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Desenvolvimento Rural – a par e passo

• Guilherme Lewes (Engenheiro Agrónomo)

Edição 784 (28/05/2020)

“HÁ FESTA NA ALDEIA” (HFA) – Uma iniciativa emblemática de inovação territorial

DEVOLVER A ALMA AOS TERRITÓRIOS

A inovação em abordagem territorial é, em geral, movida por um forte empreendedorismo e por uma estratégia baseada em parcerias e sinergias entre os vários “players” do território, sejam entidades públicas, empresas ou mesmo a própria população residente, com objetivo de contribuírem, a uma só voz, para a resolução de um problema comunitário concreto, induzindo ao desenvolvimento socioeconómico e cultural da região.

Neste caso específico, o foco da necessidade de atuação foi o isolamento, o amorfismo e a solidão vivida nas aldeias da região norte. O instrumento concebido e utilizado para dar nova vida às aldeias, aos pequenos negócios dos seus residentes e ao seu sentimento de pertença, foi o projeto “Há Festa na Aldeia” (HFA), uma iniciativa datada de 2013, promovida pela Associação de Turismo de Aldeia (ATA), em articulação com a Associação de Desenvolvimento Rural Integrado das Terras de Santa Maria (ADRITEM), que conseguiu devolver a vida às aldeias da região, ajudando, por exemplo, o comércio local de produtos tradicionais agroalimentares e reavivando os mercados locais, saberes e tradições que estavam em risco de extinção.

Em termos de financiamento do HFA o grande “chapéu” é a iniciativa pública “Portugal Inovação Social – Parcerias para o Impacto”.

O HFA assenta a sua estratégia na teoria da mudança, um processo que propõe a dinamização dos lugares através dos seus habitantes, contrariando a tendência da promoção turística desincorporada da sua gente, associações locais e municípios.

Deste modo, cumpre-se o objetivo de reforçar economicamente estas regiões, promovendo o emprego, a competitividade, os serviços sociais e culturais, muito por via da atratividade turística e sempre com o foco na capacitação das pessoas e na valorização dos patrimónios rural, natural e paisagístico.

O ciclo de festivais apresenta, através da realização de um evento-âncora em cada aldeia, os resultados do trabalho realizado ao longo do ano.

 

Nos festivais HFA a música e a animação não faltam

A marca HFA mostra o que de melhor se faz nestes territórios:

a descoberta do património, da gastronomia, do artesanato, das artes performativas, do folclore e da música tradicional, a provar que o que é nacional é mesmo bom.

O HFA tem promovido o desenvolvimento local nas aldeias, envolvendo e comprometendo a população na estratégia da aldeia, e no trabalho em rede para troca de experiências e boas práticas, através de um conjunto de atividades de capacitação da comunidade, de preservação dos costumes e tradições e de potenciação da economia local.

O caráter aglutinador deste projeto contribui para fazer regressar todos os anos os filhos da terra, que fazem questão em agendar as suas férias em função da programação dos eventos-âncora.

Alguns dos meios utilizados para sensibilizar e capacitar as populações são as oficinas, de caráter transversal ou específicas, estas últimas realizadas em função das características e necessidades de cada aldeia.

 

As oficinas transversais são:

– “Cá se fazem, cá se compram”, que transmite conhecimentos sobre a organização do mercado de aldeia e sobre a comercialização de proximidade de produtos agroalimentares;

– “Ajardinar a aldeia” – capacita os residentes sobre a forma como dar à aldeia uma imagem bonita e cuidada;

– “Almoce e jante connosco” – transmite a confiança e o interesse de receber à mesa e em família, turistas para uma refeição com base na gastronomia e produtos locais. A oficina permite aos anfitriões conhecerem as regras de Higiene e Segurança Alimentar, o enquadramento legal da atividade, e ainda como calcular o preço da refeição. Os anfitriões também recebem formação sobre a forma de receber, nas suas próprias residências ou em determinados locais da aldeia, os turistas que vão chegando.

– “Memória da aldeia” – tem por missão identificar, patrimonializar e divulgar as histórias e memórias relacionadas com a vida nas aldeias recorrendo à história oral e ao registo de coleções pessoais. Realiza-se em parceria com a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa, que lhe imprimiu o necessário caráter científico, essencialmente no âmbito da recolha e inventário patrimonial.

Por sua vez, as oficinas específicas, são ajustadas à especificidade e identidade de cada aldeia e as suas temáticas são variadas, tais como a música, o folclore, o teatro, ou a animação de rua.

 

Evento-âncora – Festival HFA em Ul, Oliveira de Azeméis, 2018

O projeto HFA apoia-se numa metodologia de co-construção para animação de uma estratégia de desenvolvimento da aldeia a partir da dinâmica gerada por um Grupo de Trabalho, constituído pelas forças vivas do território com a participação e o comprometimento da comunidade, com base nos seguintes princípios:

identidade, envolvimento, capacitação da comunidade, sentimento de pertença, sustentabilidade da iniciativa, partilha da informação e trabalho em rede.

 

Evento-âncora – Festival HFA em Rio d’Onor, Bragança, 2019

Segundo a ATA a estratégia desta iniciativa foi pensada por forma a trabalhar com as próprias comunidades no sentido de as envolver no desenvolvimento sustentável do território. Esta estratégia pretende dar conteúdo às aldeias, encaixando-se na perfeição nas características e na abordagem inovadora do HFA.

 

Folclore, sempre presente

 

Por seu lado, a ADRITEM assegura que, se o financiamento um dia acabar, o HFA não irá desaparecer, porque está profundamente arreigado na comunidade, sendo certo que os municípios da sua zona de intervenção farão o impossível para tentarem eles próprios arcar com as despesas, embora isso signifique um enorme esforço financeiro.

Quanto às aldeias que não conseguiram continuar a aderir formalmente ao HFA, existe a garantia que as mesmas darão continuidade à dinâmica para a qual foram capacitadas, na sua intervenção diária, mesmo estando fora do projeto.

Segundo a Ader-Sousa o HFA encaixa-se perfeitamente nos objetivos estratégicos da associação: qualificar e afirmar o território e apoiar o empreendedorismo, a criação e a expansão de micro e pequenas empresas, as atividades de proximidade, de desenvolvimento pessoal, com e para as comunidades locais.

Em termos do impacto verificado nas Terras do Sousa, o HFA, em cinco anos, em duas aldeias, Burgo e Figueira, tem alcançado resultados muito interessantes, ao ponto de, atualmente, Figueira desenvolver o “Auto dos Reis Magos”, que se encontrava em extinção, com base no que apreendeu com o HFA. Por seu lado, em Burgo foi possível recuperar tradições perdidas e constituir um sentido de comunidade que não existia. Estas duas experiências permitem perceber que noutros locais, será possível implementar esta metodologia e que a mesma pode ter resultados positivos no desenvolvimento das comunidades.

Por último, de registar o ponto de vista do Presidente de Junta da União das Freguesias de Oliveira de Azeméis, Santiago de Riba Ul, Ul, Macinhata da Seixa e Madail, segundo o qual este envolvimento, além de uma excelente oportunidade de aprendizagem e melhor conhecimento desta comunidade, constitui também uma honra em integrar o grupo de trabalho que é responsável pela organização de um projeto que tem sido um fator de agregação e divulgação para Ul, uma das freguesias mais típicas do concelho de Oliveira de Azeméis.

Apesar de estar ainda numa fase de enraizamento, atualmente há um conhecimento generalizado do projeto a nível do concelho, o que tem permitido um incremento no número de visitantes ao longo dos últimos anos, que se traduz em vários milhares de forasteiros, em especial na altura da realização do evento-âncora e também posteriormente, ao longo de todo o ano, pois esta iniciativa decorre no Parque Temático Molinológico, um dos locais mais aprazíveis desta freguesia e do concelho.

 

O Parque Temático Molinológico de Oliveira de Azeméis é um espaço que valoriza os moinhos de água existentes na região há mais de dois séculos

A concluir, direi que exemplos como este são um verdadeiro oxigénio para a revitalização do mundo rural e das suas comunidades!


Edição 783 (14/05/2020)

ILHA DA CULATRA

COMUNIDADE ENERGÉTICA SUSTENTÁVEL

Numa das viagens por este Portugal multifacetado dei por mim num local a sul, depois da terra e antes do mar, mais propriamente na Ilha da Culatra.

A Culatra é uma ilha situada no Parque Natural da Ria Formosa, com cerca de 800 habitantes, a maior parte pescadores e mariscadores.

Em 2017 a Comissão Europeia lançou a Iniciativa “Energia Limpa para as Ilhas da UE”.

No seguimento de um convite à apresentação de propostas, em fevereiro de 2019, foram selecionados 26 projetos-piloto para receberem apoio na preparação das Agendas para a Transição Energética. Numa primeira fase, seis ilhas, entre as quais a Culatra, ficaram de elaborar e publicar as suas agendas de transição energética.

No dia 24 de março de 2019 o projeto foi apresentado à comunidade da ilha e em 27 de março foi assinado um Memorando de Entendimento entre o Secretariado Europeu das Ilhas, a Universidade do Algarve, a AMIC, a CCDR Algarve e a Câmara Municipal de Faro.

O grande propósito é que, no futuro, a Culatra possa produzir a energia que consome. Para que isso aconteça, os estudos já estão a ser feitos no terreno. A Universidade do Alarve já instalou um dispositivo no canal Faro-Olhão para avaliar a energia marinha.

Os cálculos das outras fontes de energia estão também a ser feitos, calculando a exposição solar e os regimes de ventos. O tratamento de resíduos e a dessalinização da água do mar para futuro consumo humano são outros dos objetivos do projeto, sempre a partir das energias renováveis.

A vida na Ilha da Culatra melhorou significativamente nas duas últimas décadas com a introdução da rede elétrica pública e privada, bem como com o sistema de saneamento básico. No entanto, é essencial criar condições para que os seus moradores possam não só continuar nas suas atividades económicas tradicionais, preservando a sua identidade e valores culturais, como também procurar novas atividades económicas compatíveis com a utilização racional e sustentável dos recursos naturais.

A Ilha da Culatra quer ser auto-sustentável até 2030, com a ajuda técnica da Universidade do Algarve e com a comparticipação financeira do Projeto Culatra 20-30.

Andámos pela rua principal da ilha, Avenida 19 de Julho, em honra do dia em que, em 1987, foi criada a AMIC (Associação de Moradores da Ilha da Culatra), sob o espectro das demolições. É o dia da ilha e dia da Associação, pois tem um significado simbólico muito forte para a população. Também foi o dia em que pela primeira vez a população boicotou as eleições legislativas para chamar a atenção do governo para as necessidades que existiam na ilha, sobretudo no que respeita a que as casas estavam em situação ilegal, podendo a qualquer momento ser demolidas.

Protesto da população da Culatra pela melhoria da qualidade de vida

 

A economia da ilha é baseada na pesca e na apanha e produção de bivalves, principalmente a ostra e a ameijoa.

A faina da pesca tem de conviver de perto com barcos de recreio

 

Em termos de atividades complementares, começa agora a destacar-se a restauração de natureza familiar, que no verão cria alguns postos de trabalho, sobretudo para jovens. Falando de jovens, esta é das comunidades piscatórias com mais jovens inscritos na atividade da pesca e o número tende a aumentar. Há também alguns serviços que criam diversos empregos, destacando-se a Associação de NS dos Navegantes com 16 postos de trabalho.

O apoio ao idoso, é feito no domicílio (medicamentos, refeições, higiene e tratamento de roupas). Um dos grandes objetivos é a construção de um Lar. O projeto atingirá 600.000 €, mas é necessário primeiro a obtenção da titularidade, o que se passa com todo o edificado.

O Centro Social, foi inaugurado em 1993. Segundo Sílvia Padinha, Presidente da AMIC, vai-se apostar na mobilidade elétrica, em vez dos triciclos de dois lugares a gasóleo que vimos passar para as deslocações aos domicílios dos idosos.

Veículo que faz o serviço de assistência domiciliária ao idoso

 

No fundo, há três entidades que estão em constante colaboração e que são o pulsar da ilha: Associação NS Navegantes, AMIC e Clube União Culatrense.

Estas entidades assinaram um protocolo com o programa Culatra 2030 para algumas atividades relacionadas com a educação ambiental. Com as sobras das redes dos pescadores fazem-se sacos para o visitante levar para a praia e voltar com o lixo. O dinheiro é para o fundo ambiental e social (destina-se, por exemplo, à substituição dos telhados de amianto por telhas fotovoltaicas).

Fez-se um diagnóstico participativo que envolveu toda a população durante um ano, com a empresa “Make it Better”, para saber o que estava mal, o que era para melhorar e como[GL1].

Há períodos de muita carga de embarcações nos fundeadores da Culatra

 

 

A pressão dos veleiros no verão é muito forte. As pradarias marinhas é que sofrem, bem como as zonas do negócio dos bivalves. O Programa Polis ajudou recentemente a retirar cerca de 100 veleiros fundeados e conseguiu reabilitar uma pradaria marinha importante. O que importa é sensibilizar e envolver a população. O protocolo feito em 2017 com a Docapesca “Mar sem lixo”, foi um sucesso. Hoje o pescador sabe que, quando vai à faina, tem de tirar do mar e entregar em terra todo o lixo que encontra no mar.

Preservar a pesca artesanal é um objetivo da AMIC, que  já enviou para a DGPC1 o pedido de registo no INPCI2.

Existe uma única concessão na praia e está aberta todo o ano.

A única concessão balnear da ilha, aberta todo o ano

 

Segundo Luís Fontinha, da AMIC, a associação tem muito material patrimonial que pensa aglutinar e organizar logo que possível, para que no futuro se faça um Núcleo Museológico.

Já candidataram ao registo no INPCI a Procissão da Senhora dos Navegantes.

Foi assinado há dias um protocolo com a Docapesca, que vai permitir à AMIC gerir os fundeadouros para a náutica de recreio ao largo da Ilha. As receitas reverterão para um fundo social e ambiental que ajudará a comunidade a implementar os objetivos do projeto de sustentabilidade energética Culatra 2030.

Já perto do regresso ao barco que nos levaria de volta a Olhão, deparámos com o marco seguinte:

Porto de abrigo da Culatra, com Olhão ao fundo e Marco que assinala a inauguração em 2008 e homenageia a união, força e determinação das gentes da Culatra

 

 

Por fim, e já que falámos de um caso de excelência de sustentabilidade energética, queria deixar-vos uma sugestão para dia 20 de maio, agora na ótica da sustentabilidade alimentar e dos ecossistemas agrícolas.

Refiro-me à celebração do “Dia Mundial das Abelhas”, que vai ter lugar na Quinta Biológica e Pedagógica “Aidos da Vila”, em Vilarinho do Bairro, entre as 14.30 e as 17.30 h.

O Dia Mundial das Abelhas, foi proclamado pela ONU com o propósito de lembrar a importância da polinização para o desenvolvimento sustentável, para a conservação da biodiversidade, e, consequentemente, para a garantia alimentar do planeta. Passe uma tarde em cheio, na Quinta Aidos da Vila, onde serão obrigatórios todos os procedimentos de proteção e segurança, em linha com a pandemia instalada.

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(1) Direção Geral do Património Cultural
(2) Inventário do Património Cultural Imaterial

 


Edição 782 (30/04/2020)

PÃO NA MESA – NOBRE POVO, NAÇÃO VALENTE

Em pleno cenário de pandemia COVID19, há sempre alguém capaz de resistir e procurar em cada dificuldade, um desafio, seja qual for a circunstância ou setor da economia. No caso particular da Agricultura, é devido o nosso reconhecimento e solidariedade a todos aqueles que, anonimamente, trabalham todos os dias a terra e os seus produtos, por forma a que o País continue a funcionar, garantindo que a nossa mesa não fique vazia, em tempo de isolamento social. Temos assistido a muitos exemplos de resiliência e solidariedade por parte de agricultores, associações e cooperativas agrícolas, empresas agroalimentares e outros agentes do setor agroalimentar, por vezes com o estímulo e a colaboração da tutela. Este singelo artigo pretende homenagear todo o setor, dando exemplos de algumas iniciativas que foram e estão a ser desenvolvidas por todo o país.

A tutela da Agricultura dá o mote e acaba de criar a

Plataforma on-line para a Agricultura de proximidade – ALIMENTE QUEM O ALIMENTA

A plataforma tem o propósito de contribuir para a agilização do escoamento de produtos agroalimentares locais, os quais assumem um papel fundamental na garantia de uma alimentação saudável e equilibrada. O Ministério da Agricultura, em parceria com os seus organismos, com os Grupos de Ação Local e com os Municípios, lança agora esta plataforma, gerida pela Rede Rural Nacional, a partir da qual:

– qualquer produtor, de forma simples e rápida, poderá efetuar o seu registo para, posteriormente, anunciar os seus produtos e quais os cabazes disponíveis para encomenda/entrega (e condições associadas);

– qualquer consumidor, com conforto e segurança, poderá pesquisar por concelho e por produtos (biológicos ou não), identificando os produtores da sua região e encomendando os seus produtos.

As plataformas de lojas on-line existentes podem também aderir a esta plataforma, para divulgar produtores em circuitos curtos, que têm cabazes que vendem na exploração, ou que entregam, ou vendem em mercados locais.

Esta plataforma é uma ferramenta da campanha “Alimente quem o alimenta”, lançada a 30 de Março pela tutela, visando incentivar o consumo de produtos locais e o recurso aos mercados de proximidade, com o objetivo de ajudar os produtos que atualmente apresentam maiores dificuldades de escoamento, como é o caso das frutas, legumes, flores e plantas ornamentais.

Acesso à plataforma https://www.alimentequemoalimenta.pt/

 

Aguardente vínica transforma-se em gel desinfetante

Uma parceria entre a Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo e a Adega Cooperativa de Vidigueira, Cuba e Alvito, concluiu com êxito os testes de uma solução de Gel Antisséptico à base de álcool, proveniente de Aguardente Vínica, para desinfeção das mãos. O desinfetante tem como destino prioritário o Hospital José Joaquim Fernandes de Beja.

Cervejeiros produzem desinfetante para prevenir o Covid-19

Por todo o país têm surgido iniciativas de diversos cervejeiros que estão a ajudar a produzir desinfetante para doar a várias unidades hospitalares, atendendo à situação de emergência atual. Fonte: AVerdade

 

Cervejeiros produzem desinfetante para prevenir o Covid-19

Por todo o país têm surgido iniciativas de diversos cervejeiros que estão a ajudar a produzir desinfetante para doar a várias unidades hospitalares, atendendo à situação de emergência atual. Fonte: AVerdade

 

Desinfeção de espaços públicos

Agricultores, associações e cooperativas agrícolas disponibilizam os seus meios, nomeadamente equipamentos de pulverização para desinfeção de espaços públicos. Estas iniciativas estão a acontecer um pouco por todo o pais.

Fontes: O Mirante; Freguesia do Sado; Diário Campanário

 

Código de Boas Práticas para a Colheita de Produtos Hortofrutícolas – prevenção COVID-19

O COTHN – Centro Operativo e Tecnológico Hortofrutícola Nacional, elaborou um código de boas práticas para a realização da colheita de hortofruticolas. Este documento surge da necessidade de identificar um conjunto de medidas que possam ajudar os produtores a organizarem os trabalhos no campo e nas centrais hortofrutícolas em tempo de pandemia Covid-19. Fonte: COTHN

 

Setor leiteiro cooperativo mobilizado para assegurar fornecimento de leite aos Portugueses

A Federação Nacional das Cooperativas de Produtores de Leite (FENALAC) garantiu num comunicado de imprensa, que a fileira assegura o abastecimento do leite aos consumidores “Sabemos da importância do leite na dieta dos portugueses, tendo em conta que é um alimento essencial e de elevado valor nutricional”, destacam ainda. “É com sentido de dever e esforço permanente que produtores de leite, motoristas da recolha, colaboradores fabris e restantes agentes envolvidos na fileira têm garantido o regular fornecimento de leite e produtos lácteos junto da distribuição”.

Fonte: AgroNegócios A mesma garantia foi dada pela Associação de Produtores de Leite de Portugal (APROLEP). Fonte: dnoticias

 

Cooperativa de Viticultores e Olivicultores de Freixo de Numão apoia lares do concelho de Foz Côa

A Cooperativa de Viticultores e Olivicultores de Freixo de Numão (CVOFN) apoia vários lares do concelho de Foz Côa fornecendo aguardente vínica com 77% de álcool, considerado “um poderoso desinfetante”. Fonte: CONFAGRI

 

INOVTERRA lança venda de cabazes de produtos hortícolas

A INOVTERRA – Associação para o Desenvolvimento Local, entidade sem fins lucrativos com sede em Vila Pouca de Salzedas, numa tentativa de ajudar os agricultores portugueses que não conseguem escoar os seus produtos, lançou a venda de cabazes de produtos hortícolas com entrega por transportadora.

 

Continente alarga rede de produtores nacionais e pretende abastecer com Produtos da Região

Ajudar os produtores portugueses no escoamento de produtos essenciais, nesta fase de emergência nacional, é o objetivo do Continente alargando a sua rede através da integração de novos membros no Clube de Produtores Continente. Fonte: Agroportal

A TODOS ESTES E A MUITOS MAIS, O NOSSO BEM-HAJA!


Edição 781 (16/04/2020)

Vinho dos Mortos dá vida ao Barroso

Hoje lembrei-me de conjugar o património imaterial – saberes e tradições – com a vinificação e, dessa mistura, falar aos leitores de um vinho português carregado de história – O Vinho dos Mortos.

O Vinho dos Mortos é um vinho transmontano, da região de Boticas, concelho integrado na Região do Barroso, que possui a qualificação da FAO de “Património Agrícola Mundial”. O vinho é produzido através de um método tradicional, que consiste basicamente num estágio de 6 meses a 2 anos debaixo de terra. O nome causa estranheza e até um certo espanto e curiosidade. Contudo, quando se conhece a fundo a história do Vinho dos Mortos, é impossível não querer vivenciar e degustar este néctar.

A tradição do Vinho dos Mortos surgiu em Portugal, nos princípios do século IXX, durante a Guerra Peninsular. Conta a história que, após a segunda invasão francesa, comandada pelo general Soult (1809), direcionada para as terras transmontanas e beirãs, as vilas e as aldeias foram atacadas. Toda a produção de vinho, os produtos das colheitas e outros bens foram saqueados pelos invasores. Tentando impedir o roubo dos vinhos, os residentes locais enterraram as suas garrafas nas terras de pastagens, plantações de vinha e debaixo das adegas, fugindo com as famílias para salvar as próprias vidas.

Saque infligido pelas tropas francesas, em Boticas

Quando a guerra terminou e eles conseguiram voltar para casa, ficaram surpreendidos com o que encontraram. Ao desenterrarem as garrafas esperavam que o vinho estivesse adulterado. Porém, tal não aconteceu. O enterramento das garrafas provocou no vinho um “bouquet” superior, uma graduação de 10-11º alcoólicos, um palhete frisante, pois a terra possibilitou que as garrafas ficassem em ambiente perfeito de escuridão, temperatura e humidade para o enriquecimento das características organoléticas do vinho. Nasceu então a tradição do vinho dos mortos, que muito tem contribuído para promover a vila de Boticas e a própria região do Barroso.

Desenterramento das garrafas

A Cooperativa Agrícola de Boticas criou um projeto para a sua preservação e valorização. Por ter sido “enterrado” ficou a designar-se por “Vinho dos Mortos” e passou a utilizar-se esta técnica, descoberta ocasionalmente, para melhor o conservar e otimizar a sua qualidade. Assim, se explica a tradição de “enterrar” o vinho. Hoje são já poucos os agricultores que mantêm viva essa tradição, nas vinhas sobranceiras à Vila de Boticas e da Granja, nas encostas aí existentes, que possuem as condições de clima e solo adequadas à produção deste precioso vinho, que, não sendo abundante, tem sabor agradável e merece ser apreciado, de preferência à temperatura de 14º centígrados.

A elaboração do Vinho dos Mortos é constituída por várias fases que dão origem a um vinho único. Esta produção sofre um rigoroso processo de controlo, sendo que o resultado final só é obtido se todos as fases forem respeitadas e executadas de acordo com o planeado.

Em meados do mês de Novembro, começa a fase da plantação de novas castas nas encostas poente de Boticas.

Mais tarde, em Fevereiro, é feita a poda das videiras, aduba-se e cava-se a vinha. Passados dois meses é feita a enxertia, o que leva as videiras a começar a rebentar com o calor da primavera.

De seguida vem a fase das caldas de enxofre e sulfato, que se prolongam até à primeira semana de Agosto.

O momento mais alto do ano, a desejada vindima, é realizada na primeira semana de Outubro. São dias de tradicional festa, onde se apanha a uva que vai dar origem ao Vinho. As uvas são depois transportadas para o lagar onde posteriormente são pisadas pelos homens que vindimaram.

Pisa tradicional da uva, a pé

O mosto começa a fermentar, mantendo-se no lagar por cerca de seis dias. Passando estes dias o vinho é retirado do lagar e vai para as pipas, onde continua a fermentação.

Após o vinho já ter atingido a fermentação malolática, começa a fase de certificação, a que se segue o engarrafamento.

Surge depois a fase mais emblemática de todo o processo. O vinho é enterrado debaixo das pipas e do lagar e cobre-se com saibro para estar a uma temperatura constante e sem claridade, onde fica cerca de seis meses. Por fim, no mês de Junho, chega a altura de provar a colheita, a qual dá normalmente origem a um número limitado de garrafas e cada uma que chega á mesa, é um momento único de prazer.

Garrafa de Vinho dos Mortos

Além deste vinho, a zona do Barroso é riquíssima em azeite de qualidade, vitela DOP Barrosã, queijos e inúmeras iguarias endógenas.

Um vinho, como o dos mortos, pede por exemplo uma sumptuosa carne de Vitela DOP Barrosã!

Eco-Museu do Barroso, Boticas

Todos estes produtos de excelência, saberes e tradições, retratados e pedagogicamente mostrados ao público no Eco-Museu de Boticas, são fatores de desenvolvimento do território por via da atratividade turística e do sentimento de pertença da população. Toda esta riqueza natural e cultural foi, em boa hora, interiorizada pela autarquia e pela Cooperativa Agrícola de Boticas, bem como pelas restantes edilidades e organizações do Barroso.

A Região do Barroso agradece!


Edição 780 (26/03/2020)

A energia na perspetiva da produção agrícola

 – Um equilíbrio desafiante

Resolvemos nesta edição partilhar com os leitores algumas reflexões e conteúdos inseridos na Revista “Cultivar” do Gabinete de Planeamento e Administração Geral do Ministério da Agricultura, cujo acesso recomendamos através do link seguinte:

https://www.gpp.pt/images/GPP/O_que_disponibilizamos/Publicacoes/CULTIVAR_18/CULTIVAR%2018.pdf

Devido às naturais limitações de espaço, vamos dar-vos apenas um “cheirinho” do que julgamos mais relevante.

É do conhecimento geral que o rumo da transição energética balança entre a necessidade da nossa autossuficiência e a pressão social decorrente do combate às alterações climáticas e à poluição. Este cenário não está isento de tensões e pressões geopolíticas, industriais, comerciais, havendo concorrência de interesses entre regiões e setores económicos.

Energia eólica – das energias renováveis, aquela em que se tem apostado mais na Europa

A mudança para as energias renováveis traz várias vantagens macroeconómicas. No entanto, pode também criar divisões sociais e riscos financeiros que poderão repercutir-se internacionalmente e tornar-se geopoliticamente significativas.

Embora a mudança para as energias renováveis possa vir a criar mais 11 milhões de empregos no setor energético até 2050, poderá simultaneamente reduzir o emprego em setores específicos, como o das minas de carvão. Este setor, emprega pelo menos 9 milhões de pessoas, mais de metade das quais na China.

O setor agrícola, as alterações do uso do solo e as florestas, são fatores importantes no combate e na adaptação e mitigação das alterações climáticas.

As emissões de gases de efeito de estufa (GEE) provenientes das atividades agrícolas representam mais de 10% do total de emissões da EU. Fruto das exigências políticas da União Europeia e na perspetiva de se atingir a neutralidade carbónica em 2050, Portugal, está vinculado a objetivos e metas ambiciosos definidos para 2030, nomeadamente, atingir uma meta de, pelo menos, 32% de energias renováveis no consumo final bruto de energia e reduzir em, pelo menos, em 40% as emissões de GEE em toda a economia.

Por seu lado, o Roteiro para a Neutralidade Carbónica (RNC) 2050 expressa o compromisso internacional de Portugal para redução dos GEE, de forma a haver em 2050 um balanço zero entre as emissões e as remoções da atmosfera, o que está em linha com o Acordo de Paris.

Tem como principal objetivo identificar e analisar as implicações associadas às vias alternativas que sejam tecnicamente exequíveis, economicamente viáveis e socialmente aceites para se atingirem as metas propostas.

A nível da agricultura, este roteiro define vários cenários para as diferentes décadas:

Em 2030 devia verificar-se uma perda de 20% de GEE; em 2040, uma diminuição de 37% e em 2050 de 48%.

O fomento da utilização da biomassa florestal é um tema fulcral nas políticas e estratégias energéticas e florestais, nacionais e europeias. A Estratégia da União Europeia para as florestas e o setor florestal, a Estratégia Nacional para as Florestas e, mais recentemente, a legislação nacional específica publicada após os incêndios de 2017, incentivam a maior utilização de biomassa florestal, incluindo sobrantes da exploração florestal e outros tipos de biomassa atualmente pouco utilizados, como os resíduos lenhosos provenientes da gestão dos matos, desbastes e desramas.

Desta forma, pretende-se contribuir para uma maior sustentabilidade económica da floresta portuguesa e para a prevenção de incêndios.

O RNC 2050, entre outras referências, descreve vários aspetos que devem ser levados em linha de conta para a transição dos diferentes setores.

No caso do setor da agricultura, é indicado:

  1. a) Manutenção da área cultivada ou pequena diminuição (cerca de 7,5%);
  2. b) Em 2030, 150 a 300 mil ha de agricultura de precisão;
  3. c) Em 2040-2050, a compostagem/composto substituirá os fertilizantes sintéticos em 300 a 600 mil ha (menos azoto sintético);
  4. d) Em 2040-2050: suínos, +18%; bovinos, -25% a – 50%; cereais irrigados, -4% a +27%; cereais não irrigados, -35% a +24%; frutas e hortícolas irrigados, +13% a +33%;

No caso das florestas e uso da terra:

1) Área ardida total: 64 a 91 mil ha/ano (2020- 2030); 68 a 89 mil ha/ano (2030-2040); 68 a 87 mil ha/ano (2040-2050);

2) Em 2040-2050, a florestação esperada é de 3,5 a 8 mil ha/ano; área de pastagens, +12% a +30%;

3) Espécies florestais em 2040-2050: sobreiro, 23% a 25%; eucalipto, 16% a 20%; pinheiro, 22% a 25%; outras, 31% a 37%. Refira-se ainda que Portugal tem tentado implementar um sistema local de colheita e armazenamento de biomassa, em zonas com grande risco de incêndio, para valorização energética.

No que se refere ao setor agroalimentar, é necessária a existência de mais agricultura de precisão (incluindo agricultura biológica e de conservação), assim como um menor consumo de energia e de fertilizantes sintéticos, aumentando-se a compostagem e diminuindo-se a produção de resíduos, com promoção da sua valorização. No domínio florestal, uma florestação eficiente e ativa tem que ser realizada, ao mesmo tempo que uma valorização dos serviços de ecossistema e da biodiversidade, e associada à valorização dos produtos florestais e à otimização do uso da biomassa residual.

Sendo a produção de biomassa o elo fundamental da relação inequívoca entre energia e agricultura, há que ter presente o problema associado à devastação da floresta nacional. A escala e a dimensão da desflorestação associada a uma eventual expansão das culturas bioenergéticas vão depender das medidas de salvaguarda adotadas nas políticas governamentais para a produção e o uso de bioenergia.

Por seu lado, o setor agrícola constitui uma parte importante da estratégia de crescimento da União Europeia – o Green Deal Europeu. Em 11 de dezembro de 2019, a Comissão Europeia apresentou o Pacto Ecológico Europeu, mais conhecido por Green Deal – um roteiro para tornar a economia da UE sustentável, transformando os desafios climáticos e ambientais em oportunidades em todos os domínios políticos e tornando a transição justa e inclusiva para todos.

Reconhecendo que os agricultores desempenham um papel fundamental na gestão da transição, a Comissão Europeia compromete-se no Green Deal a colaborar com os Estados-Membros e todas as partes interessadas com o intuito de garantir uma transição justa para todos os que trabalham no setor agrícola europeu, de reduzir significativamente a dependência, o risco e a utilização de pesticidas químicos, bem como de fertilizantes e antibióticos, e de desenvolver técnicas agrícolas inovadoras que protejam as colheitas de pragas e doenças.


Edição 779 (12/03/2019)

PROCISSÕES DA QUARESMA EM MAFRA

O fervor das gentes, o peso da tradição

Se existe manifestação cultural e tradição mais arreigada na história e na fé do povo, ela refere-se certamente às Quatro Procissões Marianas que se realizam durante a Quaresma em Mafra.

Esta é uma oportunidade para conhecer, sendo ou não religioso, a vila mafrense através da Fé: as procissões quaresmais constituem um símbolo evocativo das tradições religiosas do período Barroco, constituindo um dos mais destacados exemplos do património imaterial do Concelho, mantendo as características que lhe foram conferidas no século XVIII.

Ainda assim, estas procissões são a “ponta do iceberg” de todo o conjunto patrimonial da região. Senão vejamos:

Além de ter um dos mais importantes conjuntos patrimoniais do país (os Reais Edifícios – Palácio, Basílica, Convento, Jardim do Cerco e Tapada de Mafra – 2019 classificado como Património Mundial[1] da UNESCO em 2019), Mafra possui várias tradições sociais, culturais e religiosas (das quais se salientam as monumentais procissões da Quaresma), que pela ligação à época áurea da sua história, são um testemunho do legado artístico e da grandiosidade alcançada no período Barroco e nos reinados de D. João V e D. José I.

As Procissões da Quaresma de Mafra constituem uma manifestação religiosa cíclica, de caráter festivo e provida de rituais coletivos, religiosos e profanos. Historicamente enquadrada no fausto do tempo de D. João V, esta manifestação apresenta uma relação direta com a grandiosa construção do Palácio Nacional de Mafra.

Tem igualmente relações estreitas com as suas riquezas artísticas (pinturas, gravuras, estatuária, sobretudo de culto mariano), bem como com as manifestações quaresmais de sociabilidade coletiva da época, em parte coincidentes com as atuais (jejum, abstinência, penitência, dádiva de esmolas, atos purificadores da alma, após os excessos e luxúrias pagãos do findo Entrudo, visando a preparação para a Páscoa), bem como com o contraste existente entre o fanatismo de então (vejam-se os Autos de Fé, promovidos decretados pelo Tribunal do Santo Ofício, muito do agrado da população e da Corte) e a quase inócua religiosidade dos dias de hoje, demonstrada pelos milhares de participantes nestas procissões.

Estas manifestações, classificadas há alguns anos pela autarquia como Património Cultural Imaterial de Interesse Municipal, são organizadas pela Paróquia de Santo André de Mafra e pela Irmandade do Santíssimo Sacramento.

Para além de ligações ao período da grandiosa construção do Palácio de Mafra e a destacados artistas radicados na vila, que deixaram o seu nome na história da arte do monumento, subsiste um rico património, não só escultórico e de pintura, mas também de hábitos de vida, sociais, dogmáticos e gastronómicos, associado a este conjunto de festividades.

Vejamos então com mais pormenor as quatro procissões:

 

Procissão do Senhor dos Passos, (também conhecida como “Procissão do Encontro”)

Realiza-se desde a segunda metade do século XVIII, no segundo domingo da Quaresma e é também conhecida por Procissão do Encontro, uma vez que era constituída por dois cortejos que se juntavam em determinado momento do percurso. Hoje, o encontro dos dois cortejos e o sermão ocorrem no Terreiro D. João V, em frente ao Palácio.

Procissão do Senhor dos Passos, Mafra

 

Procissão de Penitência da Ordem Terceira de S. Francisco (também conhecida como “Procissão dos Terceiros”)

Procissão de Penitência da Ordem Terceira de S. Francisco, Mafra

 

Todos os anos, no IV Domingo da Quaresma, a Vila de Mafra realiza a Procissão da Venerável Ordem Terceira de Penitência, popularmente chamada de Procissão dos Terceiros. A Ordem terceira da Penitência, colocada sob proteção real em 1736, acolheu muitos artistas que trabalharam no Palácio Nacional de Mafra, como Alessandro Giusti, iniciador da Escola de Escultura de Mafra. A primeira procissão foi realizada em 27 de Março de 1740, e assume-se como a festividade religiosa que mais diretamente se relaciona com a grandiosa obra de D. João V em Mafra. Os seus 10 andores, alusivos à história dos Franciscanos, contém imagens executadas, por ordem do rei, pelo escultor Manuel Dias. A mais monumental das esculturas representa Cristo Crucificado, atribuída ao genovês Anton Maragliano.

 

Procissão das Sete Dores de Nossa Senhora (também conhecida como “Procissão da Burrinha”)

A Procissão da Burrinha realizou-se, pela primeira vez, em 1793, sendo aias dos respetivos andores as senhoras das melhores famílias do velho burgo mafrense.

Procissão da Burrinha, Mafra

 

Depois da Missa na Basílica, a procissão inicia-se com os seus oito espetaculares andores que desfilam pela seguinte ordem:

– «Profecia do Simeão» com Nossa Senhora,

– «Fuga para o Egito»

– «O Menino entre os Doutores»

– «Encontro a Caminho do Calvário»

– «Crucifixão»

– «Descida da Cruz»

– «O Senhor Morto»

– «Nossa Senhora das Dores»,

Quando a procissão regressa à Basílica o pároco de Mafra dá a bênção com a Relíquia do «Santo Lenho», que tinha ido, no pálio, no cortejo.

As chamadas “sete dores” de Nossa Senhora são as seguintes:

– A profecia de Simeão sobre Jesus

– A fuga da Sagrada Família para o Egito

– O desaparecimento do Menino Jesus durante três dias

– O encontro de Maria e Jesus a caminho do Calvário

– Maria observando o sofrimento e morte de Jesus na Cruz

– Maria recebe o corpo do filho tirado da Cruz

– Maria observa o corpo do filho a ser depositado no Santo Sepulcro

 

Procissão do Enterro do Senhor (também conhecida como “Procissão do Enterro”)

Procissão do Enterro, Mafra

Em 1773 procedeu-se ao pagamento de nova imagem de roca de Nossa Senhora da Soledade. Tal significa que a procissão já se realizava nesta data. Em 1886, extinta a ordem Terceira, a procissão passou a ser organizada pela Irmandade do Santíssimo Sacramento, tal como ainda hoje. É uma das mais solenes procissões, uma vez que assinala a morte de Jesus, a qual é acompanhada pelos lamentos da Verónica e das Três Marias.

Sendo Portugal um país de base católica e de raiz profundamente mariana, estas manifestações têm sido, desde o seu aparecimento no século XVIII, continuamente transmitidas pela Igreja, pela Irmandade do Santíssimo Sacramento e atualmente também pela autarquia junto da população.

Apesar de manterem, no essencial, as características que a época barroca lhes conferiu, têm apresentado alguma dinâmica evolutiva, pois têm sido recriadas pela comunidade, sua detentora, ao longo dos tempos, através, por exemplo, de alguns restauros, revitalizações pontuais e alterações dos itinerários dos cortejos, as quais constituem, por si só, fases enriquecedoras da sua história.

O grande objetivo é explorar as potencialidades culturais do concelho, espelhadas pelas diversas festividades e eventos tradicionais, e utilizar este património riquíssimo, como fator de atratividade, marca turística e, consequentemente, promover o prestígio e o desenvolvimento da região.

Porque espera?

Venha a Mafra viver o tempo pascal e fruir a Região Saloia!

[1]http://www.ericeiramag.pt/um-edificio-real-que-se-tornou-patrimonio-mundial/


Edição 778 (27/02/2019)

AS BRANDAS E INVERNEIRAS DO ALTO MINHO

Na edição anterior, ficou assente que, por vezes, falaríamos sobre uma determinada região do país, como forma de divulgação do território. Fazemo-lo hoje em relação à Região do Alto Minho, no que se refere às Brandas e Inverneiras, tradição muito típica, que integra características de nomadismo e transumância, quase extinta, localizada sobretudo nas serras da Peneda, Gerês e do Soajo, com maior relevância nos concelhos de Arcos de Valdevez, Monção e Melgaço, assumindo-se este último, nomeadamente, Castro Laboreiro, como o seu solar. Em Castro Laboreiro existem algumas famílias que ainda fazem este tipo de transumância.

As brandas são também designadas por “verandas”, “lugares de cima” ou “airosos” e as inverneiras por “lugares de baixo” ou “abrigados”

São núcleos habitacionais temporários cuja origem se prende com a necessidade das populações utilizarem os pastos localizados na serra para alimentarem o gado. Este processo complexo tem a ver com a garantia de alimentos e, consequentemente, com a sobrevivência humana.

Os primeiros vestígios de ocupação humana deste território remontam ao IV milénio A.C., sendo a prova mais credível desta afirmação, a existência de mamoas – sepulcros megalíticos, destinados a inumações coletivas. Estas comunidades ter-se-ão fixado preferencialmente em terrenos de planalto, situados acima dos 700 m. No II milénio A.C., verificou-se um movimento expansionista destas comunidades em direção aos vales férteis, com tendência para a sedentarização e para a realização das práticas agrícolas.

Mamoa em Castro Laboreiro

Na Idade do Bronze, aparecem os primeiros vestígios de armazenamento de produtos agrícolas, possivelmente associados ao uso de animais de carga e de transporte. Na Idade do Ferro, surgiu uma estrutura social hierárquica, estabelecida em povoados concentrados de carácter defensivo, situados em outeiros ou montes baixos com terrenos agrícolas circundantes, denominados Castros[1].

Castros da Citânia de Sanfins, Paços de Ferreira

Com a romanização assiste-se à renovação da agricultura, com o corte das florestas e a expansão das terras agrícolas. Durante as invasões árabes, ocorreu um acentuado declínio populacional, em consequência dos violentos confrontos bélicos, subsistindo unicamente pequenos campos agrícolas, trabalhados pelas populações, em regime de escravatura.

A partir da reconquista cristã verificou-se no território um aumento da ocupação e da densidade populacional, assim como um crescimento da mancha agrícola. Iniciou-se então a ocupação das áreas de meia encosta. Nas zonas menos favoráveis para a agricultura foram implantadas as habitações, enquanto as terras agrícolas e os lameiros se situavam em áreas mais baixas.

A primeira fixação de populações nestes espaços remonta ao século XII (Idade Média). Este sistema de povoamento está hoje posto em causa pelas profundas transformações decorrentes do êxodo rural, fazendo com que as inverneiras mais expostas tendam para o abandono, provocando assim uma nova mutação na paisagem.

As “brandas” são aldeamentos tradicionais habitados durante a Primavera, o Verão e parte do Outono. Normalmente, encontram-se em locais de altitude superior a 700 m. A primeira fixação de populações nestes espaços remonta ao século XII (Idade Média). Nas brandas as populações dedicam-se à pastorícia e à agricultura, efetuando as sementeiras, que se desenvolvem até ao Verão. Por seu lado, as condições climatéricas das “inverneiras” são bastante mais favoráveis do que as das brandas. Nas inverneiras as populações dedicam-se quase exclusivamente ao pastoreio.

Casa de inverneira em Castro Laboreiro

 

Casa da Branda de Stº António de Vale de Poldros, Monção

 

Em meados de Dezembro as famílias das “brandas” fazem a mudança para os lugares do vale, as “inverneiras”, pelo que o Natal é sempre passado na inverneira. Estas transformações são devidamente planeadas, deslocando-se não só a população como o gado e todos os seus bens essenciais. A estadia nas inverneiras termina em fins de Março, sendo a Páscoa a festividade que impõe a data limite da chegada às brandas.

As brandas são rodeadas de um espaço agrícola dividido em parcelas de terreno, designadas, conforme o caso, por:

– barbeitos, onde se cultiva a batata ou o centeio;

– lameiros, geralmente dispostos em curvas de nível e destinados a pastagem e produção de feno;

– campos e hortas para árvores de fruto e o cultivo de hortícolas.

Aproveitamento agrícola no espaço circundante de uma casa de branda

A envolver estas parcelas existem muretes em pedra seca, sendo os blocos de granito dispostos uns sobre os outros, por vezes obliquamente. Pequenas cancelas permitem a passagem de pessoas, gado ou trator para o interior destes espaços.

No que se refere às casas das brandas, também conhecidas por “cardenhas”, as mais antigas apresentam planta retangular com um ou dois pisos, paredes em pedra seca, cobertura a duas águas, atualmente em telha, com empenas capeadas. Algumas possuem varandas cobertas. O acesso ao piso superior faz-se geralmente por escada em pedra adossada à parede da frontaria.

As inverneiras constituem núcleos de povoamento serrano concentrado, rodeados de hortas e lameiros e situam-se nos vales a uma altitude entre os 600 e os 700 m. Algumas possuem pequenas capelas.

No que se refere às casas das inverneiras, as mais antigas são em cantaria de aparelho mais cuidado (embora também com junta seca), com dois pisos, sendo o inferior destinado às cortes de animais e ao arrumo de alfaias agrícolas. O piso superior é área de habitação.

Quanto ao futuro desta tradição, tem de ter-se em conta as transformações sociais verificadas no meio rural e os efeitos da chamada globalização.

Contudo, o potencial paisagístico, ambiental, arqueológico, cultural e a sua localização geográfica fazem com que milhares de pessoas visitem o Alto Minho, tendo sido criado o Núcleo Museológico de Castro Laboreiro e aberto um posto de informação turística.

Atualmente, as casas das brandas e das inverneiras, situadas em zonas remotas, estão, na sua maioria, em ruínas. Porém, algumas famílias ainda as conseguem preservar, como forma de honrar a sua história e património cultural, aproveitando-as, por exemplo, para turismo rural de montanha.

Cardenha recuperada na Branda da Aveleira (Gave, Castro Laboreiro), para turismo rural, integrada na Rota do Alvarinho

É necessário atrair os visitantes, criar melhores condições para a comercialização de produtos e difusão das tradições locais, colocando as comunidades no mapa, nomeadamente a através da conceção de rotas, trilhos e percursos turísticos temáticos, como é o caso da Rota do Alvarinho e como se espera que venha a ser, por exemplo, num futuro próximo, a criação de um maior número de percursos entre brandas e inverneiras.

As Brandas e Inverneiras, apesar de se encontrarem quase em extinção, são, sem dúvida, uma manifestação patrimonial imaterial, enraizada na cultura da população e na história do Alto Minho, razão pela qual está em curso, por vontade e iniciativa local, o seu registo no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial.

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[1] Castros são as ruínas arqueológicas de um tipo de povoado da Idade do Cobre ou da Idade do Ferro característico das montanhas do noroeste da Península Ibérica. Os povoados eram construídos com estruturas predominantemente circulares, revelando a implementação de uma «civilização da pedra», quer nas zonas de granito quer nas de xisto.

Uma cividade ou citânia era um castro de maiores dimensões e importância, habitado continuamente.

 


Edição 777 (13/02/2019)

REGIÃO SALOIA – UM TERRITÓRIO COM ALMA

Temos um país pequeno, mas muito diverso em múltiplos aspetos, não só pela heterogeneidade da geografia física dos territórios, como em termos sociais, económicos e culturais. Aproveitando esta realidade rica e variada, resolvi, de tempos a tempos, escrevinhar uma crónica, ou melhor, um “cheirinho” sobre uma determinada região que ostente um cunho próprio, sob vários pontos de vista, que a torne inconfundível em relação às restantes.

E para começar vamos falar hoje da Região Saloia.

A região saloia compreende vários concelhos, sendo os seus limites geográficos discutíveis.

A maioria dos autores define como região saloia os concelhos de Alenquer, Amadora, Arruda dos Vinhos, Cadaval, Loures, Mafra, Odivelas, Sintra, Sobral de Monte Agraço e Torres Vedras.

Recuemos agora até à fundação da nacionalidade. Chamou-se “saloio” ao habitante natural das zonas rurais das proximidades de Lisboa, aquando da sua incorporação no Reino de Portugal, logo desenvolvendo uma cultura muito própria. “Çalaio” ou “çaloio” era o tributo que se pagava do pão cozido na corte e no Patriarcado de Lisboa. Çaloio era ainda o nome que se dava aos mouros da seita “çalá”.

Até ao final do século XX os habitantes desta região viviam da agricultura, praticada em hortas e pomares, e do comércio de produtos agrícolas em mercados locais e na cidade de Lisboa. Atualmente, situa-se nesta região o mercado que mais carne de bovino fornece à capital, a Feira da Malveira.

 

Feira da Malveira

As mulheres, por seu lado, ganhavam mais algum dinheiro como lavadeiras das famílias abastadas de Lisboa. Desses tempos em que muitas aldeias se enchiam de peças de roupa a secar ao sol ficou o termo Aldeia da Roupa Branca, que se tornou título de um filme dos anos 30 do século XX sobre esta região.

Com produtos agrícolas de excelência (frutas, hortaliças, coelho, aves, ovos, queijo, caça), esta zona desenvolveu também uma gastronomia bastante variada e rica, sobressaindo as receitas de coelho, aves e porco. O queijo fresco saloio ainda hoje é muito apreciado em todo o país.

