efeito. Claro que o preço de um curro era bem superior aos estragos agrícolas sofridos, mas o gado era sempre religiosamente devolvido, após ter cumprido as suas funções sociais lúdicas, em Portugal, pois então !!!~
No dia aprazado para a Capeia, no largo da terra, era arranjado um redondel, cercado pelos carros da lavoira, carregados de matos até às extremidades dos respectivos fueiros. Depois havia um actor principal, neste espectáculo que a multidão esperava ansiosa, e que era o FORCÃO ou FORCALHO, uma espécie de grelha gigante de troncos de madeira resistente, em forma de triângulo isósceles, com cerca de cinco metros de comprimento nos dois lados iguais, e seis metros na abertura. Nas extremidades de cada trave lateral, eram presas várias pontas aguçadas de madeira, em leque, para que o toiro não tivesse a possibilidade de derrubar o forcão, marrando repetidamente nas extremidades da parte dianteira. Era o Forcão transportado por trinta jovens, possante, para poderem com rapidez e agilidade mover o aparelho. Quinze de cada lado, que pegavam no mesmo tronco até à altura da cintura e faziam nessa posição a espera ao toiro que ia entrar no redondel, aberto que fosse a porta do curro. No vértice das duas vigas de madeira, estava o Rabejador ou Rabeador que, no vértice das duas vigas laterais e iguais, conduzia a difícil manobra, de fazer frente ao toiro, regulando-se pelas voltas e contravoltas rápidas e imprevisíveis, de modo que o animal tivesse sempre à sua frente a abertura de seis metros e não tivesse qualquer hipótese de atacar o Forcão pelas partes laterais, derrubando- o, bem como aos agarradores ou transportadores.
Como a abertura de seis metros estava aberta, o toiro tentava marrar por ali, mas ia embater em algumas puas aguçadas que estavam no meio e, naturalmente, recuava, tentando fazer nova investida por outro lado. A arte estava em apanhar sempre o arranque do toiro pela parte da frente. E tantas vezes o toiro fazia tentativas, que os agarradores do Forcão acabavam por o ir empurrando às arrecuas até à porta do curro, onde dava estrada de costas, sendo logo encerrado. Assim, acabava a corrida daquele toiro e o público empolgado, dependurado nas janelas e nos carros que circundavam a arena, felicitava os agarradores do Forcão e delirava com a vitória da rapaziada da terra contra o bruto.
Entre a entrada do Forcão para o toiro seguinte, enquanto os agarradores ganhavam o necessário alento e recobravam as forças para novo embate, aparecia sempre algum português, a trabalhar no país vizinho, aprendiz na arte de tourear. e que vestido a rigor com “Traje de Luces” e tudo, fazia uns passes de capote e de muleta, chegando a brindar o público entusiasmado, com a colocação de bandarilhas. Enfim, realizava-se, e satisfazia a sua vaidade, pois mesmo que a lide fosse deplorável, recebia sempre palmas…!
Finda a Capeia, os mesmos cavaleiros que tinham ido raptar as alimárias, conduziam-nas até à fronteira, atravessando a mesma com o gado de modo que pudesse voltar, natural e sem dificuldades, para as instalações do proprietário. Ultimamente, os donos do gado eram convidados para presidir às cerimónias da Capeia e eles próprios escolhiam o gado que, de noite, seria raptado para a próxima Capeia Raiana, mantendo-se a simpática tradição.
Espero ter sido suficientemente esclarecedor na explicação dada.
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Edição 748 (25/10/2018)
NUNO DE MONTEMOR, um escritor da Beira, sempre actual
O calor convida à leitura debaixo de um frondoso castanheiro, como faziam os nossos antepassados, para ultrapassar a excessiva estiagem. Resolvi voltar ao velho sistema de uma boa sombra, um copinho de vinho branco bem fresco e um clássico português já lido. Quase, como na roleta, veio à minha mão, por artes mágicas, uma encadernação da vasta obra de Nuno de Montemor, um escritor beirão do século passado. Estive para a colocar novamente no lugar de onde a tinha tirado. Contudo, antes de o fazer, resolvi reler algumas páginas do seu romance “Flávio”, romance sobre a vida de um filho do então primeiro ministro dos últimos tempos da Monarquia, Flávio de Moura, deputado pelo partido com maioria absoluta no parlamento, sofrendo as dúvidas causadas pelo comportamento político de muitos parlamentares, não só no aspecto da respectiva competência, mas igualmente em matéria da integridade moral e intelectual de cada um. Claro que fui lendo regalado o livro de Nuno de Montemor. Não tinha dado conta, da primeira vez que o li, que era, como agora se diz, de uma flagrante e espectacular actualidade, reveladora de que os problemas portugueses do princípio do século passado continuam a ser os problemas políticos da actual Assembleia da República. Li sem parança, passando para um outro livro do autor, “A Hora Vermelha”, para não perder o ritmo.