Frango saloio

 

Queijo regional curado

 

A maneira de trajar também era muito própria, incluindo o colete e o barrete que até há poucos anos ainda era usado por pessoas mais velhas em algumas aldeias.

Trajes saloios domingueiros

 

A génese destes habitantes do distrito de Lisboa não é unânime, sendo atualmente aceite que tiveram origem nas comunidades mouras que, saindo da cidade de Lisboa para as zonas rurais após a Reconquista Cristã (1147) por D. Afonso Henriques, se dedicaram à agricultura e ao pequeno comércio. Atualmente a região saloia está bastante descaracterizada, tendo alguns concelhos deixado a ruralidade do passado, tornando-se zonas urbanas, como a Amadora, Odivelas e partes significativas de Loures, Sintra, Mafra e Torres Vedras. As tradições e formas de vida tradicionais perderam-se no passado recente e os atuais saloios (principalmente as novas gerações) em nada se distinguem dos lisboetas, ou dos habitantes de Oeiras e Cascais.

Dada a perceção de que a cultura se encontra na base identitária de uma comunidade e que o património cultural imaterial constitui a dimensão intangível da mesma, bem como a constatação que muitas das práticas sociais e modos de vida tradicionais se encontram em risco de desaparecimento, reveste-se de importância a elaboração de contributos que possibilitem a valorização desse mesmo património imaterial através de processos de participação ativa, que permitam à comunidade local expressar não só o que considera ser representativo desse mesmo património cultural imaterial como criar formas de o preservar e valorizar.

A este respeito, quero aqui destacar a importância para o território saloio que tem tido a intervenção da Associação de Desenvolvimento Integrado da Região Saloia (A2S), que tem realizado um ótimo trabalho de marketing territorial dos produtos de excelência do território, bem como da valorização do seu património material e imaterial, com implicação direta no desenvolvimento socioeconómico e na criação de emprego na região.

Procissões da Semana Santa, Mafra

O património cultural imaterial resulta da herança viva, patente em manifestações que, tendo origem em práticas sociais e modos de vidas ancestrais, são ainda recriadas, manifestadas e transmitidas de geração em geração, constituindo não só uma referência para as comunidades, grupos ou indivíduos que as perpetuam, como fortalecem os sentimentos de pertença e de identidade que os ligam culturalmente. Estas manifestações animam o território, através da atração de visitantes e turistas, cuja presença gera riqueza e desenvolvimento.

Apesar de, como antes referi, se verificar alguma descaracterização rural da região, acredito que a intervenção dos atores do território está no bom caminho e por isso acredito num futuro risonho para a Região Saloia.


Edição 776 (30/01/2019)

O CONCEITO DE INOVAÇÃO TERRITORIAL – “chamar os bois pelos nomes”

 

O exercício de programação referente ao período 2021 – 2027 aponta para uma perspetiva territorial do desenvolvimento rural.

Assim, caberá ao segundo Pilar da nova PAC a difícil missão de garantir a compatibilização da produção com a gestão sustentável dos recursos naturais e sobretudo com o desenvolvimento territorial integrado. Nesta conformidade, de entre as prioridades definidas para o desenvolvimento rural, importa focar as seguintes:

– fomentar a transferência de conhecimentos e a inovação nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais;

– melhorar a competitividade de todos os tipos de agricultura e reforçar a viabilidade das explorações agrícolas;

– restaurar, preservar e melhorar os ecossistemas que dependem da agricultura e da silvicultura;

– promover a utilização eficiente dos recursos e apoiar a transição para uma economia de baixo teor de carbono e resistente às alterações climáticas nos setores agrícola, alimentar e florestal.

A promoção do desenvolvimento rural implica a flexibilidade das políticas, e uma forte capacidade de adaptação ao potencial e às necessidades de cada território. São imprescindíveis políticas que consideram o território no seu conjunto, as suas potencialidades e limitações, a atividade agrícola na sua interligação com as outras atividades, a qualidade dos ecossistemas e a conservação como cruciais para o desenvolvimento das comunidades, atentas as suas características específicas.

Face a esta necessidade de integração estratégica, o quadro programático Portugal 2020 apresenta dois instrumentos de programação territorial, os ITI (Investimentos Territoriais Integrados) e o DLBC (Desenvolvimento Local de Base Comunitária).

Os ITI assumem fronteiras correspondendo às NUTS III (ou grupos de NUTS III contíguas) e o seu conjunto cobre a totalidade do território continental. São concretizados através de Pactos para o Desenvolvimento e Coesão Territorial, que visam enquadrar as intervenções das entidades municipais e intermunicipais essenciais à implementação da Estratégia Integrada de Desenvolvimento Territorial da respetiva NUTS III.

Deve ser assumida, de facto, uma perspetiva territorial, seja a nível regional (ITI) ou local (DLBC), que se foque nos territórios rurais, sobretudo naqueles onde a agricultura não consegue ser competitiva em termos globais.

 

Também aqui, dada a abrangência e ambição dos objetivos propostos, e as transições múltiplas que atravessam os territórios rurais, a inovação é fundamental. A Rede Rural Nacional deveria desempenhar um papel-chave na capacitação de atores e agentes rurais, respondendo às suas necessidades específicas, fora dos canais mais formais e tradicionais da formação. Tem de ser dada prioridade a ações inovadoras, favorecendo novos modelos, apoiando novas respostas, que mesmo que não se possam generalizar, podem servir de piloto, e concretizar eventualmente novas possibilidades de intervenção.

O atual contexto socioeconómico é caracterizado pela complexidade, variedade, originalidade e globalidade. Numa época em que o local e o global são complementares, a territorialidade das ações estratégicas é entendida como fundamental para assegurar um desenvolvimento territorial coeso.

Desta forma, somos levados a afirmar que o fator território tem uma palavra a dizer, pois constitui uma âncora, um vetor de equilíbrio ao nível das relações, globais ou locais, muitas vezes veiculadas por trabalho em rede, em parceria ou em cooperação, que os indivíduos e as empresas mantêm entre si.

Ninho de empresas

A necessidade empreendedora de adotar fórmulas inovadoras de gestão do território surge cada vez mais como um imperativo indispensável à competitividade das regiões, face às exigências do mercado e à concorrência de outros territórios. Desta forma, os territórios em geral e as cidades em particular, por serem espaços mais complexos, de grande dimensão e importância socioeconómica, têm de se apetrechar para enfrentarem cada vez maiores desafios, sob pena de se desvitalizarem e arrastarem consigo para a falência um número significativo de empresas.

Para se chegar ao conceito de inovação territorial, é útil referir o Programa CeNTER – Redes e Comunidades para a Inovação Territorial, apoiado pelo FEDER no âmbito do PO Centro 2020.

É um programa integrado que assume que os territórios são os motores de inovação, através das suas comunidades e redes locais, as quais devem ser valorizadas e estimuladas. Em muitos casos, as atividades de inovação estão focadas em nichos concentrados no território e resultam de iniciativas em rede, individuais ou de pequenos grupos, (nichos sociais), ou ainda do trabalho integrado de parcerias formais ou informais em vários domínios (turismo, saúde, TIC, etc.). Estas atividades empreendedoras e inovadoras, realizadas pelos atores do território procuram chegar a novas soluções que respondam aos desafios diários que se colocam às populações.

Aparecem-nos então interligados nos territórios conceitos e práticas como inovação, empreendedorismo, capacitação, parceria, trabalho integrado e em rede e apoio à incubação / criação e desenvolvimento de micro, pequenas e médias empresas.

Isto é desenvolvimento e inovação territorial.

 

Finalizo, deixando o desejo de que, ao contrário do que venho observando nalguns colegas de profissão, que teimam em elastificar demasiado certos conceitos, se deixe de confundir o desenvolvimento e inovação territorial, com a inovação dirigida às fileiras ou com o desenvolvimento rural conseguido por via da valorização dos recursos endógenos. São trilhos diferenciados que levam a objetivos distintos.

Por favor, chamem-se os bois pelos nomes!

 


Edição 775 (16/01/2019)

INCUBADORAS DE EMPRESAS

NINHOS DE INOVAÇÃO E DESENVOLVIMENTO

 

Vamos falar nesta edição da importância das entidades que se dedicam a ajudar a eclodir as empresas e a moldar o seu desenvolvimento na sua fase inicial.

As incubadoras ou ninhos de empresas são organizações de apoio às empresas nas suas primeiras etapas de vida. Proporcionam um espaço de trabalho, assessoria empresarial, contabilística, financeira e jurídica, para além de um ambiente de partilha entre empreendedores, em troca de uma contrapartida financeira simbólica ou mesmo nula.

Falar de incubadoras de empresas é falar de transformação de ideias em projetos, bem como do nascimento e capacitação de empresas embrionárias, tendo como pano de fundo óbvio o empreendedorismo e a inovação territorial.

Começam já a desenvolver-se neste domínio outros modelos de suporte, relacionados com a criação do próprio emprego numa ótica da inclusão social, sobretudo nos territórios mais deprimidos.

O conceito de incubação de empresas começou nos EUA em 1959, tendo-se expandido na década de 1980 por todos os EUA e Europa em vários formatos diferentes, tais como centros de inovação, polos de pesquisa, parques tecnológicos etc.

A atividade de incubação de empresas não se limita aos países desenvolvidos. Pelo contrário, este tipo de ação vem sendo cada vez mais aplicado nos países em desenvolvimento, frequentemente como apoio financeiro de grandes organizações como a UNIDO e o Banco Mundial.

A primeira incubadora em Portugal surgiu em 1987, por incentivo da União Europeia com o objetivo de criar uma rede de apoio à criação de novas empresas (BIC – Business and Innovation Centre).

 

 

Uma das principais vantagens do apoio prestado pelas incubadoras é a sua ligação internacional através da Associação da rede europeia BIC (European Business & Innnovation Centre Network).

Muitos autores defendem que a solução para a crise está, precisamente, nas chamadas Startups, recomendando o empreendedorismo como uma ferramenta a ser incentivada desde o ensino básico ao universitário.

Ser empreendedor é pensar em novos serviços e produtos para tornar o mundo com mais qualidade de vida. Por outras palavras, é apostar na inovação e na mudança. As incubadoras são espaços que incentivam este tipo de comportamento.

Para uma empresa fazer parte de uma incubadora existem condições de acesso em que o essencial é apresentar uma ideia ou plano de negócios viável. O tempo máximo de permanência neste tipo de programa é variável, rondando em média os 3 anos.

Serviços normalmente disponibilizados:

* Arquitetura básica do negócio

* Atividades de networking

* Assistência de marketing

* Acesso à internet

* Ajuda em contabilidade / gestão financeira

* Acesso a empréstimos bancários

* Ajuda em técnicas de apresentação

* Acesso a recursos de ensino superior

* Acesso a parceiros estratégicos

* Assistência na comercialização de tecnologia

* Ajuda no cumprimento dos normativos

* Gestão da propriedade intelectual

 

Tipos e objetivos das incubadoras

Cerca de 40% dos programas de apoio das incubadoras referem-se à inovação tecnológica e mais de metade do universo desses programas apoia por projetos que atuam em vários segmentos.

A incubação de empresas tem um papel importante no ecossistema socioeconómico de uma região. Isso traduz-se em benefícios que podem incluir:

* Criação de empregos e riqueza

* Comercialização de tecnologia

* Diversificação da economia local

* Construção ou aceleração do crescimento de indústrias locais

* Criação e desenvolvimento de negócios

* Revitalização da comunidade

 

Um caso exemplar em Portugal

 

 

 

A “In.Cubo” – Incubadora de Iniciativas Empresariais Inovadoras foi criada pela ACIBTM – Associação para o Centro de Incubação de Base Tecnológica do Minho. Mais do que um equipamento produtivo, constitui uma aposta estratégica no empreendedorismo como domínio chave para o desenvolvimento regional.

A ACIBTM tem por objeto a construção, gestão e exploração do Centro de Incubação de Base Tecnológica do Minho, bem como a criação de condições para o desenvolvimento de Planos de Negócios de empresas e para o acolhimento de projetos de I&D, designadamente de empresas de cariz tecnológico que fomentem e propaguem a inovação no seio da base económica instalada no seu espaço territorial.

Entre as suas atividades principais, para além da gestão, exploração e administração dos equipamentos integrados no Centro de Incubação destacam-se, entre outras, a prestação de serviços de apoio a nível técnico, jurídico e financeiro, o desenvolvimento de ações de formação de Recursos Humanos, a promoção de atividades de I&D nos seus domínios de atuação e apoio à respetiva implementação junto da base empresarial, a prestação de serviços de consultoria e apoio técnico a pessoas singulares e coletivas, incluindo organismos da administração central, regional e local, a promoção, desenvolvimento e ajuda à criação e à atividade de infraestruturas de apoio e inventariação e seleção de fontes de financiamento, tendo em vista a atividade científica e técnica dos seus associados.

Um dos projetos apoiados por esta incubadora foi o Peneda-Gerês CompetiTUR, que foi apoiado pelo FEDER e concluído em 2018.

 

Teve por base uma parceira institucional e colaborativa entre a ADERE-PG (Associação de Desenvolvimento das Regiões do Parque Nacional da Peneda-Gerês), a Incubo (Associação para o Centro de Incubação de Base Tecnológica do Minho) e o IPVC – ESDL (Instituto Politécnico de Viana do Castelo – Escola Superior de Desporto e Lazer) e é apoiado pelo NORTE 2020 – Sistema de Apoio às Ações Coletivas para Territórios de Baixa Densidade – Qualificação.

O projeto teve como prioridade a competitividade das empresas da economia do turismo, em particular do turismo de natureza, dos municípios da região da Peneda-Gerês, promovendo o território e preparando-o para a internacionalização.

 

Mesmo a terminar, um recado incontornável:

SE TEM ESPÍRITO EMPREENDEDOR, NÃO DEIXE A SUA IDEIA DE NEGÓCIO PARADA, INSCREVA-SE NUMA INCUBADORA DA SUA REGIÃO E RECEBA ORIENTAÇÃO PARA CONCRETIZAR O SEU PROJETO – A ECONOMIA DO PAÍS AGRADECE!

 


Edição 774 (26/12/2019)

INOVAÇÃO NOS TERRITÓRIOS RURAIS

O artigo de hoje acaba por ser o complemento natural de outros dois artigos apresentados em números anteriores, um sobre “Pensar o Território”, que saiu na última edição e outro apresentado a meio do ano sobre “Inovação  Agrícola”. Será que estamos a repetir-nos? Não é o caso, pois desta vez falamos de Inovação a nível do território rural, não só a nível agrícola, mas numa ótica integrada de desenvolvimento rural social e económico e de governança local.

Feita a explicação, convém referir que a inovação territorial não se pode limitar à inovação tecnológica, na qual impera o espírito empresarial e o foco no mercado. A inovação tem igualmente outros cambiantes, existindo territórios, sejam urbanos, periurbanos ou rurais que se destacam por terem adotado novas formas de organização, como sejam métodos de governança participativa completamente inovadores sob o ponto de vista social e político.

 

Na União Europeia

A definição das Estratégias de Investigação e Inovação para uma Especialização Inteligente (RIS3), é um processo de construção coletivo e contínuo que foi tornado obrigatório pela Comissão Europeia, no âmbito da Política de Coesão para 2014-2020, constituindo uma identificação, em cada região, das áreas prioritárias para atribuição de fundos comunitários à Investigação e Inovação.

 

Em Portugal – exemplos: CCDR do Centro, Município do Fundão e Universidade de Aveiro

O desenvolvimento da RIS3 a nível da Região Centro iniciou-se, sob a batuta da CCDRC, com a definição pelos agentes do território de um conjunto de domínios diferenciadores temáticos, nos quais a Região se diferencia ou tem potencial de crescimento: Agroindústria; Floresta; Mar; TIC; Materiais; Saúde e o Bem-estar; Biotecnologia; e Turismo.

Foram igualmente identificadas as seguintes prioridades transversais: sustentabilidade dos recursos; qualificação dos recursos humanos; coesão territorial; internacionalização.

Partindo dos domínios diferenciadores temáticos e das prioridades transversais, foi possível chegar às Plataformas de Inovação. Estas são quatro áreas focais, horizontais, com as quais se pretende gerar novas atividades (quer a partir do que existe, quer explorando novas oportunidades e novas combinações de recursos) e, assim, dinamizar projetos de investigação e inovação no contexto da Política de Coesão. As plataformas de inovação são: soluções industriais sustentáveisvalorização dos recursos endógenos naturaistecnologias para a qualidade de vida e inovação territorial.

 

Plataforma de Inovação Territorial

Falando um pouco desta plataforma de Inovação Territorial, diremos que os seus principais objetivos são introduzir na Região novas linguagens e processos, que corporizem uma agenda para a inovação indissociável do potencial endógeno do território, do seu potencial humano, das suas gentes e da ligação que estas estabelecem com o seu contexto.

Assim, dinamizam-se projetos e soluções inovadoras para os territórios rurais e de baixa densidade, que promovam cidades inteligentes e sustentáveis, como base numa economia de baixo carbono, e que procurem a qualificação do turismo da Região. As iniciativas e projetos são dos seguintes tipos:

– Promoção e dinamização de projetos de inovação ancorados no território

– Promoção de iniciativas de inovação social

– Desenvolvimento de propostas inovadoras para a qualificação do turismo da Região Centro

O trabalho inovador da CCDRC pode também ser demonstrado por outras iniciativas, entre as quais queremos destacar uma, inserida na chamada “Agenda da Economia Circular do Centro”, que se traduz na celebração de um Pacto Social Institucional para a Valorização da Economia Circular na Região Centro, no âmbito do qual a CCDRC propõe a todas as entidades (públicas e privadas) com atividade na região Centro a assinatura de um Pacto Institucional. Este Pacto pretende estimular a adoção de compromissos sobre práticas circulares na Região. Tal permitirá reunir informação sobre as melhores práticas e exemplos concretos de circularidade e possibilitar a sua divulgação, incluindo através da comunicação social, realçando o que de mais original e inovador se faz na região neste domínio.

 

A nível dos municípios, destaque para o Fundão

Há cerca de dois anos, o Fundão ganhou o Prémio Europeu de Inovação Territorial, no meio de 21 concorrentes. Em apenas quatro anos o município atraiu 14 empresas tecnológicas, algumas delas multinacionais, gerou mais de 500 empregos qualificados, converteu 240 pessoas desempregadas em programadores informáticos e pôs as crianças do primeiro ciclo de todo o concelho a saberem lidar com computadores. O município impulsionou o lançamento de 68 startups e outros projetos empresariais, bem como projetos de investimento em investigação e desenvolvimento. Por outro lado, através de um programa de formação intensiva em programação, lançou várias iniciativas de conversão profissional, proporcionando competências digitais a jovens desempregados.

Nesta cidade, para além do Centro de Negócios e Serviços Partilhados, criou-se também uma incubadora e aceleradora de startups; um Fab Lab certificado pela rede mundial; um Centro de Formação Avançada sobre as novas competências profissionais; um Centro de IoT baseado em tecnologia open source; um Centro de Biotecnologia de Plantas; e um Centro de Validação e Certificação de Software.

 

A nível das Universidades – exemplo da Universidade de Aveiro

A Universidade de Aveiro é beneficiária do “ Programa Integrado de IC&DT “CeNTER — Redes e Comunidades para a Inovação Territorial”, cujo lema assume que as regiões são os motores de inovação, através das suas comunidades e redes locais, as quais devem ser fomentadas e estimuladas.

A abordagem Programa está focada no território; na mediação e valorização; e
no emprego e qualidade de vida. O primeiro nível (território) é focado nas pessoas, práticas e recursos, o que significa que o estudo a ser conduzido neste projeto contribuirá para a identificação, caracterização e sistematização de um conhecimento mais amplo de práticas e recursos de inovação regional.

O principal objetivo é contribuir para a investigação na área dos Sistemas de Inovação Territorial, através do estudo e análise das dinâmicas entre os diferentes atores regionais (instituições públicas, empresas e comunidades) envolvidos no desenvolvimento regional, assim como a proposta de um novo quadro para avaliar as capacidades de inovação territorial a nível regional. Consequentemente, pretende abordar um dos problemas centrais do desenvolvimento regional: a necessidade de identificar os instrumentos de política que melhor promovam a valorização dos recursos endógenos do território, a fim de promover o emprego e a qualidade de vida das populações.

O principal resultado do Programa será a criação de um novo modelo de inovação territorial alimentado pela colaboração e envolvimento da comunidade. Será também criado o Observatório de Capital Humano e Desempenho de Inovação Regional na Universidade de Aveiro, que permitirá proporcionar uma melhor compreensão dos motores e das barreiras de inovação e respetivo suporte para melhores políticas.

A concluir, penso que tudo isto revela que no nosso País existem ainda entidades públicas com responsabilidades na gestão do território, que apostam na Inovação Territorial, aproveitando as ferramentas apresentadas por Bruxelas.

Trouxe hoje aqui três exemplos, que ilustram que Portugal, empurrado ou não pela Europa, está a olhar mais para o território e a canalizar os meios disponíveis para subir os degraus da modernidade e da qualidade de vida dos cidadãos.

BOAS FESTAS – UM ANO NOVO CHEIO DE BOAS REALIZAÇÕES!


Edição 773 (12/12/2019)

PENSAR INTEGRADO É PENSAR TERRITÓRIO

A nossa proposta para hoje é refletirmos sobre a forma como “pensamos” o território, sobretudo quando estamos implicados, por profissão e/ou por paixão, em melhorar consistentemente a qualidade de vida de determinada região. Por outras palavras, construir uma estratégia local de desenvolvimento deverá pautar-se preferencialmente por uma abordagem territorial, logo de caráter integrado.

O exemplo que trago aqui para ilustrar o que é uma estratégia integrada é um projeto português de Mértola, chamado “Mértola com Gosto”, que se encontra registado na base de dados da Rede Europeia de Desenvolvimento Rural.

É uma iniciativa promovida pela Câmara Municipal de Mértola que visa delinear uma estratégia municipal integrada para a construção de um modelo de desenvolvimento sustentável virado para a economia local, tendo por base a valorização da identidade agroalimentar do território. Os vetores força que fizeram o projeto resultar foram o espírito de cooperação e parceria e a abordagem territorial integrada com foco nos recursos endógenos agroalimentares.

Numa área que sofre de declínio demográfico e baixo potencial económico, o projeto “Mértola Com Gosto” é igualmente veículo para o empoderamento / capacitação da comunidade através da implementação progressiva de um sistema agroalimentar local. Por meio da realização de uma série de atividades de consciencialização da comunidade, como organização de eventos, feiras, workshops e desenvolvimento de materiais promocionais, a estratégia teve como propósito recuperar a identidade agroalimentar do território e estabelecê-la como um dos pilares de um modelo de desenvolvimento sustentável para a economia local. O projeto também se concentra na transferência de conhecimento entre gerações.

O projeto tinha os seguintes objetivos:

  • Promover uma economia local que valorizasse os produtos locais, contribuísse para o fluxo da produção, fortalecesse a economia local, garantisse a melhoria das cadeias de valor no território e promovesse o seu desenvolvimento sustentável;
  • Aumentar a compreensão e capacitar os consumidores para o consumo de produtos locais;
  • Estimular um ambiente local biológico, sazonal e mediterrâneo e a economia alimentar nas suas diferentes fases (produção, processamento, distribuição e consumo);
  • Possibilitar a transferência de conhecimento entre gerações, reconhecendo que a população sénior tem conhecimento sobre a produção, colheita e confeção dos alimentos tradicionais.

 

As atividades do projeto

– O projeto apoiou várias ações de informação / consciencialização, no âmbito da promoção do consumo de alimentos locais, tradicionais e de produtos biológicos.

– Eventos promocionais:

Foram realizados 4 eventos promocionais no Mercado Municipal de Mértola e 2 no Mercado das Minas de S. Domingos. Esses eventos incluíram debates sobre um tema relacionado com a alimentação e sessões de socialização para compartilhar e degustar a comida local e sazonal.

– O projeto também financiou a realização de workshops em que foi envolvida a comunidade sobre o consumo de produtos locais.

– Foi realizada uma colheita de informação sobre a gastronomia local, que se traduziu na produção, pela Universidade Sénior do concelho de Mértola, de uma coleção etnográfica com texto, fotos e vídeos. A coleção inclui receitas, uma descrição sobre a produção de alimentos locais, de utensílios, de rituais e festividades.

– Ações dirigidas à população escolar:

Além da coleção etnográfica, o projeto prevê em termos de continuidade, uma iniciativa educacional intergeracional, por meio da qual o conhecimento será transmitido em contexto escolar às gerações mais jovens. Uma dessas ações incluiu uma sessão para ensinar os alunos a colher e a cozinhar espargos selvagens.

 

– Material promocional:

Guia de compras de vinhos da região; folheto educativo sobre comida local em várias línguas (PT/ES/EN/FR); calendário baseado em produtos locais; uma série de vídeos sobre receitas aprendidas nos wokshops.

Em termos de conclusão, diríamos que ainda é cedo para se avaliar o impacto do projeto nos padrões de consumo local. No entanto, a população local já está ciente da necessidade de incorporar produtos locais nos seus hábitos alimentares, com base nas tradições gastronómicas locais. O sucesso do projeto reflete-se no nível de participação nas iniciativas já desenvolvidas, a saber, nos mercados de rua e no envolvimento ativo dos atores locais (coletivos, associação de empresários) na organização das diferentes atividades realizadas. Conseguiu-se igualmente introduzir esta consciencialização nas escolas, para o que contribuiu o saber e a experiência sénior, em ambiente de trocas de informação intergeracionais. Quanto aos produtores locais, é necessário continuar o esforço para aumentar a sua predisposição sobre a necessidade de ampliarem a sua resposta à crescente procura de produtos biológicos produzidos localmente.

Este é, de facto, um bom exemplo de uma iniciativa de caráter integrado que “pensa território”!

 

 


Edição 772 (28/11/2019)

ARTESANATO – recurso esquecido, mas em fase de afirmação

Hoje falamos um pouco de Artesanato, fator social e economicamente importante, (por vezes ignorado) porque faz surgir microempresas e novos postos de trabalho, com o consequente aumento da atratividade e revitalização dos territórios, nomeadamente os rurais.

Apenas para sabermos do que estamos a falar, convém termos a noção do que é artesanato ou atividade artesanal e do que é um artesão.

Designa-se por atividade artesanal a atividade económica, de reconhecido valor cultural e social, que assenta na produção, restauro ou reparação de bens de valor artístico ou utilitário, de raiz tradicional ou contemporânea, e na prestação de serviços de igual natureza, bem como na produção e confeção tradicionais de bens alimentares.

Entende-se por artesão o trabalhador que exerce uma atividade artesanal, dominando o conjunto de saberes e técnicas a ela inerentes, ao qual se exige um apurado sentido estético e perícia manual.

Artesanato é o produto obtido pelo exercício de atividade artesanal, o que implica fidelidade aos processos tradicionais, em que a intervenção pessoal constitui um fator predominante.

Este conceito inclui a produção irrepetível de objetos de valor artístico ou utilitário e a produção e preparação artesanal de bens alimentares.

As atividades artesanais, que se encontram reguladas pelo Decreto-Lei n.º 41/2001, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 110/2002, de 16 de abril, constituem um valioso património cultural com enorme representatividade, quer a nível da sua expressão nos diferentes territórios, quer na diversidade das cerca de 180 atividades que integram o Repertório de Atividades Artesanais, publicado em anexo à Portaria n.º 1193/2003, de 13 de outubro.

Integrando áreas de atividade como a produção de objetos de carácter utilitário, decorativo ou artístico, quer se trate de artesanato tradicional quer contemporâneo, o restauro de bens comuns ou de património móvel e integrado, as artes e ofícios ligados à construção tradicional, ou ainda a produção e confeção artesanal de bens alimentares, este setor constitui, inegavelmente, um importante recurso para a economia, para o desenvolvimento das comunidades e para a criação de emprego.

 

Um duplo património

Porque é frequente ouvir-se dizer que o artesanato é património a dobrar?

Vejamos, a título de exemplo, a seguinte peça do Figurado de Estremoz:

Por um lado, esta criação artesanal é considerada como património material móvel. Por outro, as técnicas e os saberes que estão na base da sua produção, bem como todos os aspetos culturais e tradicionais que a envolvem, assumem-se como património cultural imaterial. E isto acontece com todas as peças de artesanato (não alimentar). Daí esta ideia curiosa do património a dobrar…

 

Apoios e incentivos

Em termos de apoios e estímulos ao setor do artesanato, destacam-se os seguintes:

– A nível nacional existe um processo de reconhecimento do estatuto, quer dos artesãos quer das unidades produtivas artesanais, que conduz, respetivamente, à atribuição dos títulos designados por «carta do artesão» e «carta de unidade produtiva artesanal».

Este reconhecimento é enquadrado pelo PPAO, Programa de Promoção das Ares e Ofícios, (Decreto-Lei nº 122/2015), coordenado pelo IEFP e operacionalizado pelo CEARTE. O PPAO visa valorizar, expandir e renovar as artes e ofícios em Portugal, através de uma política integrada assente na atuação concertada dos vários departamentos da Administração Pública e dos diferentes agentes da sociedade civil.

O Programa apoia:

– a capacitação de ativos para trabalharem no setor, em particular através de formação em contexto de trabalho;

– a promoção e comercialização desses produtos;

– o empreendedorismo associado a este setor específico, bem como a criação líquida de emprego, designadamente promovendo assim a inserção de jovens e adultos desempregados, encontrando-se ou não em situação de fragilidade social.

– Por seu lado, o Prémio Nacional do Artesanato tem como finalidade atribuir reconhecimento institucional, ao mais alto nível, aos percursos e saberes dos artesãos em matéria de artes e ofícios, impulsionando assim o desenvolvimento e a competitividade das microempresas artesanais, incentivando a qualidade, a inovação, o design e a capacidade de adaptação ao mercado.

 

O objetivo específico desta iniciativa é incentivar a produção artesanal, nas suas vertentes tradicional e contemporânea, distinguindo os artesãos portugueses, privilegiando as suas competências técnicas e profissionais, bem como a sua capacidade estética.

O Prémio Nacional do Artesanato abrange seis categorias – “Grande Prémio Carreira”, “Prémio Inovação”, “Prémio Empreendedorismo Novos Talentos”, “Prémio Investigação”, “Prémio Promoção para Entidades Privadas”, “Prémio Promoção para Entidades Públicas”.

Por último existe o Sistema Nacional de Qualificação e Certificação de Produções Artesanais Tradicionais (Decreto-Lei n.º 121/2015), que abrange as produções não alimentares.

A certificação é um garante da qualidade e autenticidade da produção, mas também uma forma de diferenciar e singularizar um produto com características próprias no quadro de uma determinada cultura, de informar e promover a confiança do próprio consumidor.

Devemos, por tudo o que foi dito atrás, olhar para o Artesanato como fator de desenvolvimento e como fator de identidade de uma região. Uma peça de artesanato acaba por ser um pedaço de ADN de alguém que a fez nascer!


Edição 771 (14/10/2019)

AGROECOLOGIA – REGRESSO ÀS ORIGENS

Contexto

Queremos hoje produzir alguma reflexão / informação sobre estema tão candente na nossa sociedade, e nada melhor para já do que citar o estimado colega Fernando Oliveira Baptista, antigo governante e professor do ISA, que em 2001 fez, a propósito, a seguinte reflexão:

“Com memórias e heranças do tempo longo, mas também com a certeza de que o futuro não é apenas uma continuação do passado, há agora que moldar o território, procurando equilíbrios entre os seus diferentes usos e tornando-o um espaço onde os que venham da cidade e os que já o povoam possam, sempre, começar de novo.”

Nos anos 70 sistema de produção alimentar intensiva, decorrente da Revolução Verde, permitiu alimentar uma população mundial crescente, mas mostrou-se ineficaz em acabar com a fome e a insegurança alimentar, criando também problemas de saúde como a obesidade. Contribuiu para esgotar os recursos do planeta e potenciar as alterações climáticas.

O sistema alimentar mundial precisa, assim, de uma urgente mudança. Uma mudança no sentido da promoção ativa de sistemas alimentares territoriais baseados na agricultura familiar e em modos de produção sustentáveis, que promovam a biodiversidade, os conhecimentos tradicionais e as dietas saudáveis. Estes sistemas já existem, em alguns casos sempre existiram e foram agora de novo recuperados. Falamos aqui dos sistemas alimentares de base agroecológica. Neste regresso às origens, é necessária vontade dos agricultores, da sociedade civil e de políticas públicas que apoiem a transição. Este caminho está a ser feito em muitas partes do mundo, mas precisa de ser generalizado para que a produção mundial de comida seja reorganizada e permita alimentar de forma sustentável todos os habitantes da Terra, tanto hoje como no futuro.

Conceito e Transição

A Agroecologia é um conceito, que pode ser encarado / utilizado de três formas diferentes, mas não independentes: como temática científica, como movimento social e como um conjunto de práticas no domínio agroflorestal.

Como disciplina científica a agroecologia pretende gerar conhecimento (com bases nos princípios da ecologia) sobre a gestão de sistemas agrícolas que conservam os recursos naturais, considerando valores culturais, justiça social e viabilidade económica.

A Agroecologia baseia-se em práticas sustentáveis, que envolvem a gestão ecológica dos recursos naturais e formas de ação coletiva, desde a sua produção até à circulação dos seus produtos. A agroecologia está em constante luta com a agricultura convencional para que seja possível melhorar e oferecer qualidade de vida a população com práticas e alternativas sustentáveis.

Tem um papel fundamental na agricultura por conta dos diversos benefícios que proporciona, como qualidade de vida, qualidade do alimento, sustentabilidade, valorização do trabalhador rural, rastreabilidade dos produtos e preservação do meio ambiente. Além de tudo isso, para os agricultores familiares, é uma fonte importante de rendimento.

Fornece todos esses benefícios ao meio ambiente porque não utiliza agrotóxicos, que matam os organismos vivos do solo e contaminam a água, prejudicando também seres vivos que compõem este ecossistema. Pelo contrário, aprende com a própria natureza como sobreviver mesmo em condições cada vez menos favoráveis.

A agroecologia aplicada ao olival

A Agroecologia está ligada a uma filosofia de respeito não apenas pelo ambiente, mas também pelos seres humanos. Por isso, quem pratica sistemas agroecológicos tem como premissa pensar no coletivo e não apenas no individual; prioriza a atividade familiar e não a agricultura intensiva.

A transição agroecológica é a passagem da maneira convencional de produzir, com agrotóxicos e técnicas que agridem a natureza, para novas maneiras de fazer agricultura, com tecnologias e bases científicas de perfil ecológico, tentando realizar de maneira integrada a produção agrícola, o respeito e a conservação da natureza, sem esquecer a meta de proporcionar uma melhor qualidade para as atuais e futuras gerações.

A transição agroecológica pode ser interna aos sistemas de produção, e também externa, pois implica mudanças ou alterações nas características culturais, estruturais e/ou ecológicas em sistemas já estabelecidos. Alguns dos fatores capazes de influenciar na transição agroecológica externa são: a consciência pública, a organização dos mercados, as mudanças no ensino, a investigação agronómica e a extensão rural. De referir, a propósito, que os serviços de extensão rural do Ministério da Agricultura, foram, por opção política, completamente desmantelados há mais de uma década.

Mercado de Produtores – Chaves

 

Na União Europeia

À escala europeia, queremos sublinhar o papel que a Agroecologia começa a desempenhar na proliferação das cadeias alimentares de ciclo curto, processo que contou com a preciosa ajuda do Comité Económico e Social Europeu (CESE)

Segundo o CESE, as cadeias curtas de abastecimento e a agroecologia abrem novos horizontes à agricultura europeia. Tendo sido confirmada a capacidade e a pertinência da resposta da agroecologia e das cadeias curtas de abastecimento face aos desafios alimentares, estas poderão constituir um pilar essencial de uma política que vise criar sistemas alimentares sustentáveis e cumprir os objetivos de desenvolvimento sustentável para 2030.

A Agroecologia é um novo paradigma alimentar e agrícola. Ciência, técnica e movimento social, a agroecologia considera o sistema alimentar no seu conjunto e tem por objetivo aproximar o produtor do seu ambiente, preservando, ou mesmo reformulando, a complexidade e a riqueza do sistema agro-eco-social. Promovida ativamente pela FAO e objeto de inúmeros trabalhos de investigação e conferências, a Agroecologia começa a ter um marcado desenvolvimento na Europa, nomeadamente a nível institucional, designadamente, no âmbito de programas de desenvolvimento agrícola nacionais.

 

Em Portugal

No nosso país começam a despontar iniciativas que, com o esforço característico do “remar contra a maré”, tentam informar e demonstrar que é necessário e urgente a criação de sistemas alimentares locais, baseados na produção agrícola familiar, na confiança entre produtores e consumidores, apostando em produtos orgânicos, comercializados em circuitos curtos, e dando origem a dietas saudáveis, típicas de cada território.

Citamos aqui apenas um exemplo que aponta nessa direção.

Estamos a falar do Fórum Internacional Territórios Relevantes para Sistemas Alimentares Sustentáveis, realizado em Idanha-a-Nova em julho passado.

Foi vivamente constatado que a humanidade está em perigo, pois começamos a morrer pelo que comemos, muitas vezes mal e em excesso. Devemos todos tomar consciência para mudar urgentemente o que comemos, como comemos, que poderá fazer toda a diferença. Temos de ser criativos e resilientes. Construir políticas diferentes. A Dieta Mediterrânica está classificada como património mundial da Humanidade o que traz a Portugal uma responsabilidade acrescida neste domínio.

O presidente do município anfitrião referiu a importância da Agroecologia na construção de sistemas alimentares sustentáveis e dietas saudáveis e o trabalho já produzido no nosso país em matéria de desenvolvimento de políticas públicas para a alimentação.


Edição 770 (24/10/2019)

O coração da olaria portuguesa – São Pedro do Corval

Um tónico para o desenvolvimento da região

O coração português da Olaria

Conhecida pela sua antiga tradição de mestria oleira, São Pedro do Corval é terra de excelência da cerâmica alentejana.

Estamos, de facto, perante o maior centro oleiro do país, que integra mais de vinte olarias de fabrico artesanal, o que significa a maior concentração de olarias em Portugal e uma das maiores na Península Ibérica. As olarias apresentam formas distintas de trabalhar o barro e na maneira de decorar as peças através da pintura.  Desde os tempos pré-históricos, existem em São Pedro do Corval depósitos de argilas de características únicas.

Olaria de roda

As argilas permitiram que, ao longo da nossa história, os povos que foram habitando esta região pudessem criar peças utilitárias. Estas são muito peculiares do temperamento alentejano, tendo tornado o seu quotidiano um pouco mais fácil, tanto pelo seu aspeto decorativo, como pelo seu caráter utilitário.

Aqui, os mestres oleiros ainda moldam o barro à mão. Fazem-no enquanto lentamente giram a sua roda e partilham entre si e com os visitantes as suas histórias de vida. São produzidas extraordinárias peças artesanais, feitas ou não em roda de oleiro e cozidas por vezes ainda em fornos de lenha. Depois, são pintadas à mão com as cores douradas do Alentejo, sobretudo por mulheres.

Pintura cerâmica

O reconhecimento da qualidade e as oportunidades para a dignificação do setor

Foi precisamente em honra destas mulheres e homens e para dignificar esta arte secular, que recentemente se realizou no Centro Interpretativo da Olaria de São Pedro do Corval, na Casa do Barro, uma sessão organizada pela Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz e pelo CEARTE. Nessa sessão foram atribuídas mais de vinte Cartas de artesão e de Unidade Produtiva Artesanal, numa demonstração do reconhecimento da qualidade das produções obtidas nesta área, seja em pintura cerâmica, em olaria utilitária e decorativa, ou ainda em olaria de construção.

Cozedura

Está igualmente em curso o processo de Registo da Arte de Olaria de São Pedro de Corval no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial, procedimento exigente e complexo, acompanhado pela Direção Geral do Património Cultural e pela Direção Regional de Cultura do Alentejo, patamar que é indispensável para uma eventual posterior candidatura à UNESCO.

Importa ainda referir mais uma oportunidade e um caminho para a qualificação da olaria: a Certificação das Produções Tradicionais. O Sistema Nacional de Qualificação e Certificação de Produções Artesanais Tradicionais (Decreto-Lei n.º 121/2015, de 30/06), abrange as produções não alimentares e tem como entidade responsável o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP, IP), com o apoio do CEARTE, que assegura a receção, avaliação documental e análise técnica dos processos relativos aos pedidos de registo de produções a certificar.

A certificação é um garante da qualidade e autenticidade da produção, mas também uma forma de diferenciar e singularizar um produto com características próprias no quadro de uma determinada cultura, de informar e promover a confiança do próprio consumidor.

Este é o momento-chave para que a emblemática atividade de olaria de São Pedro do Corval, assuma a sua importância a nível nacional e internacional e por esse motivo quisemos referir os instrumentos / oportunidades que estão disponíveis para acreditar e dignificar essa arte.

Venda ao público

Felicitamos vivamente o apoio e o carinho que a Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz e a Junta de Freguesia do Corval prestam desde o início aos oleiros e aos processos que levam à sua dignificação e ao consequente desenvolvimento empresarial da região.


Edição 769 (10/10/2019)

Levada de Agunchos e Formozelos: a pulsação de um território

Espigueiro de “pé alto”, em Agunchos

 

 

Aqui a levada canta, encanta e é o foco da existência…

Cerva, freguesia de Ribeira de Pena, situa-se numa zona de transição entre o Minho e Trás-os-Montes, reunindo muitas das características de ambas e possuindo grande riqueza paisagística e cultural.

Na freguesia e na região fala-se da Levada de Agunchos e Formozelos, uma obra de regadio tradicional, com cerca de 14 km de extensão, construída no século XVI, revestida a pedra nos anos 50 e beneficiada no ano 2000. Faz parte de um conjunto enorme de levadas que existem no noroeste do país, que terão origem na civilização fenícia (cerca de 4 a 5.000 anos a. C.).

É interessante saber que toda esta zona vive da Levada e de todas as potencialidades que ela apresenta ao território, à semelhança, aliás, com o que se passa noutros regadios tradicionais.

Ficam aqui algumas pistas sobre a importância deste regadio tradicional e da forma como localmente é abordado o desenvolvimento agrícola e social e o próprio envolvimento e visão dos empresários locais.

 

 

O pulsar da natureza, o “bichinho” da aventura e a transformação dos recursos em produtos…

Em Cerva localiza-se o Pena Aventura Park, espaço natural e de lazer, cuja estratégia de atuação foi desenhada nos anos noventa com o contributo da Associação de Desenvolvimento Integrado do Vale do Poio (ADRIPOIO).

A Levada de Agunchos e Formozelos, é uma levada muito especial, até no que se refere ao chamado “role”, ou “giro” de rega, isto é, a periodicidade do acesso à água pelos “consortes de cabeça”. Há 21 “casas” beneficiárias, o que equivale a mais de uma centena de beneficiários. O role é muito longo, o que significa que a água só volta à mesma parcela muito tempo depois.

 

É importante saber-se de que forma a estrutura das levadas, quase secular (aforada no século XVI), influencia a valorização deste território…

Há regadios tradicionais beneficiados desde a pré-adesão, através do PEDAP. A partir do PRODER os apoios à beneficiação quase acabaram. A “rega de lima” e os lameiros que esta proporciona, quase não existem. Os lameiros, que oferecem uma série de serviços em zonas mais altas (900 m), onde pastam os bovinos maroneses e os caprinos da raça bravia, são um regulador térmico, proporcionam a alimentação para o gado e protegem o solo da erosão. Para além disso, são considerados uma prática agrícola tradicional e com valor patrimonial.

 

Caprinos de raça Bravia (vocação carne)

Há cerca de 20 anos começou a ser concebida a estratégia deste empreendimento, através de um diagnóstico dos recursos naturais endógenos desta zona, os quais acabam por ser os ativos do território. O desafio consistiu em transformar os recursos em produtos, fruíveis e utilizáveis pelo utilizador final, preservando e vivificando o património e protegendo o ambiente e a paisagem.

 

Bovino Maronês em pleno pasto

As levadas não têm sido suficientemente valorizadas no Continente. Ao lado de uma levada há sempre um “espaço canal”; as levadas constituem autênticas redes que nos permitem percorrer o território de uma forma eficiente.

 

A Levada de Agunchos e Formozelos e o seu caminho ou “espaço canal”

 

 

 

Um dos muitos moinhos de água existentes na região

A regra de acesso à água de rega mudou muito nos últimos anos. No início e até à vigência do PRODER, as iniciativas partiam da Junta de Agricultores, havendo posteriormente a homologação pela DGADR. A partir daí os municípios começaram a chamar a si estas responsabilidades, ou seja, a inventariação das existências e a definição de prioridades, sendo valorizadas, com alguma estranheza, as novas tecnologias e a passagem para sistemas tecnologicamente mais evoluídos.

O papel do Aventura Pena Park, é inventariar os recursos, protegê-los e dá-los a conhecer para poderem criar valor no território.

 

Um slide imperdível com 100m de comprimento

A Levada de Agunchos e Formozelos pode regar potencialmente cerca de 600 ha, sendo a área beneficiada de aproximadamente 200 ha.

O Pena Aventura Park vai apresentar brevemente a sua estratégia para captar mais “players” para este trabalho de criação de produtos a partir dos recursos. Vão fazer as rotas do ciclo do pão, do ciclo da água e arranjar trilhos para bicicletas. Tencionam “trabalhar” a gastronomia, o património, a paisagem para se criarem produtos atrativos e para chamar mais pessoas para a região.

Em termos de gastronomia, destaca-se a Confraria Gastronómica dos Milhos, uma Associação criada em 2008 com o objetivo da preservação, registo e divulgação dos pratos de gastronomia tradicional do concelho de Ribeira de Pena, com especial destaque para o prato que lhe dá o nome – os milhos. Esta nova estrutura associativa, além da função de preservação patrimonial, pretende dinamizar o concelho, através de ações a empreender no âmbito da gastronomia.

O diretor do empreendimento, Artur, afirma estar na hora de apresentar este produto turístico, tentando renovar mentalidades e colocá-lo no mercado internacional de forma rápida, porque o tempo urge. As atividades disponibilizadas pelo Pena Aventura Park, distribuem-se pelos quatro elementos essenciais: ar, terra, fogo e água, assim distribuídos:

     Ar Terra Fogo Água
Fantasticable

Salto Negativo

Slide

Voo Duplo

Big Air Jump

 

Percursos Pedestres

Escalada

Minigolfe

Percurso Aventura

Crazy Cart

Via Ferrata

 

Tiro ao Alvo

Paintball

Alpine Coaster

Tour de Polaris

Stand Up Paddleboarding

Rafting

Canoagem

Canyoning

Canoa Raft

Caminhada Aquática

 

Falando agora do mosaico agrícola, ele é basicamente constituído por lameiros, forragem, milho para grão e feijão em consociação com o milho. Também se fazem hortícolas, essencialmente para autoconsumo. Quanto à pecuária, os caprinos de raça Bravia sobressaem, bem como os bovinos de raça Maronesa. Em determinadas zonas a cultura da vinha está a aumentar.

Questionado sobre a qualidade da água, Artur explica que neste momento são efetuadas análises periódicas. A água é de excelente qualidade, mas será bom convencer o município a realizar essas análises de salinidade e bacteriológicas de 3 em 3 meses.

Segundo Artur, o setor empresarial tem de levar o meio rural a pensar muito mais à frente, em termos de funcionamento em rede, baseando-se em novas tecnologias e na eficiência de meios. Tudo isto está na base de uma estratégia que foi montada há vários anos por esta empresa e outras para uma área de intervenção de 300 ha.

Esta empresa é um espaço aberto, diz o empresário, que acolhe outras empresas, mas isto é um investimento a prazo, porque umas trarão outras mais. Agora temos um modelo que serve de embrião para novas escalas de atuação. Somos das poucas zonas do mundo que temos áreas de natureza com fibra ótica. Temos aqui bases para avançarmos para uma escala maior. Mas falta presentemente apoio para se elaborar um plano e uma estratégia, a qual deve assentar na animação e na vivificação do património e no aproveitamento dos recursos do território, assumindo como imprescindíveis a inovação e os meios tecnológicos de ponta.

Na opinião de Pedro, Presidente da Junta de Agricultores, se a Levada não existisse, tudo pararia em termos agrícolas e sociais, ou seja, não haveria ninguém. Em termos agrícolas esta zona melhorou, não só com o contributo da Levada, mas também por causa de alguma aposta na cultura da vinha, não existindo hoje praticamente terras ao abandono.

Uma coisa é certa:

A Levada de Agunchos e Formozelos é decisiva para a sustentabilidade deste território…

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Edição 768 (26/09/2019)

ABACATE – AGRICULTURA INTENSIVA PODE SER SUSTENTÁVEL…

Como é do conhecimento público, o abacate ascendeu ao estatuto de “alimento-estrela” nos últimos tempos, mas pairam sobre a sua instalação em Portugal algumas preocupações, dúvidas e polémicas, fomentadas como é hábito por alguma comunicação social, menos esclarecida e ávida de manchetes.

No Algarve existem perto de mil hectares de pomares de abacateiros, estando a maior plantação da Europa localizada no concelho de Lagos.

Viemos até Barão de São João / Lagos visitar um pomar de abacateiros em regadio e fomos amavelmente recebidos pelos proprietários, os irmãos Luís e Paulo Gonçalves, igualmente produtores de citrinos em Loulé, com vários anos de experiência, que acreditam que o abacate pode vir a ser uma mais-valia para a região. Esta dupla encontrou em Lagos as condições ideais, sob o ponto de vista hídrico e edafoclimático, para desenvolver a cultura do abacateiro e compraram um terreno que não tinha culturas em produção.

A maior exploração de abacates da Europa, Lagos

Esta plantação, de cerca de 75 hectares, apresenta um fator de inovação muito importante, no que toca ao controlo e gestão da cultura. Os irmãos Gonçalves desenvolveram um software específico que lhes permite saber, minuto a minuto, o que está a acontecer, através de sensores que medem, ao nível da parcela, a temperatura do ar, do solo e a humidade relativa, entre outras variáveis.

Desta forma rega-se e fertirriga-se apenas o necessário, no local adequado e na altura devida, já que o sistema permite otimizar e direcionar o consumo de água. Reduzem-se custos, mas sobretudo a pegada ambiental, o que é muito importante. Além disso, os desperdícios são inferiores aos de outras culturas.

No entanto, é também necessária uma ajuda da natureza. A médio prazo serão implantadas 300 colmeias no terreno, pois as abelhas são fundamentais para a polinização dos abacateiros. A ideia dos empresários é disponibilizar espaço a apicultores interessados em colaborar no projeto.

Polinização

A exploração irá concentrar a produção em duas variedades, a Hass e a Bacon, e reserva para o futuro a possibilidade de expandir a área de cultivo em mais 45 hectares.

No que se refere à intervenção inicial no terreno, antes da paisagem estar geometricamente pontilhada com abacateiros, existiam alfarrobeiras, figueiras, sobreiros e pinheiros, mas sobretudo muito mato seco. Foi mantida toda a parte florestal, com exceção das árvores mortas, que foram removidas, com supervisão do Instituto da Conservação da Natureza e Florestas. Grande parte do terreno já tinha tido uso agrícola, apesar de estar abandonado há mais de 20 anos.

Do outro lado da estrada que atravessa a propriedade, que ainda não foi ocupada com abacateiros, é possível vislumbrar o tipo de vegetação densa e selvagem que antes ocupava toda a zona. Luís Gonçalves assume que este tipo de iniciativa, ao contrário do que escrevem alguns media, é uma mais-valia atendendo a que esta passou a ser uma área limpa, cuidada e vigiada, evitando-se incêndios, enquanto o resto do terreno, inicialmente improdutivo, se transformou num pomar de abacateiros de alto rendimento.

Toda a produção é exportada para Espanha, sendo recebida pela delegação de Tavira da Cooperativa Agrícola TROPS, de Málaga, da qual os produtores são sócios. Em Portugal, apesar de existirem compradores, não há garantia de escoamento total da produção, daí a opção de exportar toda a produção.

Abacateiro adulto

Além disso, a Cooperativa providencia ações de formação e jornadas técnicas, e os especialistas espanhóis vêm com regularidade a Portugal visitar a produção algarvia. Dão todo o acompanhamento e dispõem de um gabinete de investigação onde desenvolvem estudos no sentido de otimizar as produções.

No total, o investimento para este projeto a três anos ronda os 1,3 milhões de euros, cofinanciado em cerca de 35 por cento por fundos comunitários.

Concluímos estarmos em presença de um projeto de produção intensiva, onde é utilizada agricultura de precisão, a nível da rega e da fertirrigação, sendo os tratamentos fitossanitários reduzidos à luta biológica praticada em cada abacateiro, por intermédio da aplicação de “auxiliares”, que exterminam os ácaros, principal praga do abacateiro.

Independentemente dos lobys em presença, o que é certo é que uma exploração intensiva como esta, tem uma pegada de carbono diminuta e utiliza a rega e a fertirrigação de uma forma altamente eficiente, com a ajuda preciosa de tecnologia de ponta, sem deixar de apresentar altas produtividades e de criar valor e emprego na região.

Nem sempre a agricultura intensiva é inimiga da sustentabilidade!


Edição 767 (12/09/2019)

SEMENTE, FATOR MAIOR (DA VIABILIZAÇÃO DO PLANETA)

A conservação dos recursos genéticos é de capital importância para o nosso presente e para o nosso futuro

Não resistimos à tentação de falarmos novamente de sementes, tal é a sua importância para o sustento continuado da Humanidade!

A conservação dos recursos genéticos é de capital importância para o nosso presente e para o nosso futuro. Num cenário de galopante alteração global, onde os ecossistemas enfrentam grandes mudanças climáticas e fortes pressões antropogénicas, a perda de diversidade genética é, ao mesmo tempo, uma ameaça e um desafio, com os quais temos mesmo de aprender a lidar, pois só existe um planeta para vivermos.

Homem, na condição de caçador recolector

Desde a Pré-História que a alimentação humana tem sofrido evoluções, sendo inicialmente baseada em alimentos crus (carnes, frutas, etc.).

A partir do seu aparecimento na Terra, há cerca de 2,5 milhões de anos, o Homem, inicialmente nómada e caçador-coletor, tendo descoberto o fogo, começou por confecionar as peças de caça e pesca, com a ajuda de espetos que colocava na fogueira, usando já o sal como tempero. Tendo-se apercebido da importância das sementes como garantia da sua existência, deixou de ser nómada por volta de 10.000 anos A.C. É nessa altura que nasce a agricultura, a pastorícia e a criação de gado.

A Agricultura, e a criação de gado aparecem a partir de 10.000 A.C.

O mundo das sementes é fascinante e de crucial importância para a vida na terra. Segundo Luiz Labouriau, quando se fala de sementes, devem ter-se em atenção os seguintes aspetos: circulação, conservação, melhoramento, identificação, análise e certificação.

 

Circulação

Através da semente fez-se a transição da economia coletora para a economia da produção agrícola. A semente é considerada um elemento modificador da história do homem, dado que quando este visualizou a relação semente – planta – semente, teve de modificar hábitos. Já não era mais necessário mudar constantemente de região à procura de alimento. Com uma fonte de alimento mais próxima e segura, o homem deixou de ser nómada, estabeleceu-se em comunidades que depressa cresceram, implicando organização, económica, social e política. Daí ser lícito afirmar que a Semente é considerada uma pedra fundamental da Civilização.

Foi-se criando a consciência de que era preciso dispor de uma reserva de sementes bem conservadas, para que se pudessem reiniciar os ciclos agrícolas.

Muitos séculos decorreram desde o início da agricultura, durante os quais diversas tradições e práticas agrícolas se desenvolveram, sem serem difundidas e disseminadas pelo resto do mundo. Só nos séculos XV e XVI, graças às grandes viagens marítimas dos descobrimentos, começou a romper-se esse isolamento, originando que as culturas agrícolas e as respetivas pragas e doenças fossem alvo de rápida dispersão pelo mundo, através do transporte de sementes e propágulos de umas regiões para outras.

Nos dias de hoje torna-se, pois, necessária a existência de infraestruturas científicas destinadas à conservação das sementes e à defesa contra pragas e doenças. São exemplos a existência de Bancos de Germoplasma vegetal e Estações de Ensaio de Sementes por todo o mundo. Essas entidades conservam amostras de sementes, com boa viabilidade, das mais variadas espécies e cultivares, para que estejam disponíveis todos os genótipos potencialmente úteis a novos programas de cruzamento.

 

Conservação e melhoramento

Desde o aparecimento da agricultura, tem havido um longo trabalho de melhoramento e de seleção das plantas mais adequadas aos interesses e necessidades do Homem. Numa fase mais recente, o melhoramento de plantas foi iniciado por Welinder, em 1886, em Svalof, visando aperfeiçoar e estabilizar a qualidade das sementes de cereais produzidos no Sul da Suécia.

Dois dos maiores centros de coleções vivas de sementes do mundo são o “Instituto Federal de Indústrias de Plantas Nikolai Ivanovitch Vavilov”, de Leninegrado, e o “Laboratório Nacional de Conservação de Sementes”, de Fort Collins, Colorado, Estados Unidos.

 

Identificação, análise e certificação

Em meados do século passado já existia na Europa um comércio bastante ativo de sementes. Essa atividade estava, porém, cheia de falhas graves, tais como falsificações, mistura com propágulos de outras espécies, inclusive de ervas daninhas, contaminações com microrganismos patogénicos, além da simples má qualidade das sementes fornecidas.

Para combater as falsificações e controlar as misturas, foi necessário desenvolver técnicas e serviços de identificação de sementes. O primeiro laboratório voltado especificamente para esse fim foi criado em 1869 por F. Nobbe, em Thorandt, na Saxónia. Há no mundo vários laboratórios que se dedicam a levantar e coordenar esse tipo de dados. Os dois maiores são o já citado Instituto Vavilov, e, nos Estados Unidos, o “New Crops Research Branch”, do Departamento de Agricultura, em Beltsville, Maryland.

De modo geral, são dois os problemas que mais preocupam o analista de sementes:

1) assegurar-se de que as amostras analisadas são representativas do conjunto das sementes em estudo;

2) certificar-se de que as experiências feitas com essas amostras apresentam uma relação concludente e repetível com situações que se encontram na prática agrícola.

O nível máximo de exigência e rigor de procedimentos destinados a preservar e a garantir a qualidade das sementes é, sem dúvida, a sua certificação.

Para conceder uma etiqueta de certificação, as entidades competentes examinam e inspecionam a cultura quanto a tudo o que possa influir na qualidade da semente produzida: a localização da cultura, os ventos locais, as culturas que estão próximas, as técnicas de sementeira ou plantação, o processo de colheita, o modo de armazenamento e de transporte, o cuidado com os rótulos, etc.

Os Bancos de Sementes, de que falámos há duas edições atrás, constituem uma das formas mais eficazes de conservar os recursos genéticos a longo prazo: permitem conservar grande quantidade de material, de origem e qualidade controladas, num espaço relativamente reduzido, em ambiente de humidade e temperatura baixas.

 

Banco Mundial de Sementes – a “Nova Arca de Noé”

Banco Mundial de Sementes

É um cofre, colocado a 150 metros de profundidade, destinado a guardar sementes e plantas de todo o mundo em segurança, para fazer frente a uma eventual catástrofe natural ou uma guerra nuclear.

Conhecido como a nova Arca de Noé, o Banco Mundial de Sementes situa-se nas ilhas de Svalbard, no Ártico (Noruega). Uma década após a sua inauguração, vai ser alvo de melhorias devido aos danos provocados pelo degelo do Ártico nos últimos anos.

Ao todo, o banco possui 890 mil amostras de sementes de todo o mundo. Em 2013, graças a este stock de sementes, foram reabastecidos os bancos de Marrocos e do Líbano.

Portugal contribui,, tendo recentemente enviado 100Kg de sementes de milho para o cofre, de uma colheita dos anos 1970, armazenado no Banco de Germoplasma Vegetal, em Braga. O nosso país é responsável pelas reservas mediterrânicas do milho.

Infelizmente, o degelo do permafrost nos últimos anos originou infiltrações indesejadas no “Cofre” e embora não causasse danos significativos, deixou os responsáveis em alerta.

Vai ser construído um sistema de drenagem, um novo túnel de betão e feitas melhorias nas paredes de acesso.

O importante é que esta preciosa infraestrutura cumpra a sua nobre missão:

garantir a viabilidade do Planeta!


Edição 766 (25/07/2019)

Bio Regiões

Um caminho inteligente para os territórios rurais

Hoje falamos de Bio-Regiões, um modelo territorial de desenvolvimento, que não sendo inédito, veio para ficar…

Uma Bio-Região é uma área geográfica, sem limites administrativos, na qual se estabelece um compromisso entre os agricultores, os cidadãos, os operadores turísticos, as associações e o poder local, visando a gestão sustentável dos recursos locais, partindo do modelo biológico de produção e consumo (distribuição de venda curta, circuitos curtos de comercialização, grupos de compras solidárias, cantinas públicas bio).

A Bio-Região, operacionaliza-se com base numa estratégia integrada que leva em conta, não só os aspetos da economia de base local, como os sociais e culturais, tendo como pano de fundo o aproveitamento dos recursos endógenos de modo inovador e sustentável e com respeito pelo ambiente, para a criação de cadeias de valor no território, na base de uma alimentação saudável proveniente de uma agricultura em MPB ou de base agroecológica.

Embora, segundo a Rede Internacional das Bio-Regiões (INNER), estejamos perante um novo modelo de desenvolvimento territorial, estamos convictos que as Bio-Regiões se baseiam na metodologia LEADER.

O que temos em presença numa Bio-Região (INNER)

A primeira Bio-Região foi criada em Itália em 2004 pela Associação Italiana de Agricultura Biológica – AIAB Campania. Em 2018, depois de 14 anos de atividade, participam 38 Municípios, 400 explorações agrícolas, 20 restaurantes e 10 estabelecimentos turísticos que utilizam os produtos biológicos do território.

 

As principais etapas para a criação de uma Bio-Região

Um aspeto de importância estratégica para a criação de uma Bio-Região é o envolvimento desde as primeiras etapas, de todos os atores potencialmente interessados. Isto permite adaptar o projeto às necessidades, às potencialidades e interesses de cada território, evitando exclusões que podem afetar o desenvolvimento da iniciativa. Para fazer funcionar com êxito uma Bio-Região, as experiências realizadas indicam alguns passos que são necessários e universais:

  • A criação de uma Comissão, que organiza fóruns públicos para compartilhar os objetivos e os caminhos a seguir para iniciar o projeto. Esta comissão realizará um diagnóstico do território, bem como uma Análise SWOT.
  • Uma vez verificado o interesse da comunidade para a constituição da Bio-Região, identificam-se e envolvem-se os atores locais que estão dispostos a apoiar o processo e define-se o território de intervenção.
  • A parceria produz e consensualiza a Estratégia e constrói o Plano de Ação, o qual integra os Programas e respetivos projetos a desenvolver.

Como funciona uma Bio-Região (Adaptado de INNER)

Que problemas permite resolver?

A Bio-Região permite promover o modelo biológico no âmbito do desenvolvimento rural solidário, valorizando os produtos naturais e típicos de um dado território, contribuindo para um desenvolvimento económico e turístico baseado no respeito e na valorização dos recursos locais.

Uma Bio-Região afirma-se como um modelo global capaz de dar respostas concretas à sociedade que deseja obter uma melhor qualidade do meio ambiente, aos territórios rurais de baixa densidade, às crises financeiras, às emergências climáticas, à promoção de inovações no campo da investigação, aos canais de distribuição alternativos e também no campo da certificação.

Os desafios que as Bio-Regiões permitem enfrentar, relacionam-se com os seguintes temas:

  • ”Mix Farming”, ou seja, uma agricultura que integre a produção vegetal com a criação de animais e a floresta. Este desafio não é facilmente ultrapassável com explorações agrícolas de pequena dimensão, sendo conveniente promover projetos territoriais e associativos.
  • Acesso à terra, cada vez mais difícil para aqueles que não possuem recursos económicos e, em particular, para os jovens que desejam tornar-se agricultores. Nas Bio-Regiões promove-se um verdadeiro “renascimento agrícola” que identifica o biológico como um modelo de referência para o conjunto da agricultura, capaz de revitalizar, por exemplo, as terras do Estado e as abandonadas.
  • Relações mais equitativas na cadeia de distribuição, criando novas relações diretas entre produtores e consumidores, adaptando modelos alternativos de distribuição como a cadeia curta e os grupos de compras solidárias, e incentivando os organismos estatais a incrementar as compras “verdes” (produtos biológicos) para cantinas escolares, hospitais, entre outros.
  • A simplificação do sistema de controlo e certificação de produtos biológicos, para o tornar menos burocrático, mais eficaz e mais barato, através, nomeadamente, da “Certificação em Grupo”.
  • Trabalho realizado pelas Bio-Regiões no âmbito da agricultura social, apoiando as cooperativas e as empresas que, para além de produzirem bens agroalimentares, desenvolvem uma atividade social de inserção laboral e social.

 

Em Portugal

Sabemos como é importante a agricultura biológica no contributo para a descarbonização e promoção da economia circular. A este propósito foi criada a Estratégia Nacional para a Agricultura Biológica – ENAB –  para a produção e promoção de produtos agrícolas e géneros alimentícios biológicos, cabendo à DGADR a coordenação da implementação das medidas previstas no respetivo Plano de Ação.

Até ao presente existe oficialmente uma Bio-Região em Portugal (Idanha-a-Nova), embora outras estejam emergentes ou em fase de adesão à INNER (São Pedro do Sul, CIM do Alto Tâmega e Torres Vedras).

È um modelo de desenvolvimento que está a despertar muito interesse nos agentes de desenvolvimento em meio rural. Daí a importância dos workshops regionais em curso com vista à sua informação e promoção.

Convém sobretudo ter-se a noção que a área de agricultura biológica tem de aumentar muito expressivamente no país, passando de 6% da SAU para 12%, como prevê a ENAB. Mas para isso, é preciso, para já, simplificar administrativamente e tornar significativamente mais barato para o agricultor o processo de certificação / homologação em agricultura biológica.

Deixamos aqui um desafio às Associações Leader para equacionarem este modelo de desenvolvimento como uma excelente via para criarem a Marca do seu território. A metodologia é-lhes familiar, só falta um pouco de ambição para assumirem a coordenação da sua implementação. Desse modo não seria fácil, como nos parece ser agora, o rápido desvirtuamento da filosofia das Bio-Regiões.


Edição 765 (11/07/2019)

PRESERVAÇÃO DO MATERIAL GENÉTICO VEGETAL

GARANTIR O AMANHÃ

A conservação dos recursos genéticos é uma das questões mais importantes e controversas da humanidade. Num cenário de alteração global, onde os ecossistemas enfrentam grandes mudanças climáticas e fortes pressões antropogénicas, a erosão e perda de diversidade genética são realidades com que temos de aprender a lidar. No artigo de hoje, vamos falar especificamente de recursos genéticos vegetais.

A conservação de espécies, populações ou habitats é tradicionalmente agrupada em duas categorias: a conservação in situ e a conservação ex situ, conforme é realizada, respetivamente, no local ou fora do local de origem.

Os Bancos de Sementes constituem uma das formas mais eficazes de conservar os recursos genéticos a longo prazo: permitem conservar grande quantidade de material, de origem e qualidade controladas, num espaço relativamente reduzido. Os Bancos de Sementes conservam as sementes a humidade e temperatura baixas.

■ Os métodos de conservação de sementes variam com as espécies

 

O objetivo de colher e conservar as nossas próprias sementes é preservar a própria espécie e evitar qualquer tipo de perda ou alteração devido a influências externas (por exemplo, o cruzamento com outras espécies).
Mesmo depois de secas e devidamente armazenadas, as sementes correm riscos (por exemplo, ataques de fungos).

Basicamente, para efeitos de armazenamento, existem dois tipos de sementes: as tolerantes à secagem e as não tolerantes à secagem. A maioria das sementes dos nossos jardins e hortas são tolerantes á dessecação, o que significa que podemos colhê-las, secá-las e guardá-las por muito tempo.

As sementes de algumas plantas aquáticas e árvores, como as de certos carvalhos, são intolerantes á dessecação, morrendo se as deixarmos secar.

Os principais bancos de sementes e de material vegetativo e genético, existentes em Portugal, integram-se nas seguintes estruturas:

  • o Banco Português de Germoplasma Vegetal, localizado em Braga, que acolhe coleções representativas de germoplasma dos mais importantes recursos agrícolas de Portugal Continental e Regiões Autónomas;

Os Bancos de Germoplasma são infraestruturas científicas destinadas a conservar o património genético das plantas, sob a forma de sementes, DNA, tecidos, etc. A conservação de germoplasma é um complemento da conservação in situ, proporcionando um “seguro” contra a extinção das espécies no seu habitat.

No âmbito das estratégias definidas no Plano Nacional para os Recursos Genéticos Vegetais (2015-2025), o Banco Português de Germoplasma Vegetal disponibiliza o acesso dos agricultores aos materiais de propagação que lhes permitam a produção diversificada de produtos agrícolas, bem como a informação sobre conservação dos recursos genéticos vegetais a nível nacional. A informação está disponível no endereço  http://bpgv.iniav.pt, .

  • Coleções nacionais de referência:

Videiras (coleção ampelográfica nacional), oliveiras e fruteiras; Culturas de Microbiologia Industrial; Herbário, Sementes, Madeira e Cortiça, Fungos, Insetos e Ácaros;

Ao abrigo da legislação vigente, em Portugal só é permitida a produção, certificação e comercialização de semente de variedades inscritas nos Catálogos Comuns da UE ou no CNV.

 

 

  • Banco de Germoplasma da Universidade de Lisboa, que apresenta as seguintes seções:

Banco de DNA de plantas

A coleção de DNA foi criada recentemente com o objetivo de conservar DNA da flora portuguesa ameaçada. A coleção serve de base a trocas e permutas entre instituições, bem como para projetos de genética vegetal.

 

Banco de Sementes António Luís Belo Correia

O Banco de Sementes A.L. Belo Correia é o maior e mais antigo banco de sementes de espécies autóctones em Portugal continental, conservando (em 2015) 3700 amostras de sementes, pertencentes a 1130 espécies. Esta coleção representa mais de 1/3 da flora e 57% das espécies protegidas do continente português. Destacam-se ainda cerca de 220 espécies da região submersa pela barragem de Alqueva e 250 espécies de plantas do Jardim Botânico.

Nos últimos anos, o Banco de Sementes deu prioridade à conservação de espécies ameaçadas contribuindo, assim, para o cumprimento em Portugal da meta 8 da Estratégia Global para a Conservação das Plantas (http://www.cbd.int/gspc/targets.shtml), que recomenda a conservação de 75% das espécies ameaçadas no país de origem até 2020. Como parte dessa estratégia, foi estabelecido um Protocolo de colaboração com o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), em 2008, ao abrigo do qual é feito o planeamento e a conservação das espécies ameaçadas da Flora Portuguesa. É o único membro nacional do ENSCONET-The European Native Seed Conservation Network (http://ensconet.maich.gr/), consórcio europeu que reúne 30 bancos de sementes de espécies autóctones.

Espermateca e Carpoteca

A Espermateca e a Carpoteca são coleções científicas de sementes e frutos, respetivamente. Estas coleções constituem instrumentos essenciais a investigação científica nas áreas da biologia, paleobotânica e botânica forense, para identificação rigorosa de frutos e sementes.

Index Seminum

Paralelamente à coleção de conservação a longo prazo, há uma coleção ativa para troca com outras instituições de todo o mundo, em que as sementes seguem os trâmites das anteriores, mas estão submetidas a uma temperatura de +4ºC.

Os Recursos Genéticos Vegetais desempenham um papel cada vez mais importante na segurança alimentar e no desenvolvimento económico das regiões, dado que a sua utilização e respetiva valorização contribuem de forma decisiva para a redução da pobreza e garantia da segurança alimentar a nível global.

O Estado tem assumido a responsabilidade do desenvolvimento de políticas e de atividades viradas para a conservação e utilização sustentável dos recursos genéticos, como pilar de um capital natural a preservar e base da sustentabilidade alimentar.

É igualmente pertinente referir que o setor privado desempenha, por vezes, esse importante papel de preservação dos recursos genéticos, sobretudo de origem vegetal.

Exemplo desta situação é o caso da Quinta Biológica e Pedagógica “Aidos da Vila”, localizada, em Vilarinho do Bairro, no concelho de Anadia, que, para além das suas atividades de formação, investigação e demonstração, realizadas em parceria com atores estratégicos do território, sob o lema “Reaproximação do Homem à Natureza”, detém um Banco de Sementes muito completo.

Este banco encontra-se organizado num Index Seminum, que conta com sementes de centenas de espécies vegetais, sobretudo da região, faculta trocas com outros bancos de sementes, como por exemplo, os citados anteriormente e até com entidades homólogas de outros países.


Edição 764 (27/06/2019)

INOVAÇÃO NA AGRICULTURA

CAMINHO PARA A SUSTENTABILIDADE E SEGURANÇA AGROALIMENTAR

Neste artigo, de caráter mais informativo, começo por dizer o que parece óbvio, mas que nem sempre é linear: Inovador, seja em agricultura ou noutro qualquer setor da economia, é tudo aquilo – produto, serviço, procedimento ou metodologia – que é produzido, utilizado ou adotado pela primeira vez num determinado território ou num contexto específico.

Falando em inovação na agricultura, um determinado facto ou técnica pode considerar-se inovadora numa região e não o ser noutra, como facilmente se compreende. Daí termos de ter alguma atenção ao falarmos de inovação.

Vamos tentar então dar uma panorâmica síntese do que se passa na Europa e em Portugal no que à Inovação Agrícola diz respeito.

 

Na Europa:

Existem entidades dedicadas à Inovação, que concebem aspolíticas globais a seguir na EU e nos Estados-membros sobre esta matéria.

  • Nas instâncias da União Europeia, é a Comissão, designadamente, através da Direção-Geral de Investigação e Inovação, que é responsável pela política da UE em matéria de investigação, ciência e inovação, com o objetivo de fomentar o crescimento e o emprego e resolver os principais problemas da sociedade.

A este respeito, podem consultar-se os seguintes links:

Objetivos da política da UE em matéria de investigação e inovação

Sínteses da legislação da UE em matéria de investigação e inovação

Principal programa da UE para o financiamento da investigação e inovação

Todas as oportunidades de financiamento no domínio da investigação e inovação

A gestão das atividades de investigação e inovação da UE está a cargo de vários serviços, agências e organismos e os resultados, os conhecimentos e os dados são partilhados através de:

bases de dados de projetos

publicações, ferramentas e dados

revista de investigação e inovação da UE

  • Por seu lado, Os Grupos Focais PEI AGRI, são constituídos por iniciativa da Direção-Geral de Agricultura da Comissão por de especialistas selecionados que se focam num tema específico, partilhando conhecimento e experiência. Cada Grupo Focal explora soluções práticas e inovadoras para problemas ou oportunidades identificados no terreno, partindo da experiência adquirida em projetos úteis relacionados.

Os  Grupos Focais PEI AGRI podem ainda discutir e documentar resultados da investigação, de boas práticas, e identificar as implicações para novas atividades de investigação que ajudem a resolver problemas práticos do setor.

  • Por sua vez, o Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia (EIT) , localizado na Hungria, em Budapeste, ajuda as empresas e as instituições de ensino e de investigação a trabalhar em conjunto para se criar um ambiente propício à inovação e ao espírito empresarial na Europa, formando as chamadas Comunidades de Conhecimento e Inovação. Estas são parcerias internacionais dinâmicas que desenvolvem produtos e serviços inovadores, lançam novas empresas e formam uma nova geração de empreendedores.

Ao cooperarem estreitamente no contexto destas parcerias, as grandes empresas, universidades e centros de investigação criam soluções mais eficazes e inovadoras para a Europa.

  • O Programa Horizonte 2020 – Programa-Quadro de Investigação e Inovação 2014-2020é o maior programa europeu de investigação e inovação com cerca de 79 mil M€ de fundos para atribuir. O H2020 é o principal instrumento para financiar a investigação e a inovação na Europa e está em vigor entre 2014 e 2020.

Para mais informação, podem consultar-se os seguintes links::

Gabinete de Promoção do Programa-Quadro de I&DT

Comissão Europeia/Horizonte 2020

Regulamento (UE) n.º 1291/2013

Publicação sobre Investigação e Inovação na União Europeia

 O Programa apoia a investigação e a inovação em áreas prioritárias e o seu principal objetivo é tornar ou manter a União Europeia na posição de líder mundial nesses setores.

Em 2050, a população mundial pode chegar aos nove mil milhões de pessoas, dois quintos das quais com mais de 50 anos. Por esse motivo, uma parte substancial do programa Horizonte 2020 é consagrada a encontrar respostas para problemas como a estabilidade do aprovisionamento energético, o aquecimento global, a saúde pública, a segurança ou os recursos hídricos e alimentares.

A revisão do Painel Europeu da Inovação, em 2019, é uma oportunidade interessante para Portugal. Mas, para isso, é essencial mobilizar a atenção de atores institucionais, empresariais e académicos. Os relatórios anuais do Painel Europeu da Inovação medem o desempenho de países e regiões europeias desde 2001. Os scores são muito valorizados por governos e empresas, com grande impacto na imprensa, na imagem dos países e na atração de talentos e investimentos.

A aceleração do progresso europeu já conseguiu reduzir o nosso atraso face à Austrália, Canadá, Estados Unidos e Japão, mas espera-se que a China, partindo de uma posição inferior, alcance a Europa dentro de décadas. Por cá, as principais melhorias desde 2010 ocorreram na ciência, no ensino superior, no investimento privado em I&D e no capital de risco, refletindo o esforço das políticas públicas, o empenho dos Estados-Membros e a sua espiral competitiva.

 

Em Portugal

Segundo o Jornal Económico, o nosso país ocupa a 14.ª posição no Painel acima referido, abaixo da média europeia, liderando os países conhecidos por Inovadores Moderados. A recuperação de 2015-2017 foi insuficiente para compensar a divergência com a UE gerada na forte queda em 2010-2014, na sequência da crise.

Este documento, produzido pelo INIAV, visa contribuir para a mobilização dos agentes em torno de objetivos comuns, tais como a criação de Clusters para o setor agroalimentar e florestal, Centros de Competências e de Grupos Operacionais, numa estratégia fortemente alinhada com o previsto para o programa Portugal 2020.

  • A nível do PDR 2020 e, em articulação com a estratégia referida anteriormente, está contemplada uma medida para apoio à inovação no âmbito da Agricultura, promovendo a criação e funcionamento de Grupos Operacionais, parcerias que desenvolvem, em cooperação, um plano de ação para realizar projetos de inovação dirigidos a problemas concretos ou oportunidades no âmbito agrícola.
  • Por seu lado, estão constituídos atualmente 20 Centros de Competências, os quais potenciam o desenvolvimento de soluções tecnológicas inovadoras de relevância para a setor agroalimentar e florestal. Os Centros de Competências (ver listagem seguinte) são estruturas que agregam produtores, indústria, sistema científico e tecnológico nacional e autarquias, com o objetivo de desenvolverem o setor primário e toda a sua cadeia agroalimentar e florestal, desde a produção até ao consumidor final. Estes Centros de Competências, criados em áreas estratégicas, podem, ainda, relacionar-se com os Clusters previstos para o setor agroalimentar e florestal, promovendo assim uma maior, mais eficaz e mais racional criação de valor no setor primário.

 

– Centro Nacional de Competências dos cereais praganosos, oleaginosas e Proteaginosas (Cerealtech) – 27/7/2018

–  Centro Operativo e Tecnológico do Arroz (COTArroz) – 27/7/2018

– Centro de Competências para o Regadio Nacional (COTR) – 27/7/2018

– Centro de Competências para a Dieta Mediterrânica (CCDM) -29/7/2018

–  Centro de Competências na Luta contra a Desertificação (CCDesert) – 19/7/2018

–  Centro de Competências para o Estudo, Gestão e Sustentabilidade das Espécies Cinegéticas e Biodiversidade (CCEGSECB) – 06/5/2018

–  Centro de Competências do Milho e Sorgo (CCMS) – 26/9/2017

–  Centro de Competências da Caprinicultura (CCC) – 23/6/2017

– Centro Operativo e Tecnológico Hortofrutícola Nacional – Centro de Competências (COTHN-CC) – 17/5/2017

– Centro de Competências da Agricultura Biológica e dos Produtos em Modo de Produção Biológico (CCBIO) – 25/2/2017

–  Centro de Competências das Plantas Aromáticas, Medicinais e Condimentares – CCPAMC- 25/2/2017

– Centro de Competências dos Recursos Silvestres (CCRS) – 30/11/2016

– Centro de Competências da Apicultura e da Biodiversidade (CCAB) – 12/6/2015

– Centro de Competências da Lã (CCL) – 29/4/2015

– Centro de Competências do Porco Alentejano e do Montado (CCPAM) – 22/3/2015

– Centro de Competências do Pinheiro Bravo (CCPB) – 27/2/2015

– Centro de Competências do Pinheiro Manso e Pinhão (CCPMP) – 27/2/2015

Centro Nacional de Competências dos Frutos Secos (CNCFS) – 18/7/2014

– Centro de Competências do Sobreiro e da Cortiça (CCSC) – 18/7/2014

– Centro de Competências para o Tomate Indústria (CCTI) – 07/4/2014

Ao falarmos de Inovação no setor agrícola e florestal, estamos a assumir que queremos experimentar e dominar técnicas e boas práticas que nos vão conduzir, não só à produção de produtos de qualidade, mas também a sustentabilizar no tempo essas produções, perante uma procura alimentar que não pára de crescer.

Na prática, em contexto de mitigação / adaptação às Alterações Climáticas, deparamos com dois grandes tipos de inovação na agricultura:

  • a inovação baseada na redescoberta de práticas, muitas vezes ancestrais, ligadas à terra e à natureza, tendo por base a agroecologia, como é o caso da agricultura sintrópica;

Agricultura Sintrópica – Mértola

  • a inovação fundamentada na investigação de tecnologias de ponta, frequentemente desenvolvida pelos Grupos Operacionais e pelos Centros de Competências, de que é exemplo a agricultura de precisão.

GO GEO-SUBER – Monitorização do montado

No fundo, o que procuramos é produzir alimentos saudáveis que sejam suficientes para alimentar, da forma o mais equitativa possível, os cerca de 9 mil milhões de seres humanos que habitarão este planeta até 2050. Torna-se imprescindível também encontrar formas de mudar radicalmente a nossa abordagem de produção, de consumo, de transformação, de armazenagem, de reciclagem e de eliminação de resíduos, minimizando o impacto ambiental de todas estas operações.

 


Edição 763 (13/06/2019)

DESERTIFICAÇÃO, CATÁSTROFE SILENCIOSA

Embora Portugal seja um país com uma precipitação média anual da ordem dos 700 mm, a distribuição pluviométrica, cada vez mais irregular, gera problemas de escassez de água no período de abril a setembro, com particular incidência no sul e interior centro e norte.

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), a desertificação afeta atualmente mais de 1/3 da superfície terrestre e mais de 1/5 da população mundial, sendo um dos processos de degradação ambiental mais preocupantes à escala global.

Em Portugal o conceito de desertificação tem sido assimilado geralmente de forma incorreta, exceto no meio académico. Ou seja, a Desertificação costuma ser confundida com Despovoamento.

A desertificação é a perda da capacidade produtiva dos ecossistemas causada pela atividade humana. Por outras palavras, é uma diminuição progressiva da fertilidade do solo, pela destruição da sua estrutura e composição, o que não permite boas produções agrícolas, nem a existência de uma vegetação com variedade de espécies naturais.

São vários os fatores que contribuem para a Desertificação. Uns são causas naturais (chuvas intensas, ocorrência de secas), outros estão diretamente ligados às atividades humanas (agricultura, indústria entre outras).

Devido às condições ambientais, as atividades económicas desenvolvidas em uma região podem ultrapassar a capacidade de suporte e de sustentabilidade. O processo é pouco percetível a curto prazo pelas populações locais. Existe também erosão genética da fauna e flora, extinção de espécies e proliferação eventual de espécies exóticas.

O que acontece é que o solo de determinados lugares começa a ficar cada vez mais estéril. Isso quer dizer que há perda de nutrientes da capacidade de fazer nascer qualquer tipo de vegetação, seja florestas naturais ou plantações feitas pelo ser humano.

Sem vegetação, as chuvas vão rareando, o solo vai ficando árido e sem vida, e a sobrevivência fica difícil. Os residentes nesses territórios, agricultores e outros empresários, abandonam essas terras e vão procurar outro lugar para viver.

Nas regiões semiáridas a ação humana intensifica os processos de desertificação. As atividades agropecuárias insustentáveis são responsáveis por processos letais para os ecossistemas: a salinização de solos por irrigação, o sobre pastoreio e o esgotamento do solo pela utilização intensiva e insustentável dos recursos hídricos,  por procedimentos intensivos e não adaptados às condições ambientais, além do inadequado maneio ao nível da pecuária.

As atividades agrícolas, por se basearem na utilização do solo, contribuem decisivamente para a Desertificação. Assim, podem-se identificar uma série de práticas e ações nocivas e que degradam o solo e o ambiente.

 

No caso das pastagens:

Sobre pastoreio – Excessiva utilização das mesmas pastagens;

Excesso de encabeçamento;

Utilização de espécies mal adaptadas às condições de solo e clima;

Compactação da superfície do solo pelo pisoteio do gado;

Aparecimento de uma rede de trilhos, que favorece a de escorrência da chuva.

 

Quanto às terras aráveis:

Remoção do coberto vegetal;

Práticas agrícolas incorretas, como lavouras profundas e sucessivas, no sentido da maior inclinação do terreno;

Perdas de matéria orgânica, pela lavagem do solo por água da chuva;

Destruição da estrutura do solo, com as mobilizações;

Compactação – uso de maquinaria pesada;

Remoção de nutrientes armazenados (pousio);

Monoculturas (ex. trigo, vinha, entre outras);

Espécies inadequadas às condições de solo e clima;

Poluição – contaminação por resíduos tóxicos, e produtos químicos (fertilizantes, herbicidas, pesticidas).

 

Quanto ao regadio:

Práticas agrícolas inapropriadas, como o uso excessivo de água (erosão);

Salinização – formação de películas de sal à superfície do solo, devido à utilização, para irrigação, de águas subterrâneas com elevados teores em sais;

Diminuição preocupante da quantidade de água subterrânea existente;

Perda de fertilidade do solo por continua utilização (esgotamento).

 

No que se refere à Floresta:

Desflorestação;

Utilização de espécies exóticas de crescimento rápido, como o eucalipto;

Ocorrência de incêndios.

Em relação a outras atividades:

Impermeabilização – infraestruturas e urbanização;

Consumo excessivo do recurso água em áreas turísticas.

Todas estas atividades conduzem e intensificam os processos de erosão do solo, pela ação da água da chuva. As gotas de água ao caírem sobre o solo desprotegido e desagregado, fragmentam os agregados em partículas que, depois, são facilmente transportadas pelas águas de escorrência à superfície.

Por seu lado, o crescimento demográfico e a consequente procura de energia e recursos naturais também exerce pressão pela utilização intensiva do solo e dos recursos hídricos.

As consequências deste processo geram grandes problemas sociais, económicos e culturais. Em primeiro lugar, reduz a oferta de alimentos. Além disto, há o custo de recuperação da área ambiental degradada. Do ponto de vista ambiental, a perda de espécies nativas vegetais e animais é uma consequência dramática.

Finalmente, os problemas sociais: a migração das populações para as zonas urbanas e periurbanas, gerando a pobreza, o desemprego e a delinquência.

Portugal é um dos países europeus com maior risco de desertificação, sobretudo a sul do rio Tejo. As regiões Alentejo e Algarve sofrem uma grande pressão hidrográfica devido à falta de pluviosidade, práticas agrícolas intensivas (Alentejo) e demasiadas infraestruturas turísticas (Algarve).

A nível da União Europeia, merece destaque a Agência Europeia do Ambiente (AEA), instituição, cuja missão consiste em fornecer informação consistente e independente sobre o ambiente, por forma a ajudar os responsáveis políticos em vários domínios a tomar decisões e elaborar políticas ambientais bem fundamentadas. Para a prossecução deste objetivo, a AEA trabalha em estreita colaboração com a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu e o Conselho de Ministros. A AEA colabora igualmente com os órgãos consultivos, ou seja, o Comité das Regiões e o Comité Económico e Social, bem como as agências europeias dos Estados membros.

A AEA utiliza 122 indicadores https://www.eea.europa.eu/data-and-maps/indicators/#c0=10&c12-operator=or&b_start=0, abrangendo 13 tópicos ambientais (Poluição atmosférica, Biodiversidade – Ecossistemas, Adaptação às mudanças climáticas, Mitigação das mudanças climáticas, Energia, Meio ambiente e saúde, Indústria, Uso da terra, Eficiência e desperdício de recursos, Solo, Transições de sustentabilidade, Transporte, Água e ambiente marinho).

Em Portugal, o Instituto Nacional de Estatística disponibilizou, pela primeira vez em 2009, informação sobre os principais indicadores agroambientais – IAA. Os IAA pretendem identificar, qualificar, quantificar e avaliar tendências das interações mais significativas entre a agricultura e o meio ambiente, nomeadamente em termos das pressões poluidoras e da redução dos recursos naturais.

Por outro lado, foi criado o Centro de Competências para a Desertificação, em  19/07/2018, que tem como missão promover o desenvolvimento e sustentabilidade do combate à Desertificação pela via do reforço da investigação, da formação, da capacitação, da promoção da inovação e da transferência e divulgação do conhecimento.

Como se pode concluir, está-se perante um fenómeno grave, a que os governos e as populações não têm dado muita atenção.

Por esse motivo é fundamental ter consciência que a Desertificação existe, está em curso e que é urgente tomar medidas para que não avance.

Apesar de existir um Plano Nacional de Combate à Desertificação elaborado em virtude de Portugal ter assinado a Convenção de Combate à Desertificação e à Seca das Nações Unidas, está nas mãos de todos, contribuir, para a conservação de recursos vitais como o solo e a água porque o futuro depende das ações e atitudes do presente.

 

Estar informado é um passo decisivo para tratarmos da nossa habitual iliteracia ambiental e para participarmos na luta contra a Desertificação.


Edição 762 (23/05/2019)

É urgente um novo figurino de atuação baseado no local e no natural

Reciclando logo de início os dramatismos inconsequentes e/ou demagógicos, que proliferam, sobretudo em situações críticas, como é o caso do aquecimento global, suas causas e consequências para um planeta que de “azul” tem cada vez menos, temos de admitir que tempo escasseia para tentarmos, cada qual com as ferramentas de que dispõe, estancar o descalabro ambiental a que vamos assistindo passivamente.

Com este propósito e para disciplinarmos a reflexão, focando-nos no que realmente interessa, vejamos o seguinte diagrama:

 

Traduzindo o esquema em palavras, diríamos que a nossa atuação como cidadãos e como agentes de desenvolvimento do território, terá urgentemente de pautar-se pela promoção e aconselhamento no quadro da realização da atividade agrícola segundo modos de produção sustentáveis, para os quais existem várias abordagens, e praticada em regime de pequena agricultura familiar, neste momento com uma expressão significativa no mundo rural português.

É óbvio que o território, mais tarde ou mais cedo vai agradecer, pois utilizando os circuitos de proximidade, conseguir-se-á criar nível de confiança entre produtores e consumidores, banindo a maior parte dos intermediários, ter-se-á garantia sobre a proveniência local dos produtos, a sua qualidade e genuinidade, o que muito contribuirá para uma alimentação saudável, sustentável e segura, respeitando o ambiente.

Debrucemo-nos agora especificamente sobre algumas temáticas do esquema:

 

Agricultura em modos de produção sustentável

– A prática da Proteção Integrada exige um amplo conhecimento da cultura, dos organismos auxiliares da cultura, dos seus inimigos, assim como dos diversos fatores que contribuem para a sua nocividade (bióticos, abióticos, culturais e económicos) de forma a se efetuar, adequadamente, a estimativa do risco resultante da presença desses inimigos.

Importante para consulta:    Decreto–Lei n.º 256/2009 e Decreto-Lei n.º 37/2013,

– A Produção Integrada é um sistema agrícola de produção de produtos agrícolas e géneros alimentícios de qualidade, baseado em boas práticas agrícolas, com gestão racional dos recursos naturais e privilegiando a utilização dos mecanismos de regulação natural em substituição de fatores de produção, contribuindo, deste modo, para uma agricultura sustentável.

Os Decretos-Lei n.º 256/2009 e n.º 37/2013 estabelecem o essencial sobre esta temática.

Para mais informação pode também consultar Legislação e outros documentos, que constam do sítio da DGADR.

A produção integrada tem por base os seguintes princípios:

  1. Regulação do ecossistema, importância do bem-estar dos animais e preservação dos recursos naturais;
  2. Exploração agrícola no seu conjunto, como a unidade de implementação da produção integrada;
  3. Atualização regular dos conhecimentos dos agricultores sobre produção integrada;
  4. Manutenção da estabilidade dos ecossistemas agrários;
  5. Equilíbrio do ciclo dos nutrientes, reduzindo as perdas ao mínimo;
  6. Preservação e melhoria da fertilidade intrínseca do solo;
  7. Fomento da biodiversidade;
  8. Entendimento da qualidade dos produtos agrícolas como tendo por base parâmetros ecológicos, assim como critérios usuais de qualidade, externos e internos;
  9. Proteção das plantas tendo obrigatoriamente por base os objetivos e as orientações da proteção integrada;
  10. Minimização de alguns dos efeitos secundários decorrentes das atividades agrícolas.

Para a prática da produção integrada estabeleceu-se um conjunto de normas técnicas  que definem aspetos relativos à produção, designadamente: escolha e localização do terreno, operações de instalação, material vegetal, técnicas de condução da cultura, rega, fertilização e regras relativas à proteção fitossanitária, entre outros.

– Por seu lado, o Modo de Produção Biológico (MPB)  é um sistema global de gestão das explorações agrícolas e de produção de géneros alimentícios, que combina as melhores práticas ambientais, um elevado nível de biodiversidade, a preservação dos recursos naturais, a aplicação de normas exigentes em matéria de bem-estar dos animais e método de produção em sintonia com a preferência de certos consumidores por produtos obtidos utilizando substâncias e processos naturais.

Foi definida uma Estratégia Nacional para a Agricultura Biológica e um Plano de Ação para a produção e promoção de produtos agrícolas e géneros alimentícios biológicos, através da Resolução do Conselho de Ministros nº 110-2017, cuja consulta se recomenda.

 

Pequena agricultura familiar

O Estatuto da Agricultura Familiar  foi recentemente publicado em Diário da República, através do Decreto-Lei n.º 64/2018.

Pequena agricultura familiar em socalcos, Sistelo

 

Pretende-se reconhecer a especificidade da agricultura familiar, adotando medidas de apoio que criem uma discriminação positiva a seu favor.

A agricultura familiar representa 242,5 mil explorações agrícolas, ou seja 94 % do total das explorações, abrangendo 54 % da superfície agrícola utilizada e mais de 80 % do trabalho total agrícola. As atividades da agricultura, da produção animal, da floresta, da caça, da pesca, bem como as atividades dos serviços que estão diretamente relacionados com a agricultura familiar são determinantes em grande parte do território nacional.

Assim, reconhecendo a importância da pequena agricultura familiar, foi criada a medida “Pequenos Investimentos nas Explorações Agrícolas” do PDR 2020 – Programa de Desenvolvimento Rural do Continente.

A aprovação do Estatuto da Agricultura Familiar reconhece a sua especificidade e valoriza-a através de adoção de medidas de apoio específicas, a aplicar preferencialmente ao nível local para atender à diversidade de estruturas e de realidades agrárias, bem como aos constrangimentos e potencial de desenvolvimento de cada território.

 

Circuitos curtos de comercialização

Os circuitos curtos agroalimentares proporcionam um novo paradigma para a produção, comercialização e consumo alimentar, valorizado através de um conjunto de benefícios de caráter social, cultural e económico.

  • Benefícios ambientais, ao viabilizarem uma agricultura menos poluidora (sistemas de produção menos intensivos) e de conservação de recursos;
  • Benefícios sociais, ao permitirem reforçar a coesão em territórios onde os rendimentos baixos da atividade agrícola favorecem a emigração e proporcionarem aos consumidores produtos frescos e saudáveis, com rastreabilidade;
  • Benefícios culturais, ao possibilitarem diversificar a oferta e preservar sistemas tradicionais de produção vegetal e animal, promovendo a coesão das comunidades locais;
  • Benefícios económicos, ao proporcionarem valor acrescentado às produções locais e alargarem a gama dos produtos oferecidos e poderem reduzir as necessidades de capital a investir.

A comercialização através destes canais de proximidade garante uma redução nos custos logísticos e uma maior sustentabilidade ambiental. Para este tipo de comercialização, cada agricultor pode diversificar a sua produção, o que lhe permite reduzir o risco em termos de produção e além disso promover a biodiversidade.

Consumir local e produtos da época, deve ser cada vez mais o lema que se deve passar ao consumidor, pois só assim se pode promover cada vez mais a economia local.

Mercado agrícola de Paços de Ferreira, semanal, promovido pela CM e Cooperativa “A Lavoura”

O agricultor passa a ser uma pessoa familiar, o consumidor sabe identificar realmente a origem do produto, muitas vezes pode até visitar a exploração e compreender todos os processos de produção. Devem ser criadas medidas que promovam este tipo de comercialização, e que seja vantajoso para o agricultor optar por estes circuitos curtos.

Pretende-se, assim, que os circuitos curtos agroalimentares sejam promotores da produção biológica e da sustentabilidade ambiental.

Em forma de conclusão, apenas uma frase:

 

O planeta precisa de ser salvo, os nossos sucessores também!

 


Edição 761 (09/05/2019)

Dia Mundial das Abelhas – 20 de Maio

A data foi selecionada pela ONU como o Dia Mundial das Abelhas, com o propósito de lembrar a importância da polinização para o desenvolvimento sustentável. Estes insetos podem visitar cerca de 7 mil flores por dia, atuando como agentes fundamentais para o equilíbrio dos ecossistemas. As abelhas são produtoras de mel e de outros produtos, fontes de rendimento para os agricultores. Esta escolha teve em conta o dia do nascimento de Anton Janša, esloveno que viveu no século XVIII, pioneiro na criação e uso de técnicas modernas de apicultura.