É de realçar, na sua obra, uma crítica acesa aos processos fraudulentos eleitorais, atentatórios da liberdade que deverá existir numa Democracia. Por outro lado, faz, igualmente, uma crítica sistemática à corrupção intelectual e à mediocridade dos políticos parlamentares de então. Pois, não se importavam com os problemas que afligiam o estrato populacional mais modesto e apenas zelavam pelos seus interesses pessoais ou do grupo político a que pertenciam. Porém, honra lhes seja feita: -só mais tarde apareceu a corrupção material, traduzida em desvios de dinheiros públicos e de medíocres a auferirem vencimentos, com a cobertura da lei, de quantitativos impensáveis, que empobrecem o erário público e destroem o suporte económico da colectividade, como presentemente acontece. Enfim, agora os políticos enriquecem a expensas do tesouro nacional.
Terei que dizer aos leitores, que Nuno de Montemor, de seu nome Joaquim Álvares de Almeida (1881-1964), nasceu em Quadrazais, Sabugal, terra da capeia arraiana. Apesar da sua intensa actividade de escritor, sentiu o chamamento de Deus, sendo ordenado sacerdote e nomeado pároco em Bendada. Posteriormente, foi nomeado pároco de Almeida, acabando por ser convocado para exercer funções de capelão militar no Regimento e Infantaria da Guarda, com passagem subsequente pela Primeira Guerra Mundial.
Muito mais tarde, em 1928, ajudou a fundar o Lactário dr Proença, na Guarda, com a finalidade de acudir às mães necessitadas, fornecendo leite às crianças pobres, aos idosos e aos doentes. Uma mulher lamentou-se ao escritor que não podia ir ao Lactário buscar leite para o filho, pois era prostituta e iria colocar mal o sacerdote Nuno de Montemor. Este ficou furioso e mandou-a seguir imediatamente para o Lactário, que julgo ainda hoje funcionar, declarando que o mesmo tinha sido criado para todas as mães, onde se incluíam as prostitutas…!
Apesar da sua intensa actividade pastoral, as suas qualidades literárias não se perderam, continuando a animar a inspiração de Nuno de Montemor. O seu livro “Maria Mim” fez um enorme sucesso na altura. Uma rapariga de uma família de contrabandistas, de Quadrazais, junto da raia da Espanha, que para se defenderem tinham uma linguagem própria, secreta, uma gíria cerrada que ninguém entendia fora do meio. Contudo, a bonita heroína deste romance, na sua actividade de contrabandista, encontrou um alferes, que chefiava a guarda na fronteira, circunstância que modificou tragicamente a vida de ambos. Neste romance, perpassa a graciosidade da linguagem cabalística dos contrabandistas, a alegria do folclore do Sabugal, a vivacidade das capeias, isto é, da castiças manifestações taurinas daquela região, e a extrema rudeza das gentes da raia, com o seu caracter orgulhoso, obstinado e lutador. Na realidade, a granítica Beira deu a Nuno de Montemor uma rebeldia e uma agressividade linguística que contrastam com o seu extremo misticismo, motivo porque o bucolismo rústico da sua poesia não tirou força aos seus versos, nem profundidade metafisica à sua prosa, dando aso à criação de figuras fortes como as fragas serranas onde passou a sua juventude
Para o localizarmos no espaço cultural português, direi que era contemporâneo de uma serie de escritores integralista, de quem muito se aproximou intelectualmente. Privou com António Sardinha, Hipólito Raposo, João de Almeida, Augusto Gil e Afonso Lopes Vieira, que classifica o sacerdote escritor como um “serrano piedoso de alma breve e meiga”. Fernando Pessoa, José Régio e Mário de Sá Carneiro também o conheceram e com Ele conviveram e trocaram ideias.