Atualmente, os agentes polinizadores não contribuem apenas para a segurança alimentar, mas também atuam como sentinelas do meio ambiente, pois variações de seu comportamento indicam ameaças emergentes e desequilíbrios nos ecossistemas. As abelhas melíferas desempenham um papel predominante no processo de polinização. Cada vez mais se reconhece a sua importância no nosso planeta. Mas não são só elas que têm esta importância, as abelhas selvagens, as borboletas e algumas espécies de vespas assumem a sua importância na polinização. A polinização é fundamental para a conservação da biodiversidade do meio natural e é também muito importante para as culturas agrícolas das quais o ser humano depende.

Por outro lado, os insetos invasores, os pesticidas, as mudanças no uso da terra e a prática da monocultura reduzem os nutrientes disponíveis na natureza e representam uma ameaça às colónias de abelhas.

O setor apícola em Portugal, tal como no resto da União Europeia, é uma atividade tradicionalmente ligada à agricultura, normalmente encarada como um complemento ao rendimento das explorações, sendo, porém, de assinalar um crescente universo de apicultores para os quais a apicultura é a base das receitas de exploração. Representa, contudo, um serviço vital para a agricultura através da polinização e contribui para a preservação da biodiversidade ao manter a diversidade genética das plantas e o equilíbrio ecológico.

Apiário

As abelhas vivem em sociedade organizada, onde cada uma tem uma função definida. São insetos polinizadores que produzem mel, alimento muito importante para a humanidade. Vivem em sociedades bem organizadas que podem abrigar de 50 a 100 mil indivíduos e onde podemos encontrar as abelhas operárias, o zangão e a rainha.

Situação em Portugal e no Mundo

Nos Estados Unidos morreram quase metade das colmeias ao longo dos últimos anos e em boa parte da Europa a situação também é preocupante. Mas por cá há cada vez mais abelhas, apesar das múltiplas ameaças.

“Se as abelhas desaparecerem, o Homem sobreviverá apenas mais quatro anos”. Esta citação, atribuída a Albert Einstein, está cada vez mais presente na mente de qualquer apicultor. A preocupação com o desaparecimento das abelhas estende-se à Europa, com a França a registar em 2015 uma produção de mel de 17 mil toneladas, contra as 32 mil que era habitual conseguir antes de 1995. Além da França, também Bélgica, Inglaterra e os países da Escandinávia apresentam números elevados de mortes nas colónias de abelhas (entre 20 e 30%). Contudo, Portugal surge em contraciclo. Segundo os dados mais recentes do Programa Epilobee da Comissão Europeia, entre o outono de 2013 e o verão de 2014 o nosso país registou uma taxa de mortalidade nas colmeias inferior a 10%.

Segundo a Federação Nacional de Apicultores de Portugal (http://fnap.pt/), o efetivo nacional passou de 566 mil colónias de abelhas em 2013 para 619 mil em 2015. Por norma, o número de abelhas diminui no inverno e é reposto até ao verão, quando o bom tempo traz mais alimento e a reprodução dispara.

Ameaças e preocupações

O Varroa Destructor, ácaro ectoparasita, continua a ser uma dor de cabeça praticamente a nível planetário, uma vez que não existe um tratamento 100% eficaz contra este ácaro. Outro foco de ameaça é a Vespa velutina (ou asiática), que desde 2012 se instalou no norte litoral do país e ataca as abelhas. O combate a esta espécie predadora requer muitas vezes intervenção especializada, desencadeada sobretudo pelas autarquias, para destruir os seus ninhos.

Uma quebra acentuada da quantidade de abelhas no mundo terá consequências nefastas. Sem a polinização pela qual são responsáveis, frutos como a cereja, o melão, a maçã ou o pêssego ficariam em causa, assim como muitos legumes, casos do nabo ou da abóbora. As plantas polinizadas pelas abelhas também poderiam desaparecer e, por conseguinte, os animais que delas se alimentam, interferindo assim em toda a cadeia alimentar.

 

A utilização excessiva de pesticidas ou agrotóxicos destinados a eliminar algumas pragas que afetam a agricultura, tem vindo, igualmente, a matar abelhas. De forma semelhante, outros químicos, utilizados para promover um maior crescimento das plantas, prejudicam a polinização, colocando em risco o próprio ecossistema. O pólen é contaminado, em média, por nove pesticidas e fungicidas diferentes, mas os cientistas já chegaram a descobrir 21 agrotóxicos numa única amostra.

O número de apicultores tem aumentado progressivamente, sendo que muitos desrespeitam as regras de distância de 800 metros entre apiários, levando as abelhas a entrar em competição e registando-se, também, muitas perdas devido à fome e má nutrição.

Adicionalmente, têm vindo a ser introduzidas espécies invasoras, como as vespas asiáticas, que aniquilam por completo as colmeias. Acresce a multiplicação de doenças fatais que obrigam os apicultores a queimar toda a colmeia, como forma de evitar o contágio. Exemplos destas doenças são a Varroose, doença parasitária provocada pelo desenvolvimento e multiplicação do ácaro já referido e a peste americana, fungo que ataca as larvas, tornando-as numa pasta com um cheiro nauseabundo.

Conclusão

As abelhas assumem uma elevada importância na vida de todos os seres vivos do planeta, relativamente ao seu alimento. Assim, a sua extinção teria consequências trágicas, não só para a Humanidade, mas para a toda a população do Ecossistema Terra. A vida das abelhas é crucial para o planeta e para o equilíbrio dos ecossistemas, já que, na busca do pólen, seu alimento, estes insetos polinizam plantações de frutas, legumes e grãos. Esta polinização é indispensável, pois é através dela que cerca de 80% das plantas se reproduzem. Sem abelhas não há polinização, não há reprodução da flora, sem flora não há animais, sem animais, não haverá raça humana. A nível alimentar, aproximadamente dois terços dos alimentos que ingerimos são produzidos com a ajuda da polinização das abelhas. Se elas continuarem a desaparecer a este ritmo frenético, o ser humano ficará sem alimentos.

É por isso que muitos especialistas chegam a evocar o hino do Reino Unido “God Save the Queen”. Em português, Deus Salve a Rainha. A rainha das abelhas, entenda-se.

E mesmo a finalizar, uma sugestão “verde”:

No próximo dia 19 de Maio faça um passeio bairradino e venha celebrar o DIA MUNDIAL DAS ABELHAS, visitando a Quinta Biológica e Pedagógica “Aidos da Vila”, localizada em Vilarinho do Bairro, Anadia. O programa é atrativo…


Edição 760 (25/04/2019)

QUINTAS PEDAGÓGICAS – De pequenino se torce o pepino…

Para que as crianças, sobretudo as das cidades, não pensem que o leite com chocolate sai de vacas castanhas ou que os frangos vêm do supermercado, é preciso levá-las a conhecer a vida rural, começando, designadamente, pelos produtos que diariamente aparecem na sua mesa, às refeições. As Quintas Pedagógicas (QP), na sua qualidade de ferramentas de educação não formal, dão uma preciosa ajuda!

Segundo a DG de Alimentação e Veterinária (DGAV) uma quinta pedagógica é uma estrutura de carácter permanente onde se realizam atividades pedagógicas, com animais de interesse pecuário e cujo objetivo é a promoção das tradições culturais, dando a conhecer as práticas artesanais, agrícolas e pecuárias. No nosso país a DGAV mantem a nível nacional um registo das QP, disponibilizando uma lista atualizada no respetivo portal.

Para fomentar o contacto de crianças e adultos com o meio rural e a vida vegetal e animal, valorizar a partilha de experiências e ainda, em alguns casos, realizar atividades desportivas e de lazer, têm sido criadas, ao longo dos anos, várias QP em Portugal, todas elas imbuídas do espírito de levar vários segmentos de público, com destaque para a população escolar, a uma aproximação à vida no campo, às atividades agrícolas, ao conhecimento dos produtos alimentares emblemáticos da região, às normas de alimentação saudável e ao respeito pelo ambiente.

Fazer pão, tecelagem, compotas, chás, participar em concursos ou em dias temáticos e ter a oportunidade de tratar dos animais ou de acompanhar os ciclos de desenvolvimento das espécies vegetais, são algumas das sugestões que, em maior ou menor quantidade, as quintas pedagógicas promovem.

Apesar de não existir muita literatura sobre as QP, os diversos conceitos existentes são idênticos na sua essência, pelo menos no âmbito da União Europeia. Hoje em dia, a Escola, como instituição educativa ancestral, vem partilhando cada vez mais o seu papel formador da pessoa humana, com outros lugares, tempos e agentes educativos. Foi neste contexto que emergiu a Educação Não Formal, com o objetivo de dar resposta a populações à margem de uma educação padronizada, mas também para a complementar em contextos educativos diferenciados. Estes espaços educativos encontram-se disseminados, sobretudo, em territórios urbanos e periurbanos, traduzindo o apelo que as populações urbanas sentem pelo mundo e pela vida em espaços rurais.

Em Portugal o tipo de QP mais frequente é chamado de “animação educativa”, cuja atividade é, exclusiva ou maioritariamente, a educação em contexto agroambiental. São bastante mais raras as explorações agrícolas com a valência (complementar) de quinta de pedagógica. As primeiras experiências deste tipo de espaços situaram-se na última década do século passado, designadamente na Quinta Pedagógica dos Olivais, estrutura integrada na Câmara Municipal de Lisboa.

Das 48 QP identificadas, todas oferecem atividades acompanhadas e programas de visitas de estudo, situando-se a maioria no litoral, na proximidade de grandes centros urbanos: Lisboa, Coimbra, Aveiro, Porto, Braga. Foram também identificadas duas QP nas Regiões Autónomas, uma na Madeira e outra no Faial.

Quanto ao tipo de atividades mais realizadas, 19 % das QP portuguesas realiza atividades desportivas, das quais se destaca a equitação, e apenas 8,3% dos espaços mencionam a existência de património com interesse histórico e etnográfico, verificando-se uma proporção idêntica no trabalho com as artes e o artesanato. Cerca de 10% das QP integram-se em parques zoológicos e jardins botânicos, como são exemplos o “Parque Biológico de Gaia”, o “Jardim da Fundação de Serralves”, e os parques zoológicos “Badoca Parque” e “Monte Selvagem”, sendo, neste contexto, espaços temáticos integrados em circuitos de visitação de maior dimensão. Quase metade das QP para além de visitas de estudo, também realiza atividades de lazer (visitas familiares e festas de aniversário), vincando a perspetiva comercial com que a maioria destas instituições se integram no campo educativo.

A tendência evolutiva das quintas pedagógicas em torno das temáticas zootécnicas tem relação direta com fenómenos de afetividade entre as crianças e os animais e na perceção que pais e professores têm da utilidade desses fenómenos nos processos de educação e aprendizagem. O trabalho com alimentos (processos de fabrico do pão, do queijo, do azeite, entre outros) prende-se com a riqueza dos métodos de processamento de alimentos, que no final, muitas vezes, até podem ser degustados; esse interesse poderá advir não só dos alimentos manipulados, mas também da observação e experimentação interativa dos processos tecnológicos, de natureza física, química e microbiológica (peneiração, moenda, batedura, a amassadura, moldagem, prensagem, a maceração, coalhada, fermentação, decantação, a cozedura, a fumagem, entre outros…).

 

Um bom exemplo, quase ignorado, na Região Centro

* Quinta Biológica e Pedagógica de Aidos da Vila, Vilarinho do Bairro, Anadia

Esta é a QP que pretendemos hoje destacar, pelas seguintes razões: porque já a visitámos e falámos com o seu proprietário e mentor; e por ser uma exploração agrícola de cerca de 1 ha, tanto virada para a investigação e formação complementar agronómica, como para a sensibilização da população escolar para biodiversidade de espécies vegetais e para as atividades agrícolas em modos de produção sustentável, em contexto de Educação Não Formal.

Compostagem

Estagiária em atividade de monda

 

A QP, cujo projeto-lema é a “Reaproximação do Homem à Natureza”, fez alguns protocolos de colaboração estratégicos, entre os quais com as Câmaras Municipais da Anadia e de Aveiro, com a Junta de Freguesia de Vilarinho do Bairro, com instituições de ensino superior (ESAC e Universidade de Aveiro, entre outras), Ministério da Educação, agrupamentos de escolas do ensino básico e secundário, Instituto de Emprego e Formação Profissional, associações de proteção do ambiente, etc.

A QP Aidos da Vila, que existe há mais de 20 anos, é, contudo, pouco conhecida, talvez por falta de divulgação e promoção, mas tem, na realidade, muito para oferecer, sobretudo nas áreas da informação, formação, artesanato, nutracêutica, alimentação e receituário gastronómico de base vegetariana, turismo e lazer, investigação agronómica e apoio à realização de estágios profissionais e académicos. O extenso e bem organizado Index Seminum et Plantarum, propriedade do mentor da QP, pode dizer-se que é uma das “joias da coroa”, atendendo ao grande número de famílias, géneros e espécies botânicas representadas e consequente garantia da biodiversidade preservada e da sustentabilidade alimentar. Este banco de sementes e propágulos é uma ferramenta importante, tendo em conta o cenário atual de alterações climáticas e o aumento exponencial da população mundial.

Por todo este manancial de oferta formativa, à espera de maior utilização, virada para a sustentabilidade do planeta, de uma QP que em todos estes anos tem crescido através apenas do autofinanciamento, resolvemos destacar este caso, tendo em atenção o seu papel de excelência na educação complementar do ensino básico e de nível superior, na investigação agronómica e na sustentabilidade das espécies vegetais, enfim, hasteando bem alto a imperiosa necessidade da reconciliação do homem com a Natureza em direção a um planeta mais equilibrado e resiliente, face a um futuro que se adivinha difícil para a sua população, cada vez mais numerosa e necessitada.


• Carlos Paiva
• Poema de Carlos Paiva /  Foto de Hugo Carvalhal

O Rei

O rei que vai nu

Em plena arruada

Mas leva gravata

E calça vincada

 

E bota discurso

Em tom inflamado

Com brilho cromado

Igual ao calçado

 

O rei gabiru

Que sobe ao palanque

Não diz o bastante

No altifalante

 

O rei do concurso

Das obras d’ Além

Quer ir p’ra Belém

Fingir que é alguém

 

O rei do pão cru

Que serve ao povinho

Que serve com vinho

Azedo fresquinho

 

O rei multiuso

Sorri aos patrões

E saca milhões

A bem dos seus boys

 

O rei do peru

Metido no ‘squema

Jamais se depena

É esse o problema

 

O rei do confuso

Que é governar

Pois para acabar

Deitá-lo ao mar

 

 

• Poema de Carlos Paiva /  Foto de Hugo Carvalhal

Sonho de uma noite de Maio

Sonhos como este, devem ser menos que um em mil:

O calendário, na parede escalavrada, acusava 25 de Abril,

E havia nas ruas como que o ruído

De grito de um povo oprimido.

Vim espreitar à janela, curioso, inquisitivo,

Mas, no pavimento, nem um, sequer, ser vivo…

Que estranha ilusão em mim se produzia

Àquela incipiente hora do dia.

Lá fora, o silêncio sobre tudo,

E, dentro de mim, um estertor surdo,

Um rugido insubmisso, uma vozearia

Desde o Terreiro à Mouraria,

Obra de milhão e outros tantos.

O ano é 3000 e não sei quantos,

Os números diluem-se-me na retina,

Parece-me ver alguém à esquina,

Mas não, enganei-me. O crepúsculo

Atiça em mim qualquer músculo

Susceptível ao humano

E torna-se irrelevante o ano;

Só o dia e o mês

Ressoam a qualquer coisa, ainda, de português.

Pelas sete, há, como insectos,

Gente a emergir dos becos,

E o zumbido que o ar vergasta

Vai desde ali até à Praça,

Multidão que quase se atropela, incauta,

Movida por não sei que flauta.

Por qualquer rua ou viela,

A multidão é mar que encapela

Ou rio que serpenteia em S,

Desagua, em pleno estuário, e desaparece…

Que estranha forma de vida

É ser corrente diluída,

Gota que noutra se imiscui,

Um ser que se liquefaz e dilui,

E, dentro de mim, abissal,

A consciência de um Portugal

Que a luz diurna pulveriza,

No sonho, apenas, se concretiza,

É só pó de relicário,

Folha mil vezes caída, ainda, do calendário,

Um canto chão e varonil

E ainda à espera de ser…Abril.


Edição 759 (11/04/2019)

AGRICULTURA SINTRÓPICA

Hoje em dia é indispensável promover sistemas alimentares sustentáveis que ofereçam alimentos saudáveis e nutritivos, preservando simultaneamente o meio ambiente. Estamos aqui a pensar em Agroecologia. Segundo a FAO, a “Agroecologia”, ou seja, o desenvolvimento agrícola ecológico e sustentável, é considerada essencial para o futuro da humanidade, deve preservar o planeta e, ao mesmo tempo, garantir alimentos saudáveis para todos.

Agroecologia é uma forma de conceber sistemas de produção (entre os quais figuram a “agrofloresta”, a “permacultura”, a “agricultura regenerativa” e a “agricultura sintrópica”, sobre a qual falamos hoje), que dependem de funcionalidades oferecidas pelos ecossistemas, sempre com o cuidado de reduzir as pressões sobre o ambiente (por exemplo, reduzindo as emissões de gases de efeito estufa, ou minimizando o uso de fertilizantes e tratamentos fitossanitários) e preservando os recursos naturais (água, energia, minerais …). É uma questão transversal, que se foca em maximizar a natureza como um fator de produção, mantendo as suas capacidades de renovação.

A Agricultura Sintrópica, por seu lado, trabalha com a recuperação pelo uso. Ou seja, o estabelecimento de áreas altamente produtivas e independentes de insumos externos, tem como consequência a oferta de serviços ecossistémicos, com especial destaque para a formação de solo, a regulação do micro-clima e o favorecimento do ciclo da água.

Trabalhar a favor da natureza e não contra ela, consociar culturas agrícolas com florestais, recuperar os recursos em vez explorá-los e incorporar conceitos ecológicos na gestão de agroecossistemas, são algumas das características da Agricultura Sintrópica, embora não exclusivas dela.

Eco-agrossistema sintrópico

Com as alterações climáticas, a agricultura sintrópica, difundida por Ernst Götsch, parece fazer cada vez mais sentido. Este investigador e agricultor suíço, esteve recentemente em Mértola numa conferência onde explicou que este tipo de agricultura é o indicado para enfrentar estes desafios, porque a consociação de culturas agrícolas com espécies florestais, de forma estruturada e adaptada ao local, alimenta o solo e dá-lhe a humidade necessária para as plantas crescerem sem necessidade de rega: “A água também se planta”, assegurou Götsch, defendendo que o futuro da agricultura passa por “desenvolver formas mais próximas da mãe-terra, através de agroecossistemas parecidos com os ecossistemas naturais de cada local, que no caso do Mediterrâneo é a Floresta do género Quercus” (sobretudo o sobreiro). Para isso, “não podemos continuar a encarar a agricultura apenas como uma exploração da terra; o que temos de fazer é criar uma agricultura de processos, onde estejamos a trabalhar para sermos úteis para nós e para o local onde estamos. Isto porque somos apenas parte de um sistema inteligente, não somos nós os inteligentes”.

 

O sistema que o especialista suíço tem vindo a aplicar no Brasil e noutros países, onde já há várias experiências piloto, como em Espanha, França e Portugal, associa o objetivo do estabelecimento de áreas produtivas ao do reforço da oferta de serviços de ecossistema, com especial destaque para a formação do solo, a regulação do microclima e o favorecimento do ciclo da água.

O “segredo” é criar-se um sistema estratificado em que a floresta se mistura com a agricultura e o solo protegido pela sombra das árvores maiores permite o crescimento das diversas espécies, havendo, inclusivamente, a regeneração dos solos, que se tornam mais húmidos, bem como se promove a absorção de água da atmosfera. Tudo isto acaba por ser estimular a natureza.

Na Agricultura Sintrópica também não é necessário usar adubos externos, muito menos químicos, a terra é adubada pela matéria orgânica criada no próprio terreno através, nomeadamente da poda que é feita, seguindo os ciclos da natureza.

Falando, por exemplo, da proliferação dos eucaliptos em Portugal e do problema da incidência de fogos, Götsch frisou que “99,9% dos eucaliptos foram plantados e plantá-los não tem nenhum mal, o problema é como foi feita essa plantação e a forma como eles têm vindo a ser tratados”, frisando que temos de “repensar os conceitos de proteção contra o fogo. Proteção contra fogo não é matar árvores, é plantar floresta estratificada e fazer bem a sua manutenção.

Sobre o uso da tecnologia, o agricultor salientou que tudo isto pode ser feito também com recurso a tecnologia: “sou fã de tecnologia e até ando a tentar construir um pequeno robot para fazer a poda das árvores”, por isso não tenho nada contra a mecanização, desde que seja integrada no agro-sistema.

Para além da sensibilização levada a cabo junto do público em geral, concretamente do concelho de Mértola, os alunos do 1º ciclo do ensino Básico, também sido alvo de ações pedagógicas e práticas, ligadas à horticultura sintrópica, como ilustra a imagem que se segue:

Na horta sintrópica da escola primária de Santana de Cambas as crianças dão uma aula sobre adaptação e mitigação às alterações climáticas.

A finalizar e à guisa de conclusão, uma frase, que embora promocional, transborda de pertinência:

AGRICULTURA SINTRÓPICA

UM CAMINHO PARA UM PLANETA EM MAUS LENÇÓIS


Insurreição do Senhor

• Poema de Carlos Paiva / Foto de Hugo Carvalhal

Terminada esta Quaresma

Já não pode ser a mesma

Minha alma penitente

Já de tanto se privou

Sofreu dor, sofreu enjoo

Nunca a vi assim carente

 

Tenho ‘scaras pelo corpo

Sem sequer ter o conforto

Dum abraço que a acolhesse

Mesmo o dia quando acaba

Cai ao chão tão fatigada

Um pior logo amanhece

 

O demónio vem tentar-me

Com consolos para a carne

Oh ardis de Berzebu

Ignorante, nem suspeita

Minha carne só aceita

De consolo apenas um

 

No Domingo Pascoal

Dou por findo todo o mal

Que já tanto padeci

Vou pregar-me lá na cruz

Que irradia tanta luz

Do Amor que é por ti

 

Que ninguém nos saiba disto

Que em vez lá do tal Cristo

‘Stá pregado tal senhor

Cujos passos da Paixão

Vão levá-lo em procissão

Par’ ao pé do seu Amor

 

 


Edição 758 (28/03/2019)

A ÁGUA EM AGRICULTURA – obrigatório poupar!

Um terço do consumo de água na Europa é da responsabilidade do setor agrícola. A agricultura influencia a quantidade e a qualidade da água disponível para outros fins. Nalgumas zonas da Europa, a poluição causada por pesticidas e fertilizantes utilizados na agricultura continua a ser, por si só, uma das principais causas da má qualidade da água. As indústrias, os estilos de vida e necessidades das populações em crescimento disputam também com a natureza a utilização de água não poluída. As alterações climáticas trazem-nos incerteza no que respeita à disponibilidade de recursos hídricos. Em cenário de escassez de água, a indústria e os agregados familiares começam a desenvolver formas de utilizar menores quantidades de água, mas os nossos ecossistemas dependentes de água correm o risco de sofrer danos irreversíveis. Esta circunstância não afetará apenas a vida em torno de um qualquer aquífero, ou de um qualquer ecossistema:  Afetar-nos-á também a nós!

 

As metodologias tem de ser alteradas

Mediante a adoção de práticas agrícolas adaptadas, como por exemplo, a instalação de sistemas agroflorestais biodiversos, é possível obter grandes poupanças na utilização de recursos hídricos na agricultura, o que permitirá dispor de mais água para outras utilizações.

Para além da modificação das técnicas de rega, é igualmente possível obter ganhos em matéria de poupança na utilização e nos custos da água através de programas de formação e de partilha de conhecimentos, que permitam familiarizar os agricultores com práticas mais eficientes de utilização da água. Em Creta, por exemplo, foram conseguidas poupanças de água de 9-10% através da utilização de um serviço de aconselhamento sobre a rega.

E em Portugal, onde a Extensão Rural foi banida, torna-se imperioso rentabilizar a utilização do “Sistema de Aconselhamento Agrícola e Florestal”, criado pela Portaria nº 151/2016, de 15 de Maio, designadamente nas áreas temáticas seguintes:

·         Medidas de proteção à qualidade da água, que abrange as definidas no anexo I da portaria, previstas nos planos de gestão de bacia hidrográfica regulados pela Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro, na atual redação (Lei da Água), que transpõe para o direito nacional a Diretiva 2000/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de dezembro (Diretiva Quadro da Água);

·         Práticas agrícolas benéficas para o clima e o ambiente (Greening), que abrange as práticas previstas no capítulo 3 do título III do Regulamento (UE) n.º 1307/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, definidas a nível nacional no capítulo IV da Portaria n.º 57/2015, de 27 de fevereiro, alterada e republicada pela Portaria n.º 24 -B/2016, de 11 de fevereiro

Segundo a Agência Portuguesa do Ambiente, temos necessidade crescente de produção de alimentos e, para os produzir, é preciso dispor de água doce e não poluída. Devido ao aumento do consumo exigido pelas atividades humanas, por um lado, e às alterações climáticas, por outro, muitas regiões, especialmente no sul do país, têm grandes dificuldades em encontrar água doce em quantidade suficiente para atender às suas necessidades. Uma utilização mais eficiente da água no setor agrícola ajudará certamente.

Utilização das águas residuais na agricultura – Direcionar as políticas

A utilização de águas residuais na agricultura possibilita a disponibilização de mais recursos de água doce para outras necessidades, designadamente para a natureza e os agregados familiares. A utilização de águas residuais tratadas na agricultura já proporciona benefícios significativos em matéria de gestão dos recursos hídricos nalguns países europeus. Nas Canárias, 20% da água utilizada na totalidade dos setores é fornecida a partir de águas residuais tratadas, incluindo a rega de 5 000 hectares de tomate e de 2 500 hectares de plantações de banana.

A Europa não é um continente árido, mas as fontes de abastecimento de água representam atualmente uma preocupação para, pelo menos, metade da população da UE.

A escassez de água afeta pelo menos 11 % da população europeia e 17 % do território da UE. Desde 1980, o número de casos de seca na Europa registou um aumento e um agravamento dos episódios. Encontrar soluções adequadas a nível da UE para proteger a água é, por conseguinte, da maior importância para manter um elevado nível de bem-estar para os seus cidadãos e preservar o ambiente.

A legislação da UE, nomeadamente a Diretiva-Quadro Água (2000/60/CE), já mencionava a reutilização de águas residuais urbanas como medida adicional para uma gestão eficiente dos recursos hídricos. No entanto, os benefícios desta atividade não foram ainda plenamente explorados devido à falta de legislação clara e com normas precisas.

A Comissão tem atualmente uma proposta que visa alcançar estes objetivos através do estabelecimento de normas harmonizadas a nível da União, a fim de evitar que os requisitos diferentes nos Estados‑Membros afetem negativamente a igualdade das condições de concorrência e criem obstáculos ao bom funcionamento do mercado interno.

A  proposta da Comissão foca-se na água recuperada utilizada para fins de irrigação agrícola, uma vez que o setor da agricultura é um dos principais utilizadores da água. A proposta visa também garantir que as águas residuais recuperadas sejam seguras, protegendo assim os cidadãos e o ambiente.

 

 

O Beijo de Klimt

Toda a boca se confunde

Noutra boca em que sucumbe

Ao pecado original

Toda a língua se enleia

Noutra que a serpenteia

Até não saber-se qual

 

É um baile de serpente

Consumado frente-a-frente

Sem saber qual o final

Sua pele é que nem tela

Alvinegra e amarela

Do vermelho boreal

 

Que mistério se oculta

Nessa boca que sepulta

O desejo que a busca

Refrigério que desculpa

Toda a ânsia que avulta

Quando beija assim tão brusca

 

Beijo dado com acinte

Para inveja desse Klimt

Que em tempos o pintou

Tenho pena do Gustav

Com certeza que não sabe

De quem hoje me beijou

 

Toda a alma que se cole

Por debaixo do lençol

Noutra alma que a deseje

Abre portas ao eterno

Quando num esgar sereno

Só lhe pede que a beije


Edição 757 (14/03/2019)

 Europa sustentável – uma meta a atingir, com a ajuda da Bioeconomia

A Bioeconomia é a produção sustentável e conversão de recursos naturais biológicos numa variedade de bioprodutos, alimentos, compostos, outros produtos industriais e a energia. Engloba todas as indústrias e sectores da produção, gestão ou qualquer outra forma de utilização dos recursos biológicos (incluindo resíduos orgânicos). Baseia-se no conhecimento e inovação através das ciências biológicas, juntamente com outras tecnologias, tais como engenharia, química, ciência de computação e nanotecnologias. O desenvolvimento da Bioeconomia permite a “re-industrialização” do território através dos seus próprios recursos e a revitalização do setor primário. A Bioeconomia contempla não apenas setores tradicionais como agricultura, silvicultura e pesca, mas também setores como as biotecnologias e bioenergias.

A Comissão Europeia apresentou um plano de ação com vista ao desenvolvimento de uma Bioeconomia sustentável e circular que beneficie a Europa a nível social, ambiental e económico.

Como anunciado pela Presidência da Comissão na carta de intenções que acompanhava o discurso sobre o estado da União de 2018, a nova estratégia para a Bioeconomia integra-se nos esforços da União Europeia para dar um novo impulso ao emprego, ao crescimento e ao investimento. Trata-se de uma atualização da Estratégia para a Bioeconomia de 2012.

 

A estratégia visa melhorar e reforçar a utilização sustentável de recursos renováveis para dar resposta a desafios mundiais e locais, tais como as alterações climáticas e o desenvolvimento sustentável.

 

A Europa está a fazer a transição para a economia do pós-petróleo. Com uma população mundial de 9 mil milhões no horizonte de 2050 e com recursos naturais finitos, a Europa precisa de recursos biológicos renováveis que permitam garantir alimentos saudáveis e seguros, bem como materiais, energia e outros produtos consentâneos com uma economia mais inovadora e hipocarbónica, que concilie as necessidades em termos de agricultura e pescas sustentáveis, segurança alimentar e utilização sustentável dos recursos biológicos renováveis para fins industriais, garantindo simultaneamente a biodiversidade e a proteção do ambiente.

A criação de uma Bioeconomia sustentável e circular exige um esforço concertado por parte das autoridades públicas e da indústria. Para estimular este esforço coletivo a Comissão tomará 14 medidas concretas em 2019, tendo em vista três objetivos essenciais:

– Expandir e reforçar os setores dos produtos biológicos

– Criar rapidamente bioeconomias em toda a Europa

– Proteger o ecossistema e compreender as limitações ecológicas da bioeconomia

A UE financia a investigação, demonstração e implantação de soluções sustentáveis, inclusivas e circulares a nível biológico, através da atribuição de uma verba de 3,85 mil milhões de € ao abrigo do programa atual de financiamento Horizonte 2020. Para o período 2021-2027, a Comissão propôs atribuir 10 mil milhões de euros ao abrigo do programa Horizonte Europa para a alimentação e os recursos naturais, incluindo a Bioeconomia.

 

E em Portugal?

O tecido económico dos nossos territórios interiores necessita, a nível empresarial, de apoio técnico e estrutural e da introdução de ideias inovadoras e de novas tecnologias de conversão e valorização dos recursos.

É neste âmbito que nos merece destaque o trabalho da “BLC3 – Campus de Tecnologia e Inovação”, uma associação que trabalha desde 2011, um novo modelo de desenvolvimento de atividades de investigação e intensificação tecnológica de excelência, incubação de ideias e empresas e apoio ao tecido económico nas regiões rurais. É a única entidade em Portugal criada para o desenvolvimento e industrialização das Biorrefinarias e da Bioeconomia e “Smart Regions”, com uma aposta no conceito de Economia Circular.

 

 

Vale a pena falarmos de dois dos vários projetos que ganharam corpo na sua incubadora

• Projeto “Bioeconomia eSmart Regions”, em implementação em territórios com necessidades de desenvolvimento económico e de baixa densidade.

O desenvolvimento da Bioeconomia permite a “re-industrialização” do território através dos seus próprios recursos e a revitalização do setor primário.

O tecido económico das regiões do interior necessita, a nível empresarial, de apoio técnico e estrutural e da introdução de ideias inovadoras e de novas tecnologias de conversão e valorização dos recursos. Necessita também da fixação de massa crítica e de jovens para combater a desertificação. É neste âmbito que o projeto “Bioeconomia e Smart Regions” tem sido desenvolvido em territórios de baixa densidade e com necessidades de desenvolvimento.

A primeira unidade no mundo de produção industrial de biopetróleo poderá estar a funcionar em breve em Portugal 

Com este projeto, a BLC3 pretende estabelecer simbioses entre empresas de várias regiões, de diversas fileiras industriais, centros de conhecimento e câmaras municipais, analisando os atuais fluxos de materiais e energia das mesmas, desenvolvendo soluções integradas de redução, valorização e tratamento de resíduos e efluentes, aplicando assim o conceito de simbiose industrial e regional.

Em Portugal, temos 34,46 milhões toneladas “lost” por ano de recursos e fluxos de massa e energia que não são valorizados ou tratados de forma eficiente, nos diversos setores de atividade agrícola, florestal, industrial e municipal. Com base na criação de simbioses industriais e regionais é possível valorizar este importante fluxo de massa que pode representar uma mais-valia económica anual em Portugal de 6.800 M€.

• Projeto “Wastewater-pro” – Aproveitamento e valorização de efluentes de queijarias

Os efluentes das queijarias são preocupação para todos os agentes económicos, diretos e indiretos, das zonas afetadas. Por um lado, as dificuldades em tratar e minimizar os impactes ambientais destes efluentes, e por outro, a significativa importância desta atividade para a região e sector primário.

O projeto em causa tem um potencial enorme para a região, quer ao nível da possibilidade de produção novos produtos, como da minimização muito significativa dos problemas ambientais originados por este tipo de efluentes, perspetivando-se uma melhoria na qualidade de vida das populações afetadas, dos recursos hídricos e dos solos.

A BLC3 conseguiu juntar os produtores de queijo do concelho de Oliveira do Hospital. A caracterização deste sector revela que o volume de efluentes das queijarias na região é significativo, aproximadamente 18 Milhões de Litros por ano. Nesta fase diversos municípios e entidades despertam interesse no trabalho desenvolvido pela BLC3, sendo que o município de Oliveira do Hospital assume principal destaque, pelo facto de ter apoiado e fomentado este projeto desde o seu início.


Mapa do Tesouro

Carlos Paiva

 

‘Stá num porão bem fechado

Mas tão cobiçado

Meu tesouro

Num equador bem distante

P’ra lá do levante

Feito d’ ouro

Pedras, safiras, rubis

São da cor do desejo

Prata da Lua que um dia

Selou meu destino c’ um beijo

Deitou-lhe mão um pirata

De fato e gravata

Mel na boca

E com paleio q. b.

Pois fiquei tal se vê

Quase louca

Rouca, sem tino, destino

Que mal se cumpria

Farta, nem só mais um dia

De dar-me a quem não me queria

Vou traçar num mapa um Xis

P’ra fazer feliz

A quem mais me queira

É tão certo que me desse

A quem mais quisesse

Mas não há maneira

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Edição 756 (28/02/2019)

Solo, um tesouro a proteger…

A importância do solo na nossa existência pode ser analisada com base em diversos pontos de vista, entre os quais o agrícola e alimentar. Uma coisa é certa: sem solo não há vida! Se quisermos defini-lo, diríamos que ele é um corpo de material não consolidado que cobre a superfície terrestre, localizado entre a litosfera e a atmosfera. É o produto da meteorização de um material de origem (rocha-mãe), cuja transformação se desenvolve com base na interação de processos que ocorrem com o tempo, envolvendo o clima, os organismos vivos, o relevo e as atividades antropomórficas. É o principal suporte para o crescimento das plantas e um recurso natural limitado por não ser renovável rapidamente, mas muito valioso como garante da segurança alimentar e da geração de ganhos sustentados para o país. Apesar da sua importância socioeconómica, apresenta grandes problemas de degradação física, química e biológica, provenientes, sobretudo, das más práticas humanas.

Segundo a Agência Europeia do ambiente, o solo é, por outro lado, um elemento importante do sistema climático. É o segundo maior «armazém», ou «sumidouro», de carbono, a seguir aos oceanos. Consoante as regiões, as alterações climáticas podem levar a um maior armazenamento de carbono nas plantas e no solo devido ao crescimento da vegetação, ou a uma maior libertação de carbono para a atmosfera.

 

Quando as plantas realizam a fotossíntese, absorvem carbono da atmosfera. Porém, o carbono atmosférico também afeta o solo, porque aquele que as plantas não utilizam para crescerem à superfície, é distribuído através das suas raízes, que o depositam no solo. Se não for perturbado, este carbono pode estabilizar e ficar armazenado durante milhares de anos, atenuando, deste modo, as alterações climáticas.

Apesar da sua importância vital, o solo tem sido negligenciado ao longo dos anos, enfrentando inúmeras ameaças, como a intensificação da agricultura com a consequente aplicação de adubos e pesticidas, a contaminação por metais e outros poluentes, a salinização e a erosão.

A erosão do solo é um problema que afeta seriamente o ambiente sob diversos aspetos. De entre os principais estão as perdas de solo, de nutrientes por lixiviação, a redução da capacidade de infiltração e da retenção de água, a sedimentação e a deposição do material erodido nas zonas baixas de solo fértil, reduzindo a sua fertilidade. A eutrofização das águas superficiais é também uma questão séria, associado à erosão do solo agrícola, pois os nutrientes transportados durante o processo erosivo, particularmente o fósforo, permitem um crescimento descontrolado das plantas e algas aquáticas, que esgotando o oxigénio dissolvido na água, reduzem drasticamente a biodiversidade destes ecossistemas. A degradação de infraestruturas públicas, nomeadamente redes de drenagem, estradas e assoreamento de albufeiras são também aspetos negativos ligados à erosão dos solos agrícolas.

A cobertura do solo por plantas e seus resíduos é o fator mais importante na redução da erosão dos solos agrícolas por permitir a dissipação da energia das gotas de água da chuva (ou da rega), reduzir o processo erosivo e contribuir para aumentar a infiltração de água no solo.

A cobertura vegetal é também importante para fornecer matéria orgânica e sombreamento ao solo, proporcionando benefícios por evitar a erosão, por aumentar os organismos benéficos ao solo, como as minhocas e fungos micorrízicos e controlar a perda de elementos nutritivos do solo.

 

Pomar de macieiras em modo de produção biológico com mulching na entrelinha

 

A Agricultura de Conservação consiste num conjunto de práticas que permitem o maneio do solo agrícola com a menor alteração possível da sua composição, estrutura e biodiversidade natural, defendendo-o dos processos de degradação.

Algumas das técnicas que constituem a Agricultura de Conservação são os sistemas de sementeira direta (sem mobilização prévia do solo), sistemas de mobilização mínima (sem inversão da camada superficial do solo) e os sistemas de mobilização na zona.

No estado natural, a vegetação cobre o solo como um manto protetor, fazendo com que os efeitos da erosão geológica sejam lentos e compensados pelos contínuos processos de formação do solo. Em condições naturais, portanto, o ciclo de desgaste normalmente é equilibrado pela renovação e, graças a esse equilíbrio, a vida na terra tem sido mantida por longo período. No momento em que o homem tem de cultivar a terra para seu sustento, esse equilíbrio natural é interrompido, o que pode levar à degradação do solo.

O processo de formação é lento, exigindo de 100 a 2500 anos para a formação de cada centímetro de solo. Genericamente, o solo é composto de 45% de elementos minerais; 25% de ar; 25% de água e 5% de matéria orgânica.

A atividade antrópica é um poderoso agente de transformação do solo, que pode acarretar prejuízos incalculáveis quando não controlada. A erosão dos solos pode levar 1,5 mil milhões de pessoas à fome, ou seja, um quarto da população do mundo, reduzindo a produção das terras e ameaçando a segurança alimentar.

Em termos de conservação dos solos, se pensarmos que o solo é a base para uma agricultura e uma produção florestal sustentáveis, é necessário adotar práticas que o conservem e, ou, restaurem sua fertilidade, a fim de manter a produtividade, visando sua sustentabilidade e qualidade.

A agricultura convencional, baseada na mobilização do solo como forma de combater as infestantes e preparar a cama da semente, é a principal responsável pela degradação do solo a nível mundial. Contribui também para o seu desgaste, não só pelo processo erosivo, mas também porque acelera a sua mineralização.

Segundo a FAO, os princípios básicos da Agricultura de Conservação incluem:

– Sementeira direta com mobilização mínima do solo;

– Cobertura permanente do solo, especialmente por resíduos e coberturas de culturas;

– Rotação de culturas.

A cobertura do solo (paillage ou mulching), além dos efeitos benéficos citados, acaba por mudar as condições biológicas do sistema por motivos físicos ou químicos.

Estas serão algumas das boas práticas a ter em conta numa abordagem de proteção do inestimável e limitado recurso que é o solo.

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O teu olhar de vitral

• Texto de Carlos Paiva / foto de Hugo Carvalhal

O teu olhar de vitral

A mim traz em penitência

Na mais fria catedral

Implorando teu aval

Suplicando-te clemência

 

Por ele passa a luz do Sol

Desenhando naquele chão

Labaredas de cheol

Qual candeia de farol

Laminando a ‘scuridão

 

Minha alma, como vês

Não é mais que um ‘stilhaço

Arrojada a teus pés

Dessa luz toda que és

Nem sequer espelho baço

 

O teu olhar de vitral

Que mais belo eu não vi

Nos meus olhos é o sal

É castigo e afinal

Já não posso olhar p’ra ti

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Edição 755 (14/02/2019)

Empreendedorismo em Meio Rural

Alavancar o presente, garantir o futuro – Casos concretos (Parte II)

Na edição anterior publicámos a 1ª parte de um artigo sobre “Empreendedorismo em Meio rural” e ficou prometido que continuaríamos hoje, na 2ª parte, com a mesma temática, mas focada em casos concretos.

Tendo presente que a Agricultura é uma atividade estruturante do mundo rural, é fundamental que existam jovens a apostar na produção agrícola, na inovação e no nascimento de novas ideias de negócio em espaço rural, que contribuam para o desenvolvimento de microempresas, com reflexo direto na criação de emprego e na fixação das populações.

A este propósito, foi publicado (Decreto-Lei nº 9/2019, de 18/01, de 18/01) no passado mês de janeiro, o “Estatuto do Jovem Empresário Rural” (JER), sobre o qual se destacam os seguintes pontos:

• O reconhecimento do estatuto criado é feito através da atribuição do respetivo título. O jovem empresário, com requisitos para esse título, tem acesso a diversas medidas e iniciativas de apoio ao investimento nas zonas rurais, como por exemplo:

– Candidaturas a concursos e/ou apoios específicos;

– criação de linhas de crédito específicas;

– regime de benefícios fiscais;

– formação profissional específica.

* Pode ser reconhecida como JER qualquer pessoa, de 18 a 40 anos e qualquer micro ou pequena empresa.

 

• Este Decreto-Lei pretende potenciar o empreendedorismo no mundo rural, a criação de novas empresas e a fixação de jovens empreendedores nas zonas rurais, contribuindo para a dinamização económica e a criação de emprego.

 

Em termos reais, abordam-se seguidamente alguns casos concretos, relacionados com o empreendedorismo.Parte superior do formulário

 

Programa RECOMEÇAR, em Idanha-a-Nova

Este programa nascido em 2015, vem posicionando Idanha-a-Nova como um município onde é possível conciliar o bem-estar e a proximidade da natureza com o empreendedorismo e a inovação.

Aldeia de Monsanto

O programa assenta em quatro pilares / projetos:

– Idanha Green Valley, ligado ao conhecimento e inovação na ruralidade e ao posicionamento mundial do território nesta área;

– Idanha Experimenta, que faculta aos interessados a oportunidade de experimentar a vida rural;

– Idanha Vive, com condições especiais para quem vive ou pretende viver naquele território;

– Idanha Made In, para dar apoio a tudo o que é produzido localmente.

Saiba mais em:

http://www.cm-idanhanova.pt/investimento/recomecar.aspx

 

Incubadora de Base Rural de Guimarães

Este ninho de empresas nasceu em 2017 pela iniciativa do Município de Guimarães em aproveitar o potencial do território para o desenvolvimento de atividades empreendedoras e inovadoras de base rural. Procurando afirmar-se como um território de referência no bom uso do solo agrícola e florestal, o Município lançou o presente projeto tendo em vista apoiar e capacitar promotores de ideias de negócio de base rural, a partir da Incubadora de Base Rural de Guimarães, assessorando-os na criação de empresas rentáveis e consolidadas, com elevado impacto no desenvolvimento socioeconómico do concelho e da Região do Vale do Ave.

Incubadora de Base Rural

Tendo em vista a promoção da coesão social e da sustentabilidade territorial, a Incubadora de Base Rural de Guimarães acolhe preferencialmente projetos promovidos por jovens agricultores/empreendedores, residentes do concelho, desempregados e agricultores que se dediquem ao modo de produção biológico. A Incubadora apresenta uma estrutura integrada de apoios ao empreendedorismo de base rural, prestando um serviço personalizado e ajustado às necessidades de cada promotor. Os apoios e serviços disponibilizados pela Incubadora de Base Rural base de Guimarães são tendencialmente gratuitos para o utilizador, procurando assim desenvolver e alavancar as iniciativas mais qualificadas, mais criativas e de maior valor acrescentado para o território e para a economia.

Saber mais em: https://www.cm-guimaraes.pt/pages/1267

 

EMER-N: Empreendedorismo em Meio Rural na Região Norte

EMER

Este é um programa de apoio ao empreendedorismo, adaptado aos condicionalismos e particularidades do meio rural, com a finalidade de criar uma envolvente positiva, de suporte ao aparecimento e crescimento das empresas e do emprego na Região Norte.

Os seus principais objetivos são: reforçar a competitividade das Pequenas e Médias Empresas; Fomentar o empreendedorismo de base local; Criar valor e promover as economias locais; Revitalizar o conhecimento e os saberes locais e regionais; Contribuir para a fixação da população local.

Se quiser saber mais sobre este programa, nomeadamente sobre projetos apoiados, aceda ao seguinte link: http://www.emern.pt/

 

Quinta “Casal da Raposa”

Patrícia é de Torres Novas, licenciada em Direito, e gere, conjuntamente com os pais, a exploração agrícola da família, o “Casal da Raposa”, virada para a produção de uva de mesa. Era jurista na Câmara Municipal quando, no verão de 2012, decidiu tirar licença sem vencimento para acompanhar a colheita. A partir dessa altura, não mais largou a exploração da família. Candidatou-se a um apoio de Jovem Agricultor e abraçou o projeto familiar. Os 12 hectares de uva de mesa do Casal da Raposa foram renovados desde 2013, já com o contributo de Patrícia. São produzidas variedades tradicionais Cardinal e D. Maria, e também a Michele Palieri, a Black Magic e a Victoria. Todo o processo cultural é feito mecanicamente, à exceção da colheita.

Uva de mesa da no “Casal da Raposa”

 

 

Conceitos que se completam mutuamente, em voga nos últimos anos e potenciados pelo êxodo urbano e o “regresso à terra” a que se tem assistido. O que têm em comum? Constituem uma alavanca importante para o presente e futuro imediato da nossa Agricultura.

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Bloco de notas

• Texto de Carlos Paiva / foto de Hugo Carvalhal

Não tenho no mundo amigo

Ou sequer um conhecido

Tenho apenas este livro

Esta sebenta maldita

Onde ao azar deposito

Meus pensamentos virais

 

Tão-somente vazadouro

Não é arca do tesouro

Nem estojo de jóia d’ ouro

Servisse ao menos p’ra outro

Fosse bem mais que o porto

D’ embarcações infernais

 

Mesmo quanto não percebo

Nas entrelinhas escrevo

Para que iludindo o medo

Vá fazendo o meu enredo

‘Inda que seja em segredo

Acoitado dos demais

 

O que escrevo não é tanto

Quanto destila meu pranto

Se é por vezes acalanto

Noutras mais não é que o canto

Entre profano e o santo

Dum barco que não tem cais

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Edição 754 (24/01/2019)

Empreendedorismo em meio rural

Alavanca do Futuro (parte I)

Do que estamos, afinal, a falar?

As perspetivas de inovação e de empreendedorismo nos territórios rurais têm de responder a condições e desafios muito específicos e diferentes dos que moldam os espaços mais urbanos. Esta é uma matéria que exige uma abordagem territorial, de âmbito local, que permita a mobilização dos recursos e a sua rentabilização através de soluções inovadoras e empreendedoras por parte de quem reside nos territórios rurais.

O empreendedorismo, ainda deficitário em Portugal, desempenha um papel fundamental no desenvolvimento económico e social, criando emprego, concebendo novos produtos e serviços e desenvolvendo respostas sociais inovadoras. Ao nível do indivíduo, identifica-se a autoconfiança como fator preponderante, complementada com o conhecimento profundo do território, das medidas de apoio existentes e das condições de mercado. Ao nível do contexto mais próximo, sabe-se que o empreendedorismo tem maiores possibilidades de despontar em comunidades com maior abertura, diversidade, capacidade de iniciativa, ligações entre os seus membros e existência de outros exemplos de empreendedorismo.

O apoio ao empreendedor pode ser realizado por uma incubadora de empresas, geralmente nos primeiros meses da concretização da ideia de negócio e/ou da criação da empresa. O apoio pode também provir de medidas específicas destinadas à formação e assistência técnica e ao cofinanciamento do projeto.

 

Na União Europeia

A União Europeia procura criar desde 2013 condições para melhorar a competitividade e a sustentabilidade das empresas, com especial ênfase para as pme, incentivando a cultura empresarial e promovendo o seu crescimento. A Europa precisa de mais pessoas empreendedoras, que criem emprego, crescimento e uma economia mais competitiva.

Um dos mais importantes instrumentos existentes para a promoção do empreendedorismo é o Programa COSME (2014-2020), que estabelece sinergias com o programa Horizonte 2020 e com os Fundos Estruturais (com destaque para o “Portugal 2020”). Este programa lança regularmente concursos, destinados a vários domínios de atividade, como é o caso do Empreendedorismo.

O programa COSME promove a execução do chamado Plano de Ação sobre o Empreendedorismo 2020 (1), apresentado pela Comissão em 2013, através de várias iniciativas (2), que incluem intercâmbios de mobilidade, investigação, divulgação de boas práticas e projetos-piloto, em domínios como a educação para o empreendedorismo, a mentoria ou o desenvolvimento de serviços de aconselhamento e de apoio para novos e potenciais empresários. O Programa de Trabalho COSME / 2018 (3) coloca uma tónica especial no empreendedorismo social, na vertente social das compras públicas, redes de inovação social e acesso ao capital de risco.

(1) http://www.pofc.qren.pt/media/noticias/entity/empreendedorismo-2020

(2) https://ec.europa.eu/growth/smes/promoting-entrepreneurship_en

(3) https://www.iapmei.pt/getattachment/PRODUTOS-E-SERVICOS/Empreendedorismo-Inovacao/Inovacao-e-Competitividade/Incentivos-e-financiamento/COSME/ProgramaCOSME2018.pdf.aspx

 

Em Portugal

Em 2016 foi lançada a Estratégia Nacional para o Empreendedorismo Startup Portugal. Posteriormente, o Programa Startup Portugal+ / Estratégia Nacional para o Empreendedorismo (4),  apresentado em Julho de 2018, foi desenhado para dar um novo impulso à estratégia inicial e atuar perante desafios emergentes. Além da consolidação de cinco medidas do programa original, foram lançadas dezanove novas, direcionadas para a promoção do Empreendedorismo.

(4) http://startupportugal.com/

 

No meio rural

É sabido que alguns aspetos da mudança dos espaços rurais resultam da implementação de diversos negócios/empresas, que reavivam memórias/tradições e saberes-fazer passados, aliados a uma noção de contemporaneidade e inovação, que permitem desenvolver produtos e serviços que agradam aos consumidores/clientes, desde logo pelo nível de qualidade prestado. É necessário formular políticas que visem a fixação da população nas zonas rurais e desenvolver esforços para suprimir ou minimizar a fase de incertezas e dificuldades que a agricultura vem sentindo, uma vez que é uma atividade estruturante do mundo rural. Para isso é fundamental que existam jovens a apostar na produção agrícola, na inovação e na criação de novos projetos no espaço rural, que promovam a multifuncionalidade da agricultura, contribuam para a criação de emprego e a fixação das populações.

“Microgreens” – uma empresa que se dedica à produção de flores comestíveis, folhas comestíveis e microvegetais, produtos procurados, sobretudo, por chefs de cozinha

 

O desenvolvimento do mundo rural assenta na criação de novas oportunidades de emprego, na diversificação de atividades ligadas à agricultura, à floresta, à valorização do ambiente, ao lazer, ao turismo e aos serviços, e necessita urgentemente de uma nova geração de empreendedores organizados e inovadores. É neste quadro que deve ser equacionada a questão da fixação de jovens em meio rural, não apenas com jovens agricultores, mas também com jovens empresários rurais, que diversificam atividades e encontram formas de organização para colocar os seus produtos e serviços no mercado.

Tendo em consideração que a agricultura e o desenvolvimento rural têm de ser assumidos como uma prioridade para o desenvolvimento sustentado do país, foi necessário conceber o conceito de Jovem Empresário Rural. O Decreto-Lei nº 9/2019, de 18/01, cria o Estatuto de Jovem Empresário Rural e define o respetivo procedimento de reconhecimento. Aceda ao diploma em:

https://dre.pt/web/guest/home/-/dre/117919456/details/maximized

 

Estudos de caso

No próximo número do Jornal publicaremos a segunda parte deste artigo, dedicada à análise de alguns casos concretos de empreendedorismo que já vão proliferando pelo país.

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Estudo das Cores

• Texto de Carlos Paiva / foto de Hugo Carvalhal

Quem vai filosofando

E não quer saber quando

Lhe chega a vida ao fim

Tem mais que ir pensando

O tempo vai passando

É cada um por si

 

De tanto ‘star dormindo

Fui só por ter d’ ir indo

Só não sei para onde

A gente vai sorrindo

Da morte se vai rindo

Não ‘stá assim tão longe

 

Sentença já foi dada

Vão todos pela ‘strada

Que vai dar a nenhures

Amigo que s’ enfada

Por tudo e por nada

O bom é que te cures

 

Se penso no futuro

O pinto tão escuro

Eu fico arrependido

Segundo o meu estudo

Melhor pintar-se tudo

Em tom mais colorido


 

Edição 753 (10/01/2019)

A economia circular

Porque sobreviver é preciso!

 

As respostas às Alterações Climáticas (AC), designadamente as relativas ao setor agrícola, são diversificadas, tais como, Agricultura de Conservação, Agricultura Biológica, Agroecologia, Bio-economia, Economia Circular, entre outras.

Escolhemos para tema do nosso artigo a “Economia Circular”, dada a sua enorme importância na mitigação dos efeitos das AC. Neste contexto, a transição da economia linear para a economia circular assume uma relevância crucial como forma de atingirmos, pelo menos, a tão falada eficiência dos recursos que temos à disposição, sejam eles agroalimentares, hídricos ou energéticos. Esta evolução terá de dar resposta à gradual necessidade de produção diversificada de bens de consumo, resultante do crescimento demográfico e por razões sociais e económicas. Segundo Carlos Aires, 2018, bastonário da Ordem dos Engenheiros, o mercado tem reagido a esta necessidade, notando-se alguma mudança de comportamento dos consumidores e alteração dos modos de funcionamento e dos modelos de negócios de diversas empresas.

A Economia Circular consiste num modelo económico regenerativo e restaurador, em que os recursos (materiais, componentes, produtos, serviços) são geridos de modo a preservar o seu valor e utilidade pelo maior período de tempo possível, possibilitando o aumento da produtividade dos recursos, preserva-se o capital natural bem como o capital financeiro das empresas envolvidas.

 

Portugal na rota da economia circular

O modelo da economia circular poderá substituir a curto, médio prazo o modelo económico linear, com vista a uma sociedade sem desperdício, alicerçada em práticas de produção e consumo sustentáveis. A implementação de medidas na Europa até 2030 terá um impacto positivo de 1,8 mil milhões de euros, permitirá a criação de 1 a 3 milhões de empregos e uma redução de 2 a 4% do total anual de emissões de gases de efeito de estufa.

Com este modelo económico, alternativo à economia linear, não estamos apenas a produzir, consumir e gerar lixo, mas sim a reutilizar e a reciclar após o consumo. Ou seja, o capital extraído é preservado, restaurado e reintroduzido no sistema ciclicamente, gerando um maior retorno financeiro para o produtor, reduzindo custos de extração e importação de matérias-primas e os seus impactos nos ecossistemas), minimizando resíduos e as emissões associadas.

Segundo Lígia Costa Pinto, da Universidade do Minho, este modelo económico permite responder a vários desafios das sociedades atuais, como o crescimento demográfico e do consumo, a crescente necessidade de produção de bens, a instabilidade económica e social de fornecedores de matérias-primas e a crescente limitação de recursos naturais. A economia circular é mais abrangente que a gestão eficiente de recursos, pois é um novo paradigma de organização das atividades económicas e sociais.

Contudo, a transição para a implementação da economia circular, é um processo complexo, quer pelas atividades, quer pelos agentes envolvidos, que requer conhecimento aprofundado de todos os fatores em presença.

Em Portugal já se começam a dar os primeiros passos rumo à adoção de um modelo económico mais sustentável na cadeia de valor e para o ambiente, seguindo as diretrizes europeias legisladas desde 2015. Além dos apoios a projetos que visem a implementação de modelos de negócio, produtos ou serviços assentes no modelo da economia circular, há associações que estão no terreno com a missão de acelerar a transição para a economia circular no nosso país.

A Associação Circular Economy Portugal (CEP), é um desses exemplos, que têm contribuído para construir uma sociedade sem desperdício, assente em práticas de produção e consumo sustentáveis, fruto da ação colaborativa na criação de soluções para problemas socio-ambientais.

Segundo a CEP, determinados setores críticos em Portugal têm muito a ganhar com as abordagens da economia circular, nomeadamente no abastecimento e reutilização de água, sobretudo pelos problemas de escassez que se vão agravar, fruto da desertificação e das AC. O setor agrícola, o maior consumidor de água, tem perdas na ordem dos 37,5%. No que diz respeito à reutilização de água estamos muito atrás de Espanha ou de Itália. A agricultura nacional, que se debate com o problema da pobreza dos solos em matéria orgânica (70% das superfícies agrícolas), beneficiaria imenso de uma política séria de recolha e compostagem dos resíduos orgânicos domésticos.

A Comissão Europeia adotou em 2015 um pacote legislativo destinado à transição para uma economia circular na União Europeia. Além das propostas legislativas sobre resíduos e metas destinadas a estimular o desvio de opções de eliminação e a reforçar a reutilização e a reciclagem, foi também elaborado um Plano de Ação para a Economia Circular, como suporte a toda a cadeia de valor, desde a produção ao consumo, reparação, manufatura, gestão de resíduos e matérias-primas secundárias.

Em Portugal este Plano foi promulgado pela RCM nº 190-A/2017, de 11/12.

Exemplo português de economia circular aplicada à agricultura. Fabricado a partir de amido de milho e óleos vegetais, este bioplástico volta a ser incorporado no solo sem prejuízo para o ambiente, por ser biodegradável e com benefícios para várias culturas agrícolas.

A nova legislação reforça a “hierarquia dos resíduos”, isto é, exige que os Estados Membros tomem medidas específicas que deem prioridade à prevenção, reutilização e reciclagem em detrimento da deposição em aterro e da incineração, tornando assim a economia circular uma realidade.

As metas da Comissão Europeia são ambiciosas: 80% para a reciclagem de resíduos de embalagens na UE até 2030; 65%, para os resíduos orgânicos até 2025 e ainda uma redução em 50%, resíduos alimentares produzidos e do lixo marinho até 2030. Em 2014, Portugal só reciclou 30% dos seus resíduos, bem abaixo da média europeia situada em 44%, e depositou quase metade de todos os resíduos em aterros (49% versus 28% de média da UE).

Por seu lado, o Parlamento Europeu produziu um vídeo e uma Folha Informativa que explicam o significado da Economia Circular e os seus benefícios para o Ambiente, para o crescimento económico e para o dia-a-dia dos cidadãos.


Edição 753 (10/01/2019)

 

 

 

 

• António Alexandrino

PADEL – modalidade desportiva em ascensão

O PADEL, à semelhança do Ténis de Praia, é uma modalidade derivada  do Ténis, digamos, de campo. Daí, o facto de estas modalidades, salvas as devidas diferenças, se praticarem com raqueta.

Pese embora o “boom” registado na última década, o PADEL instalou-se em Portugal no final dos anos 90, com a construção de dois campos, em Vila Real de Santo António, e três na Quinta da Marinha. De acordo com dados da Federação Portuguesa de Padel, no país há cerca de cem mil praticantes filiados, 6311 juízes-árbitros, 127 clubes e são cada vez mais os campos disponíveis. Desporto em crescimento, está a atrair ex-craques de outras áreas. É comum, para um atleta que chega aos 30 anos, encarar o fim da carreira. É assim na maioria das modalidades, embora não haja regra sem excepção. Por exemplo, Ana Catarina Nogueira (‘Nogui’ – assim é conhecida no universo desportivo) conseguiu, aos 40 anos, atingir um nível de notoriedade! Após as primeiras incursões no padel, por insistência do ex-campeão nacional e ex-seleccionador de ténis (de campo) Pedro Cordeiro, «nuns campos em que as paredes eram de muro e não vidros como agora», Nogui decidiu-se por uma dedicação a tempo inteiro à prática do Padel: «As  pessoas foram dizendo que tinha jeito. Comecei a ganhar alguns torneios e houve uma altura em que decidi dedicar-me apenas ao Padel». Abandonou o cargo de selecionadora de sub-18 de ténis e abandonou a actividade de professora de Educação Física. «Fui das primeiras pessoas em Portugal a treinar padel, a ter preparação física para a modalidade, a participar em torneios lá fora e a primeira a jogar, a tempo inteiro, no Circuito Mundial», confessa. Resultado? Nogui é número um do “ranking”, em Portugal, e sagrou-se já campeã nacional oito vezes.  No entanto, 2018 foi para ela um ano dourado, ao cimentar o estatuto de jogadora portuguesa mais bem sucedida, tendo contribuído, com o primeiro título no Circuito Mundial, ao vencer, em parceria com a argentina Delfina Brea, o Challenger Arroyo de la Encomienda, em Espanha. «Era um sonho que tinha. Foi histórico para o Padel português, porque ninguém tinha chegado perto disso. Foi o culminar de um ano em que me senti a jogar na minha melhor forma», diz a melhor atleta portuguesa e professora da modalidade. «É uma vitória que pode significar como referência para os mais novos e para o Padel em Portugal continuar a evoluir. A evolução tem sido muito grande, mas há gente que não conhece a modalidade e este resultado pode ajudar», remata.

 

Desportistas diversos contagiados pela ‘febre’

Nogui classifica o Padel como «um desporto viciante». O número de praticantes aumenta de ano para ano. Efectivamente, é curioso que muitos são os atletas de outros desportos que se têm rendido ao Padel. Hélder Postiga e Fábio Faria são dois exemplos. Ambos fizeram carreira no futebol. No entanto, hoje, é no Padel que procuram brilhar. Começaram a jogar em Espanha, para onde se haviam transferido, em devido tempo.

Adversários de outrora, nos relvados, medem forças, no tempo que passa, nos campos de Padel. «Estamos habituados a competir e mantemos o bichinho de jogar uns contra os outros, depois de termos sido adversários no futebol. Jogo com o Postiga, Coentrão, Pedro Mendes, Fernando Meira e Nuno Assis», revela Fábio Faria, que joga “quase todos os dias” na Póvoa de Varzim e que já venceu alguns torneios.

Postiga ainda não ganhou torneios, mas destaca a parte social: «É claro que ninguém gosta de perder, mas o Padel serve para estar com os amigos e divertir-me. Mas, quando se ganha, a hora e meia de jogo sabe melhor. O Padel é o desporto que me mantém activo e ajuda a aliviar o ‘stress’».

Por fim, uma característica que também joga a favor da febre do Padel. «Dá para jogar pares mistos e não se perde competitividade. Não é fácil encontrar um desporto com essa característica», conclui Fábio Faria.

Desportistas de outras modalidades praticantes de Padel: Jurgen Klopp (alemão, 51 anos, treinador de futebol do Liverpool); Gerard Piqué (espanhol, 31 anos, futebolista do Barcelona); Novak Djokovic (sérvio, 31 anos, tenista); Iker Casilhas (espanhol, 37 anos, futebolista do F.C.Porto); Ronaldo (brasileiro ‘fenómeno’, 42 anos, ex-futebolista).

 

Regras

Duas equipas de dois elementos cada.

Serviço, por baixo da cintura, com a bola a bater primeiro no chão. Cruzado, a bola a passar a rede e a bater dentro da zona de recepção do campo adversário. Se bater na rede metálica que delimita o campo, é falta.

A bola só pode bater na parede de vidro do adversário, após tocar primeiro no chão. Se for directamente à parede, é falta.

Pontuação. Sistema igual ao utilizado no ténis (15-0, 30-0, 40-0, jogo).


Anjo da Guarda

• Texto de Carlos Paiva / foto de Ana Rosa

Meu anjo da guarda

Não guarda de nada

Não posso fiar-me

Na alma roubada

Assim despojada

Vou pôr um alarme

 

Talvez não lhe pague

O muito que ache

Que deva ganhar

Não tem regalias

Tirando alguns dias

Sem ter de guardar

 

Eu sem protecção

Qualquer o ladrão

Em mim se abastece

Eu juro por Deus

De mim para os Céus

Nem mais uma prece

 

Meu anjo da guarda

Não guardes a alma

Nem noite nem dia

De ti não preciso

Do grito de aviso

Sequer companhia

 

Não sei onde ‘stavas

Que almas guardavas

Por ser bem melhor

Armaste em fidalgo

Sofri o assalto

Dum tão grande Amor

 

Estás avisado

O mais perdoado

Do que alguma vez

Não guardes mais não

O meu coração

Quem roubo lhe fez

 


Edição 752 (20/12/2018)

Alterações Climáticas

A maior de todas as preocupações

As Alterações Climáticas têm vindo a ser identificadas como uma das maiores ameaças ambientais, sociais e económicas que o planeta e a humanidade enfrentam no tempo presente.

A Convenção-Quadro das Nações Unidas relativa às Alterações Climáticas e as negociações em curso sobre o regime climático têm como objetivo de longo prazo a estabilização das concentrações de gases com efeito de estufa (GEE) na atmosfera a um nível que evite uma interferência antropogénica perigosa no sistema climático. Segundo a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), a emissão de GEE é um fenómeno comum a vários sectores de atividade, justificando, por isso, o carácter transversal das políticas de mitigação das alterações climáticas e de adaptação aos seus efeitos.

 

As principais emissões de GEE, de Origem Agrícola, são as seguintes:

Fermentação entérica do gado (CH4), gestão de efluentes pecuários (CH4 e N2O), Cultura do arroz (CH4), Solo agrícola (N2O), queima de resíduos agrícolas (CH4 e N2O).

Contributo global da agricultura para a emissão de GEE

Na prática, para fazer face ao problema das alterações climáticas existem essencialmente duas linhas de atuação: a Mitigação e a Adaptação.

A Mitigação é o processo que visa reduzir a emissão de GEE para a atmosfera; por seu lado, a Adaptação procura minimizar os efeitos negativos dos impactes das alterações climáticas nos sistemas biofísicos e socioeconómicos.

No que se refere ao cumprimento dos objetivos nacionais em matéria de alterações climáticas, definidos a nível mundial, Portugal cumpriu o Protocolo de Quioto, tendo aumentado as suas emissões GEE, no período 1990 – 2012, em cerca de 13% (limite estabelecido: 27%).

Para o período pós-2012, o Conselho de Ministros, tendo em vista limitar as emissões de GEE, criou vários instrumentos de política, tais como: o “Roteiro Nacional de Baixo Carbono”, o “Programa Nacional para as Alterações Climáticas 2020/2030” e o “Sistema Nacional para Políticas e Medidas”.

Por seu lado, o “Pacote Energia-Clima” da União Europeia estabeleceu como objetivo comunitário uma redução até 2020 de, pelo menos, 20% das emissões de GEE na Comunidade, em relação a 1990. A partilha de esforços entre os Estados Membros foi definida através da Decisão n.º 406/2009, de 23 de Abril. Neste contexto, Portugal deverá limitar, entre 2013 e 2020, o aumento das emissões GEE em 1%, em relação a 2005. O referido Pacote estabelece, como objetivo comunitário, uma redução até 2030 de, pelo menos, 40% das emissões de GEE na UE, em relação a 1990.

O “Acordo de Paris”, iniciado em 4 de novembro de 2016, estabelece o objetivo de limitar o aumento da temperatura média global a níveis abaixo dos 2ºC, relativamente aos níveis pré-industriais.

Na 22ª sessão da Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (CoP22), ocorrida no final de 2016 em Marraquexe, Portugal comprometeu-se a assegurar a neutralidade das suas emissões até ao final de 2050, indiciando claramente uma abordagem baseada na descarbonização profunda da economia nacional.

 

Adaptação às Alterações Climáticas

A temática da Adaptação aos impactes das Alterações Climáticas é, crescentemente, uma prioridade das políticas públicas dos Estados membros da UE em matéria de clima.

Como é sabido, o clima do planeta está a mudar e a Bacia do Mediterrâneo é uma das regiões onde essa mudança está a ser mais rápida. Essas alterações irão afetar, por exemplo, os valores médios de temperatura e de precipitação e a frequência e intensidade de eventos meteorológicos extremos, como secas ou ondas de calor.

 

O tempo de agir é agora

Mesmo com uma drástica e imediata redução das emissões globais de GEE não seria possível evitar totalmente o impacte das alterações climáticas.

As mutações do clima constituem, por isso, um desafio que é necessário enfrentar de forma estruturada, se quisermos prevenir os seus efeitos, capitalizar os seus benefícios e reduzir riscos e perdas.

Portugal não é exceção, sendo a Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas (ENAAC) uma ferramenta essencial para resposta aos desafios da adaptação (RCM nº 24/2010, de 1/4/2010). A ENAAC resultou de um processo de análise e consulta interministerial.

Tem por objetivos:

– Informar e desenvolver o conhecimento científico

– Reduzir a vulnerabilidade e aumentar a capacidade de resposta

– Participar, sensibilizar e divulgar

– Cooperar a nível internacional

A ENAAC optou por uma abordagem por sectores, tendo sido selecionados os seguintes:

– Ordenamento do Território e Cidades

– Recursos Hídricos

– Segurança de Pessoas e Bens

– Saúde Humana

– Energia e Indústria

– Turismo

– Agricultura, Florestas e Pescas

– Zonas Costeiras

– Biodiversidade

O mundo está nas nossas mãos

Os cientistas descobriram que existem diversos gases que propiciam o aquecimento global da Terra, não ficando o ser humano isento também de responsabilidade nesta matéria, tendo em conta que:

– a maioria dos GEE vem da queima de combustíveis fósseis pelos motores dos carros, funcionamento de fábricas e produção de eletricidade;

– o gás que mais contribui para o aquecimento global é o dióxido de carbono (CO2);

– outros gases são o metano (CH4), libertado pela agricultura, o óxido nitroso (N2O) proveniente dos fertilizantes químicos e os gases usados na refrigeração e em processos industriais.

A este respeito, convém salientar que:

– o consumo de combustíveis fósseis derivados do petróleo representa uma das maiores causas de libertação de gases para a atmosfera.

– as centrais termoelétricas libertam uma grande quantidade de GEE pela queima do carvão.

– os fogos florestais produzem CO2 pela combustão da matéria orgânica.

– o abate desenfreado de árvores e as queimadas levaram à desflorestação de áreas florestais de elevada capacidade de armazenamento de carbono; a desflorestação está na origem de 20% do total das emissões antropogénicas de CO2.

– a eliminação e o tratamento de resíduos é outra fonte importante de emissão de metano; quando o lixo é depositado em aterro, sofre um processo de decomposição anaeróbia (sem oxigénio) e emite metano; se o gás não for capturado e utilizado como combustível acaba por ser libertado para a atmosfera.

Desta forma, é lícito concluir que a solução para uma redução significativa da produção de gases causadores do efeito de estufa passa pela alteração dos sistemas energéticos.

No entanto, a mudança não pode ser alcançada apenas com a ação dos governos.

Todos nós temos, certamente, um papel importante a desempenhar!


 

Noite de Natal

• Texto de Carlos Paiva / foto de Hugo Carvalhal

Fui deitar-me nas palhinhas

Enrolado numas fraldas

Só na vez dumas vaquinhas

Tinha ao lado umas velhinhas

A cobrir-me de grinaldas

Isto foi a meia-luz

Era dia de Natal

Eu fazia de Jesus

Entre outros seminus

Numa ala de hospital

Nem José, sequer Maria

Ali perto se encontravam

Um havia que se ria

Outro ‘stava com azia

Os restantes vomitavam

Demorei um bom pedaço

Até eu cair em mim

E agora o que eu faço

Estendi até um braço

Procurando um querubim

Não tardei a dar-me conta

Da extensão dos meus estragos

Tinha a tripa numa afronta

A cabeça a andar à roda

Não mais bebo c’ os Reis Magos

Percorremos com destreza

Uma lista de bons vinhos

Só p’ra termos a certeza

De irmos todos em beleza

Qualquer dia prós anjinhos

Foi assim, nestas maneiras

Que me vi tão menos mal

Mal as ditas enfermeiras

Lá vieram, sorrateiras

Desejar-me ‘Bom Natal!’


Edição 751 (06/12/2018)

Dieta Mediterrânica um mundo de riquezas

• Guilherme Lewes (Engenheiro Agrónomo)

A Dieta Mediterrânica (DM) é um conjunto de competências, conhecimentos, práticas e tradições relacionadas com a alimentação humana, que vão da terra e do mar à mesa, abarcando as culturas, as colheitas e a pesca, assim como a conservação, transformação e preparação dos alimentos e, em particular, o seu consumo.

O modelo nutricional desta dieta, permaneceu constante através do tempo e do espaço. Os ingredientes principais são o azeite, os cereais, as frutas e verduras frescas ou secas, uma proporção moderada de carne, peixe e produtos lácteos, abundantes condimentos e cujo consumo à mesa é acompanhado de vinho ou infusões, respeitando sempre as crenças e o modo de vida de cada comunidade.

A Dieta Mediterrânica – cujo nome deriva da palavra grega díaita, que quer dizer modo de vida – não compreende apenas a alimentação, pois é um “pacote” cultural que propicia a interação social, verificando-se que as refeições em grupo são uma pedra angular dos costumes sociais e da celebração de acontecimentos marcantes, nomeadamente os festivos ou de dias nomeados.

A DM originou também um acervo considerável de conhecimentos, cânticos, refrões, ditados populares, contos e lendas.

No “mundo” da DM existe uma atitude global de respeito pela terra e pela biodiversidade, verificando-se a preservação e o desenvolvimento de atividades tradicionais e artesanais ligadas à agricultura e às pescas.

O conceito de DM e a Pirâmide Alimentar Mediterrânica

O conceito da dieta mediterrânica foi elaborado por Ancel Keys, que demonstrou haver uma estreita relação entre o consumo de gorduras e a incidência das doenças coronárias. A exceção verifica-se nos povos da Bacia do Mediterrâneo, que apesar de fazerem um elevado consumo de gordura, sofrem, em termos relativos, menos enfartes do miocárdio. Esta exceção, deve-se ao tipo de gordura consumida, que, no Mediterrâneo, é, segundo o autor, maioritariamente insaturada (azeite).

Além da relação entre gorduras saturadas e insaturadas, verificou-se que certas gorduras polinsaturadas não são sintetizadas pelo organismo humano, apesar de serem essenciais para a saúde, como é o caso dos ácidos gordos ómega 3 e 6. A DM, devido à sua riqueza em peixe, sementes e frutos secos, tem um aporte equilibrado em ómega 3 e ómega 6, o que é benéfico para a saúde.

O conceito de Keys foi aprofundado e alargado. Além da composição do cabaz de alimentos, concluiu que é importante a frequência da sua ingestão. Foi assim que nasceu a pirâmide dos alimentos, que relaciona estes dois aspetos.

 

Pirâmide da Dieta Mediterrânica

 

Mais tarde, na base da pirâmide foi incluído o exercício e a necessidade da sua prática diária.

Os aspetos culturais, tais como feiras, romarias, festivais, são também valorizados e integrados no conjunto bio-psicossocial que caracteriza o estilo de vida mediterrânico. Além disso, as refeições são realizadas com tempo suficiente para saborear os alimentos, a bebida e a companhia.

Em Portugal, a DG da Saúde, através do PNPAS (Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável), elaborou a Nova Roda dos Alimentos Mediterrânica Interativa, ferramenta que permite explorar os vários grupos de alimentos característicos do padrão alimentar mediterrânico, juntamente com as características associadas ao seu estilo de vida.

A primeira grande diferença entre a DM e outros padrões alimentares é a ingestão quotidiana de verduras, legumes e frutos (frescos e secos), o que lhe oferece uma grande quantidade de fibra. A segunda diferença é a utilização do azeite como principal gordura alimentar, bem como a existência de pouca quantidade de sal nos alimentos. A terceira é o baixo consumo de carne vermelha e a preferência dada ao peixe, sobretudo peixe gordo como sardinha, cavala, carapau etc…, e às carnes brancas. O vinho, sobretudo tinto, é bebido às refeições, a água com abundância. Para bem digerir os alimentos é frequente a toma de chás e infusões de ervas medicinais.

É oportuno referir que foi recentemente (19/07/2018) criado em Portugal o Centro de Competências para a Dieta Mediterrânica, que visa agregar os diferentes agentes e intervenientes com responsabilidades na investigação, preservação, valorização, divulgação e promoção da DM no nosso país. Daqui se depreende que a DM deve ser estudada e compreendida segundo várias dimensões, tais como:

– a dimensão da agricultura e da pesca em modos de produção sustentáveis;

– a dimensão empresarial (microempresas de produtos e serviços, designadamente no âmbito agroalimentar, da pesca tradicional e da comercialização de proximidade);

– a dimensão patrimonial e sociocultural;

– a dimensão ambiental e da biodiversidade

Produtos mediterrânicos

Dieta mediterrânica: para quem gosta de viver!

Candidatura e Plano de Salvaguarda

A preparação da candidatura foi realizada em Portugal por um Grupo de Trabalho que integrou representantes de um conjunto alargado de entidades públicas e privadas, designadamente a Comissão Nacional da UNESCO, o Ministério da Agricultura e do Mar, a Câmara Municipal de Tavira, o INIAV-Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, o Gabinete de Planeamento e Políticas, a Direção Geral de Saúde, o Turismo de Portugal, a Secretaria de Estado da Cultura, a CCDR-Algarve, a Direção Regional de Agricultura e Pescas do Algarve, a Fundação Portuguesa de Cardiologia, a Ordem dos Nutricionistas, a Universidade do Algarve, o IELT – Instituto de Estudos de Literatura Tradicional e o Movimento Mulheres de Vermelho.

Este Grupo de Trabalho tem vindo a desenvolver várias as atividades de salvaguarda da Dieta Mediterrânica, entre as quais uma ação de apoio à candidatura promovida pela embaixada de Marrocos em Lisboa, a criação de um logotipo da DM, a produção de uma brochura informativa, a realização da exposição “Dieta Mediterrânica, património cultural milenar” no Museu Municipal de Tavira, a organização de um ciclo de seminários dedicados ao tema “Dieta Mediterrânica” na Universidade do Algarve, bem como uma sessão de apresentação da candidatura da Dieta Mediterrânica no salão nobre da Assembleia da República, entre outras.

Candidatura: http://dietamediterranica.net/?q=pt/node/7

Vídeo da Candidatura: https://youtu.be/XFiIgmwFzzk

Por outro lado, com o Plano de Salvaguarda da Dieta Mediterrânica pretende-se apoiar a continuidade deste “modo de vida” de modo sustentável e transmitir às gerações vindouras o conceito inerente à DM. É nesse sentido que Universidade do Algarve, que coordenou os trabalhos, elaborou este documento, o qual foi aprovado em sede da Comissão Regional da Dieta Mediterrânica para posteriormente ser objeto de consulta pública.

O Plano de Atividades define os objetivos e as iniciativas estratégicos para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial da Dieta Mediterrânica no âmbito de:

(1) identificação, investigação e documentação;

(2) preservação e proteção;

(3) promoção e valorização;

(4) transmissão, através da educação formal e não formal.

Para cada uma destas áreas de atuação são identificadas as ações e as entidades que as vão realizar, entre 2018 e 2021.


E se Deus

• Texto de Carlos Paiva / foto de Hugo Carvalhal

E se Deus… se Deus quiser

Bem pior quando não queira

Pode a coisa suceder

Ao invés do que se quer

Feita de qualquer maneira

 

Deus está em todo o lado

Diz do povo a sua voz

Assim durmo descansado

Ao sabê-Lo ocupado

A zelar por todos nós

 

O saber de tantas vidas

É o que mais O embaraça

As misérias escondidas

As promessas repetidas

Sem lembrar que o tempo passa

 

O ‘screver por linhas tortas

Tão direito, quem diria

É por isso que nem notas

Que essas almas tão devotas

São más em caligrafia

 

O que ‘screvem não se diz

Não se diz o que elas pensam

Todo o mal ganha raiz

Nessas almas tão ruins

Nunca acaba o que começam

 

Ai se Deus… se Deus quisesse

Se Lhe desse assim um ar

Desancava a nossa espécie

À espera que viesse

Outra fácil de aturar

 


 Edição 750 (22/11/2018)

Programa Eco-Freguesias XXI

A sustentabilidade construída pelos cidadãos

A atuação local garante uma maior agilidade na procura de soluções que visem minimizar as fragilidades dos territórios, com efeitos positivos diretos na qualidade de vida das populações que aí habitam e/ou trabalham.

A especial proximidade com as populações e o profundo conhecimento do dia-a-dia da comunidade, assumem-se como  fatores  determinantes  para  o processo   de   mudança   e   melhoria   contínua   do   trabalho   desenvolvido   pelas   Juntas   de Freguesia.

Atuar à escala da freguesia é compreender uma matriz complexa de  atividades e relações, trabalhar no sentido da gestão eficiente dos seus recursos e simultaneamente contribuir para a resolução dos problemas e tendências globais.

A definição de estratégias e linhas de ação integradas e partilhadas entre a Junta de Freguesia e os atores da comunidade local só é  possível mediante a realização de um diagnóstico de sustentabilidade, assente na análise das potencialidades e vulnerabilidades da freguesia e na elaboração do respetivo  Plano  de  Ação.

Mais perto das populações

Ora, neste âmbito, cabe aqui conversarmos hoje sobre o Programa Eco-Freguesias XXI, um instrumento gerido pela ABAE (Associação da Bandeira Azul da Europa), iniciado em 2014, que procura responder aos novos desafios estabelecidos pela estratégia “UE 2020”. Destacam-se neste programa as seguintes linhas mestras:

– a formação ao longo da vida, com papel primordial na potenciação da base económica local;

– a capacitação das pessoas em sociedades inclusivas, fomentando a criatividade, a inovação, a cooperação e o empreendedorismo, como motores de desenvolvimento das comunidades locais;

– a possibilidade da existência de uma economia competitiva e mais “verde”, através da redução e otimização do consumo de recursos e energias não renováveis;

– a adoção de processos alternativos que conduzam a uma mudança de paradigma, tornando mais competitivas as economias locais e  preservando e valorizando os recursos naturais endógenos.

Alinhado diretamente com os três eixos da Estratégia Nacional de Educação Ambiental (Descarbonizar a Sociedade, Tornar a Economia Circular e Valorizar o Território), este programa visa chegar a uma alteração efetiva de comportamentos, orientada para a sua prossecução.

O Eco-Freguesias XXI, enquadra-se em todos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estabelecidos pela Agenda 2030, apresentando-se como uma estratégia para incrementar a sustentabilidade local, valorizando os processos de cidadania participativa e reconhecendo as freguesias que melhor qualidade de vida oferecem aos seus habitantes, por intermédio da avaliação da sua candidatura ao Programa.

Esta candidatura é bienal e culmina com a atribuição Galardão Eco-Freguesias XXI.

 

Como participar:

A participação no Eco-Freguesias XXI decorre em várias etapas, culminando com a candidatura ao galardão 2018-19. O link seguinte disponibiliza as informações necessárias: https://ecofreguesias21.abae.pt/

Os indicadores utilizados para avaliar as candidaturas são, em síntese, os seguintes:

1 – Mobilização, Capacitação e Educação para a Sustentabilidade

2 – Gestão Ambiental: Energia, Água e Resíduos

3 – Mobilidade e Transportes

4 – Equipamentos e Espaços Públicos

5 – Biodiversidade e Espaços Verdes

6 – Informação e Participação Pública

7 – Serviços de Proximidade

8 – Animação Sociocultural

9 – Promoção da Economia Local

10 – Visão do Desenvolvimento

Por fim, o propósito deste artigo não seria completamente atingido, se não fizéssemos o seguinte convite:

SENHOR PRESIDENTE DE JUNTA,

ADERINDO AO ECO-FREGUESIAS XXI, ESTÁ A CONTRIBUIR PARA TORNAR A SUA FREGUESIA, MAIS LIMPA, MAIS HUMANA, MAIS SUSTENTÁVEL, MAIS CIDADÃ…!

O PRAZO PARA A INSCRIÇÃO ACABA JÁ NO PRÓXIMO DIA 2 DE DEZEMBRO. NÃO DEIXE PASSAR ESTA OPORTUNIDADE!

Se ainda não se inscreveu, deverá enviar a ficha de inscrição para a ABAE [ecofreguesias21@abae.pt] e realizar o registo na plataforma, até 2 de dezembro de 2018.

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Edição 749 (08/11/2018)

• Guilherme Lewes (Engenheiro Agrónomo)

Da paisagem à estratégia de desenvolvimento

O estudo da paisagem de determinado território pode ser fulcral para a (re)definição da sua estratégia de desenvolvimento. Esse estudo passa obrigatoriamente pela zonagem do território em partes com características comuns, designadas geralmente por subunidades de paisagem. Sobre esta matéria existe uma referência incontornável – uma publicação de 2004, elaborada pelo Ministério do Ambiente e pela Universidade de Évora, intitulada “Identificação e Caracterização da Paisagem em Portugal Continental”.

Segundo esse trabalho, a paisagem deve ser encarada numa perspetiva holística, contemplando as suas várias componentes: ecológica, cultural, social, económica e sensorial. Para definir as unidades de paisagem, ter-se-á de cruzar a informação dada pela cartografia relativa às variáveis selecionadas com a análise das imagens de satélite e de fotografia aérea, bem como com  as observações de campo.

Segundo a “Convenção Europeia da Paisagem” (Conselho da Europa, 2000), subscrita por Portugal, as paisagens constituem um elemento fundamental da identidade local e regional dos territórios. À escala da União Europeia, constata-se que as paisagens, devido a uma diversidade de fatores, se encontram num processo acelerado de transformação, o que justifica, por vezes, a necessidade de intervenção.

A Convenção Europeia da Paisagem aponta para a urgência de criar políticas de paisagem, visando a sua proteção e gestão, e integrando-as em vários outros tipos de política. É para isso necessário identificar as paisagens, os seus limites, o seu carácter, as tendências e ameaças a que estão sujeitas. Só esta abordagem, típica da fase de diagnóstico profundo do território, pode conduzir à (re)definição de estratégias e de instrumentos de ordenamento ou das políticas sectoriais com maior incidência na paisagem.

 

Um modelo a replicar

As dez subunidades de paisagem identificadas no concelho de Paredes de Coura

É aqui que surge a iniciativa, pioneira em Portugal, do Município de Paredes de Coura, ao apresentar uma candidatura ao PO Norte 2020, para realizar, juntamente com outros parceiros locais, o “Plano de Paisagem de Terras de Coura” (PPTC). O PPTC constituiu um projeto-piloto, cuja elaboração visou a definição de subunidades de paisagem[GL1] que caracterizam o território do concelho, assim como a conceção dos seus objetivos de qualidade, terminando com a elaboração de um programa de ações, projetos e medidas de proteção, gestão e ordenamento aplicáveis a essas subunidades. O processo contou, em todas as fases, com o envolvimento da população, que contribuiu com a sua perceção sobre a paisagem local e, através dela, com o reconhecimento do seu valor.

Assumindo-se como piloto, este projeto é o primeiro do género desenvolvido no nosso país. Desta forma, pode concluir-se que o PPTC é um instrumento valioso, que tem de ser conjugado com outros instrumentos de política, designadamente os de ordenamento do território a nível nacional (PNPOT), regional (PROT Norte) e municipal (neste caso, o PDM de Paredes de Coura), por forma a conseguir atingir o seu grande propósito – o contributo para uma estratégia de desenvolvimento para o concelho, com foco na qualidade de vida dos residentes, tendo obviamente em atenção que é imprescindível ter sido previamente realizado um detalhado diagnóstico do território.

No cenário atual de inexistência de políticas de paisagem efetivas, o potencial de transferibilidade do PPTC é notório e pertinente, tendo sido já acolhido pelo Município de Vouzela. Agora cabe às entidades competentes, designadamente, a Rede Rural Nacional, a difusão continuada desta boa prática.

É esse o nosso propósito e o nosso compromisso!

 

 

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Corp’Alentejo

• Texto de Carlos Paiva / foto de Ana Rosa

Quando o corpo se faz o Alentejo

É planície em brasa o desejo

Eu olho mais além dos horizontes

P’ra teu modo de seres Trás-os-Montes

 

Tu estás tão a Norte do que quero

Tão fria, tão distante, tão Inverno

E eu qu’ anseio só por tua mão

Tão contrário, tão quente, tão Verão

 

Vem beber de meus lábios este Sol

Fazer de meu brasido teu lençol

E dorme no meu colo que entardece

À mercê desta luz que me enlouquece

 

É tão pouco o que peço, tão ligeiro

Que troques o teu gelo por braseiro

Que desças e avances pelo Tejo

Que sejas o meu Sul, meu Alentejo

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Edição 748 (25/10/2018)

• Guilherme Lewes (Engenheiro Agrónomo)

Sustentabilidade e Educação Ambiental

Mudar enquanto é tempo!

Pateira de Fermentelos, lagoa classificada como Rede Natura 2000 – ZPE e SIC da Ria de Aveiro

Sim, é mesmo imperioso que o Homem reflita nos seus hábitos de vida e decida mudar energicamente de paradigma! Afinal, foi ele que danificou o planeta azul…E toda esta mudança tem de ser levada muito a sério por cada um de nós e pelas entidades públicas e privadas que se vão chegando à frente para abraçar esta causa.

Nesta perspetiva, a DGADR tomou a iniciativa de propor um Acordo de Colaboração à ABAE (Associação da Bandeira Azul da Europa), ONGA que gere diversos programas ligados à sustentabilidade e ao ambiente. Aliás, a DGADR já vinha trabalhando desde 2007 com a ABAE no quadro da Comissão Nacional do Programa ECO XXI, mais precisamente como Júri do Indicador 20 (agricultura e desenvolvimento rural sustentável), situação que facilitou a celebração em setembro passado do referido Acordo.

Uma das missões da DGADR no âmbito do acordo é informar, através da Rede Rural Nacional, os atores locais sobre as temáticas ligadas à sustentabilidade e ao ambiente, bem como difundir junto desses atores as boas práticas que são realizadas neste contexto.

É isso que este artigo se propõe fazer hoje, ao apresentar o Programa Eco XXI, um dos programas geridos pela ABAE, dirigido aos municípios de todo o país.

O ECOXXI visa reconhecer e divulgar boas práticas como forma de concretizar uma ação pedagógica junto dos municípios, considerados como agentes privilegiados de promoção do desenvolvimento sustentável.

O ECOXXI apresenta-se como uma ferramenta útil à gestão municipal, ao contribuir para a monitorização e aferição de ações e políticas em diversas áreas da sustentabilidade.

A participação no Programa é voluntária, cabendo a cada município a decisão da apresentação da sua candidatura. Qualquer município que pretenda experimentar a “ferramenta ECOXXI” poderá registar-se na plataforma. A decisão de apresentar a candidatura terá de ser tomada até 31 de março de cada ano.

Inspirado nos princípios subjacentes à Agenda 21 e em linha com as ações e políticas estabelecidas pela Agenda 2030, o Programa ECOXXI procura reconhecer as boas práticas de sustentabilidade desenvolvidas ao nível do município. Pretende, desta forma, valorizar um conjunto de aspetos considerados fundamentais à construção do Desenvolvimento Sustentável, alicerçados em dois pilares: a educação no sentido da sustentabilidade e a qualidade ambiental.

Uma ferramenta fundamental para a aplicação dos “pilares” do desenvolvimento sustentável traduz-se na criação de objetivos e indicadores que possam aferir progressos e estabelecer metas a atingir.

Na seleção de indicadores existiram duas preocupações: – a de construir indicadores que contribuíssem para aferir as dinâmicas relativas à Educação Ambiental/Educação para o Desenvolvimento Sustentável; – a de integrar indicadores de caráter sociocultural, económico-institucional e ambiental, tendo como referência as múltiplas dimensões do conceito de desenvolvimento sustentável.

Relativamente ao conteúdo, amplitude e natureza do sistema de indicadores de desenvolvimento sustentável consideram-se fundamentalmente quatro categorias distintas: ambientais; económicos; sociais; institucionais.

A listagem dos indicadores, que servem de base à pontuação a atribuir a cada município que apresente candidatura ao programa é a seguinte:

 

Ser município ECOXXI significa assumir o compromisso de adotar medidas conducentes à sustentabilidade, com especial empenho na promoção desta junto dos seus munícipes. Os municípios deverão candidatar-se através da preparação de um dossier de candidatura em formato digital.

Toda a informação necessária sobre o programa, bem como a relativa à candidatura deverá ser introduzida na Plataforma ECOXXI em http://ecoxxi.abae.pt/plataforma.

Para finalizar, difundimos um exemplo de boas práticas municipais no domínio do ambiente e da sustentabilidade, relativas ao Eco XXI de 2017.

Trata-se da intervenção do Município de Águeda na Pateira de Fermentelos, lagoa classificada como Rede Natura 2000 – ZPE e SIC da Ria de Aveiro, que consistiu na remoção mecânica da infestação de jacintos-de-água, a limpeza do espelho de água e zona envolvente, a recuperação de parques de merendas, a implementação de percursos pedestres, a organização de visitas guiadas, os workshops de birdwatching e a realização e distribuição do “Guia de observação de aves para a Pateira de Fermentelos”.

Resta-nos convidar todos os municípios portugueses a aderirem ao programa Eco XXI, devendo para tal contactar a ABAE e/ou inscreverem-se na plataforma, através do link já referido.

Portanto, não hesitem, venham daí!

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Beirais

• Texto de Carlos Paiva e foto de Hugo Carvalhal

Nestes dias em que chove

Sou um pouco menos pobre

‘Té me sinto abençoado

Dá-me ideias lá no Céu

Pela morte de Romeu

Julieta ter chorado

 

É então que eu aprendo

Quanto mais eu vou vivendo

O segredo não é tanto

Para não se dar em louco

O melhor é amar pouco

Não ser ‘scravo desse pranto

 

Tanta estória tenho lido

De amor empedernido

De constar na enciclopédia

Para não se variar

Ele costuma terminar

Numa tão grande tragédia

 

É por estas e por outras

Vou amar a conta-gotas

Para não sofrer demais

Se do Céu chover um dia

Nosso Amor em demasia

Vou p’ra baixo dos beirais

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Edição 747 (11/10/2018)

• Guilherme Lewes (Engenheiro Agrónomo)

Valorizemos o que é nosso!

Como é sabido, os territórios rurais são ricos em património imaterial (tradições e saberes) sobre o qual as comunidades têm um sentimento forte de pertença e de identidade. Contudo, raramente esse património é objeto de registo no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial (INPCI), o que, por certo, lhe poderia conferir maior proteção, prestígio e dignidade, possibilitando-lhe ainda candidatar-se a Património Imaterial da Humanidade, via UNESCO. Atualmente encontram-se apenas registadas no INPCI duas ou três dezenas destas manifestações, o que pode indiciar uma sensibilização e difusão junto dos atores locais pouco eficazes.

Pretende-se, por isso, que este procedimento de inventariação e registo seja melhor conhecido e utilizado, sendo certo que assenta numa estratégia ascendente, baseada numa metodologia de cidadania participativa, estimulando a intervenção dos interessados locais – comunidades, grupos e indivíduos, municípios, associações – no processo de inventariação e seleção do património cultural imaterial do território.

A nível nacional, o procedimento é coordenado pela Direção Geral do Património Cultural (DGPC), sendo a operacionalização do Inventário Nacional enquadrada pelo Decreto-Lei n.º 139/2009, de 15 de Junho e pela Portaria n.º 196/2010, de 9 de Abril.

Segundo a Lei de Bases do Património Cultural, o conhecimento, o estudo, a proteção, a valorização e a divulgação do património cultural constituem dever do Estado, das Regiões Autónomas e das Autarquias Locais.

Face às competências das entidades locais e regionais em matéria de valorização dos territórios, e tendo como cenário o Ano de 2018 – “Ano Europeu do Património Cultural”, serão realizadas, em datas e locais a definir, sessões de informação e sensibilização junto da população e das entidades ou grupos potencialmente interessados na realização desta “boa prática”.

A DGADR e a Rede Rural Nacional, tendo em conta as suas atribuições, respetivamente, no âmbito da valorização das zonas rurais e na transferência de boas práticas e novos conhecimentos para os agentes de desenvolvimento rural, poderão participar neste processo, incentivando esses agentes para a dinamização local do registo das manifestações de PCI nos seus territórios e prestando ajuda, se necessário, na formalização das candidaturas.

 

Eis, em esquema, as diversas fases do procedimento:

1ª FASE – Decisão de registar o património por parte dos atores locais

2ª FASE – Elaboração e envio da candidatura à DGPC

* Investigação e recolha da informação

* Consensualização dos conteúdos

* Preenchimento do formulário eletrónico (guia de utilização)

3ª FASE – DGPC

* Consulta Direta e Parecer Prévio – até 40 dias

* Consulta Pública – até 60 dias

* Deliberação e Decisão – até 120 dias

Este processo é moroso, podendo esta última fase demorar mais de 6 meses.

Pese embora esta característica que se pode aceitar na perspetiva do rigor que é indispensável imprimir a um processo desta natureza, é incontestável sua importância, dado que o registo das evidências ou manifestações patrimoniais no Inventário Nacional do PCI é o único veículo de que o cidadão ou grupo de cidadãos dispõe para propor a defesa e enaltecer a importância do património intangível do seu território.