A sua obra é mais sentida que intelectual, vibrando intensamente com acontecimentos que viveu de perto, procurando sempre defender os operários nas suas atribulações e lutas, e a gente simples do Povo sempre indefesa contra as injustiças dos políticos. Mas, o que mais encanta na sua obra é o portuguesismo que todas as suas figuras transpiram. Mendes do Carmo, comparando os romances de Nuno de Montemor com os de Paul Bourget, referia que estes excediam os do romancista francês no calor humano, em movimento e na plena intensidade de toda a sua trama. Paul Burget, na altura, era o último grito de romancista europeu. Podia ter escrito os seus livros em qualquer parte do mundo, que tal não tinha qualquer influência na sua obra. Porém, os romances de Nuno de Montemor só podiam ter sido escritos, no seu país natal, nomeadamente na zona serrana onde cresceu e viveu com paixão. Semelhantemente à desencantada geração do seu tempo, continuava revoltado com a passividade que permanecia, quedando-se atónita, saudosa e incapaz de reagir à decadência da vida social e cultural, tomando a atitude negativista dos componentes do soberbo quadro a óleo do pintor lafonense Albano Coutinho, ”A Balada do Encoberto”, lamentando-se, cantando o fado menor, mas não sendo capazes de reagir e de concluir que os valores culturais que criaram o grande Império Português permanecem inertes na nossa gente, bastando transformá-lo no ponto de partida para novas arrancadas na construção do futuro da nossa querida terra..
Espero ter criado o interesse suficiente para lerem a obra deste excelente escritor beirão cujos romances evocam problemas de ontem e, infelizmente, de hoje.
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Edição 747 (11/10/2018)
A maldita Corrupção que vai estoirar com a Democracia e a Liberdade dos Portugueses
A evolução do nível da corrupção em Portugal tem qualquer coisa de vertiginoso, importando saber qual o motivo da dramática aceleração da mesma. Corrupção sempre houve em Portugal, todos sabemos, simplesmente os corruptos eram presos e os responsáveis governamentais que nela eram apanhados, eram corridos prontamente dos lugares que ocupavam e, pelo menos, apesar da falta da liberdade de imprensa, crucificados na praça da opinião pública, mesmo que diplomaticamente desaparecessem da ribalta.
Após o 25 A, a partir de certa altura, determinados lugares começaram a ser apenas ocupados por elementos filiados em alguns partidos e, invariavelmente, pertencentes a uma associação secreta por todos conhecida, que entrou no panorama político português, com pezinhos de lã, e passado bem pouco tempo, controlava tudo o que era nomeações para cargos públicos e gestores de empresas do Estado. Claro que os governos vão mudando, mas os gestores das empresas públicas constituem uma espécie de grupo do baralha e torna a dar, de uma nova aristocracia que não sai do sítio. Além de não desaparecerem do mapa, protegem-se uns aos outros, pois a tal são obrigados pelas regras da seita que os nomeou. Claro que com este sistema, a corrupção começou a crescer a olhos vistos. Ninguém vai à mão aos corruptos e mesmo que sejam apanhados nas malhas da justiça, mesmo que sejam condenados, não são efectivamente presos nem restituem o que desviaram do erário público. Mesmo que todos saibam que um ministro vindo das berças, com uma saca às costas e de pé rapado, passado poucos anos aparece a público com um património apenas comparável aos responsáveis de alguns países africanos, a ordem jurídica em vigor nada faz para repor a situação de injustiça criada pela visível corrupção. Não vale apenas dizer nomes, pois todos os apontam claramente. A resposta do Poder Judicial é de que não existem provas concludentes tendo em consideração a legislação existente, que propositadamente, e por motivos óbvios, não é alterada…! Essa é que é a verdade nua e crua. Claro que várias pessoas começaram a fazer o diagnóstico à situação e um ministro houve, João Cravinho, do partido Socialista, que tomou posse, em Outubro de 1995, das rédeas do Ministério do Planeamento e, honra lhe seja feita, imediatamente iniciou o combate à corrupção, nomeadamente nas Obras Públicas e na Administração Local, reforçando o Instituto de Gestão e Administração Pública (Igar), pois muitos contratos e obras a mais, que não estavam nos cadernos de encargos, levavam à revisão permanente dos preços e à significativa subida dos custos, cujos montantes eram gastos na corrupção…! Uma verdadeira pouca vergonha. Isto é, havia uma permissividade entre os interesses públicos e privados que, nas obras levadas a cabo, favorecia e protegia a corrupção. Por esse motivo, apresentou propostas de nova legislação que acabaria com este salsifré escandaloso. Porém, foi prontamente silenciado e demitido perante a pressão dos empreiteiros, protegidos na sombra pelos beneficiários deste género de geringonça. Como deputado, João Cravinho continuou a corajosa luta contra a corrupção, mas o chefe do governo de então era Sócrates e a corrupção continuou a ser permitida pelos responsáveis e pela estranha e inconcebível actuação da Procuradoria Geral da República. Os escândalos rebentaram. A opinião pública era muito clara:- Assim, não..!. Perante o descontentamento geral da colectividade, foi nomeada uma nova Procuradora, Joana Marques Vidal, para o cargo, iniciando prontamente e sem medo o saneamento das várias situações que iam aparecendo, sabendo bem da má vontade infame dos responsáveis governamentais nesta matéria, o que levou António Barreto, o grande humanista português do nosso tempo, a lamentar em tom de desabafo, em Maio passado, que o P.S., seu antigo partido, estava no fim…!. O Governo e a Assembleia da República não mexeram uma palha para suster o processo de corrupção que está a gangrenar completamente o País, equipando a sociedade com o necessário e imprescindível armamento jurídico. Entretanto, gastam-se os deputados a discutir futebol, nos programas da televisão, em vez de cumprirem as suas obrigações como eleitos pela população, defendendo os interesses dos eleitores. E os governantes, por outro lado, pelo caminho que as coisas estão a levar, parece temerem que um parente ou um amigalhaço caiam na rede que actualmente anda a apanhar a pouco e pouco os corruptos, que por aí vagueiam para nossa perdição …! Apesar do mandato do exercício das funções de Procurador Geral da República não ter ficado limitado constitucionalmente, foi logo levantado esse falso obstáculo para a continuação da anterior Procuradora. Com a agravante de não terem a coragem para enfrentar de peito feito a vontade da maioria do Povo Português, que manifestou claramente o desejo que Joana Marques Vidal continuasse ao leme da barca anti-corrupção. E para calar a Voz Pública de toda uma Nação, os responsáveis permitiram que se pensasse que a antiga Procuradora iria ser reconduzida no lugar que brilhantemente tem exercido. Mas não. Satisfazendo os interesses da corrupção, o Sr. Presidente da República colocou lá uma inexperiente que, para cúmulo, segundo corre, tira fotos com Sócrates, nas homenagens que lhe são feitas apesar de estar indiciado como o indígena mais corrupto de todos os tempos. È isto que nos espera. Não gosto de fazer juízos de valor antes do tempo, mas tenho toda a legitimidade para pensar que esta nova “Lady Gaguinha” vem substituir Joana Marques Vidal, para interromper a acção levada a cabo contra os corruptos, que a mesma acabaria por meter forçosamente atrás das grades, como pretende a maioria dos portugueses. Deus nos livre, para bem de todos nós, da maldita corrupção.…!