De facto, se gostamos da nossa terra, das suas tradições, costumes, sabores e saberes e sobre todos eles temos um sentimento de orgulho e de pertença, tomemos a iniciativa cidadã de, sozinhos ou integrados numa comunidade, registar esses tesouros locais. O território, mais tarde ou mais cedo, agradece.

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Lucky Love

• Texto de Carlos Paiva e foto de Hugo Carvalhal

Tu amas mais rápido

Que a própria sombra

Eu ando tão ávido

Que ela se esconda

Na forma redonda

Do meu coração

 

Talvez amanhã

Assim o permita

O meu Rantanplan

Ele faz uma fita

Só vendo acredita

São coisas de cão

 

Não sei quantos faltam

P’ra nos encontrarmos

Só sei que os Dalton

Irão sabotar-nos

Trindades e Carmos

No chão cairão

 

Por isso é melhor

Será esse o truque

Montar Jolly Jumper

E qual Lucky Luke

Armado em duque

Levar-te p’la mão…

 


Edição 746 (27/09/2018)

Café-concerto com Ela Vaz

Após dar rosto e voz a diversos trabalhos musicais na área do fado e da música popular, Ela Vaz aventura-se pelo seu próprio caminho. No dia 28 de setembro estará em Sever do Vouga para um café concerto em que irá apresentar o disco EU. O encontro está marcado no Centro das Artes e do Espetáculo, às 22h00. A entrada é gratuita.

Preparado ao longo de quase três anos em colaboração com o produtor e arranjador Quiné Teles, o disco EU conta com a participação de autores e compositores tão diversos como Amélia Muge ou Nuno Camarneiro. Além dos temas originais, Ela Vaz canta José Afonso, José Mário Branco e Pablo Neruda/Víctor Jara, refletindo uma parte importante do seu vasto universo de referências musicais.

EU é, assim, “uma afirmação pessoal que aponta para o futuro sem voltar costas ao passado. Partindo da tradição musical portuguesa, Ela incorpora-lhe a urbanidade e cria uma linguagem musical própria, suficientemente vasta para incluir diferentes sons, palavras de épocas distintas, e individualizada o bastante para ser única”.

Acompanhada por Quiné Teles (bateria e percussão), Pedro Almeida (piano) e Nuno Caldeira (guitarra acústica), Ela Vaz convida para 75 minutos de música a não perder.

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Inesperado Contínuo

• Carlos Paiva

Pode até ter o aspecto

Do Movimento Perpétuo

Do meu saudoso Paredes

Ser a abundância de nada

Ou a fartura pescada

Sempre com as mesmas redes

 

O que lhe sai da cartola

Ou destroça ou consola

O próprio ilusionista

Não se lhe sabe a fronteira

Não tem fundo de algibeira

No colete do fadista

 

Nunca diz o que nos traz

A bem dizer, tanto faz

Estará mais certo o estóico

Quebra-cabeças de sala

Não perder tempo a pensá-la

Talvez seja o mais heróico

 

É um constante movimento

Embalado pelo vento

Em perfeito desatino

É chegada e é partida

Este mistério da vida

Inesperado contínuo


Edição 745 (13/09/2018)

Concerto na Igreja Paroquial de Sul do Grupo ARS – Nova

 

Integrado no Festival FRAGAS  de Aveloso-Sul, concelho de S. Pedro do Sul, teve lugar na Igreja Paroquial de Sul, um concerto a terminar mais um dia, com este espetáculo do Grupo ARS NOVA que voltou a brindar com a qualidade que já lhes conhecemos. Os cantores líricos Sabina Urban e Alexandre Jerebtson, acompanhados ao piano por Sérgio Gonçalves, também deliciaram os presentes e demonstraram como a ópera pode ser sublime num espaço como a Igreja. Parabéns  ARS NOVA

• Texto Fernando Morgado

Ars Nova

ARS NOVA – Esta expressão latina, adoptada para designação do grupo, significa “Arte Nova”. Refere-se ao tratado “Ars Nova Musicae” de Philippe de Vitry, bispo de Meaux (França). Foi utilizada, por volta de 1322, para designar um novo estilo de música, com um espectro mais vasto do valor das notas. Por ela se entende a notável fase de evolução musical que decorre durante o séc. XIV e cuja sigla é, na França, a Canção polifónica e, na Itália, o Madrigal. O período da “Ars Nova” coincide, musicalmente, com a transição entre a Idade Média e o Renascimento.

Ars Nova é um grupo musical de Manhouce, de formação recente (Dezembro de 2014), com origem nas “Vozes de Manhouce” e que se autonomizou, por necessidade de ampliação de repertório e para valorização de outras vozes, mais jovens.

Envergando ora o traje tradicional de Manhouce, ora o vestido ‘clássico’, dão corpo a este grupo (a solo e/ou a duas, três, quatro vozes) as jovens Adriana Gomes, Ana Rita Trindade, Cíntia Gomes e Susana Alves, dirigidas pelo professor António Alexandrino (nos arranjos, no acompanhamento instrumental em órgão/piano e na direcção musical). Todas prosseguem, actualmente, formação académica de nível superior.

O repertório deste grupo reflecte classe e diversidade, quer no colectivo (coro), quer a solo. Sem perder as suas raízes tradicionais, ao seleccionar canções como ‘Maçadeiras’, ‘Eito fora’, ‘Senhora das Dores’ ou ‘Chora a videira’, o Ars Nova enfrenta os desafios dos cânticos de intervenção, designadamente, as “Canções Heróicas” de Fernando Lopes-Graça (‘Jornada’, ‘Mãe pobre’, ‘Acordai!’ e outras) que ficaram na memória de quem lutou contra um regime de 48 anos, que obscureceu o país na cultura, penalizando quem ousasse pensar e agir. Mas é, também, a música de José Mário Branco (‘Aqui dentro de casa’, ‘Eu vi este povo a lutar’), ou o indelével manancial de José Afonso (‘Canção de embalar’, ‘A morte saiu à rua’, ‘Balada do Outono’, ‘Coro da Primavera’, ‘Os índios da Meia-Praia’…). Este grupo ousou, ainda e com êxito, entrar pelos caminhos da música erudita, de inspiração religiosa e outra, nomeadamente, ‘Panis angelicus’ (C. Franck), ‘Ave verum’ (A. Mozart), ‘Ave Maria’ (Bach/Gounod, Schubert e/ou Tomás Luís de Victoria), ‘Stabat Mater’ (G. Pergolesi), Canto Gregoriano… ‘O mio babbino caro’ (Aria da Ópera “Gianni Schicchi”, de G. Puccini) ou ‘Lascia ch’io pianga’ (Aria da Ópera “Rinaldo”, de G. Haendel).

O Ars Nova conta já com cerca de quatro dezenas de actuações, em ‘palcos’ diversos, perante plateias de nacionalidades várias e exigentes (entre elas, a Universidade de Lisboa, a UMAR, Teatro da Trindade, Auditório ‘Rainha D. Amélia’, igrejas, Mosteiro de S. Cristóvão de Lafões, cine-teatros, em eventos culturais diferenciados…)

VOZES:

Adriana Gomes, Ana Rita Trindade, Cíntia Gomes e Susana Alves.

ARRANJOS, TECLAS e DIRECÇÃO MUSICAL – António Alexandrino*

*ANTÓNIO ALEXANDRINO (alexandrino.antonio1973@gmail.com) – Iniciou-se na Música, desde tenra idade. Participou em diversos agrupamentos musicais (violino e/ou instrumento de tecla). Quando estudante, integrou a TAUC (Tuna Académica da Universidade de Coimbra). Actualmente, é membro da AATUC (Associação dos Antigos Tunos da Universidade de Coimbra), onde toca violino na Orqª. Principal e na Orqª. de Tangos.

Possui o Curso do Conservatório de Música de Aveiro de Calouste Gulbenkian, na dupla vertente de Formação Musical (diploma com média de 15 valores) e Órgão (diploma com média de 16 valores). Estudou, durante cinco anos, baixo-contínuo, na referida Instituição. Possui diploma de Direcção de Coro, ministrado pelo Secretariado Nacional de Liturgia (IV Curso Nacional, 2008-2011).

• Texto de António Alexandrino

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Recolha do Lixo

• Texto de Carlos Paiva / Foto de Hugo Carvalhal

Quando fores a minha casa

Vai quando eu estiver só

Vai na hora em que se vaza

O lixo que acumulou

Creio ser o teu direito

Para eu ficar em paz

Ver o que não aproveito

Desse amor que tu me dás

Não entres pelas traseiras

Vão pensar que é malandragem

Tem cuidado co’ as roseiras

Que tenho ao pé da garagem

A hora do nosso encontro

Pode ser quando quiseres

Marca junto ao Ecoponto

P’ra tratar dos afazeres

Esta conversa ao serão

(Talvez tenhamos luar)

É sobre a separação

Do que há p’ra reciclar

Os relatórios ou actas

Quer em papel ou cartão

‘Té de amor as tuas cartas

Podem ir pró Papelão

E quanto à salva de prata

Pelos vinte cinco anos

Mais tudo o que for de lata

Há bom destino p’ra ambos

E por fim aquele cristal

Que não sei que ocasião

Se juntou ao enxoval

Bem pode ir para o Vidrão

Também tudo o que plantaste

No quintal para a forragem

Natural que aproveitasse

Para estrume ou compostagem

E quanto a ti, meu Amor,

Que dizer? ‘Stás perdoado

Podes ir pró contentor

Do ‘in-di-fe-ren-ci-a-do’…

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Edição 744 (26/07/2018)

CULTURA: mais mulheres a liderar

Cláudia Belchior com José Pedro Gomes

Isabel Pires de Lima

Natália Correia Guedes

• António Alexandrino

Cada vez é mais significativo o número de cargos ocupados no feminino, dentro do sector cultural. Tal é reflexo de grande domínio, no que concerne ao Ensino Superior.

Efectivamente, entre 2000 e 2016, cifra-se em 73% o aumento do número de mulheres a trabalhar na área da cultura, correspondendo a 9 mulheres a liderar nos 28 organismos tutelados pelo Ministério da Cultura, o que equivale a um terço. Eram 23 600, sendo, no tempo que passa, mais de 40 000. Certo que também o número de homens aumentou, mas menos – 28%, de acordo com as Estatísticas da Cultura do INE.

Cláudia Belchior, que dirige o Teatro D. Maria II, assinala essa percepção: «quando comecei a trabalhar na área cultural, éramos muito poucas. Sinto que agora há muito mais mulheres produtoras ou directoras de cena do que há 25 anos».

No Porto, outro exemplo, Ana Pinho preside ao Conselho de Administração da Fundação de Serralves. Maria João Vasconcelos lidera o Museu Nacional Soares dos Reis. Ainda no Porto, Isabel Pires de Lima, catedrática da Faculdade de Letras, confirma: «Há mais mulheres licenciadas, designadamente, na área de Humanidades». As Estatísticas da Educação reforçam o raciocínio da antiga ministra da Cultura. Na verdade, se todos os anos já saem mais mulheres do que homens do Ensino Superior (59% em 2015/16), maior é o domínio nesta área específica (62% dos diplomados em Artes e Humanidades eram do sexo feminino).

Acrescenta ainda Pires de Lima que os jovens do sexo masculino são encaminhados, preferencialmente, para cursos «mais interessantes do ponto de vista da remuneração».

Quanto aos cargos de topo, deles não falam as estatísticas, mas o desequilíbrio está instalado. Com efeito, os 28 organismos que estão dependentes do Ministério da Cultura, destes, nove são liderados por mulheres. Um terço. É percentagem superior à presença de mulheres no Governo (16,7%) e ligeiramente menor do que a representação feminina no Parlamento (35,2%).

Ao grupo das nove pertence Natália Correia Guedes, que preside à Academia Nacional de Belas Artes. Aliás, teve já vários cargos, sem que tenha sentido qualquer entrave no decurso da carreira, no que concerne ao género: «Fui a primeira mulher a fundar um museu [do Traje]; durante anos,  fui a única senhora na Academia Nacional de Belas Artes. Nunca me senti mais ou menos em relação aos meus colegas».

«Felizmente, a sociedade evoluiu muito nesse aspecto e o respeito mútuo entre as pessoas supera claramente qualquer diferença de género», concorda Paula Silva, a arquitecta directora-geral do Património Cultural. Silvana Bessone, directora do Museu dos Coches, o mais visitado do país, admite que sentiu «muita dificuldade» para fazer valer a sua opinião, no âmbito do processo de construção do novo edifício, em reuniões dominadas por homens. No entanto, fora isso, não recorda outras vicissitudes.

Pragmatismo, capacidade de organização e sensibilidade são características associadas ao sucesso da liderança no feminino. «Talvez haja mais suavidade. Diz-se exactamente o mesmo, mas de outra forma. Nós levamos mais a água ao nosso moinho», conclui Natália Correia Guedes.

 

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Edição 743 (12/07/2018)

Siza Vieira, honrado, recebe a mais alta distinção da Universidade do Porto

• António Alexandrino

O Auditório da Faculdade de Arquitectura encheu (18 de Junho p. p.) para testemunhar homenagem a Álvaro Siza, reputado arquitecto, “o terceiro na história a ser agraciado com medalha de mérito”.

Siza Vieira, um “gigante” da Arquitectura portuguesa, nasce em Matosinhos, em 1933. Estudou arquitectura na Escola de Belas Artes do Porto. Terminada a formação académica, trabalha no gabinete de Fernando Távora, seu professor. Em 1976, é convidado para assistente da cadeira de Construção, na FAUP (Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto). Lecciona ainda na Escola Politécnica de Lausanne, na Universidade da Pensilvânia ou na Graduate School Of Design da Universidade de Harvard. No entanto, é no Porto que faz escola e marca sucessivas gerações de arquitectos. Releve-se que a mais importante distinção tem lugar em 1992, quando recebe o prémio Pritzker, considerado o “Nobel da Arquitectura”.

As palavras de Álvaro Siza Vieira “ecoaram pelo auditório Fernando Távora”, na Faculdade de Arquitectura, onde lhe foi entregue a Medalha de Mérito da UP (Universidade do Porto): «É uma grande honra receber esta medalha, prova de uma grande generosidade da Universidade, com quem tive a relação possível, porque depois quis continuar a projectar, mas onde recebi muito, a cada ano de contacto com as novas gerações».

O arquitecto recebeu das mãos do reitor da UP, Sebastião Feyo de Azevedo, a mais alta distinção da instituição portuense, tendo o reitor, na oportunidade, destacado «a genialidade da obra» de Siza, bem como a «inspiração que foi na formação de várias gerações de alunos».

Álvaro Siza frequentou a Escola Superior de Belas Artes do Porto – instituição que precedeu a FAUP – entre 1949 e 1955 e foi professor na Faculdade, sendo, no tempo que passa, catedrático emérito da escola, cujo edifício é também de sua autoria.

A distinção em apreço fora, anteriormente, atribuída apenas a duas pessoas: Luís Valente de Oliveira e a Zeferino Ferreira da Costa.

Carlos Guimarães, director da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, considerou «fastidioso e escasso destacar as qualidades do legado» do arquitecto, tendo, outrossim, destacado a importância de Siza Vieira que, na sua opinião, transformou a arquitectura num “bem público”.

Uma vez atribuído o galardão, foi aberta a exposição “Neighbourhood: Where Álvaro meets Aldo”, na Galeria de Exposições da FAUP. A mostra, organizada pela FAUP em parceria com a DGArtes, representou Portugal na 15ª Bienal de Arquitectura de Veneza, em 2016. Sílvia Belo Câmara, directora da DGArtes, relembrou as “filas de fãs em Veneza, só para ver o trabalho de Álvaro Siza”. A exposição foca-se no “trabalho notável de Siza, no campo da habitação social, percorrendo as suas intervenções”, no Porto, Berlim, Haia e Veneza.


Processo criativo

• Texto de Carlos Paiva e foto de Hugo Carvalhal

Quando Miguel Ângelo viu David,

Ele não era mais que um bloco saído

 

De alguma pedreira na velha Itália.

E a primeira vez que cantou a Amália,

 

‘Stou certo: deve ter desafinado.

E pouco o deve ter impressionado

 

A senhora de sorriso enigmático

Àquele que era de da Vinci, Leonardo.

 

Música não soube um dia o que era

Stravinsky, que sagrou a Primavera.

 

Mesmo Neruda apanhou reguadas,

Por não saber juntar duas palavras…

 

E eu, quando te vi, passaste ao largo,

Saiu-me um comentário bem parvo,

 

Um pássaro cantou meio engasgado,

Esmolaste-me um sorriso de enfado,

 

Tão altiva, qual Helena de Tróia…

Caí por esse teu ar de saloia,

 

Tão parolo, tão cheio de defeito,

Talvez por isso tão assim perfeito,

 

Que foi desnecessário eu criar-te,

Porque tu já eras a obra de arte…

 

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Edição 742 (28/06/2018)

Souto Moura galardoado com Leão de Ouro,  o prémio que lhe faltava

• António Alexandrino

«A sucessão de prémios com que tem sido distinguido mostram que não é por acaso, mas pela grande qualidade que tem mantido ao longo dos anos» (José Manuel Pedreirinho, Presidente da Ordem dos Arquitectos).

Eduardo Souto Moura regista uma “Carreira de Topo”. Com efeito, já não lhe falta nenhum dos grandes prémios. Em 2011, recebeu o Prémio Pritzker – considerado o ‘Nobel da Arquitectura’. Em 2016, foi galardoado pela X Bienal Ibero-americana de Arquitectura e Urbanismo, em Madrid, “pelo contributo no ensino em universidades de diversos países”. Em 2017, venceu o ‘Piranesi Prix de Rome’, uma distinção de carreira da Academia Adrianea de Arquitectura e Arqueologia Onlus, em Roma. Além de outros, assinou o Estádio Municipal de Braga, a Casa das Histórias Paula Rego e o Centro de Arte Contemporânea Graça Morais.

«Isto tudo vem de uma tradição do Siza [Vieira], do [Fernando] Távora e de outros arquitectos. A arquitectura portuguesa é muito bem vista e tem uma qualidade superior à da maior parte dos países europeus. E já não é de agora, estamos fartos de ganhar prémios, o que para mim é uma vaidade, ficamos orgulhosos». Assim reagiu o Arquitecto Eduardo Souto Moura, depois de vencer o Leão de Ouro da Bienal de Veneza, um dos mais prestigiados prémios da Arquitectura mundial.

Este é o terceiro Leão de Ouro atribuído à Escola do Porto. Álvaro Siza recebeu-o por duas vezes: em 2002, com um projecto; em 2012, pela carreira. Agora é a vez de Souto Moura, com um projecto do complexo turístico de São Lourenço do Barrocal, em Monsaraz, e recuperação de monte alentejano e a sua adaptação a um hotel.

Para a exposição do projecto, o arquitecto português optou apenas por duas fotos aéreas que comparam ‘o antes’ e ‘o depois’ da intervenção. No anúncio da atribuição do prémio, o júri da Bienal de Veneza deliberou: «O Leão de Ouro para o melhor participante da 16ª exposição Freespace vai para Eduardo Souto Moura, pela precisão em abordar duas fotografias aéreas, revelando a relação essencial entre arquitectura, tempo e lugar. O ‘espaço livre’ aparece sem ser anunciado, com clareza e simplicidade».

Além do projecto distinguido, Souto Moura tem várias outras representações em Veneza. No Pavilhão de Portugal, o arquitecto portuense tem exposto o seu projecto da Estação de Metro de Nápoles, uma obra realizada com Álvaro Siza e Tiago Figueiredo. Outro dos projectos que tem despertado elevado interesse, desde que a mostra inaugurou, é a capela que desenhou para o Pavilhão da Santa Sé, um pequeno espaço de culto, integralmente em pedra, para fazer parte dos jardins do Vaticano.

O certame dedicado à arquitectura – cujo galardão máximo é o Leão de Ouro – recebe 65 participações nacionais, divididas entre os pavilhões históricos do Giardini, do Arsenale e do Centro Histórico de Veneza. A exibição estará patente até 25 de Novembro.

A Casa da Arquitectura fez saber que a primeira exposição monográfica do espaço será com Eduardo Souto Moura.

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Piquete de greve

• Texto de Carlos Paiva e foto de Hugo Carvalhal

Estão em greve na fábrica dos versos:

Estão vazios todos os complexos,

Apenas duma chaminé sai fumo,

Reminiscência que sobe a prumo,

Talvez dalgum poema mal cozido,

Cinzas de um vilancete ali esquecido.

Quiçá um verso ali faz horas extra

Do que não foi capaz segunda a sexta…

 

Lá ao fundo, um piquete de greve

Distribui panfletos e até impede

Quem quer que seja que se aproxime,

Desde o operário ‘té ao mais insigne.

Sobre as paredes, notas de encomenda,

Sem haja um só poema que se venda…

 

Hoje a língua, dizem os sindicais,

Sobra senão para as coisas banais.

Hoje a fábrica parou, não labora,

Não sei quando retoma, a que hora,

Mas até lá – um dia, um mês, um ano –

Não saberei dizer o quanto te amo…

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Edição 741 (14/06/2018)

Germano Almeida vence Prémio Camões 2018. Cabo-verdiano «surpreendido e feliz»

• António Alexandrino

O Prémio Camões é considerado o maior galardão que consagra as Letras em Língua Portuguesa. Com um valor monetário de 100 mil euros, foi instituído por Portugal e pelo Brasil, em 1988. Atribuído, pela primeira vez, em 1989, ao escritor Miguel Torga que ‘encabeça’ um grupo de outros autores já distinguidos (trinta), de entre os quais, se contam os portugueses José Saramago, Eduardo Lourenço, Sophia de Mello Breyner, Eugénio de Andrade, Maria Velho da Costa, Agustina Bessa-Luís, António Lobo Antunes, Manuel António Pina; Mia Couto (Moçambique); Pepetela (Angola); Arménio Vieira (Cabo Verde); Rubem Fonseca, João Ubaldo Ribeiro e Ferreira Gullar (Brasil).

Em 29 edições, apenas um escritor cabo-verdiano havia sido premiado com este galardão (atribuído ao poeta Arménio Vieira, em 2009). No tempo que passa, o cabo-verdiano Germano Almeida é o vencedor do 30º Prémio Camões. Autor de “O testamento do senhor Napumoceno da Silva Araújo”, e de uma vasta obra, Germano Almeida declarou-se «surpreendido e feliz», por se saber «apreciado ao ponto de receber um prémio tão prestigiado». O escritor, acrescentando que a distinção representa «o reconhecimento do esforço e do trabalho» que desenvolve há anos, e mesmo sabendo-o, como faz questão de relevar, entende existirem «muitos escritores que merecem o prémio tanto ou mais».

Manuel Alegre, poeta e vencedor do Prémio em 2017, acha que a atribuição é justa e merecida, quer para o escritor quer para Cabo Verde, face à decisão unânime do júri, este ano composto por Maria João Reynaud e Manuel Frias Martins (Portugal); Leyla Perrone-Moisés e José Luís Jobim (Brasil); Ana Paula Tavares (Angola); José Luís Tavares (Cabo Verde).

David Hopffer Almada, presidente da Academia Cabo-Verdiana de Letras sublinha: «É uma satisfação enorme a seguir ao Prémio Camões de Arménio Vieira. É um orgulho para o país, para os dois escritores cabo-verdianos e para a Academia».

Para o ministro da Cultura português, Castro Mendes, Germano Almeida é autor de uma obra «extremamente interessante e com uma originalidade que é o humor».

Germano Almeida nasceu em 1945, na ilha da Boavista. Reside actualmente no Mindelo. É editado, em Portugal, pela ‘Caminho’, no que concerne a obras como “A ilha fantástica”,”A família Trago” ou “Os dois irmãos”, adaptado para cinema.

Formado em Direito, em Lisboa, é advogado. Foi procurador da República de Cabo Verde. Na Literatura, deu os primeiros passos na década de 1980,  altura em que cofundou a revista “Ponto & Vírgula”.

O primeiro romance de Germano Almeida, publicado em 1989 – “O testamento do senhor Napumoceno da Silva Araújo” – acabou por ser adaptado ao cinema por Francisco Manso, sobre a vida de um conceituado comerciante do Mindelo.

O fiel defunto” é o mais recente romance publicado pelo escritor, um dos autores mais lidos do seu país. A sua obra literária está traduzida em países diversos como Itália, França, Alemanha, Suécia, Noruega e Dinamarca.

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Escombro

• Texto de Carlos Paiva e foto de Hugo Carvalhal

Ah onde o Outro

Que não Este

Que queria morto,

Sepulto bem a leste

De um qualquer paraíso…?

Não mo encontro,

É-me, do que sou, murmúrios

Num qualquer ponto

Entre nada e algures,

Onde não me é preciso…

Sou-me um sulco

Ocasionado no rosto

De um estranho vulto

De mim deposto

Sem prévio aviso…

Ao passo que me esboroo

E ruo, qual castelo,

O que inconseguido sou

É o que posso e revelo:

Este tão-só escombro omisso.

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Edição 740 (24/05/2018)

A Escola no mercado de trabalho: desemprego afecta mais os que estudaram menos

• António Alexandrino

Sustentávamos, na edição anterior de GB, não sermos “um país de doutores e engenheiros”. Com efeito, concomitantemente, não falta quem mantenha que “estudar compensa, no salário e no emprego”, embora Portugal tenha ainda um longo caminho pela frente, apesar da recente recuperação na educação.

O Ensino Superior dá o dobro do salário do 9º Ano” (Alexandra Figueira). Ter uma “ferramenta” deste teor pode equivaler à diferença entre ganhar 17557€ por ano, ou 11398€, se tiver o Ensino Secundário, ou 8596€, se não passou do 9º Ano de Escolaridade. Isto é: quem possui um ‘canudo’ ganha o dobro do que quem não passou do 3º ciclo do Ensino Básico, de acordo com os dados compilados e divulgados pela Pordata (Base de dados sobre Portugal contemporâneo), a propósito da celebração do Dia do Estudante (24 de Março transacto). Para além de salário mais elevado, uma formação superior também concorre para encontrar trabalho. A taxa de desemprego dos licenciados, apesar de elevada, é menor do que a de pessoas que estudaram doze ou menos anos.

O fosso remunerativo será o indicador que mais separa quem estudou mais de quem estudou menos. Na Europa, em 2016, indica a organização da Fundação Francisco Manuel dos Santos, há apenas quatro países com uma diferença salarial maior entre diplomados do Ensino Superior e pessoas com o correspondente ao 9º Ano: Bulgária, Letónia, Lituânia e Roménia. Com os mesmos valores de Portugal, a Polónia e a Croácia (valor provisório). Países estes que aderiram à Comunidade Europeia muito depois de Portugal.

Dois factores que, puxando cada qual para seu lado, criam tal fosso salarial, concordam Monteiro Fernandes, professor do ISCTE (Instituto Universitário de Lisboa) e João Cerejeira, professor da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho.

Primeiro, Portugal continua a ter poucos licenciados. Somente um quarto da população, em idade activa, tem um curso (13,2% das pessoas entre 55 e 64 anos). Certo é que o valor é muito maior entre os mais jovens: um terço das pessoas entre 25 e 34 anos tem um ‘canudo’ e o número de diplomados duplicou em 2017, face a 1994. Todavia, Portugal mantém-se longe dos parceiros europeus. Ocupa o 21º lugar, entre os 28 países, um grupo liderado pela Finlândia, onde 43% da população activa tem formação superior.

Continua a haver uma grande valorização social da formação superior”, sustenta Monteiro Fernandes. “É a lei da oferta e da procura”, ou seja, há poucos diplomados, pelo que são mais valorizados, seja aos olhos da sociedade, seja no âmbito do salário, conclui João Cerejeira.

O segundo factor explicativo da diferença remunerativa, entre quem tem mais e menos estudos, é a falta de valorização do Ensino Secundário, sobretudo no que concerne ao profissional. Tal como releva J. Cerejeira, o ensino profissional, como aposta séria é recente em Portugal e nos últimos anos têm sido tirados recursos das escolas dedicadas e dados às escolas secundárias regulares, para o seu ensino profissional. “Acontece que as escolas regulares são tuteladas pelo Ministério da Educação, o que dificulta a articulação com as empresas. Só nos últimos três ou quatro anos houve melhorias”, sustenta o docente do Minho.

Por outro lado, o sistema de ensino não se coaduna com a rapidez conforme às necessidades das empresas. “É assim que vemos pessoas a querer trabalhar sem encontrar emprego e empresas a querer contratar, mas sem encontrar pessoal com a formação pretendida”, resume J. Cerejeira. No entanto, os números globais escondem diferenças internas. Com efeito, nem todos os ‘canudos’ dão acesso a emprego estável e bem remunerado, realça M. Fernandes. Outrossim, nem todos os cursos profissionais são mal pagos, acrescenta Cerejeira, citando o exemplo da metalomecânica.

Neste contexto, o mesmo acontece no desemprego. No ano transacto, a taxa de desemprego foi de 8,9%. É a média de todas as idades e todos os níveis de formação, mas há diferenças grandes: a falta de trabalho atinge 9,9% das pessoas com o Ensino Secundário e 9,5% entre quem tem o 3º ciclo; no entanto, somente 6,5%  entre quem tem o Superior.

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O OLHAR QUE PERSCRUTA

• Texto de Carlos Paiva / foto de Hugo Carvalhal

Quando o horto

P’ra que se olha

Nos deixa absorto

E sem escolha

O olhar que perscruta,

Já a mão não procura

De toda a fruta

A mais madura.

P’ra onde quer que olhe,

Caule, folha ou fruto,

O olhar quanto colhe,

Desde o broto diminuto

Ao mais solarmente pleno,

Cárnea polpa dentre o feno,

É não mais que o vislumbre

Do que, visto, se esquece,

Acaso a mão sucumbe

Ao que no olhar aparece.

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Edição 739 (10/05/2018)

Somos um país de doutores e engenheiros?

• António Alexandrino

Estudo devidamente abalizado da PORDATA (Base de dados sobre Portugal contemporâneo) contraria a noção de que “Portugal é um país de doutores e engenheiros”. A tendência vai inequivocamente neste sentido; as taxas de escolarização têm vindo a aumentar significativamente e diminuiu o abandono escolar, havendo, no entanto, “sinais de desassossego” (Maria João Valente Rosa, Directora-geral da Pordata), porquanto o abandono escolar ainda está acima da meta de 10% para 2020 e a qualificação média da população em idade activa ainda é baixa; daí que… não sejamos mesmo “um país de doutores e engenheiros”.

“Pontos fracos” não faltam. Por exemplo, a matemática. A tão mal-amada matemática! Um ponto fraco, pesem embora os vários planos de recuperação. Com efeito, que se passa? O relatório de 2016 do World Economic Forum indicava que 65% das crianças que hoje estão na escola trabalharão em profissões que ainda não existem. Nesse sentido, a escola deve preparar a gente nova, não para uma profissão, mas para outros desafios da sociedade, dar-lhes capacidade de abstracção, raciocínio lógico, que são desenvolvidos no âmbito da matemática. É preciso “pensamento crítico, capacidade de análise, literacia estatística” (Maria João Valente Rosa).

Nem todos os cursos se apresentam com boa empregabilidade ou bom salário. Tão importante quanto estudar é saber o que se estuda. Na verdade, ter um diploma, só por si, não chega. Impõe-se ver que conteúdos acrescentam ao seu conhecimento, o que têm gosto em aprender. Depois, é preciso escolher a instituição e o curso: nem todos têm a mesma qualidade. Ter um diploma ajuda a ser mais resiliente; mas, só por si, não garante um emprego. E mais do que o Ensino Superior, releve-se a importância de todos terminarem o Ensino Secundário.

Portugal tem vindo a melhorar em todos os indicadores. No entanto, para quando apanhar o comboio europeu? É que, apesar do progresso das duas últimas décadas e meia, Portugal começou muito atrás, face aos parceiros europeus. Para acompanhar os outros países, temos de acertar e acelerar o passo.

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Porque

Texto de Carlos Paiva / foto de Ana Rosa

Porque és sempre e ainda

Fonte de água límpida,

Um rio de que corri

Desde que fui broto e nasci.

Porque, na verdade, de ti efluo

A cada instante que construo

Este Ser que Te parece,

De que és sumo alicerce!

Porque intui meu coração, e sabe

Que és, além disso, arquitrave

Onde me apoio e sustento

Ao breve fulgor de cada momento…

Porque se não foras, eu não era,

Feito em teu ventre Primavera,

Madurecido depois em teu colo,

Ramos os teus braços, teu olhar Sol.

Porque não há ‘porque’ de que precise

Para te dizer quão sou feliz

Com este tão muito que se tem,

Só por Te Ser, e tu Me Seres, Mãe…

 

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Edição 738 (26/04/2018)

São já as MULHERES a dominar todos os níveis académicos

• António alexandrino

Sob o ‘manto diáfano’ da igualdade de género (parafraseando alguém), em 2008, as mulheres, e pela primeira vez, ficaram em maioria nos doutoramentos. Como se isso não bastasse e, desde então, têm vindo a deixar os homens a maior distância. Com efeito, em 2015, 53% dos novos doutorados eram mulheres. Por similitude, o padrão repete-se nos restantes níveis académicos. Todavia, os salários que levam para casa mantêm-se substancialmente abaixo dos que são pagos aos homens!

Tendo em conta a Pordata, no global do Ensino Superior, a taxa de escolarização das mulheres é de 29%, muito acima dos homens (com 19%). E a linguagem ‘fria’ dos números mantém esta proporção, olhe-se para os mais jovens (com menos de 35 anos de idade), ou olhe-se para os mais velhos. Paralelamente, no ano transacto, 55% das mulheres tinham o Ensino Secundário; ao invés, os homens não iam além de 46%. Concomitantemente, há menos raparigas a abandonar precocemente a escola do que rapazes (10% <> 15%). Acresce que o tema do abandono escolar tem sido por nós trazido a esta rubrica da GB, de quando em vez.

Isto é, as mulheres dominam, progressivamente, todos os níveis de ensino. No entanto, as coisas assim acontecem, sem que haja uma correspondência com a evolução na carreira profissional e com os salários pagos. Na verdade, em 2016, as mulheres usufruíam de 982,5 euros no fim do mês, menos 233 euros do que os homens (inclui-se aqui, além do salário-base, outras remunerações, como horas extraordinárias ou prémios).

Dir-se-á que este é um valor médio, mas a directora-geral da Pordata (Maria João Valente Rosa) verifica que a diferença salarial entre mulheres e homens se agrava, à medida que aumentam as qualificações. Digamos, quanto mais qualificada é a mulher, pior é a sua remuneração, face a um homem com a mesma qualificação. Mas não é questão apenas de salário. No acesso ao emprego, o cenário é desfavorável. Em 2017, a taxa de desemprego, em Portugal, foi de 8,9%, mas com diferenças de relevo no que respeita a género: 8,4% dos homens não tinha trabalho, ao contrário de 9,4% das mulheres.

Segundo avança Valente Rosa, uma explicação poderá estar «nas áreas que as mulheres estudam com maior frequência. No Superior, quase 80% dos estudantes em educação e em saúde e protecção social são mulheres.  Já nas engenharias, indústria e construção, são menos de um terço (28%). Por outro lado – acrescenta – existe uma questão difícil de contrariar e que começa logo nas tarefas domésticas e de cuidador da famíliaalgo que nos deve questionar, a todos».

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Amor estendalício

• Carlos Paiva / Foto Ana Rosa

Já o Sol não bate

Onde me deixaste a secar…

Sem vento que desacate,

Eis peça de roupa vulgar

Que já não serve a ninguém,

Estendida à luz do desdém.

Toda cor se me desbota,

E no anónimo estendal,

Erguido à tua porta

Com varas de canavial,

Eu, tecido, me desidrato,

Não sirvo sequer p’ra trapo…

Oh quão triste o ressequir

Que me onera a todo o pouco!

Mas quando deixei de servir

Nos contornos do teu corpo,

Peça de moda que passa,

Se esquece, ignora, e rechaça..?

Como entendo não me queiras

Na manga roçado, puído na gola…

Mas tem lá boas maneiras:

Desprende, de vez, essa mola,

Que basta – não precisas de sorrir –

Simplesmente me deixes ir.

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Edição 737 (12/04/2018)

Ensemble Vocal de Vouzela fechou I Ciclo de Concertos

Realizou-se no passado dia 1 de abril – Domingo de Páscoa – o concerto do Ensemble Vocal de Vouzela. Este, que foi também o concerto de encerramento do “I Ciclo de Concertos de Vouzela” foi repleto de uma plateia magnífica, que esgotou todos os lugares possíveis na Igreja Matriz. Uma tarde convidativa a assistir a um reportório próprio do período da Páscoa, com música de grandes compositores como Bruckner, Elgar ou Mozart. Este concerto teve a participação especial de um coletivo de instrumentistas de sopros e percussão pertencentes há Sociedade Musical Vouzelense, a quem foi agradecida a participação.

O “I Ciclo de Concertos de Vouzela” surge na ideia de promover a música erudita em variadas vertentes – música de câmara, instrumental e vocal. Numa época em que a música erudita “sofre” de uma espécie de “desapaixonização”, este ciclo de concertos vem recentrar este tipo de música e oferecer um pouco de enculturação musical à região. Com o apoio do município de Vouzela, elaborou-se um cartaz que envolvesse música desde o século XV até à atualidade.

O cartaz contou com três concertos de carácter diferente: orquestra barroca do conservatório de música da jobra, coro da cruz vermelha de Águeda e Ensemble Vocal de Vouzela. Englobou-se este ciclo de concertos na época da Quaresma e da Páscoa, pois a temática sacro-religiosa está bem presente na música destas épocas, apesar de a sua enfâse ser não-litúrgica. O resultado foi bastante positivo, pois o público aderiu e demonstrou a sua satisfação, o que deixa grandes perspetivas da realização de um próximo ciclo de concertos. Com esta iniciativa, demonstrou-se também que a música erudita pode – e deve – ser feita no interior do país, não estando confinada aos grandes centros, acrescentando o facto de ser desenvolvida por “prata da casa”.

O Ensemble Vocal de Vouzela surge em março de 2015 com o intuito de desenvolver e divulgar uma linguagem musical centrada na música vocal à capella de carácter sacro e profano. Composto por coralistas de Vouzela e São Pedro de Sul, é dirigido pelo maestro Diogo Tavares.

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Religiosamar

• Carlos Paiva / Foto Ana Rosa

De todas as ilusões

Que nos põe o mundo à mercê,

O Amor forma grilhões

Quão nele mais forte se crê.

 

Um conselho que te dê?

Em qualquer instante duvides:

O que o coração, crendo, vê,

Real ou não, é quanto existe –

 

Tal é a absoluta verdade

O que em ti é que sente,

Quem tu ames a deidade

De quem escolhas ser crente.

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Edição 736 (22/03/2018)

Poeta Rosa Oliveira enaltece “onda crescente” da poesia em Portugal

A vencedora do Prémio Literário Fundação Inês de Castro de 2017, Rosa Oliveira, enalteceu hoje aquilo que lhe parece ser uma “onda crescente” da poesia em Portugal, pelo número de editoras, de leitores e de festivais que vão surgindo.

 

O público da poesia em Portugal é “mínimo, mas muito especial, exigente e atento”, a crítica é “uma micro-nano-crítica” e a imprensa especializada tem uma circulação muito reduzida, notou hoje Rosa Oliveira, após receber o Prémio Literário Fundação Inês de Castro de 2017, na Quinta das Lágrimas, em Coimbra.

Apesar disso, a poeta sublinhou que lhe parece que a poesia, em Portugal, está “numa onda crescente”, a julgar pelo “número de editoras, especialmente pequenas editoras – algumas delas nascidas sob a ameaça de extinção -, o número de leitores, as instituições que apostam na poesia e os inúmeros festivais de poesia” e grupos que se juntam “para ler e para chamar a poesia à baila”.

Nesse sentido, Rosa Oliveira entende que se está a colocar a poesia, “ainda que timidamente, no lugar onde ela começou”, cada vez mais “no centro”, como forma de arte anterior até “à palavra escrita”.

Da sua poesia, diz que tenta “apanhar uma fotografia daquilo que vai vendo e sentindo”, referindo que está “longe do fantasma romântico e, por via, modernista e, por extensão, pós-modernista que encerra o texto em si mesmo e o fecha ao mundo”, bem como se distancia da “arte livre e total, sem objeto, capaz de exprimir o inexprimível”.

Durante o discurso, a poeta, que venceu o prémio literário pelo livro de poesia “Tardio”, recordou o estranhamento e as perguntas que recebeu aquando da edição do seu primeiro livro, “Cinza”, quando tinha 55 anos. “Porquê tão tarde?”, perguntaram-lhe, ao que respondeu “Porque não?”.

A voz de poeta “foi crescendo pequenina e irá perdurar ou não”, disse Rosa Oliveira, deixando a interrogação e hipótese, que só poderá ter uma resposta “daqui a uns tempos ou daqui a uns livros”, concluiu.

Na cerimónia, falou também o ensaísta e crítico literário Eugénio Lisboa, agraciado com o prémio de carreira, Tributo de Consagração, que, no ano passado, concluiu as suas memórias, com o último volume de “Acta est Fabula”.

No discurso, o ensaísta sublinhou que o prémio o levou a refletir sobre “o que é isto de uma carreira literária”, considerando que a carreira literária, na sua vida, não seria inevitável, tendo acabado por apanhar “o pontapé de saída” por José Régio, escritor que lhe pediu sempre para “escrever mais intensamente”.

“Com muita pena minha, nunca na vida do José Régio lhe dei a satisfação de ser um escritor mais assíduo”, sendo que só depois da morte daquele escritor é que começou a levar “mais a sério a escrita”. “Talvez, por uma certa impulsão de remorso”, confidenciou.

Sinto-me realizado como artista, através daquilo que faço enquanto ensaísta, que pode injetar-se tanta criatividade num ensaio como num livro de teatro ou de poesia”, frisou Eugénio Lisboa, contestando em “absoluto” a divisão entre a “dita escrita criativa” (teatro, poesia e romance) e a “não criativa” (ensaio, crónica e crítica).

O Prémio Literário Fundação Inês de Castro vai na 11.ª edição.

Rosa Oliveira sucede a Rui Lage, que, em 2016, venceu o galardão por “Estrada Nacional”, numa lista de premiados anteriores que inclui ainda José Tolentino Mendonça, Gonçalo M. Tavares e Mário de Carvalho, entre outros.

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STEPHEN HAWKING – o adeus ao físico britânico que recusava comparar-se a Einstein

• António Alexandrino

Aos 76 anos, faleceu o cientista Stephen Hawking. Viveu mais de meio século com esclerose lateral amiotrófica. Faleceu a 14 de Março, data do aniversário de Albert Einstein.

Nasceu a 8 de Janeiro de 1942, em Oxford, exactamente 300 anos após a morte do astrónomo Galileu. Uma vida inteira dedicada à área da relatividade e aos buracos negros, apesar da doença que lhe foi diagnosticada aos 21 anos, em consequência de uma queda de patins. (“As minhas expectativas foram reduzidas para zero. Tudo, desde então, é um bónus”, disse ele). Disseram-lhe então que tinha três anos de vida… viveu 55! No entanto, Hawking viveu mais de meio século com uma degenerescência dos neurónios motores, que controlam os músculos, incluindo os da respiração  – “Eu vivi cinco décadas mais do que os médicos haviam predito. Tentei fazer bom uso do meu tempo. Porque todos os dias pode ser o meu último”. Como “um mal nunca vem só”, em 1985, uma pneumonia deixou-o a respirar por um tubo e a comunicar por um sintetizador de voz electrónico.

“Tenho a certeza de que a minha deficiência tem uma relação com a minha celebridade”, disse um dia Stephen Hawking, o homem que falava por um sintetizador, vivia numa cadeira de rodas, comeu pastéis de Belém em Lisboa e “jogou póquer com Isaac Newton e Albert Einstein num episódio da série Star Trek, três cientistas a uma mesa improvável. Dois gigantes e o homem, cuja teoria sobre os buracos negros está por provar e que morreu sem receber o Prémio Nobel que poderia merecer…”

Carlos Fiolhais (físico) considera que Hawking é “um gigante aos ombros dos gigantes”. Um dos grandes cientistas do “nosso tempo, que ousou enfrentar grandes mistérios e que deixa pistas para o futuro. É uma referência para todos nós. É um exemplo de alguém que consegue exercer a capacidade do seu cérebro, apesar de todas as limitações do seu corpo”.

Apesar do estado de saúde debilitado, teimou em viver uma vida normal (passe a expressão) até ao fim, com permanente ligação à ciência. Pai de três filhos, nunca deixou de aparecer publicamente e casou-se pela segunda vez.

Stephen Hawking revolucionou o modo como olhamos para o Universo e a sua relevância universal aproximou-o do centro da atenção pública. Era um cientista dos poucos que conseguem popularizar a ciência.

Interessou-se pelo futebol, tendo, inclusivamente, chegado a algumas deduções. Para o Mundial de 2014, que teve lugar no Brasil, apresentou um estudo, cujas conclusões poderiam contribuir para a conquista do Título pela equipa inglesa: Jogos às 15 horas e ao nível do mar. Deveria jogar de vermelho, no sistema 4x3x3. Já antes desenvolvera a teoria do “penalti perfeito”, nomeadamente, no que concerne à colocação de bola, força a imprimir-lhe no remate, preferência pelos marcadores carecas e/ou louros.

Stephen Hawking dixit:

As pessoas que se vangloriam do seu QI são perdedoras”;

Não é necessário invocar Deus para acender o pavio e colocar o universo em movimento”;

Se encontrarmos a resposta, seria o último triunfo da razão humana – nesse momento, saberemos o pensamento de Deus e conheceremos o espírito de Deus”;

Sem imperfeição, você e eu não existiríamos”.

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Doençamor

• Carlos Paiva / Foto Hugo Carvalhal

Ah tão mais me acirras,

Meu Amor, quando espirras,

Que me desejo atingido

Por atchim tão desmedido,

Por temperatura que te sobe,

Pelo nariz que se entope,

P’lo latejar dos membros,

E outros tantos tais tormentos –

Por tudo isto, Amor, me quero

Levado ao cume do desespero,

Por querer, antes julgues que não,

Ser essa tua constipação,

Até, se quiseres, uma gripe,

Qualquer coisa, uma bronquite,

Conquanto seja eu a maleita

Que com malícia te espreita,

Que te prostra sobre o leito,

E aí, então, em pleno satisfeito

Por ser, que te percorre, a doença,

Ao contrário do que se pensa,

Que em vez de ser tortura,

É quanto nos salva e nos cura.

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Edição 735 (08/03/2018)

Correntes d’Escritas, 19ª Edição

Juan Gabriel Vásquez é o escritor do ano

 

• António Alexandrino

Caiu o pano sobre o maior festival literário de expressão ibérica – 2018. O certame, que decorreu entre 21 e 24 de Fevereiro, serviu, mais uma vez, de motivo para a Póvoa mudar a sua face, durante estes dias. Com efeito, o evento “semeou” livros ‘por todo o lado’, dando às lojas um ‘toque’ e estatuto de originalidade especiais, por um punhado de dias – “Hoje a minha loja também é uma livraria”, iniciativa que contou com 47 estabelecimentos aderentes da Rua da Junqueira e adjacentes. Aí, a ‘convivência’ entre os livros e produtos diversos de comércio foi ‘pacífica’.

O anúncio do grande vencedor marcou o arranque do 19º Correntes d’Escritas. Assim, o Prémio Literário Casino da Póvoa  recaiu sobre o livro “A forma das ruínas”, do colombiano Juan Gabriel Vásquez, de 45 anos. Com efeito, o júri (Fernando Pinto do Amaral, Javier Rioyo, José Mário Silva, Maria de Lurdes Sampaio e Teresa Martins Marques) sintetiza assim a sua decisão: “O extraordinário fôlego narrativo” e “o notável retrato da história da Colômbia do século XX”, numa “ambiciosa e muito bem conseguida arquitectura romanesca”. Os jurados relevam ainda: “Além da criação de contraditórios e fascinantes personagens, o romance destaca-se pelo modo como fala do nosso tempo”. O ministro da Cultura (Luís Filipe Castro Mendes) destacou o “excelente escritor” que, em 2016, foi distinguido com o Prémio Casa da América Latina – “É um autor que vem depois do ‘boom’ da literatura do realismo mágico de Garcia Marquez e que se inscreve num registo diferente. Recebe a herança dessa grande geração, mas tem um registo mais irónico”. O vencedor protagonizou votação renhida no Correntes d’Escritas – três votos contra dois, de “Escola de Náufragos”, do português Jaime Rocha.

 Literatura juvenil. O prémio foi para “Balaton”, de Ana Beatriz Correia de Sousa (Gondomar). O conto infantil ilustrado distinguiu “O advento na Achada”, do 4º ano A da EB1/II Dr. Clemente Tavares (Madeira).

Inês Pedrosa realça “o número de escritores” presentes, “a qualidade das intervenções” e a presença do “vastíssimo público”.

Em nome dos escritores, o Encontro de Escritores de Expressão Ibérica já “se tornou um fenómeno nacional e internacional”, explica Inês Pedrosa.

Quanto ao ministro da Cultura, elogia “a forma inteligente” como a Câmara da Póvoa percebeu que a cultura enriquece as pessoas e as cidades que nele apostam.

Correntes d’Escritas perfaz 20 anos, em 2019, e o presidente da Câmara, Aires Pereira, quer que o festival se “reinvente” e traga “um novo desafio” à cidade.

Em suma: mais de 80 escritores de 14 países, dez mesas de debate, 14 lançamentos de livros, duas exposições, cinema, visitas de escritores às escolas, sessões de poesia e uma feira do livro. Entre os escritores, uns são “quase família” (Luís Sepúlveda, Manuel Rui, Onésimo Teutónio de Almeida); outros estreantes (Kalaf Epalanga); outros “dispensam apresentação” (Rodrigo Guedes de Carvalho ou Mário Zambujal).