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Edição 746 (27/09/2018)
PADRE FONTES, um homem da Igreja com a fotografia do diabo num bolso e o rosário numa das mãos
Devo dizer que sou admirador e amigo do Padre Fontes, António Lourenço Fontes, de seu nome, nascido em Vilar de Perdizes, na Região do Alto Barroso, perto do Gerês. Filho, segundo dizem, de uma mulher de virtudes, na linguagem prosaica do nosso povo, uma bruxa. Estive com Ele no III Encontro da História e Cultura Judaicas da Torre de Moncorvo e, numa das sessões, fui obrigado a sair à estacada, como os cavaleiros medievais, para defender a sua Honra, contra os insultos à sua pessoa e dignidade, proferidos por um pomposo professor universitário de Medicina de Lisboa, de origem judaica, Prof. Doutor Ruah, pelo facto do Padre Fontes ter confirmado uma triste realidade histórica: a existência, até há poucas dezenas de anos, da instituição “abafadeiras”, mulheres que eutanasiavam os judeus clandestinos, quando estes estavam perto da morte, prática que o Abade Baçal e outros autores, como Samuel Schawarz e Miguel Torga referem como verídica. Tal circunstância já foi tema de um artigo da minha autoria, sobre o Abade de Baçal, e que foi publicado na Gazeta da Beira
Conheço e admiro o Padre Fontes, desde há muito. Sei que está pior do mal que o aflige, a Doença de Parkinson, por esse motivo não deixou de presidir às cerimónias religiosas na última sexta-feira, dia 13, pois receia não estar vivo na próxima coincidência de datas, em Setembro de 2019. Na verdade, este é um dia considerado de azar pela gente inculta, e para tal combater, é celebrado desde 2002, pelo Padre Fontes, na sua terra, enchendo-se os estabelecimentos hoteleiros existentes, para os visitantes poderem assistir à cerimónia religiosa e a um cortejo profano onde desfilam artistas mascarados de bruxas e duendes, havendo um ponto alto nesta parte dos festejos: a leitura do responso da queimada, sempre lido à maneira de proclamação pelo Padre Fontes. Como é lógico, tenho que explicar o que é a QUEIMADA, bebida galega preparada com aguardente, açúcar e alguma espécie de fruta, normalmente maçãs, estando esta mistura no fogo, dentro de uma vasilha apropriada de barro, sendo permanentemente mexida com uma colher, até se perder grande parte do álcool. È, igualmente, apreciada pela gente portuguesa residente nas cercanias da raia espanhola. Claro que dizem que é uma bebida que faz entrar os bebedores num pacto tácito com o diabo. Por essa razão e para que o Povo perdesse essa mania tola, com a elaboração da bebida da Queimada, o Padre Fontes lia sempre um tradicional documento medieval que convocava os espíritos malignos. Assim dizia tal peça literária de evocação de belzebu, pedindo desculpa da linguagem livre dela constante “Vade retro Satanás, prás pedras cagadeiras. Lume de cadáveres ardentes, mutilados dos corpos indecentes, peidos de infernais cus. Forças do ar, terras, mar e lume, a vós requeiro esta chamada. Se é verdade que tendes mais poder que as humanas gentes, fazei que os espíritos ausentes compareçam a esta queimada”. Ora, o Padre Fontes estudou profundamente as crendices, ouviu as histórias ainda lembradas pela gente mais velha de Trás-os-Montes. Isto é, pesquisou por toda a parte o OCULTO para entender a crendice, pois segundo Ele, só o seu entendimento perfeito, lhe dava a capacidade necessária para a destruir.
O Padre Fontes sempre teve um feitio folgazão, gostando da vida e de conviver. Mais novo, era namoradeiro e amigo de bailes e festejos populares, o que lhe ensombrou o seu cadastro pessoal com alguns percalços, durante a estadia no Seminário e nas vésperas de dizer a Primeira Missa, pois corria que tinha organizado uma grande festa popular, na sua terra, para comemorar a sua entrada na vida eclesiástica. O Reitor do Seminário chegou a levantar a hipótese de não permitir que se tornasse padre. Prontamente o futuro padre reclamou dessa atitude do seu superior, declarando que era a primeira vez que a sua aldeia dava a Deus um sacerdote e tal tinha que ser festejado, alegando que só se combate o diabo com a alegria. Claro que o seu superior acabou por concluir que António Fontes era diferente dos rapazes comuns e talvez tivesse razão, nas suas opiniões…!!!
Em 1982, contudo, excedeu-se, pois, sem ouvir a hierarquia eclesiástica, organizou o Congresso de Vilar de Perdizes, convocando para lá todo o tipo de bruxos e cartomantes, videntes e leitores da “ buena dicha”. Como razão para tal, explicava que sua mãe recitava ladainhas para todos os males, fazia misturas de ervas para tratar as enfermidades mais variadas, e dizia responsos para afastar os demónios. Claro que o Povo gostava daqueles métodos que lhes tratavam da saúde e os livravam do convívio das bruxas, da ameaça das alcateias dos lobos esfaimados e esconjuravam a convivência não querida com o demónio. No entanto, era necessário, neste amontoado de tradições e remédios, separar o trigo do joio, eliminando as crendices inconcebíveis daquilo que constitui a medicina popular, bem como os remédios caseiros tão úteis nas comunidades pobres, isoladas no Interior.
Claro que a realização foi mal vista pela hierarquia da Igreja, sendo apanhado o Bispo de surpresa com tão estranho evento. Igualmente, as autoridades civis reagiram desfavoravelmente com receio de um possível mal-estar com a gente mais conservadora do meio. Por fim, foi o problema aproveitado por determinado tipo de movimentos anti Igreja. No fundo, o Padre Fontes era um estudioso da maneira de pensar e agir do povo mais ignorante, e juntou tudo o que era relacionado com crendices para mais facilmente as desmontar e destruir. Coleccionava máscaras com a figura do demo e dizia que andava sempre com o terço e com a fotografia do diabo para lhe demonstrar que não tinha medo dele nem das suas tentações. Na altura, não se podia assobiar de noite para não chamar o demónio. Claro que o Padre Fontes assobiava publicamente todas as noites e fez uma peça, para ser representada na sua terra, que começava no meio de um terreiro “comigo a assobiar…” Era a sua arma para destruir a crendice, gozando com a mesma. Na verdade, a troça é uma boa terapêutica. Enfim, era um homem culto e com o espírito livre das crendices inacreditáveis existentes, apesar de ter nascido num meio propício às mesmas.
E a tempestade passou. Mais tarde, atendendo aos seus altos serviços, no combate à fome, na sua região, foi compensado com um convite para vir para o Porto, convite que não aceitou por lhe parecer que o combate contra a ignorância e a crendice era no interior que se devia travar.
Numa realização na Casa de Trás-os-Montes, no Porto, o Grupo de Fados dos Antigos Estudantes de Coimbra fez uma serenata, no jantar de homenagem aos transmontanos portuenses ilustres, presidido pelo o Venerando Bispo D. António Rafael. No meio da conversa com o simpático e culto Bispo, atrevi-me a dizer que era admirador do Padre Fontes, que considerava um homem excepcional e um verdadeiro investigador da etnografia transmontana, nunca perdendo a sua postura de Homem da Igreja. Concordou comigo, embora o considerasse um elemento do clero por vezes complicado, o que aceitei plenamente…! Assim sempre acontece com quem é muito inteligente e activo e tudo quer fazer de um momento para o outro, acrescentou.. Vi que a hierarquia respeitava o Padre Fontes, apesar de tudo.
Publicou dois volumes sobre as crenças e tradições do Barroso, apresentados na Universidade do Porto, pelo Professor de Antropologia Manuel de Barros, que se referiu ao Padre Fontes, como um continuador da obra do Abade de Baçal. Com minha Mulher, almocei com o Padre Fontes pouco tempo depois, usufruindo das sus interessantes estórias e relatos do que indagou e descobriu nos diálogos travados com a tradição secular da sua terra. Num lamento, referiu que tinha sido convidado para uma entrevista na televisão. Porém, o entrevistador, Carlos Cruz, não estava interessado na sua obra, nos problemas do interior e nas questões que um Padre tinha que resolver, mas apenas pretendia a resposta à questão miserável que lhe colocou: ”tinha tido ou não namoradas e alguma vez tinha tido relações físicas?!!!.” Pelos vistos de tal funcionário televisivo não era de esperar outra coisa…
Soube mais tarde que os deputados eleitos por Vila Real manifestaram a vontade de que o Presidente da República atribuísse ao Padre Fontes a Ordem de Mérito. No entanto, Cavaco recusou, embora tenha andado a condecorar quanta personalidade que ´é tida pela generalidade dos portugueses como o expoente máximo dos salafrários e corruptos…
Tenho Fé lhe seja feita justiça ainda em sua vida, pelo mundo intelectual português.