 

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Pegamonstro

• Carlos Paiva / Foto de Ana Rosa

Tenho mau relacionamento

Com o monstro do Tempo:

À força do desperdiçá-lo

Não logro derrotá-lo.

Que dele esteja consciente

É quanto mais atormente

O que já mal o suporta:

Est’ alma deveras torta

De crescer em contraluz.

Não me lembro de onde pus

No que devia tornar-me;

Mesmo soando o alarme,

Mesmo então, escondi-me,

E não me sei como designe

Senão como o covarde

Para quem é sempre tarde –

Mesmo o cedo desta hora

Em que, podendo Ser, fui embora.

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Edição 734 (22/02/2018)

Zeca é um deus para o povo galego

• António Alexandrino

Em devido tempo (meados dos anos 80 do século passado), este vosso amigo viajava por terras de Espanha, num fim de verão, na companhia de familiares e de outros amigos, alguns dos quais (sobretudo um), versados em geografia, história, usos e costumes daquele país.

Com efeito, no campo da música, a aragem que preenchera tempos pós-25 de Abril de 1974, com a música de José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, José Mário Branco, e outros músicos de intervenção, havia de certo modo estiolado, com a simultaneidade do murchar dos cravos vermelhos. Porém, tínhamos informação de que, na Galiza, José Afonso era ouvido em larga escala, com uma divulgação e apreço notáveis, da parte das rádios. Na verdade, a rádio que sintonizávamos, por terras galegas,  proporcionava-nos um repertório do Zeca em ampla escala.

É certo que, no tempo que passa, três décadas após a morte do cantor e compositor José Afonso (morreu em 1987, com apenas 57 anos), muita coisa mudou e a sua música aí está, com grande vitalidade, sucessivamente renovada, em vertentes múltiplas, nomeadamente, pela mão de cantores e/ou grupos instrumentais.

Vêm estas considerações na sequência de novas saídas a lume, a propósito da criação de uma associação, na Galiza, no sentido de imortalizar o “icónico cantor português de intervenção”. Uma palestra, exposições e um concerto assinalaram, no p. p. dia 27 de Janeiro, a formalização do primeiro núcleo da Associação José Afonso na Galiza. “Manter viva a obra do artista” naquela região de Espanha que o “admira e acolheu largas temporadas, conhecendo até em primeira mão um dos seus maiores êxitos”, é o objectivo da organização que agora nasce, com sede em Compostela. É suposto que, em breve, a associação venha a expandir-se e a criar novos núcleos noutras cidades galegas – Vigo, Orense e Coruña. Acresce que, além do núcleo recém-constituído, existem outros 15, um deles em Bruxelas.

Segundo Xulio Villaverde, presidente da Associação José Afonso – Galiza, “o músico português é muito respeitado e tido como um deus da música pelo povo galego”. Prossegue: “É muito conhecido, não só pela geração de 80, mas também pelos mais novos. Prova disso é que as propostas que nos chegaram para criar novos núcleos vieram de gente jovem, com 25 ou 30 anos. Isso quer dizer alguma coisa, não?”, comenta Xulio Villaverde. “O Zeca chegou a Santiago com uma guitarra na mão e foi muito bem acolhido”. Villaverde revela ter sido em Santiago de Compostela que José Afonso cantou pela primeira vez, em Maio de 1972, a célebre “Grândola, Vila Morena”, símbolo da revolução de Abril em Portugal. É também lá que existe, desde 86, o Parque José Afonso, criado “numa zona nobre da cidade”, onde ele actuou.

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Com passos

• Carlos Paiva / Foto: Hugo Carvalhal

Para tudo onde se quer chegar,

Será que chegam estes passos?…

Bom era viver até sobrar,

Que não fossem jamais escassos,

Depois de dados, os passos

Que, queremos, nos levem além,

Onde as águas são tranquilas

E límpidas também…

Os passos certos fazem vidas,

Os errados, certamente, as desfazem;

São rumos, direcções perdidas,

Fica-se a meio da viagem,

Sentado, à beira do caminho,

Vendo passar, num torvelinho,

Outros tantos irmãos, outros tantos passos…

Às vezes paro e medito:

Destes, quantos certos, quantos errados,

Quantos eternos, neste chão poeirento,

E quantos então apagados

Na copiosa chuva do esquecimento?…

Não tenho resposta, nem veredicto,

Pois como?, se nem dos meus passos,

Na verdade, estou convicto?…

Poupo-me a mais embaraços

E confesso que por ora – fica dito! –

Pura e simplesmente me satisfaço

Com todo e qualquer passo

Que traga consigo um abraço

E que siga ao coração o compasso;

E assim, chegando onde queria,

Ou não chegando, todavia,

Certo será todo o passo nesta via,

Dado, de um Amigo, em sua companhia…

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Edição 733 (08/02/2018)

URTIGAS – picam, mas fazem bem à saúde

• António Alexandrino

Há ervas e frutos espontâneos comestíveis e, do ponto de vista alimentar, muito ricos. Nem tudo o que se nos afigura ser uma banal erva daninha o é. Com efeito, nas hortas ou mesmo na beira dos caminhos, deparamos com ervas e frutos que nascem espontaneamente e que podem e devem ser consumidos. Podem, porque não fazem mal; devem, porque são portadores de imensos benefícios para a saúde. Embora seja difícil imaginar um prato saboroso com urtigas, cardo-de-ouro, acelgas ou bolotas, o certo é que não falta quem use essas ervas e frutos, diariamente, na sua alimentação. Mais: já não os dispensa!

“A urtiga é a erva silvestre provavelmente mais fácil de identificar e das melhores. Já se encontra em alguns mercados, principalmente biológicos, mas as pessoas têm algumas reticências em usá-las, por serem urticantes. O certo é que basta escaldá-las para deixarem de o ser”, recomenda Alexandra Azevedo, médica veterinária e activista; responsável por um canal no You Tube, intitulado “Natureza comestível”; autora de dois guias práticos, lançado pela Quercus, sobre ervas e frutos comestíveis, que podem ser adquiridos apenas online; a preparar outro guia só sobre algas marinhas.

Boas sopas, esparregados ou sobremesas são algumas das utilizações da urtiga, que é rica, designadamente, em minerais e antioxidantes. No entanto, há outras ervas que podem tornar-se em alimentos. “A tengarrinha, ou cardo-de-ouro, tem uma nervura central que uso, por exemplo, em substituição do feijão verde, na jardineira ou quando faço peixinhos da horta”, esclarece Alexandra Azevedo.

Mas os exemplos continuam: acelgas, catacuzes (ou labaças) e espargos silvestres. Enfim, há um mundo infinito de plantas espontâneas a explorar. “Todas essas ervas são mais ricas em antioxidantes, isto é, óptimas para ingerir, porque não precisam da intervenção do Homem” – explica Alexandra.

No campo das plantas silvestres, as algas destacam-se pelo seu potencial, visto que têm dez vezes mais minerais do que as plantas terrestres. “Já temos uma empresa portuguesa a comercializá-las, mas também nos chegam da Galiza. São excelentes em omeletas, arroz, sopa de peixe e de marisco. Já começam a ser muito utilizadas na alta cozinha, mas são acessíveis ao comum dos cidadãos e têm óptimas propriedades”.

No campo dos frutos, actualmente, a bolota colhe a primazia – já comercializada em diversos locais –, sendo que a da azinheira é mais doce do que a do sobreiro ou do carvalho. Mas há também o medronho, as amoras e os mirtilos silvestres, entre muitos outros.

Cuidado com as espécies venenosas! Todavia, Alexandra Azevedo aponta uma ressalva: “Há que ter atenção às ervas venenosas e conhecê-las”. A cicuta (de folha parecida com a salsa), o embude ou a canafrecha são perigosos, sendo a última facilmente confundível com o funcho, excepto no cheiro. As pessoas devem ser ‘avisadas’, “colherem apenas aquilo de que têm a certeza” e informarem-se sobre os cuidados a ter.

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SONETO FOTOTRÓPICO

• Carlos Paiva / foto Hugo Carvalhal

Se tudo na verdade se interliga,

Se entrelaça, qual filigrana,

Legítimo será se diga

Que, da natureza, a humana,

 

Na vida, amiúde se iguale

Àqueloutra a que o saber

Baptismo apôs de natural.

Tudo é parte do mesmo Ser.

 

Tal meu olhar se recolhe

À mais densa penumbra,

Tendo, de girassol, o seu quê,

 

Em clausura, sem ver o Sol.

Porém, logo abre e se deslumbra

E floresce, só porque te vê.

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Edição 732 (25/01/2018)

Resolução de Ano Novo: noites bem dormidas

• António Alexandrino

“Ano Novo, vida nova” – diz o Povo. E di-lo, com a sabedoria de que é senhor ‘desde o princípio do Mundo’!

Com efeito, ele aí está, já a começar de ficar crescidinho… prestes a fazer um mezinho de idade! Se ainda não caminha, ao menos já “burrica”!  – assim se diz cá pela nossa Beira.

Ano Novo, vida nova”. Pois é! Com ele vieram talvez as resoluções. E se uma delas fosse (ou tivesse sido) dormir melhor? O sono é essencial à vida – uma banal verdade ‘lapalissiana’. Essencial à vida, mas muito descurado. “Em Portugal, temos hábitos de sono muito maus. Deitamo-nos muito tarde – uma tendência dos países do Sul da Europa – e também nos levantamos muito cedo”, alerta Joaquim Moita, Presidente da Associação Portuguesa do Sono, também coordenador do Centro de Medicina do Sono do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. Para contrariar esses maus hábitos, basta cumprir normas simples. A primeira é “respeitar o sono”, isto é, dormir o suficiente por dia (sete a nove horas, num adulto), e com qualidade.

Há a ideia de que o sono é ‘tempo perdido’, quando, muito pelo contrário, “é tempo ganho”, salienta Joaquim Moita. Os portugueses, crianças incluídas, são muito indisciplinados nesta matéria. Dormir pouco e mal resulta em sonolência, irritabilidade e fadiga; afecta o desempenho, com eventuais consequências para a saúde, nomeadamente, o “risco de doença cardíaca” e a “probabilidade de contrair diabetes”, alerta.

Deitar-se e levantar-se por norma à mesma hora e ao fim de semana ficar na cama, não mais que uma hora além do habitual, é uma recomendação do sonologista. Tenha-se na devida conta que, pelo menos uma hora antes de dormir, há que ‘desacelerar’. Exemplos: pondo de lado os ecrãs luminosos, da TV ao “smartphone” – os LED emitem radiação azul e inibem a produção da chamada hormona do sono, que num adulto começa pelas 22 horas. Convirá bani-los do quarto e fazer dele “um altar dedicado ao sono”. Concomitantemente, Joaquim Moita lembra que “o quarto deve ter uma temperatura agradável, nem muito alta, nem muito baixa, e ficar em total escuridão”; colchão com cerca de 30 centímetros de altura, e a almofada a mais confortável para cada qual.

Correr à noite é um disparate

Relaxar antes do sono não quer dizer fazer exercício, muito menos violento, frisa Joaquim Moita: “A pessoa pode adormecer cansada, mas vai ter uma má noite de sono”.

O cérebro, ao entrar em descanso, requer que se mantenha à distância todo o tipo de ecrãs, que o mantêm activado e que se encontrem outras rotinas, que podem passar por «ler um livro ou fazer uma meditação, preparar o ambiente, reduzindo o ruído e a intensidade da luz, ou ouvir uma música mais tranquila», sugere Andreia Cabral, da Oficina de Psicologia da Zona Norte.

A procura de soluções, face a dificuldades surgidas, pode levar as pessoas àquela clínica privada de psicoterapia, a maior do país, que chegou a ter uma linha telefónica no sentido de apoiar a ‘Linha do Sono’. «Como as pessoas não dormem, andam muito agitadas e irritadas, e isso começa a ter implicações no seu dia a dia e nos relacionamentos», alerta a psicóloga clínica, adiantando que “é uma queixa muito comum, associada a questões patológicas”, como a depressão ou a ansiedade, e a “maus hábitos de sono”.

‘Pequenos rituais’, como beber um copo de leite morno antes de deitar, podem contribuir para dormir melhor, na opinião de Andreia Cabral, que acusa as alterações das rotinas e dos horários, maléficas para o organismo, como trabalhar até tarde – “Tudo o que é zona de preocupação deve ser aquilo de que nos devemos afastar à noite”, conclui, propondo a aposta em “sensações e pensamentos positivos”.

 

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e-moldura

• Carlos Paiva

O que o espelho espelha,

Cara nova ou cara velha,

Seja qual a efígie

Que traduz à superfície,

Tem da idade o tanto

Apenas daquele instante.

O olhar torna féretro

Do que é senão efémero.

A vista, por mais enxuta,

É onde se sepulta

O antipodal reflexo,

Côncavo ou convexo.

E mesmo se desfigura,

É tão-somente a moldura

Desse logro momentâneo.

Do espelho, é-se sempre contemporâneo.

 


Edição 731 (11/01/2018)

CÃES-GUIA: Olhar, “através dos meus pequenos olhos”, por quem não vê

• António Alexandrino

‘Ver’ o Mundo pelos olhos de cão-guia é o desafio do livro “Através dos meus pequenos olhos”, da autoria do espanhol Emilio Ortiz, apresentado recentemente (15 de Novembro de 2017) em Lisboa. Por cada exemplar vendido, é entregue um euro à ABAADV – Associação Beira Aguieira de Apoio ao Deficiente Visual, para a ‘educação’/treino de um cão-guia. Bem necessita dessa ajuda a citada escola, sediada em Mortágua, a única de cães-guia para invisuais, em Portugal, como explica o presidente, João Pedro Fonseca. Em redor, toda a paisagem enegreceu, com os fogos, que acarretaram um obstáculo acrescido: «vamos ter dificuldades em angariar receitas nos próximos meses»!

A ABAADV, que tem praticamente 20 anos de actividade e, no final deste ano, terá formado e entregado 200 cães-guia, recebe do Estado cerca de 165 mil euros anuais, pouco mais de 50% do seu orçamento, refere João Pedro Fonseca, relevando que o acordo é que forme 14 cães-guia por ano. Em regra, saem dali 16. A outra metade do orçamento vem, essencialmente, de angariações de fundos, donativos e quotas dos sócios, além de outras iniciativas.

Com efeito, não falta onde aplicar o dinheiro. Se ‘produzir’ um cão-guia custa 18 mil euros, são ainda necessárias, recorrentemente, obras nas instalações, viaturas novas e recursos humanos para a escola crescer, sob pena de dar num “clube de amigos”, em que tem acesso a um cão-guia quem já teve um, e não novos utilizadores, alerta João Pedro Fonseca. No entanto, ter um cão-guia pauta-se por critérios de selecção. Garantir orientação e mobilidade para ser autónomo e um “propósito construtivo de vida” são dois quesitos para poder aceder a um cão-guia (das raças ‘labrador’ – a grande maioria – ou ‘flat coated retriever’). Os candidatos são selecionados por entrevista. Há uma lista de inscrição de três anos para os candidatos a aguardar entrevista, e outra para quem já foi entrevistado e aguarda a entrega de um animal (só paga as duas semanas de formação, quando recebe o cão com que forma dupla).

Autoestima e inserção social. Guilherme Jorge, de 65 anos, cegou aos sete, devido a uma explosão. Vai no terceiro cão-guia (o ‘Zaqui’) animal que tem por missão assegurar a deslocação do invisual em segurança, contornando obstáculos, mas também aumentar-lhe a autoestima e a inserção social, porque suscita conversa, quebra o gelo, garante João Pedro Fonseca. Guilherme Jorge é professor de educação especial em Loures. Usou bengala até aos 50 anos. Diz que «a mudança é radical». Dá “um bocadinho mais de trabalho”, mas é “tanto” o que se ganha: tranquilidade, companhia, amizade.

Guilherme e ‘Zaqui’ vivem a primeira semana juntos, na escola, com acompanhamento técnico. Na semana seguinte, é o educador a ir à morada de Guilherme Jorge para treinarem em “contexto real”. A partir do momento em que lhe é posto o arnês, ‘Zaqui’ entra em modo de ‘trabalho’, desaconselhando-se festas de terceiros (podem prejudicar-lhe o ‘foco’).

Um cão-guia ‘trabalha’ pelo menos oito ou nove anos. Na ‘reforma’, fica com o invisual, se for compatível com o novo cão-guia, regressa à escola ou é adoptado por outra família.

Emilio Ortiz, ele próprio invisual (tem um cão-guia – ‘Spock’), questionado sobre se o seu livro é uma homenagem aos cães-guia, pensa que os leitores fizeram crescer esta ideia – «Não é um livro de humor nem de “romance”, mas uma homenagem ao amor que o ser humano deveria sentir por outras espécies, como forma de se respeitar e de conservar o ambiente». Além disso, entende ser um contributo para uma reflexão sobre diferentes questões: «a desigualdade social, a integração das pessoas com deficiência e todo um conjunto de problemas que o sistema político, económico e social gera».

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Resoluções novianuais

• Carlos Paiva

Ano novo, vida nova.

Mas eu não sou como a cobra

Que da antiga pele se livra,

Não por já não lhe sirva,

Antes lho impõe a biologia.

De Ano Novo, é só um dia,

E p’ra mais é de ressaca,

Não p’ra decidir de estaca

Sobre as iminências do futuro.

Mas à moda não me furto,

Também faço minha a ocasião

P’ra uma que outra resolução.

Serei, contudo, um falso discípulo,

Pois que expor-me-ei ao ridículo

Bem mais do que costume;

Outrossim, atiçarei o lume

Onde brasido haja de algum ódio;

E p’ra compor o pódio

Mais esgotarei a paciência

Onde se busque paz de consciência.

Aliás, podendo mesmo eliminá-la,

Quedará perfeita a mandala

De a quanto me determino.

O resto, deixo para o destino.

Eis por ora vai bem o introito

Deste ainda embrionário 2018…

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Edição 730 (21/12/2017)

Prémio Pessoa 2017 para o Arquitecto Manuel Aires Mateus

• António Alexandrino

Pela terceira vez, o júri distingue um nome da arquitectura portuguesa.

«O mais importante foi ter sido distinguida a arquitectura portuguesa» – palavras do contemplado, no âmbito da atribuição do Prémio Pessoa 2017.

O arquitecto Manuel Aires Mateus, aos 53 anos, é o vencedor da edição deste ano. O júri salientou a obra de arquitectura “moderna,  abstracta e contemporânea” que vem marcando a sua vasta obra.

O premiado, numa primeira reacção à notícia, entretanto divulgada, sustentou que a distinção vai também “para as várias gerações dedicadas à arquitectura em Portugal”, citando para o efeito os  exemplos de Siza Vieira, Souto de Moura, Carrilho da Graça ou Gonçalo Byrne.

O júri do Prémio, por sua vez, recordou a “obra pública vasta” do galardoado, como o Centro de Criação Contemporânea de Tours, em França, e a sede da EDP, em Lisboa. Salientou, ainda, como marca distintiva dos seus projectos, o recurso a “formas e materiais vernaculares portugueses, que integra de um modo exemplar, com carácter  inovador, numa continuidade entre o passado e a actualidade”.

Professor universitário em Portugal e no estrangeiro, Manuel Aires Mateus sublinhou quanto a distinção o sensibiliza, sublinhando, entretanto, “que o mais importante foi ter sido distinguida a arquitectura portuguesa”. Outrossim, recorde-se que esta é a terceira vez que o galardão é atribuído à arquitectura portuguesa, depois de já ter sido entregue a Souto de Moura e Carrilho da Graça.

“Não o posso tomar como um prémio só para mim. É para o meu irmão (Francisco Aires Mateus), e para todo o escritório e toda a gente que trabalha connosco. Isso deixa-me muito contente” – observou, numa reacção ao anúncio do júri, a seu tempo havido em Seteais, Sintra. “Este galardão premeia muitas gerações de arquitectos portugueses, desde os jovens, que têm hoje um percurso internacional muito bom, e os fundamentais para a nossa formação, a nossa evolução como arquitectos”, relevou.

A respeito dos diversos concursos que o seu atelier tem ganho nos últimos anos, apontou o de Lausanne como a “competição mais dura”, projecto para um edifício do museu da fotografia e de artes contemporâneas no valor de 85 milhões de euros. O premiado revelou que esta obra deverá começar em 1 de Abril de 2018. Indicou, ainda, que tem projectos a decorrer em Espanha, Bélgica, Suiça, Itália, Grécia e França.

Solicitado sobre a situação do exercício da profissão em Portugal, afectada decerto por vários anos de crise económica, Manuel Aires Mateus disse que “felizmente, muitos arquitectos têm já trabalho, mas não é que a situação se tenha recomposto completamente”.

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Prémio Pessoa

Certame da iniciativa conjunta do jornal Expresso (1987) e da Caixa Geral de Depósitos (patrocínio).

É concedido anualmente à pessoa, ou pessoas, de nacionalidade portuguesa, na sequência de actividade anterior, com protagonismo de uma intervenção particularmente relevante e inovadora na vida artística, literária ou científica do País.

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É um posto

• Carlos Paiva

Há que dizê-lo, e com gosto,

Que ‘a velhice é um posto.’

Agrada-me este conceito,

No que inculca de respeito

Por quantos nos antepassaram.

Mas entre o que declaram

E o que vem a ser concreto,

Há, por vezes, fosso incerto,

E, assim, o que se afirma

Só incompletamente rima

Com o real que nos rodeia.

Valha-nos verdade meia!

É, às vezes, mais do que baste

P´ra mitigar tal contraste.

Ao ‘ser-se velho’ não se furta,

A vida amadurece, cai devoluta,

Apodrece, mesmo, e logo estruma

A Terra com que se volve una.

Assim o ditam os fados,

E, quanto à velhice… conversados!

Já que ‘um posto ela seja’,

Isso é o mais fácil que se veja:

Ser-se velho é um posto, claro,

É o ser-se posto de lado,

O ser-se posto no esquecimento,

O ser-se posto no dentro

De uma invisível redoma,

Ser-se posto donde se não retorna,

O ser-se, na verdade, posto

Onde o ser-se humano foi… deposto.

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Edição 729 (07/12/2017)

“Há belezas que a terra não pode deixar secar, porque então será deserta!”

e

“Quando o Homem sonha,

O mundo pula e avança.

Como bola colorida,

Entre as mãos de uma criança”

(António Gedeão)

E foi sonhando na preservação de valores ancestrais dos seus antepassados que germinou e nasceu, em 1992, o Grupo de Cavaquinhos e Cantares à Beira, numa das freguesias mais ribeirinhas do município de Vouzela, de seu nome Queirã, em equidistância regular, entre 12 a 15 km de Vouzela, São Pedro do Sul, Tondela e Viseu, respectivamente. Por tudo isto, e muito mais, um grupo de amigos da freguesia de Queirã decidiu aprender a tocar cavaquinho e, através dele, recuperar as tradições musicais e étnicas, riquíssimas, da sua localidade/região, surgindo assim o Grupo de Cavaquinhos e Cantares à Beira.

Grupo de Cavaquinhos, porque o cavaquinho é o instrumento básico do Grupo; e Cantares à Beira, porque o Grupo não se limita a executar músicas da sua região, pegando noutras para as cantar à sua maneira, da Beira.

O Grupo é constituído por gente jovem e menos jovem, das mais variadas idades e profissões, num total de 19 elementos atuantes, sendo os cavaquinhos a sua base instrumental, acompanhados de bandolins, viola, viola beiroa, baixo, acordeão, pandeireta, ferrinhos e bombo.

As lides agrícolas das laboriosas gentes de Queirã, em solos de imensa fertilidade, proporcionou ao longo dos tempos o constante amanho da terra, onde o dia-a-dia, se transformava em serenas canseiras, sons agrestes dos moitedos, com o sussurrar das enormes torrentes, a caminho dos ribeiros, melodias suaves, com o chilrear do melro e da cotovia… E, foram essas belezas que, de geração em geração, foram chegando até nós, através da música, do canto, dos costumes, das tradições…

Não quis o Grupo de Cavaquinhos e Cantares à Beira (nem quer!…) deixar secar esses encantos, para que não se sinta a terra a ficar deserta… O seu trabalho tem-se desenvolvido, essencialmente, nas Regiões do Dão e Lafões, nas recolhas dos mais diversos temas, tendo ainda outros de índole nacional, bem como alguns inéditos seus, baseados em “fontes” populares.

Diversos palcos e auditórios já foram seu cenário, quer no país, quer no estrangeiro (Luxemburgo, Cabo Verde e Brasil).

Sem querer desvirtuar a pureza das raízes da música tradicional da Região de Lafões, através das suas recolhas, tem já cerca de seis dezenas de temas trabalhados, com arranjos musicais próprios do Grupo, continuando, como tem vindo a ser seu apanágio, a reconstituir o que pode, irremediavelmente, perder-se: a nossa identidade, a nossa cultura popular…

Já foram editados seis trabalhos discográficos: o primeiro, apenas em cassete, em Maio de 1996; o segundo, em CD e cassete com o original nome de “Grupo de Cavaquinhos e Cantares à Beira”, em Abril de 1998; em Novembro de 2000 gravou o seu terceiro trabalho discográfico, em CD e cassete, de seu nome Com(Tradições).

Com(Tradições) finaliza mais uma etapa do Grupo de Cavaquinhos e Cantares à Beira, amadurecido pelos oito anos de actividades, apaixonado pelas suas raízes e sempre em busca de algo que o caracterize a si e à região, onde se insere. Com(Tradições) é uma representação musical de costumes, ocupações, pequenos gestos e ritos que viviam escondidos nas memórias e tradições.

Ao comemorar o seu X aniversário, em 2002, levou a cabo um vasto e rico Programa Cultural, com diversas actividades mensais, incluindo imensas recolhas etnográficas e um Colóquio – Debate, sobre a Música Tradicional da Região de Lafões, que originou a gravação do seu 4º Trabalho Discográfico: “Rimas, Altos e Falsetes…”, apresentado em 02 de Novembro de 2002.

Em preparação para novo “desafio fonográfico”, desde 2003, estiveram as vozes do Grupo, no que concerne a temas relacionados com as canções cromáticas / litúrgicas / religiosas / modos exóticos… Com a colaboração dos Grupos de Cantadores das Almas Santas de Alcofra e de Carvalhal de Vermilhas, respectivamente, foi apresentado hoje dia 09 de Abril de 2006, em Livro e Cd, o seu 5º trabalho, com temas muito específicos, intitulado “Os Cantos às Almas do Purgatório”.

Em 2009 Cavaquinhos e Cantares à Beira lança o seu 6º trabalho discográfico “Menina…Tir’o Chinelo” inspirado nas músicas e danças de roda.

Nasce no seio do Grupo de Cavaquinhos em 2010 o Grupo de Veteranos da Freguesia de Queirã e suas Harmónicas, contando neste momento com 9 elementos, que têm vindo a proporcionar diversos espetáculos pelo País fora. No mesmo ano, querendo dinamizar a sua diversidade artística, o Grupo de Cavaquinhos abre um atelier de artes criativas e decorativas, com 10 alunos.

Em Fevereiro de 2014 cumpriu-se o sonho de abrir a Escola de Música de Queirã, contando com 20 alunos. Em abril, editou-se o DVD que complementa o Livro “O Canto às Almas do Purgatório”. Em outubro, o Grupo de Veteranos da Freguesia de Queirã e suas Harmónicas editou o seu primeiro CD intitulado “Baile na Eira”.

Durante o ano de 2017, o Grupo esteve a preparar a edição da Monografia da Freguesia de Queirã, prevendo o seu lançamento para meados de 2018, bem como um DVD com a recriação de algumas tradições da freguesia de Queirã. Este trabalho pretende ser um marco representativo dos 25 anos de trabalho do grupo.


Boca da Loba

• Carlos Paiva

Poderá soar-te estranho,

Coisa de não existir,

Mas quando ouças no rebanho

Ovelha sempre a balir,

Balindo dia e noite

(Como à míngua de forragem

Ou de curral que a acoite),

Não como outras fazem,

Mas antes dizendo ao vento

(Como esperando d’ outro gado

Absoluto convencimento)

O refrão já espatifado:

 

“Eu sou uma oveeeeeeeelha,

Tenham disso a certeza,

E tenho do ser ovelha

O que lhe é da natureza!…”

 

Pois bem, desconfiai!

Que ovelha que muito bale

E que por aí sai

Pregando que muito vale,

É porque apenas veste

Do ovino a sua pele,

Tanto será mais agreste

A natureza que revele:

Essa de ser lobo, ou loba,

Ou o que lhe possa equiparar-se,

O que tão fácil se comprova

No requinte do disfarce…

 


Edição 728 (23/11/2017)

Bolotas – Alimentação e potencial económico

• António Alexandrino

Pois é! A vida nos ensina que a distância entre Deus e o Diabo, por vezes se torna muito curta e, mais do que se julga, mutável; isto é, uma distância de “um saltinho de cobra”, no dizer do povo.

Com efeito (e a moda também ‘vale o que vale’), agora as bolotas “saltam para a ribalta” e de mal-amadas trepam a “muito desejadas”! Quem diria?! Após anos de desprezo, estão a caminho de ‘reabilitação’, pelo seu valor nutricional e versatilidade como fruto, que pode ser usado na culinária e tem potencial para entrar na área da «cosmética e medicina» (Sara Silva, investigadora).

Um estudo da Universidade Católica de Porto demonstrou e relevou o grande valor nutricional da bolota, designadamente, para pacientes celíacos (área intestinal), visto que é rico em fibra e proteína, mas isento de glúten. Tem propriedades antioxidantes e concita o crescimento de bactérias propícias para a flora intestinal.

Não se trata propriamente de ascensão, mas antes “a reascensão da bolota na mesa dos portugueses” (Zulay Costa). Efectivamente, este alimento foi maltratado, a ponto de ser rotulado apenas como nutriente para animais (‘alimento para porcos’). Fazia parte da alimentação humana, na época pré-romana. Todavia, é de tal forma nutritivo, que empresários, investigadores e cozinheiros lançam um renovado olhar para o seu potencial.

«Bolota – Alimento com passado, presente e futuro» foi o mote da I Conferência Ibérica, sobre a bolota, que decorreu recentemente em Matosinhos, na Escola Secundária Augusto Gomes, com discussão sobre o uso tradicional e o potencial do fruto. Foram, ainda, degustados vários pratos. Para José Araújo, da Associação Vipa 1051 e mentor da citada Conferência, é preciso “combater o estigma” e realçar o seu “enorme potencial económico”. O ramo alimentar foi dos mais dinâmicos. Com a participação de cerca de 200 pessoas, foram apresentados produtos em que a bolota constitui o ingrediente principal. Assim, desde pão, biscoitos, paté, hambúrgueres e ‘café’ de bolota, eis alguns dos produtos que a Herdade do Freixo do Meio (no Alentejo) produz e comercializa, aos pratos gastronómicos mais elaborados do Chef Pedro Mendes, para quem a bolota “é um produto tão versátil, que se presta a pratos doces e salgados”.

No seu livro “O renascer da bolota”, Pedro Mendes apresenta receitas e dados históricos. No âmbito da sua pesquisa, procurando entender melhor os usos antigos, chamaram-lhe ‘maluco’, por ser um alimento para animais. Na verdade, a sua convicção é de que “é um superalimento muito nutritivo”.

Sara Silva, acima referida, realça que o fruto tem “um equilíbrio entre proteína, hidratos de carbono sem glúten e gordura idêntica ao azeite. É antioxidante, pré-biótico e anti-inflamatório”.

Alfredo Sendim, da citada Herdade, deu por si um dia a olhar para a enorme quantidade de bolotas caídas dos carvalhos, sobreiros e azinheiras no Alentejo e procurou formas de aproveitar o produto. Agora, passadas duas décadas, a empresa vende farinha, pão, biscoitos, hambúrgueres e outros produtos transformados, à base de bolota, entre os quais, até ‘café’ de bolota que, na realidade, é uma infusão sem cafeína.

Sendo ‘tão bom’, porquê o estigma? Francisco Queiroga, historiador, da Universidade Fernando Pessoa, explica que a bolota “fazia parte da dieta da Península Ibérica, antes da chegada dos romanos, que introduziram novas culturas, como os cereais, e mudaram hábitos alimentares”. O produto voltou a ser recuperado para alimentação humana em “períodos de fome”. Agora ganha “novo protagonismo”.


Eu sou Pedra

• Carlos Paiva

Era novo e invejava

O que no outro havia

De sensível à Palavra,

Igual à mais erudita melodia,

Igual ao que numa película,

Preto e branco ou a cor,

Feria no olhar gotícula

De puro êxtase, talvez dor…

Como ante um abismo,

Queria sentir a vertigem,

Mas nem um, sequer, paroxismo,

Pó, apenas, e a fuligem

De uma lenha vulgar,

Colhida à hora do crepúsculo

Tão-somente p’ra cozinhar.

Nem um espanto, nem um susto

Na alma empedernida,

Esse papel amarrotado

Onde não podia a vida

Ser escrita sem enfado,

Com subtileza no nervo…

O que a embruteceu?

Falta de tempo, medo

De olhar para o céu?,

Escassez de arrojo?,

Saber apenas a rima

Entre a silva e o tojo,

Co’ a musgosa penedia?…

Não sei o que foi

Que me fez impermeável

Ao belo tanto que dói,

Me embaciou, fez opaco

A ponto de luz nenhuma,

Tal que hoje, da agreste verdura,

Rosa bravia e da caruma,

Água nascida em rocha dura,

A tudo isto, por mais que viva,

E somente a isso, serei sensível.

 


Edição 727 (7/11/2017)

Prémio Leya 2017 para João Pinto Coelho com o romance “Os loucos da Rua Mazur

• António Alexandrino

O Prémio Leya é o maior para uma obra inédita, escrita em língua portuguesa. Com um valor monetário de cem mil euros, inclui a edição da obra pelo Grupo Editorial Leya.

O Prémio 2017 foi atribuído ao escritor João Pinto Coelho, com o romance “Os loucos da Rua Mazur”. A divulgação do vencedor foi anunciada pelo presidente do júri, Manuel Alegre. “Os loucos da Rua Mazur” é um romance «bem estruturado, bem escrito, que capta a atenção, quer pelo tema quer pela construção em tempos paralelos», afirmou. «Não cede ao facilitismo do romance histórico, embora a História seja parte da acção e nos apresente uma visão inédita da tragédia resultante das invasões russa e nazi da Polónia», acrescentou. Sobretudo, o júri apreciou «as qualidades de efabulação e verosimilhança em episódios de violência brutal com motivações ideológico-políticas e étnico-religiosas, emergindo do fundo de uma convivência comunitária multissecular».

João Pinto Coelho tem já publicado o romance “Perguntem a Sarah Gross”, de 2015, que foi finalista do Prémio Leya em 2014.

O autor manifestou-se surpreendido pela atribuição do prémio, sobretudo porque «ainda não está recuperado» da boa aceitação que o seu primeiro romance teve, afirmando que «a sensação é muito boa».

Entendeu o júri do prémio recomendar ainda a edição de “O testamento de José de Nazaré ”, de Ivan José de Azevedo Fontes, um livro que traz à cena uma “personagem obscura na tradição cristã, pela sua própria voz”.

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A Leya é um grupo editorial multinacional português, presidido por Miguel Pais do Amaral.

Foi apresentado, oficialmente, em Janeiro de 2008, como empresa holding, com o objectivo de se afirmar como maior grupo editorial de toda a área de língua portuguesa. Em Portugal, o Grupo é líder na área dos livros de edições gerais e o número dois na área dos livros escolares.

No mesmo ano da sua inauguração (2008), foi instituído o Prémio Leya, que visa premiar, anualmente, um romance inédito, escrito em português, com um montante de cem mil euros, constituindo-se, assim, como o maior prémio literário de língua portuguesa.

O Grupo foi constituído, originalmente, por oito editoras, sendo seis delas portuguesas – Edições ASA, Editorial Caminho, Edições Gailivro, Edições Nova Gaia e a Texto Editora; uma angolana – Nzila; uma moçambicana – Ndjira.

O Grupo Leya expandiu as suas actividades ao mercado brasileiro, em Setembro de 2009, com o lançamento de uma editora própria.


Pétala perene

• Carlos Paiva

É um a seguir a outro solavanco

Cada pétala que à flor arranco,

E a essoutro objecto que é trémulo, brando,

Contraponho o gesto vil, insano,

Como de quem a mulher toca, despe,

Sem prelúdio de que sequer a deseje;

Da mulher a que morde, rasga a roupa,

Porque ama, infindamente, porém a outra!…

 

Assim é esta flor em minha mão,

Cada pétala parcela numa tal subtracção,

Que é tentativa, em radical desespero,

Para reduzir, cá dentro, a absoluto zero

Qualquer memória, sinal, ou vestígio –

Um corpo estátua, um rosto efígie -,

De quem, em chão outrora morto,

Fez nascer, proliferando, pujante horto

De flores cada uma justa homenagem

Àquela por quem pétalas estas aqui jazem,

Pétalas assim arrancadas, em gesto lúgubre,

Cumulando o chão de um tapete fúnebre,

Álea por onde me ergo e caminho

Ao invés do desejado – pois claro: sozinho! –

‘Té que a flor, em tal festim de insensatez,

Logre, daquela outra (fora apenas possível), fazer vez…

 

Mas não! Em minhas mãos, a flor soçobra

E vem a ser esta sua inesperada obra –

A que mais corta, mais fere, mais punge:

Que com aquela isto, tão-somente, comungue:

Que mesmo sendo ausência, desejo, ciúme,

Deixe, por fim, em mim, perene seu íntimo perfume…

 


Edição 726 (23/10/2017)

Agustina – “A eterna insubmissa” nos seus 95 anos 

• António Alexandrino

Os 95 anos (a 15 de Outubro) da escritora Agustina Bessa-Luís ficam assinalados com iniciativas diversas, a saber:

Exposição em Ponte de Lima. “As múltiplas faces de Agustina Bessa-Luís”, assim é titulada a mostra bibliográfica de tributo à autora de “A Sibila”, patente ao público, até Dezembro, na Biblioteca Municipal.

Por outro lado, a ‘Relógio d’Água’ vai lançar o romance inédito intitulado “Deuses de Barro” (com prefácio da sua filha Mónica Baldaque), escrito aos 19 anos, não publicado então, face à opinião emitida por um crítico, a quem enviara uma cópia, e de quem merecera a seguinte consideração: «demasiado iconoclasta para ser publicado».

Vai lá mais de uma década que Agustina desapareceu da esfera pública, sem que esse facto, contudo, a tenha feito cair no esquecimento. Não é por acaso que é considerada uma das maiores escritoras do século XX. Quando completa 95 anos, a reedição da sua obra é, só por si, “uma grande celebração” (Ana Vitória).

“Agustina é a eterna insubmissa”, diz dela o escritor Bruno Vieira do Amaral, um dos prefaciadores dos seus livros, a serem agora reeditados pela editora ‘Relógio d’Água. “É uma escritora demasiado inteligente que sempre se recusou a ceder a modas ou a correntes literárias”, justifica. Para a escritora, “a literatura, mais do que uma actividade, é quase um destino. Há pessoas que se cumprem completamente naquilo que fazem. É o caso dela”, adverte o escritor.

Uma entrega tão absorvente que, mesmo agora, que já não escreve, a filha Mónica, uma das responsáveis pelo seu espólio, confessa nunca ter sentido como agora a força da presença dela na casa – “ É tão poderosa no seu silêncio, que domina tudo”. “A indómita autora de ‘A Sibila’ tem essa capacidade de se afirmar para lá da sua obra” (Ana Vitória).

“Sempre conjugou audácia com atrevimento. Considero-a a maior escritora do século XX, sendo que, na época, as mulheres tinham muito pouco acesso à escrita”, como diz o seu actual editor Francisco Vale. “Independentemente do género, coloco-a entre os cinco ou seis dos maiores escritores portugueses de sempre”, salienta.

Agustina Bessa-Luís escreveu nos mais diversos periódicos, desde grandes jornais (alguns dos quais dirigiu) até revistas conhecidas, por vezes em séries, como “Cartas do Campo Alegre”, “Retratos” e “As sete chaves”. “Agustina tem um legado de mais de cinco dezenas de títulos, marcados pela singularidade do estilo e pela revolução da forma” (Ana Vitória).

“O interesse da obra dela é mesmo esse, o de não ser enquadrável, nem em termos de cronologia literária tradicional, nem em termos de vida literária no nosso país. Foi sempre alguém que viveu geográfica e mentalmente à parte dos circuitos literários da época, muito centrados em Lisboa. Ela foi de facto sempre uma peça fora do baralho” – sustenta Ana Paula Coutinho, docente da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, responsável pelo Instituto de Literatura Comparada e membro da direcção do Círculo Literário Agustina Bessa-Luís.

Para esta catedrática, dizer que a obra da autora está muito ligada a uma região – o Douro – é muito redutor. “Essa foi uma das maneiras como, algumas vezes, a tentaram ostracizar. Mas ela integra-se bem na linha da tradição do grande romance europeu do século XIX e do século XX”.


Bala perdida

• Carlos Paiva

Ah a arte de me enganar

A mim mesmo sentenciando!…

Talvez não haja meio de que pare,

Pudera eu saber como, ou quando,

E tudo em mim convergia

Para um nó de absoluto,

Intersecção de mil e tanta via,

Onde o coincidente, sendo-o, se faz tudo.

 

Quanto se toca e entrelaça,

Aí é certo que Deus descansa,

Numa rede que balanceia

Entre árvores de sabedoria;

E, de quando em vez, sesteia,

Noutras, apenas, levemente cochila,

Que ainda não há melhor maneira

(E tenho pensado nisto, e muito!)

De resolver mas o que seja

Do que dormindo sobre o assunto.

 

E eu, quem dormir não conseguiu,

O que faço? Pois bem, descaradamente, sentencio!


Edição 725 (12/10/2017)

• António Alexandrino

Passa um quarto de século de emissão televisiva da SIC e abertura do audiovisual aos privados. Longe de ter sido um marco simples e sem consequências. Na verdade, daí resultou uma verdadeira revolução num “país até aí a preto e branco” (Nuno Azinheira).

E, num instante, passaram 25 anos! Quase nem se deu por isso! Neste intervalo, há mais de duas gerações de portugueses que não sabem o que era terem apenas dois canais de televisão!

A 6 de Outubro de 1992, surgia a SIC e, a 20 de Fevereiro de 1993, a TVI. Era o início de uma mudança social, de uma transformação do campo mediático, de uma alteração da essência e substância de uma certa ideia de televisão, no dizer de Felisbela Lopes, professora universitária e investigadora na área dos media da Universidade do Minho. Para a referida académica, a data de 6 de Outubro de 1992, com a chegada da SIC, significa “a informação como contrapoder”. Neste contexto, e na esteira de Felisbela Lopes, recuamos até um tempo de “partidas rápidas” (com a SIC a assumir velozmente a liderança), de “falsas partidas” (com a TVI a iniciar um projecto ligado à Igreja que se tornou rapidamente insustentável) e de “corridas de fundo” (com o operador público numa busca incessante da sua identidade). Um tempo notável, sem dúvida, que leva Umberto Eco a ver aqui a transição daquilo a que chama a paleotelevisão (a TV do tempo do monopólio) para a neotelevisão (a TV da era da concorrência).

Mais do que “uma janela, os novos dispositivos televisivos privados pretenderam ser um espelho para as audiências, encarando o quotidiano como principal referente da programação. E isso desenvolveu-se sempre em duas dimensões: a temporal, na medida em que as emissões se submetem ao ritmo dos estilos de vida dos portugueses, ainda que também os estruturem; e a espacial, pois aquilo que se vê no pequeno ecrã encontrou sempre a sua âncora nos lugares que habitamos. Olhamos para a TV e ali está ela a dizer-nos: «olha para mim, eu estou aqui, eu sou eu e eu sou tu». E nós, maravilhados, não a largamos. E foi graças a isso que a televisão foi conquistando o seu poder. Colossal nestes anos.”

Com o aparecimento da SIC, parecia impossível concorrer com a RTP, que já levava algumas décadas de existência e granjeava popularidade junto do público No entanto, bastaram três anos para o primeiro canal privado português ultrapassar o canal generalista público. Em 1995, o sucesso da estação de Carnaxide parecia imparável. “Chuva de Estrelas”, “Perdoa-me”, “All you need is love”, “Na cama com…”, ou “Ousadias” são alguns dos novos programas que romperam com o que, até aí, a RTP transmitia. Quer nos conteúdos, quer na forma – até as cores dos cenários foram uma forma de a televisão reflectir um país com outras cores… “uma lufada de ar fresco para o público, já um tanto anestesiado pela linguagem convencional de uma RTP acomodada… Em cinco anos, a TVI, canal que mantivera, durante anos, uma aparente letargia, esboçou a corrida pela liderança. A partir de 2001, conseguiu garanti-la no horário nobre, e progressivamente foi conquistando protagonismo noutros espaços horários. Todavia, a RTP, num contexto de opção inteligente, afastou-se de uma concorrência aberta com as TV privadas, ignorando tácticas que se guerreiam no mesmo terreno.

Muito mudou, relativamente ao país que éramos nos inícios dos anos 90. E nessa mudança a televisão teve, decerto, um papel importante. Mais, em determinados campos sociais. Na política, a sua influência foi decisiva. Nos primeiros anos, a SIC foi sempre um contrapoder que desgastou enormemente uma determinada ideia de oásis que o cavaquismo queria fazer vingar. Os congressos partidários reconfiguraram-se; as campanhas e as noites eleitorais submeteram-se às exigências audiovisuais; os políticos viram-se obrigados a seguir novos ritmos e a apresentar outro discurso. O mundo do futebol também se transformou. Os programas que falam sobre o mundo da bola, popularizados pelo célebre “Os donos da bola”, que Emídio Rangel quis fazer inicialmente com os presidentes dos principais clubes, criam uma agenda estruturante daquilo de que se ocupam os clubes e fazem jorrar para a opinião pública intermináveis e inesgotáveis polémicas. O campo da justiça não ficou imune. Muita gente lembra, hoje, a intensa mediatização do julgamento do padre Frederico, na Ilha da Madeira. Outros processos, amplamente mediatizados e nem sempre da melhor maneira, deram espaço que chegue…

A televisão revolucionou o país. Inequivocamente. Mas nem tudo o que fez merece aplauso. Deixou esquecidos muitos campos sociais e promoveu entretenimentos grotescos! Os jovens com menos de 20 anos conhecem, sobretudo, uma oferta televisiva que se divide entre o “Big brother” e os seus formatos derivados e a ficção nacional. Demasiado redutor!

Ao comemorar um quarto de século das privadas, impõe-se uma reflexão séria daquilo que a TV foi, mas, mais que tudo, também do que quer ser. Urge fazer este debate.

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Cínico canino

• Carlos Paiva

Oh maldito mundo

Deveras infecundo

Dos que se têm por raça

Acima da populaça

E bem assim maldito

O outro bocado aflito,

Gente reles e tosca,

C’ o bater de asas de uma mosca

Logo se amedronta

E tão em baixa conta

Diante todos se tem,

Que não merece de sua mãe

O sangue esparzido nas coxas.

Oh talheres de louças

Ratadas nos rebordos,

Espécie de bacalhau com todos,

Seco, como convém,

No estendal do meu desdém,

E demolhado após

P’ra se comer a sós,

À luz de candeia gasta.

Oh maldito quem se engasga

C’ o a própria espinha

Por não saber que a tinha

E nela se ergueu um dia!

Ah como tudo me causa azia,

Eis-me refeição fria

De mesa onde não queria

De mim sentar-me ao lado…

Ponho-me à borda do prato,

Minto depois ao garçon

Dizendo que “estava bom,

Só não trago apetite

P’ra comer tamanho biltre”,

Coisa que se disfarça

Levando para casa,

Num hermético tupperware,

O que não apetece nem se quer,

Ou p’ra que falta paciência…

Oh maldito, desta existência,

Tão variegado menu,

P’ra quem preza comer-se cru.

Livrai-me do tormento

De refogar-me em lume lento,

Eu tão só a pátina

Fóssil de um velho tacho

A ser raspado pró lixo.

Sou hoje apenas isto:

De todo o possível, somente ‘não’,

Comida própria p’ra cão

Que, por dormir ao abandono,

Nunca morderá, ao menos, a mão ao dono…

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Edição 724 (28/09/2017)

As nossas ALDEIAS: As 7 maravilhas… ou… «Já não vive ninguém  em 281 aldeias de Portugal continental» (parte 2)

• António Alexandrino

Aflorada a problemática das “centenas de ALDEIAS à beira da morte”, na edição anterior, e nas circunstâncias de análise possíveis, deixámos ‘no ar’ a questão: “Que fazer?”

Das três possibilidades aí explanadas, retomamos a terceira, com algumas dicas inspiradas na comunicação social, ‘com a devida vénia’: “escolher onde vale a pena investir e criar condições de sustentabilidade”. Para o efeito, e a título de exemplo, apresentam-se alguns casos, tidos como susceptíveis de passar das intenções à concretização.

Dir-se-á que a presente abordagem é apenas um pouco de nada. Sem dúvida. Estudos e projectos têm vindo a surgir, no âmbito das preocupações que aqui lembramos. Nesta conformidade, se enquadra o projecto-piloto “Aldeias com futuro”, propondo estratégia de sobrevivência e revitalização de zonas altas, desenvolvido para a cooperativa Dolmen, liderado pelo geógrafo José Alberto Rio Fernandes.