Edição 745 (13/09/2018)
Eugénio de Andrade (1923-2005), um poeta da Beira, que foi meu vizinho e amigo
“É Urgente o Amor, é urgente um Barco no Mar”
Quando comecei a trabalhar no Porto, no antigo Instituto Nacional do Trabalho e Previdência (I.N.T.P.), convivia bastante com gente ligada ao Ministério, agora chamado do Trabalho. Entre Eles, não posso de deixar de destacar o Sr. Dr. José Rebelo Cotta, natural de Viseu, Delegado do I.N.T.P., e o Sr. Dr. Guilherme Fontes, Presidente da Caixa de Previdência do Porto. Ora, estando com ambos a assistir a um concerto de música sinfónica, no Coliseu, durante o intervalo, encontrámos um casal com um aspecto estranho, ambos com o cabelo loiro oxigenado até mais não, com um largo lenço e um turbante de cor clara, envolvendo respectivamente o pescoço e a cabeça de cada um. Ele era funcionário de determinado sector da Caixa de Previdência e protegido do Guilherme Fontes, pois com o seu ar de Lawrence d´Arábia , ataviado à moda do Porto, tinha a má vontade da mentalidade masculina primária daquela época…! Pelos meus amigos, fiquei a saber que era um conhecido vate, cuja poesia ambos apreciavam e, ainda por cima, era natural da Beira como eu. Estava na presença do poeta Eugénio de Andrade, cujo verdadeiro nome era José Fontinha, acompanhado pela sua simpática Mãe com quem sempre ia a manifestações sociais. Conhecia já alguns dos seus versos, nomeadamente o Poema Mãe que me sensibilizou sinceramente, tendo passado a procurar e adquirir as suas obras para conhecer bem a sua poesia. Sempre que os encontrava, nos concertos e óperas, tínhamos grandes conversas falando, além dos lugares comuns habituais, nos problemas da cultura e da inqualificável falta de apoio por parte dos respectivos responsáveis. Criámos entre nós uma relação de amizade que acabou por durar durante toda a sua vida. Após o 25 de Abril, foi viver para o Passeio Alegre, na Foz do Douro, onde o Município da Invicta lhe arranjou uma casa para residir, bem como as instalações para a futura Fundação Eugénio de Andrade, sinalizadas por um trabalho do meu amigo José Rodrigues, encomendado pela Sociedade de Escritores, trabalho esse colocado do outro lado da rua, em frente à sua janela, num local debaixo de uma árvore, onde poisava um grupo de pombas que deliciavam o poeta com as suas movimentações nervosas e pequenos voos… Com a sua aproximação à minha residência, passei a encontrar Eugénio de Andrade nos seus passeios solitários pela Foz fora, tomando os ares frescos da manhã, ou bebendo a bonita luz dos fins de tarde fozeiros. Tinha falecido a sua Mãe, companheira de sempre e, para cúmulo, conhecia poucas pessoas na Foz. Lá o estive a convencer que toda a gente sabia quem era, e falavam no novo habitante da sua Foz, um poeta conhecido de que todos se orgulhavam de o ter como vizinho. Inclusivamente, consegui que o clube “Lawn Tennis da Foz”, lhe abrisse imediatamente as portas e o seu restaurante, graças à cumplicidade do meu amigo e antigo companheiro de Coimbra, Afonso Guimarães. Quando estava aborrecido, ia até minha casa, entrava e esperava por mim, lendo os livros deixados fora das estantes e que na altura tinha em mãos para ler. Era uma pessoa muito reservada e tímida, tendo receio até da própria sombra. Eu, para ir a sua casa, distante dois quarteirões da minha, tinha que telefonar antecipadamente, a avisar de que lhe iria fazer uma simples visita de amigo mas, em contrapartida, o poeta aparecia na minha residência, sem dizer água vai, o que me dava enorme satisfação. Perante as suas desculpas, pelo não aviso, explicava-lhe que não devia ficar incomodado, pois os beirões, como nós, por hábitos ancestrais, quando alguém nos bate à porta, dizemos “Faça favor de entrar” e só, posteriormente, perguntamos “Quem é e ao que vem?”. No fundo, com este tipo de raciocínios, achava o nosso Poeta ser eu, certamente, um bom esotérico com hábitos mais do que esquisitos…!
Alimentava um certo ciúme, que não escondia, pela amizade que sabia ligar-me a Pedro Homem de Mello de quem aliás cheguei a ser advogado. Enfim, eu era um seu companheiro de conversa, a quem recorria para desabafar, quando se sentia só, o que muito me honrava, como podem calcular. A sua obra poética foi publicada em diversas línguas e recebeu o Prémio Camões em 2001. Foi um dos melhores poetas do Século. A sua terra natal era a pequena povoação beirã da Póvoa da Atalaia. Filho de um abastado agricultor, com quem me pareceu não se ter dado lá muito bem. Quando os Pais se separaram, passou a viver com a Mãe. Nas conversas havidas sobre o Fado de Coimbra, que Ele dizia admirar, tendo exigido que eu tocasse à guitarra, para Ele, umas variações. Fez o favor de ficar inebriado com os meus pobres trinados de guitarrista. Na altura, fez me uma confidência, relatando que permitiu que um conhecido grupo de fados gravasse uns versos seus, mas que não tinha gostado mesmo nada da experiência. E, na verdade, tinha toda a razão. Eu, na minha modéstia, também não gostei. Como dizia que não conhecia gente da Beira a residir no Porto, resolvi suprir essa sua falta e organizei, na Casa da Beira Alta, a embaixada da Região Beirã, um convívio cultural, onde seriam postos os seus livros à disposição do público. Claro que não queria ir, mas por mim foi obrigado, e lá fomos para Santa Catarina, para um casa da Beira Alta em festa, cheia de gente, que recebeu o poeta com grande entusiasmo e carinho, desde a porta da entrada. Foi organizada uma mesa com o advogado Vasco Lencastre, o poeta Eugénio de Andrade, eu próprio, o Prof. Doutor Arnaldo Saraiva, o presidente da Colectividade da altura, Eng. Jorge Melo, e o poeta beirão Melchior Sylva. Eugénio de Andrade, depois de Arnaldo Saraiva falar da sua obra, contou episódios da sua vida, lendo alguns dos seus versos mais significativos. Foi longamente aplaudido pelos presentes que enchiam por completo as instalações da Casa da Beira Alta. Seguiu-se uma sessão de autógrafos. Por uma questão de curiosidade, nessa noite, o representante da sua editora, vendeu duzentos contos de livros da autoria do poeta homenageado. Para finalizar sessão tão agradável e antes de uma simpática ceia, os antigos estudantes de Coimbra no Porto fizeram uma serenata em honra de Eugénio de Andrade. Henrique Veiga cantou três fados de Coimbra, com versos de Eugénio de Andrade, por si musicados, acompanhados à guitarra pelo Arménio Assis e Santos e por mim, e à viola pelos Conselheiro Mário Araújo Ribeiro e Manuel Meirelles Campos Costa. Cantaram ainda, como só Eles sabem cantar, Zé Archer de Carvalho, Napoleão Amorim e José Maria Lacerda e Megre. Foi um sucesso e Eugénio de Andrade confessou ter gostado muito dos arranjos feitos aos seus versos e que gostaria que fossem por nós gravados. Assim aconteceu. O Henrique Veiga gravou os versos dos poemas “URGENTEMENTE”, “LÁBIOS” e “ENTRE DUAS FOLHAS”, num disco da A.A.E. de Coimbra, do Porto. Após noite tão importante para a cultura portuense e para a nossa Beira, chegámos à conclusão de que, quando os poetas se isolam do seu Povo, este procura o seu contacto, com carinho e adoração, como aconteceu no caso concreto, para espanto de Eugénio de Andrade. O Prof. Doutor Arnaldo Saraiva confessou-me que nunca tinha visto Eugénio de Andrade tão entusiasmado, rodeado de gente sua conterrânea, que lhe manifestava o respeito pela sua poesia. Fui eu que levei o Poeta a casa No dia seguinte, este segredou-me que me queria fazer uma confidência íntima Procurou-me em casa para me comunicar, com o ar mais sorridente deste mundo, que tinha tido, na sessão havida na Casa da Beira Alta, um dos momentos mais felizes da sua Vida. Igualmente eu, fiquei feliz como um cuco, como se diz na nossa Terra!!!
António Moniz Palme – 2018
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