Canadelo. Habitantes: 121. Altitude: 300 metros. Com “elevado potencial turístico”, florestal e agrícola, dista 16,5 Km da sede do concelho, Amarante, mantendo muitas “características do rural autêntico” e uma forte relação com a serra do Marão. Necessita de requalificação de caminhos, arruamentos e edifícios. Sem transportes colectivos.”

Cruzeiro. Habitantes: 78. Altitude: 700 metros. Na serra da Aboboreira, tem forte ligação a Baião, a 9 Km, e é servida de transportes colectivos. Tem perfil urbano, mas “estilo de vida tipicamente” rural e potencial agrícola… Com intervenções recentes, necessita de requalificação de lavadouros e sinalização informativa e de orientação.

Loivos do Monte. Habitantes: 74. Altitude: 700 metros. A 9,2 Km da vila de Baião, partilha o perfil urbano e o “estilo tipicamente rural” de Cruzeiro. Com matriz de floresta autóctone, destaca-se, na serra da Aboboreira, pelo edificado de valor e potencial turístico. Necessita de requalificação de lavadouros e de sinalização  informativa e de orientação.

Travanca do Monte. Habitantes: 89. Altitude: 800 metros. Aldeia a crescer (!), com boa ligação à sede, Amarante (a 15,2 Km). Situada na serra da Aboboreira, possui valores ambientais e potencial turístico. Necessário: zona de aparcamento, reorganização de largo central, recuperação de zona de espigueiros, placas de localização e identificação e requalificação de edifícios.

Panchorra. Habitantes: 86. Altitude: 1100 metros. De perfil “essencialmente turístico”, na serra de Montemuro, a 18,3 Km de Resende, apresenta diversidade de flora e fauna e potencial agropecuário. Precisa de aparcamento e recepção, requalificação de edificado e de valorização de estruturas com cobertura de colmo.

Lembre-se, à guisa de epílogo, o que anteriormente expressámos:

“E não perder a esperança na revitalização… ter pessoas nas aldeias é muito importante para o país…”

“Podem as aldeias ser turísticas ou assentar no turismo, mas não devem ser pensadas na lógica dos urbanos e da aldeia para a fotografia…, mas na lógica dos que lá vivem e lá voltarão a viver, tirando proveito da terra”.

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angulosa_mente

• Carlos Paiva

 

Cada terra tem seu uso,

Cada roca tem seu fuso –

É, por isso, natural entre tantos

Haver igual montante de ângulos

Através dos quais, distintamente,

Se vê o mundo à nossa frente.

Desde logo o ângulo recto

Prima por seu ar circunspecto:

Nele, entre as demais facetas,

Como semelhar duas varetas

Em perpendicular posição

(Ou braço que se cruza, pois então),

Sobressai o intersectar-se

Abcissa com coordenada,

O que significa o encontro

De outro com díspar ponto.

Digamos que nele converge

O ortodoxo e o herege,

Buscando cada um equilíbrio

Que os furte ao martírio

De obstinação que afunila…

Já outro diferente se perfila,

Compondo notório caso:

Trata-se do ângulo raso,

O qual, de aspecto não adunco,

Faz com que nele vislumbre

O símbolo, deveras consensual,

De tudo se ver por igual,

Como se fora possível

Estar tudo ao mesmo nível!…

Tal ângulo, que tudo aplana,

Arauto é do que se engana

Co’ a ilusão de o não fazer jamais…

De ângulos, porém, há mais,

Como o agudo, por exemplo,

Ilustração do entendimento

Que se concretiza e afirma

Quão mais a gente se aproxima;

Não descurando outro, assaz luso,

Que é, entre tantos, o obtuso,

O qual não estará longe, calculo,

Por mesma razão, do ângulo nulo….

Seja como for, qualquer dos ditos,

Nos vértices estabelecidos,

Desperta em mim querer vê-los

Como são no mundo os cotovelos,

Os quais mais doerão, ou menos,

Consoante aquele perspectivemos

Desde um que outro ângulo,

Qual deles o mais humanamente humano…

Quanto a mim, não sei qual seja,

Já fui um, outro, e o que sobeja,

Tanto já só quero que tão mais viva

E em mim se amplie a perspectiva

E um dia veja, qual Deus perfeito,

O mundo em ângulo completo,

Assim convirjam em mim cosmos, caos,

Só p’ra ser, enfim, inteiro a 360º!

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Edição 723 (14/09/2017)

As nossas ALDEIAS: As 7 maravilhas… ou… «Já não vive ninguém  em 281 aldeias de Portugal continental» (parte 1)

Por Lazarim, relativamente perto de Lamego, a aldeia semi-abandonada da Anta

Em plena Serra de Montemuro, a aldeia de Levadas, pertencente à freguesia de Cabril

 

• António Alexandrino

Fechadas as ‘contas’, que terão suscitado um, quando muito, mediano entusiasmo na ‘proclamação’ das 7 maravilhas, encontradas por votação aleatoriamente surrealista em prol da(s) ALDEIA(s) preferida(s), eis-nos agora perante outras contas do mesmo ‘rosário’.

Com efeito, a realidade coloca-nos face a uma crueza de difícil ou mesmo impossível equação: em 281 aldeias de Portugal continental já não vive ninguém! O despovoamento, com a consequente desertificação, é mais grave nas zonas de montanha. Mais de 677 lugares, situados a 700 ou mais metros de altitude, já têm 50 ou menos habitantes e correm mesmo o risco de desaparecer – centenas de aldeias à beira da morte!

Com dois terços da população entre Viana do Castelo e Aveiro e entre Leiria e Setúbal e as autoestradas a “acelerar o despovoamento do interior com o aumento da velocidade e o conforto na deslocação”, definham sobretudo as aldeias afastadas de vilas e cidades.

Ocorre por migração – mormente para a sede do concelho, para cidades maiores e/ou para o estrangeiro –, ou com a morte dos poucos mais velhos que se mantêm, como explica Rio Fernandes, catedrático de geografia humana da Universidade do Porto. Culpa, também, das políticas agrícolas que têm vindo a destruir as explorações familiares e o mundo rural, na opinião de João Dinis, dirigente da Confederação Nacional da Agricultura – “Milhares de agricultores que estavam a ocupar e a produzir no território tiveram de sair”.

Uma análise ao último Censo aponta para centenas de lugares com 50 ou menos habitantes, um dado que, para Rio Fernandes, é “relevante”, não havendo “capacidade de sustentação demográfica, face à idade dos habitantes”.

Com o patrocínio de Rui Pedro Julião, especialista em informação geográfica da Universidade Nova de Lisboa, chegou-se à listagem acima referida: 677 aldeias com menos de 50 residentes, em altitudes iguais ou inferiores a 700 metros.

Em média, havia 27 pessoas por lugar. Em 314 delas, a população era inferior a 26. Em 79, os habitantes oscilavam entre um e dez. Centenas de aldeias a morrer? Rio Fernandes: “Sim, é possível concluir isso”.

Com a estagnação demográfica, o envelhecimento da população e a forte emigração, “é de supor que acelere o processo de despovoamento dos lugares de menor dimensão e mais excêntricos” (afastados dos centros com alguma dimensão, caso das sedes de concelho e/ou outras).

Aqui chegados: Que fazer?

Três hipóteses: “não fazer nada; acomodar o encerramento de aldeias, mantendo a qualidade de vida dos resistentes; escolher onde vale a pena investir e criar condições de sustentabilidade”.

E não perder a esperança na revitalização. É que ter pessoas nas aldeias “é muito importante para o país”, aproveitando o “valor dos territórios – económico, social, ambiental e paisagístico – em contraste com o abandono e a monocultura, designadamente, de eucalipto”.

Podem as aldeias ser turísticas ou assentar no turismo, mas “não devem ser pensadas na lógica dos urbanos e da aldeia para a fotografia, do ‘resort’, mas na lógica dos que lá vivem e lá voltarão a viver, tirando proveito da terra”.

Voltaremos ao assunto, em próxima oportunidade.

 

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Soneto Atravesseirado

• Carlos Paiva

É instantâneo que a alma sinta

De todos mais encantado fascínio,

Porventura dá por si nesse domínio

De verde bruma que é Sintra.

 

Deve a vila a fama que a reputa,

Além de à clorofila, à sua doçaria,

E daí, claro, tão caudalosa romaria

De que farei também mea culpa,

 

Porquanto do Fofo à Queijada

Não há, a bem dizer, a que se resista…

Deixará, porém, língua mais consolada,

 

Ainda mais se comido por inteiro,

Esse doce, o melhor, quiçá, que exista,

Acaso se meta a língua… no Travesseiro.

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Edição 722 (27/07/2017)

Futebol para além do futebol, ou… Éder e a ingratidão

• António Alexandrino

Caiu recentemente o pano (passe o lugar-comum) sobre a Taça das Confederações, que teve lugar na Rússia. Mais uma vez, como sempre: ilusões e desilusões; vários candidatos à vitória final, uns por ‘devoção’, outros por ‘obrigação’… enfim, estes eventos costumam dar “pano para mangas”! Não vamos dissecar ‘filão’ tão aleatório como é o futebol, no âmbito dos respectivos certames, asserções sociais, implicações económicas… para o efeito não faltam ‘púlpitos’ em abundância, nos vários canais televisivos, de onde pregam muitos, e nada menos sábios, “especialistas” na matéria…

“Está tudo bem quando bem acaba”, diz o rifão. Nem sempre… além de que “acabar bem” passará por múltiplas consonâncias de entendimentos, sobretudo estando em jogo imensos jogos de interesses, tal o imenso e conspurcado pantanal em que o futebol se transformou.

A “Selecção”, palavra que o saudoso Eusébio carinhosamente usava para se referir à estrutura que devia ser “de todos nós”, dado que nela deveria estar a nata, os melhores, na qualidade de detentora do troféu alusivo ao ‘Euro 2016’, lá esteve, candidata, muito justamente, a arrecadar a Taça das Confederações, sem favor. Só que, desta vez, nem tudo esteve ‘bem’, nem ‘acabou bem’.

Éder fora o jogador a quem o destino ‘incumbiu’ de marcar o golo mais importante da história futebolística de Portugal, na final de Paris, frente aos anfitriões gauleses. Então, qual “patinho feio”, Fernando Santos terá entendido ‘dar-lhe uns minutos’, quando já se esgotava o tempo de jogo, ante o espectro das “grandes penalidades”.

Ora, Éder foi esquecido pelo mesmo Fernando Santos, que entendeu mantê-lo em casa, sem um lugarinho nos 23 chamados à “Selecção”. No entanto, as memórias de tão alto momento da história do futebol português não podem rumar ao reino do esquecimento! Não ser convocado para a Taça das Confederações foi decisão incompreensível, visto que, queira ou não queira o senhor Fernando Santos, aquele golo vai ficar na retina dos portugueses por muito e muito tempo. Tivesse sido outro o marcador… e ainda estaríamos a ‘levar’ com as imagens repetidamente, repetidamente…

Obviamente que das convocatórias devem constar jogadores em forma, mas Éder, não estando embora no melhor momento, deveria ter sido convocado pelo seu mérito e por ser, de certa forma, um ‘herói’ – afinal contribuiu decisivamente para a primeira conquista de um título europeu de futebol, a nível de Selecções! Não se trata de um qualquer sentimentalismo barato, mas o reconhecimento das qualidades de bom jogador que ele é. A este propósito, cite-se Goethe: «A ingratidão é sinal de fraqueza. Nunca encontrei um homem de valor que fosse ingrato». E, se Fernando Santos «desfrutou de todas as mordomias, prémios, elogios, também o deve a Éder» (Francisco Pina). Quem nos diz que, se Éder tivesse jogado na Rússia, não tivesse acontecido aquele triste fiasco do falhanço de todas as penalidades, cena nunca vista num campeão europeu?!

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Breve história do pequeno acólito

• Carlos Paiva

 

Em casa do pequeno acólito

Há fome, dor e pancada.

 

É um pequeno oráculo, feito em pedra,

Coberto com telhas de loisa.

 

Nele se fazem oblações a um pai tirano,

Oferendas bastas de submissão e silêncio.

 

Em contrapartida, aqui, na Casa dos Fiéis,

Há Pão e Vinho e uma batina asseada.

 

Mesmo o pequeno acólito tem o seu hábito,

Largo, de linho áspero – não é grande coisa.

 

Com ele fica um embrulho mal atado

(nem na manga segura um lenço…).

 

O seu consolo é uma imagem

Da Santa Mãe de Deus,

 

Uma Pietá sobre a parede branca

E que ali parece bem.

 

Fica exactamente do lado oposto ao púlpito

Donde o sacerdote profere a homilia.

 

Sua expressão maternal enternece,

Como toda a dor e desamparo fossem seus.

 

E é então que o pequeno acólito repara,

No seu íntimo de criança, como a sua mãe

 

Só faltam roupas assim,

P’ra ser a Virgem Maria.

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Edição 721 (13/07/2017)

Sistema educativo – urge reduzir o abandono escolar

• António Alexandrino

A redução do abandono escolar precoce para 10% até 2020 é uma das cinco metas da “Estratégia Europa 2020”, a que estamos obrigados. «Travar o abandono massivo e desqualificado será um importante indicador da qualidade do nosso sistema educativo, dos nossos sistemas sociais e da nossa democracia» (Luís Mesquita, Director da E20M).

Apesar dos avanços registados nos últimos anos, em recuperação ainda do atraso que herdou do passado, diga-se, Portugal continua, no entanto, com baixos índices de qualificação da sua população adulta. Saído do 25 de Abril de 1974, o sistema democrático estabeleceu um quadro legal exigente e avançado, consagrando o direito à educação, para todos os cidadãos, no texto da Constituição da República Portuguesa (artigos 73º-79º). Aí se dispõe, também, que compete ao Estado assegurar esse direito. Além disso, a Lei de Bases do Sistema Educativo garante a todos os portugueses o direito à educação, competindo ao Estado a responsabilidade de o promover.

Todavia, «a situação no país é ainda uma grave descoincidência entre o quadro legislativo e as práticas sociais correspondentes» (idem, L. Mesquita). A nossa democracia continua a não ser capaz de fazer cumprir o quadro ‘generoso’ de princípios de que é ‘autora’, sendo a referida descoincidência particularmente notória na cooperação europeia. A actual “Estratégia Europa 2020”, a estratégia europeia para o crescimento e o emprego, vem introduzir uma “nova urgência no cumprimento destes princípios”, não somente como obrigação interna, mas como compromissos assumidos por Portugal enquanto membro da Comunidade.

Milhares de jovens continuam a abandonar a escola, sem que tenham completado a sua formação básica e sem terem obtido as qualificações necessárias à sua integração social. As fracas qualificações dos jovens portugueses «são um grave problema social, envergonhando Portugal na comparação internacional, na UE e na OCDE» (idem). O abandono precoce da educação e formação (APEF), indicador-chave da cooperação europeia em educação, dá conta da percentagem de jovens entre os 18 e os 24 anos que abandonam a escola e a formação, sem completar o Ensino Secundário, a nova “escolaridade obrigatória”. Em Portugal, a taxa de APEF continua a ser uma das mais elevadas da Europa (13,8%), agravada pelo facto de os nossos jovens abandonarem a formação com muito fracas qualificações, muitos sem o 6º. ou o 9º. anos, circunstância que se não verifica em qualquer outro país da UE. Portugal apresenta igualmente as mais altas taxas de cidadãos, entre os 25 e os 34 anos, com baixas qualificações em toda a zona OCDE. O mais recente relatório da OCDE, “Society at a Glance 2016”, dá conta de que mais de um terço dos jovens portugueses não completa a sua formação secundária, registando a terceira maior taxa, só ultrapassada pelo México e pela Turquia. Com efeito, isto acontece num país com uma das mais altas taxas de pobreza na UE (25,3%) e com um desemprego jovem que atinge valores inquietantes (30%), um dos cinco piores da UE.

Urge ocuparmo-nos seriamente desta «emergência social, abandonando as estratégias de negação ou atenuação que procuram diminuir a sua gravidade e premência». Se ao nível da prevenção e intervenção dispomos de boas práticas instaladas, ao nível das medidas de compensação, o país é manifestamente deficitário. O desafio que hoje se coloca a Portugal é o da promoção de acções de compensação, claramente orientadas para os estimados 300 mil jovens que se encontram em abandono precoce, com baixas qualificações e portanto, «em risco de exclusão social» (idem, Luís Mesquita).

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Água intoxigenada

Para o concidadão sarar a ferida

Aberta pelos golpes desta vida,

Recomendamos – cura até feitio plácido! –

Água intoxigenada, com ph ácido,

A qual, aplicada com propósito,

É melhor que qualquer linfócito!

O paciente pode estar apopléctico,

Mas o poderoso efeito anti-céptico

Transforma-o num apoiante dinâmico

Deste costume, ora mediterrânico,

De explorar a torto e a eito…

Com água intoxigenada, está feito!,

Pode o golpe ser profundo

E parecer que anda doido este mundo,

Mas basta uma gotinha só,

Que logo se desata o nó

De qualquer dor lancinante.

Abram alas ao fármaco-governante,

Que tem a solução inteligente

Para a malta andar contente

Com o rumo que anda a seguir isto,

Embora com mais chagas que Cristo

Cobrindo-lhes a pele, particularmente flagelada.

Enfim, haja saúde… e água intoxigenada!

• Poema de Carlos Paiva e Foto de Hugo Carvalhal

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Reset

Sítio onde chego a cada passo dado:

O incerto, o desconhecido – é aí o meu lugar.

É lá que quero, um dia, ser encontrado,

Como em mais nenhum pudera estar.

Ora parto a procurar-me, de novo, sem pressa,

E a cada desencontro, a vida, por magia, recomeça.

• Poema de Carlos Paiva e Foto de Hugo Carvalhal

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Edição 720 (22/06/2017)

Manuel Alegre vence Prémio Camões 2017

• António Alexandrino

O poeta reagiu à notícia com “serenidade e alegria”, após reunião do júri, na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. O Prémio Camões é o mais importante para autores de língua portuguesa e ‘vale’, para o vencedor, a soma de cem mil euros.

A professora Paula Morão, presidente do júri, explicou a razão da escolha: “Penso que faz todo o sentido e que o Prémio Camões é uma referência fundamental para a obra de Manuel Alegre. Considero o prémio justíssimo e adequado, pelo escritor e pela figura cívica que ele é”.

Como poeta, Alegre começou a destacar-se nas colectâneas ‘Poemas Livres’ (1963-1965). Mas o grande ‘salto’ nasce com os seus dois volumes de poemas, ‘Praça da Canção’ (1965) e ‘O canto e as armas’ (1967), apreendidos pelas autoridades do ‘Estado Novo’, mas com grande circulação nos meios intelectuais.

Manuel Alegre recebeu a notícia da vitória com “serenidade e alegria”, salientando que lhe dá “particular satisfação” a atribuição deste prémio, até porque Luís de Camões é um dos que mais aprecia, lembrando ter reeditado, recentemente, o livro ‘Vinte poemas para Camões’. No entanto, o poeta, de 81 anos, esclareceu que “o reconhecimento maior é o que me vem dos meus leitores através dos tempos, vencendo várias formas de censura. Naturalmente, uma distinção desta natureza tem o significado que tem”.

O presidente da República considerou a presente atribuição “uma homenagem justíssima a uma figura da literatura portuguesa”. E, “nos termos do próprio prémio contribuiu e contribui para o enriquecimento literário e cultural, não apenas português, mas do mundo da lusofonia”, concluiu.

De Vasco da Graça Moura, respigámos o seguinte juízo, acerca do poeta Manuel Alegre e sua produção poética:

«Em Manuel Alegre conflui uma rica herança da poesia portuguesa, de Camões a Junqueiro e a Gomes Leal, de Nobre e Pessanha a Torga, na destreza versificatória, na sonora musicalidade e na eloquência poderosa de um lirismo cuja veemência tanto se exprime na poesia de amor e de exílio como na de indignação e de protesto. Estas características, que por vezes se aproximavam já de uma toada épica, têm evoluído para a expressão de uma angústia metafísica muito pessoal, como no magistral e denso ‘Senhora das tempestades’, a que, à falta de melhor termo, poderíamos chamar de  “epopeia” interior». (In “Poemas Portugueses – Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc.XXI”, Porto Editora).

Manuel Alegre é o único autor português a fazer parte da antologia “Cent poèmes sur l’exil”, editada pela Liga dos Direitos do Homem, em França (1993). Em Abril de 2010, a Universidade de Pádua (Itália) inaugurou a Cátedra Manuel Alegre, tendo em vista o estudo da Língua, Literatura e Cultura Portuguesas. Em 1998, recebeu o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores, pelo livro ‘Senhora das Tempestades’, que lhe valeu, ainda, o da Crítica Literária, galardão atribuído pela Secção Portuguesa da Associação Internacional de Críticos Literários, tendo recebido, no mesmo ano, o Prémio de Literatura Infantil António Botto, pelo título ‘As naus de verde pinho’. Em 1999, foi distinguido com o Prémio Pessoa, pelo conjunto da sua obra; nesse mesmo ano, recebeu o Prémio Fernando Namora, pelo romance ‘A terceira rosa’. Além destes, muitos outros prémios e condecorações, a que se acrescenta o Prémio ‘Vida Literária’ 2015/2016.

Todavia, dar visibilidade e evocar um autor deve materializar-se, trazendo a lume a sua obra, divulgando-a. Dada a importância de Alegre no campo literário e, inclusive, em contexto, cuja oportunidade se foi situando marcadamente no tempo, aqui deixamos um  excerto de um poema (pleno de actualidade), entretanto musicado por António Portugal e divulgado por cantores ‘de intervenção’, nomeadamente, Adriano Correia de Oliveira.

 

«TROVA DO VENTO QUE PASSA

Pergunto ao vento que passa

notícias do meu país

e o vento cala a desgraça

o vento nada me diz.

 

Pergunto aos rios que levam

tanto sonho à flor das águas

e os rios não me sossegam

levam sonhos deixam mágoas.

 

Levam sonhos deixam mágoas

ai rios do meu país

minha pátria à flor das águas

para onde vais? Ninguém diz.

[…]

E o vento não me diz nada

ninguém diz nada de novo.

Vi minha pátria pregada

nos braços em cruz do povo.

[…]

E a noite cresce por dentro

dos homens do meu país.

Peço notícias ao vento

e o vento nada me diz.

 

 

Mas há sempre uma candeia

dentro da própria desgraça

há sempre alguém que semeia

canções no vento que passa.

 

Mesmo na noite mais triste

em tempo de servidão

há sempre alguém que resiste

há sempre alguém que diz não».

 

À guisa de posfácio, ‘ouçamos’ o poeta sobre ‘O QUE SEI DE POESIA’:

«Não sei falar de literatura. Não sei se sei falar de poesia, Sobretudo não sei se a poesia tem alguma coisa a ver com a literatura. Talvez esteja antes ou depois da literatura. Sei que a poesia não se explica, a poesia implica, como costuma dizer a minha amiga Sophia de Mello Breyner. Sei que a energia, como diz o meu amigo Herberto Hélder, é a essência do mundo e que «os ritmos em que se exprime constituem a forma do mundo». Sei, como o poeta russo Mandelstam, que «escrever é um acontecimento cósmico». E que cada palavra é um pedaço do universo. Ou como dizia Klebnikov: «na natureza da palavra viva, esconde-se a matéria luminosa do universo». Talvez tudo isto seja a poesia. Ou talvez ela não seja mais do que o primeiro verso, aquele que nos é dado, como sempre dizia Miguel Torga, porque os outros têm de ser conquistados. Talvez tudo esteja nesse primeiro verso, que é o instante da revelação e da relação mágica com o mundo através da palavra poética. Talvez o poeta, afinal, não seja muito diferente daquele sujeito que vemos nas tribos primitivas, de plumas na cabeça, repetindo palavras mágicas enquanto dança e pula ao ritmo de um tambor. O poeta é esse feiticeiro. Dança com palavras ao som de ritmo que só ele entende. Ou é talvez o adivinho. Como já não pode ler nas vísceras das vítimas, procura decifrar os sinais do tempo através dos múltiplos sentidos ou do sem-sentido da palavra. De qualquer modo, como nas sociedades primitivas, que tinham uma concepção mágica do mundo, o poeta de hoje é como xamã antigo que, através da repetição rítmica de palavras e imagens, convoca as forças benfazejas ou tenta exorcizar as forças maléficas.

A poesia é, assim, antes de tudo, uma forma de mediação. Um presságio do sul, como diz o meu amigo José Manuel Mendes. Uma encantada, encantatória e desesperada tentativa de captar a essência do mundo e de, através da palavra, «mudar a vida», como queria Rimbaud. Uma forma de alquimia. Que procura o impossível. Ou seja: o verso que não há.

A poesia é também a língua. E para mim a língua começa em Camões, que tinha uma flauta mágica. A música secreta da língua. A arte e o ofício da língua e da linguagem. Nem foi por acaso que Dante chamou a Arnaut Daniel «il miglior fabbro». O poeta, dizia Cioran, «é aquele que leva a sério a linguagem». E o que é levar a sério a linguagem? Eu creio que é estar atento aos sinais. Os sinais mágicos da palavra. Os sinais mágicos da palavra. Os sinais da essência do mundo que por vezes se revelam na palavra poética. Ou talvez o duende e aquela ferida de que falava Lorca. Porque o poeta traz em si uma ferida e o duende por vezes ouve «sonidos negros». É então que a poesia acontece. Isto é o que eu sei de poesia. Talvez seja muito pouco. Mas não sei se é possível saber mais».

‘O QUE SEI DE POESIA’ Texto escrito e lido durante uma sessão consagrada a «Trinta Anos de Poesia» na Faculdade de Letras da Universidade Católica de Viseu, Maio de 1996 (In ‘Manuel Alegre – Obra Poética’, Publicações Dom Quixote)

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Tratado de Ornitologia

• Carlos Paiva
• Foto: Hugo Carvalhal

Atenção, caro amigo, a quando dialogas

Com qualquer dessas famigeradas ornitólogas,

As quais, entre outras coisas, comos sabes,

Aturadamente estudam comportamento das aves,

Peculiaridades, habitat, diferenças anatómicas,

E umas outras tantas questões biológicas,

Das quais produzirei, se for esse o teu contento,

Algumas, avulsas ilustrações, só p’ra seu exemplo.

 

Comecemos, desde logo, pela respectiva plumagem

Que umas aves ostentam, outras não trazem,

Sem que, com isto, tais devam ser interpretadas

Como sendo, umas, penosas, e as demais, depenadas.

Ajamos, por isso, com todo o rigor e cuidado

Aquando da descrição – científica, claro – do ser alado.

 

Outro pormenor em que deteremos nosso fito

Prende-se, naturalmente, com o formato do bico.

É diferente, sem dúvida, o do abutre do de um canário,

Mas é, de qualquer ave, seu bico extraordinário:

Além do canto, ali leva o alimento desejado,

No bico avidamente recolhido até se lhe encher o papo.

 

Mas são mais os conteúdos na ornitológica cartilha,

Onde destacaremos, no dito estudo, a inevitável anilha,

Instrumento que, ao investigador, amiúde indicia,

De uma pássara, qual lhe seja a família,

Entre outros mais elementos de seu meio,

Como saber se procria em ninho próprio ou alheio;

Ou então – coisa que, por aí, muitas vezes aparece –

Se copula com outros que não da mesma espécie…

 

As pássaras, seja como for, são criaturas de Deus,

E mui triste seria o mundo não povoassem nossos céus.

Daí que revista, inequivocamente, grande valor

O que é, das ornitólogas, seu denodado labor;

E nós, comuns mortais, daremos também o contributo

P’ra que a vida, sem pássaras, não se recubra de luto,

E toda e qualquer ornitóloga, que privações, decerto, passa,

Enfim, sempre cuide e dê de bom comer à sua pássara!…

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Edição 719 (08/06/2017)

Antonio Sarabia faleceu a 3 de Junho, em Lisboa

• António Alexandrino

Antonio Sarabia, escritor mexicano. Nasceu em 10 de Junho de 1944, na cidade de México. Estudou Ciências Técnicas da Informação na Universidade Ibero-americana. Quando começou a trabalhar, fê-lo dedicando-se ao jornalismo radiofónico e à publicidade.

Aos 72 anos, faleceu na madrugada do passado dia 3 de Junho, em Lisboa, cidade onde se encontrava radicado, há vários anos.

Os convidados do vulcão” e “A taberna da Índia” são os títulos mais emblemáticos escritos por Antonio Sarabia. Todavia, dir-se-á que se trata de um escritor de afirmação ‘tardia’. Com efeito, a sua primeira obra, “Tres pies al gato”, um livro de poemas, foi publicada em 1978, aos 34 anos. Porém, o seu interesse pela literatura e pela escrita remontava já à década anterior, tempo em que publicou diversos contos em revistas literárias mexicanas. Dada a sua apetência para singrar no campo da escrita literária, tomou a decisão, no final dos anos 70, de pôr de parte o mundo da publicidade e da rádio, para se dedicar inteiramente à literatura. Dos inícios da década de 80 até meados dos anos 90, viveu alternadamente em Paris e Guadalajara.

Com o seu primeiro romance, “El alba de la muerte”, mais tarde intitulado “Faixa de Moebius”, logrou ser finalista do prémio internacional ‘Diana-Novedades’, em 1988. Nos anos 90, começou por escrever “Amarilis” e “Los avatares del piojo”, mas havia de ser com “Os convidados do vulcão” (em 1996) que se consagraria como um dos grandes nomes da literatura mexicana. A ponto de a obra ser também traduzida para idiomas diversos, com assinalável sucesso. No mercado português, “O regresso do paladino” é um dos livros disponíveis de Sarabia.

Para além destas obras, publicou “El cielo a denteladas” (2001), “Acuerdate de mis ojos” (2003), e o livro de viagens “El refugio del fuego” (2004), em cooperação com o fotógrafo Daniel Mordzinski.

Pese embora o facto de o ritmo de publicação haver baixado significativamente nos últimos anos, escreveu “Los dos espejos” (2013) e, já este ano, lançou em França “La femme de tes rêves”, tradução de “No tienes pardon de Dios”, um romance policial.

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Causa nostra

• Carlos Paiva
• Foto: Ana Rosa

Será que como nós se contempla

Deus num espelho?

E logo Ele, assim tão velho,

Bem além dos poucos e oitenta

Com que morreu meu avô…

Quantos sulcos em seu rosto,

 

Pernas trôpegas, peles flácidas?…

Talvez Ele as eras passe-as

Sem consideração de Si próprio,

Seu existir mais não seja, afinal,

Que interminável solilóquio,

E com nada mais se rale…

 

Ah se Deus a Si se visse

No reflexo de Si análogo,

Talvez, enfim, se distraísse

Como quem folheia um catálogo

Na sala de espera de Si Mesmo

E o joga depois num cesto,

 

Entediado com o que viu…

Haverá, na Eternidade, fastio?…

Não terá Deus alter-ego

(Não carecerá de tal cúmplice),

Que tenho Ele não se concebe

Múltiplo, sequer dúplice…

 

Dar-lhe-ia eu como prenda

Espelho que O reflectisse!

Falar com quem nos entenda

Torna o tempo, de passar, menos triste,

E dias assim pesam menos

Entre céus, purgas, infernos…

 

Mas disso Deus não precisa,

Revê-se, afinal, no que cria

E, sendo assim, chegada a meia-tarde,

Quando o Divino amodorra,

É bem certo que se flagre

Contemplando a sua obra:

 

Diante de si, inteiro, se perfila

O Universo, tela inconclusa!

Por instantes, o olhar oscila,

Logo fixa, por fim se aguça –

Se é p’ra que a Si se veja,

Esse, sim, é espelho que sobeja!

 

Deus, cerimoniosamente, consulta,

Ante Si, essoutro rosto que avulta

Em tão polimorfo vidro,

E, na compleição que esquadrinha,

Mácula descobre, subitamente aturdido,

Que julgava que não tinha!…

 

Algo destoa, não é direito,

A obra, c’ o obreiro, se desconforma;

Tudo o que é humano, ei-lo

Distorção, desbote, assimetria de forma,

Parecença apenas porque se força,

E Deus tão feio… por causa nossa.

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Edição 718 (25/05/2017)

Facebook  –  Quem controla o que lemos no Facebook?

• António Alexandrino

Pergunte-se: qual o ‘tamanho’ do telemóvel? Inês Cardoso (Professora do 2º Ciclo) faz as seguintes observações, que poderemos considerar como resposta: “Se roubarem os livros a um miúdo, ninguém virá à escola… Se lhe roubarem o telemóvel, aparece logo o pai… ou a mãe e/ou alguém mais … Que adolescente sobrevive, hoje, sem um telemóvel?” Acrescentaremos nós que a esta problemática se adiciona o factor ‘modelo-moda’… e daí a comparação a pôr à prova pais, colegas da escola, professores, etc., etc. E daí ao ‘Facebook’ é um saltinho!

O Facebook está sediado em Menlo Park (Califórnia) e foi lançado a 4 de fevereiro de 2004 por Mark Zuckerberg. “O móvel e a realidade virtual são as grandes apostas da empresa”. Hoje, a rede social tem já mais de 1,09 mil milhões de utilizadores diários.

“Fragilidade do ambiente informativo” (Luís Santos – Universidade do Minho)

Em Portugal, segundo o Social Bakers, já existem mais de 5 milhões de utilizadores no Facebook. Paulo Querido, jornalista e consultor de novos media, entende que “a manipulação do algoritmo é fundamental para o utilizador e para a satisfação dos clientes que compram anúncios e geram receitas… A empresa não tem qualquer tipo de responsabilidade na sociedade, além do cumprimento das leis”. Por seu turno, Luís Santos, especialista em novos media na Universidade do Minho, salienta que o Facebook não tem uma estrutura editorial, o que “acrescenta fragilidade ao novo ambiente informativo”. O investigador da UM destaca o facto de os próprios algoritmos serem criados por pessoas, tornando falsa a questão da gestão não humana destes fluxos informativos: “O grande risco associado a esta intervenção reside no facto de se confiar cada vez mais numa única plataforma para recebermos os nossos conteúdos. As pessoas preferem entregar a sua atenção àquilo que o Facebook escolhe” – conclui P. Querido.

O que acontece no Facebook… não se fica pelo Facebook (Ivo Neto, jornalista)

O sentimento de impunidade parece ‘nortear’ o comportamento dos utilizadores das redes sociais, sendo o Facebook o expoente máximo. Entre os mais jovens, o exemplo mais recente é o da viagem de finalistas a Torremolinos. Vídeos mostrando quartos destruídos e televisores na banheira foram publicados pelos próprios alunos e até exibidos “com orgulho”. O problema veio depois, quando as imagens apareceram nos jornais e nas televisões. Com a mesma pressa com que chegaram à rede, assim de lá foram apagadas. Só que já era tarde para eliminar o seu rasto. Os vídeos e os prints proliferavam por todo o lado! Com efeito, “a pegada digital pode ser tão corrosiva como a de carbono”. Na Alemanha, um paramédico desenhou um bigode semelhante ao de Hitler na cara de um migrante inconsciente e partilhou o ‘feito’ com os seus colegas, tendo ainda solicitado aos amigos para não partilharem as imagens nas redes sociais, mas já não foi a tempo. Consequência: o despedimento.

No ‘Dia da Internet Segura’, a PSP alertou para as cautelas relativamente àquilo que se partilha nas redes. A sensação de impunidade no universo digital é aparente, bastando um print para eternizar uma simples falha. A linha que separa o digital do real é cada vez mais curta. E, se não desatamos a insultar quem passa na rua, esse cuidado deve ser transportado para as caixas de comentários das redes sociais. Na rede, todos são inocentes… até que um simples print prove o contrário.

 

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Ode ao fala-barato

• Carlos Paiva / • Foto: Hugo Carvalhal

‘Ó p’ra mim c’o meu Tablet!…’

Usa-o, consta, inclusive na retrete,

Onde googla, encostado ao lavabo:

“Como limpar bem o rabo…”

Nisto, tem saber em alto grau,

É tal qual o bacalhau:

Há 1001 formas de fazê-lo.

Rabo asseado, com ou sem pelo,

É motivo de muito orgulho,

Embora por ali saia o entulho

Que o nosso organismo produz…

Mas, enfim, na hierarquia dos cus

Tem posição mais altaneira

Esse órgão fazedor de cagamerdeira,

Tão gerador de catarse,

Que é a sua boquinha faladeira!

Bem que podia calar-se,

Mas… não há maneira!

 

Carlos Paiva

 

 

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Edição 717 (11/05/2017)

Francisco: Papa do povo, um Papa revolucionário?

• António Alexandrino

Jorge Mario Bergoglio é o nome ‘civil’ do Papa Francisco (o ‘Papa Chico’, como amistosamente é designado, em sectores da gente jovem). Nascido em Buenos Aires, de pais migrantes oriundos de Itália, foi um jovem como tantos outros. Gostava de futebol, de tango (dançador exímio, ao que é dito) e tinha um ‘fraquinho’ por mulheres, tendo chegado a ‘pedir a mão’ de Amalia Damonte, quando ambos tinham 12 anos…

À data em que damos corpo a estas linhas, já muito se tem falado e escrito (e irá continuar) de Francisco e de Fátima. A religião cristã (leia-se: ‘católica’) aí está muito presente no espaço público. Diz-se que Francisco é “muito mediático”, factor que poderá contribuir, sobremaneira, para mudanças que se impõem, para que as pessoas com fé se sintam «integradas na Igreja que os homens constroem» (Felisbela Lopes).

Eis-nos a menos de uma semana para o 13 de Maio que, este ano, assume em Fátima uma outra dimensão com as cerimónias do “Centenário das Aparições/Visões” (??) e a visita do Papa Francisco. Os media têm vindo a congeminar diferentes ângulos, para falar daquilo a que os mediólogos Daniel Dayan e Elihu Katz apelidaram de “eventos mediáticos”, isto é, grandes acontecimentos que atingem um volume ainda maior, devido à mediatização que sempre e inevitavelmente os acompanha. Assim será em Fátima (qual delas, se há ‘várias Fátimas’?!), onde Bergoglio vai ser aclamado. Com emoção.

Mas estará este Papa a fazer mesmo uma revolução?

Ao longo dos anos, os papas têm tornado o centro um “lugar nómada”. Foi deste modo com João Paulo II; depois, um pouco menos com Bento XVI e agora bem mais com o Papa Francisco. É inegável que os líderes da Igreja católica romana têm uma enorme capacidade para arrastar consigo multidões, movidas por uma fé que as viagens papais potenciam e acentuam, mormente quando essas deslocações se fazem pelo estrangeiro. Aí, actores sociais e os media ‘unem-se’ para “fazer crescer” a expectativa da visita. É ‘normal’ que assim seja. No entanto, também dentro de portas, Francisco tem uma assinalável popularidade, inclusive, junto de pessoas que se confessam ‘não crentes’. Ainda recentemente o site italiano Linkiesta acentuava a diferença entre a participação dos italianos nas cerimónias dos 60 anos do Tratado de Roma e na peregrinação que o Papa fez nesse fim de semana a Milão. Os jornalistas relevaram «a multidão monstruosa» que seguiu o Pontífice e «o número ridículo de participantes» que celebrou o acto fundador da União Europeia»!

Não se pense, todavia, que Francisco é unânime. Tal seria uma ingenuidade! Não o é, designadamente, nos sectores mais conservadores da Igreja, que não lhe poupam ásperas críticas. Cartazes de origem anónima foram difundidos por Roma, no início deste ano, com fortes críticas ao Papa, neles sobressaindo uma pergunta, sarcástica: «Onde está a tua misericórdia?». O Vaticano entendeu bem a mensagem – estava ali a resposta à ‘ousadia’ que o Pontífice manifestara, quando pôs em causa o poder da Ordem de Malta e dos Franciscanos da Imaculada ou quando arriscou “ignorar certos cardeais”. A voz da tradição vai fazendo passar, em surdina, a ideia de que a renúncia do Papa não é para colocar de lado, quando há já o precedente do seu antecessor, Bento XVI. A pressão é máxima à volta da Praça de S. Pedro, apesar de a hierarquia mais corrosiva da Igreja não ter a coragem de assumir o complot

Francisco vai gerindo a oposição que encontra a cada passo, beneficiando de um “ambiente mediático” muito propício à sua mensagem. Nesta conformidade, o Papa, ao longo destes quatro anos de pontificado, tem conseguido fazer passar uma generalizada sensação de que existe uma “revolução em curso”. Recentemente, a revista “Courrier Internacionale” concede-lhe largo destaque, afirmando, em extenso dossier, que estamos face ao único líder mundial próximo do povo, arriscando um discurso anticapitalista que confere centralidade àqueles que foram empurrados para as bordas da sociedade. Num tempo em que «a Esquerda laica se revela incapaz de reabilitar esses deserdados», a posição de Bergoglio é de contracorrente, e popular. Todavia, há uma reforma que aguarda a sua vez: a dos dogmas da Igreja.

Na verdade, o Papa Francisco tem no acolhimento de todos uma preocupação presente em cada discurso, mas a Igreja continua a guardar para si alguns “tabus de estimação”, ao não reconhecer, entre outros: a comunhão aos divorciados, os métodos contraceptivos, a ordenação de mulheres, ou as crianças fora do casamento… limitações demasiadas para uma religião que tem continuado a fechar a porta a pessoas com fé. Essa gente viu no Papa Francisco uma oportunidade de esperança. Só que… o seu poder é limitado, perante um Vaticano estruturalmente aziago a «mudanças e com regras que parecem fossilizadas há séculos».

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Pele de Papel

• Carlos Paiva / • Foto: Hugo Carvalhal

Pele mais não é

do que folha de papel, assim se diga:

Uma vez concebida,

é perfeita e é lisa,

E vai daí o tempo, que a tudo

e a todos fustiga,

Enruga a folha, que logo é pó,

logo é cinza…

Sei que há quem nessa folha escreva

sem respeitar margens,

E outros há a cuja escrita

nada se possa apontar.

Disto, pouco percebo.

Uns e outros, lá terão suas vantagens;

Sei lá, se até há quem dela faça um avião,

só para poder voar…

E outros, que a usam

tão-somente p’ra rabiscos?…

P’ra eles, é simples folha de rascunho

e nada mais.

Diante dos nossos olhos,

a folha é senão emaranhado de riscos –

Parece querer dizer tempestade,

mas ansiando por um cais…

Eu, nela, escrevo de tudo:

páginas de tristeza e de alegria.

Há frases que me saem lapidares,

outras, deixo-as a meio…

Deus censura-me a sintaxe,

não me pode co’ a ortografia,

Diz-me que antes que asneire mais,

tenho de aprender primeiro

A não dar os mesmos erros…

Não Lhe vou na conversa.

Torno-Lhe que quando escrevo

escrevo com todo o zelo,

Só que às vezes falta-me o tempo,

escrevo à pressa.

Se desse p’ra rever o texto,

como não quisera eu fazê-lo…

Mas como o que está escrito está escrito

e não dá p’ra corrigir,

Talvez, quem sabe, reprove afinal

neste exame tão cruel…

Pode ser que Deus, em tempo

‘inda por escrever, ‘inda por vir,

Ignore quanto errei e me dê, p’ra viver,

outra folha de pa-pele!…

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Edição 716 (27/04/2017)

Faleceu Maria Helena da Rocha Pereira – Portugal perdeu a sua maior autoridade dos Estudos Clássicos

• António Alexandrino

Aos 91 anos, faleceu, no Porto, onde residia, Maria Helena da Rocha Pereira. Era a mais respeitada especialista e pioneira em Estudos Clássicos e foi a primeira mulher a doutorar-se na Universidade de Coimbra (1956), grau que, à época, era uma exclusividade dos homens. Oito anos depois, tornou-se a primeira mulher a ser professora catedrática da mesma instituição, o que, de acordo com o Reitor (João Gabriel Silva) «no seu tempo era um enorme desafio». Aí leccionou até 1995, tendo  granjeado um prestígio que, como diz João Gabriel Silva, a coloca entre os «grandes vultos do século XX na Universidade de Coimbra». Enfim, a Professora Doutora Maria Helena da Rocha Pereira é uma referência. Uma referência notável!

Segundo o helenista Frederico Lourenço, «Foi a pessoa que mais contribuiu para o desenvolvimento dos Estudos Clássicos em Portugal, formando gerações de alunos… em Coimbra e outros à distância», sob o signo de «um extraordinário exemplo de rigor científico, de objectividade histórica, de seriedade académica». Por seu lado, a Academia das Ciências de Lisboa, de que era sócia emérita na Classe de Letras, definiu-a como «autoridade mundial em estudos sobre a Cultura Clássica Greco-Latina», destacando que, «até à sua aposentação (1995), dirigiu centenas de dissertações de mestrado e teses de doutoramento».

Nascida no Porto, em 1925, Maria Helena da Rocha Pereira aprendeu a ler aos quatro anos. O seu pai “gostava muito das coisas latinas e dizia versos da Eneida de cor”, como Helena confidenciou à comunicação social, em devido tempo. Contrariando tudo o que se esperava de uma jovem da sua condição naquela época, Maria Helena licenciou-se em Filologia Clássica na Universidade de Coimbra (1947), de onde saiu para dar aulas de Latim e Grego Antigo no Centro de Estudos Humanísticos da Universidade do Porto. A devoção incondicional aos estudos fez com que abdicasse de se casar e ter filhos. Em 1950, prosseguiu os estudos entre Coimbra e Inglaterra (Oxford), onde teve como professores grandes especialistas, nomeadamente, eruditos alemães, fugidos ao nazismo.

Entre os mais de 300 livros e artigos que publicou, encontram-se os ‘obrigatórios’ “Estudos de História da Cultura Clássica” (dois volumes editados pela F.C. Gulbenkian) e os dois volumes de antologias de textos gregos (Hélade) e de textos latinos (Romana). Rocha Pereira traduziu para português obras de diversos autores latinos e gregos (entre eles, Platão e Eurípides). No entanto, além de se dedicar aos clássicos propriamente, estudou também a sua influência na literatura portuguesa. Em “Portugal e a Herança Clássica e Outros Textos” (Ed. ASA), analisou a esta luz as obras de autores nacionais, desde os quinhentistas Camões e António Ferreira (autor de A Castro), até escritores do século XX, como Miguel Torga, José Gomes Ferreira, Sophia de Mello Breyner, Eugénio de Andrade. Em 2009, é-lhe atribuído o doutoramento Honoris Causa, pela Universidade de Lisboa. Foi galardoada com vários prémios, a saber: o Troféu Latino (da União Latina); o Prémio Universidade de Coimbra (2006); o Grande Prémio Vida Literária, pela Associação Portuguesa de Escritores (2010).

À guisa de poslúdio, entendo oportuno aditar algumas notas. Maria Helena da Rocha Pereira suscitava da parte dos seus alunos um respeito e admiração indeléveis. “Mestra por excelência”. Tive a honra de ser seu aluno, quando Cursava Filologia Clássica na Universidade de Coimbra. No entanto, a obra que nos lega vai fazer perdurar o seu nome, resistindo à erosão voraz e indeclinável de Saturno (deus do Tempo), na senda do poeta Horácio (65-8 a.C.):

«Exegi monumentum aere perennius / Regalique situ pyramidum altius, / Quod non imber edax, non Aquilo impotens / Possit diruere aut innumerabilis / Annorum series et fuga temporum. / Non omnis moriar multaque pars mei / Vitabit Libitinam…»

“Erigi monumento mais duradouro do que o bronze, / e mais alto do que as decaídas, régias Pirâmides, / que nem a chuva voraz, nem o Aquilão (vento norte), impotente, / poderão destruir, nem dos anos a incontável / sucessão e a passagem dos tempos. / Não morrerei de todo, e de mim a maior parte / escapará a Libitina (deusa das exéquias, a morte)…”

Horácio, “Odes” III, 30 – Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira.


Sonho de uma noite de Abril

• Carlos Paiva / • Foto: Ana Rosa

Sonhos como este devem ser menos que um em mil:

O calendário, na parede escalavrada, acusava 25 de Abril,

E havia nas ruas como que o ruído

De grito de um povo oprimido.

Vim espreitar à janela, curioso, inquisitivo,

Mas, no pavimento, nem um, sequer, ser vivo…

Que estranha ilusão em mim se produzia

Àquela incipiente hora do dia.

Lá fora, o silêncio sobre tudo,

E, dentro de mim, um estertor surdo,

Um rugido insubmisso, uma vozearia

Desde o Terreiro à Mouraria,

Obra de milhão e outros tantos.

O ano é 3000 e não sei quantos,

Os números diluem-se-me na retina,

Parece-me ver alguém à esquina,

Mas não, enganei-me. O crepúsculo

Atiça em mim qualquer músculo

Susceptível ao humano

E torna-se irrelevante o ano;

Só o dia e o mês

Ressoam a qualquer coisa, ainda, de português.

Pelas sete, há, como insectos,

Gente a emergir dos becos,

E o zumbido que o ar vergasta

Vai desde ali até à Praça,

Multidão que quase se atropela, incauta,

Movida por não sei que flauta.

Por qualquer rua ou viela,

A multidão é mar que encapela

Ou rio que serpenteia em S,

Desagua, em pleno estuário, e desaparece…

Que estranha forma de vida

É ser corrente diluída,

Gota que noutra se imiscui,

Um ser que se liquefaz e dilui,

E, dentro de mim, abissal,

A consciência de um Portugal

Que a luz diurna pulveriza,

No sonho, apenas, se concretiza,

É só pó de relicário,

Folha mil vezes caída, ainda, do calendário,

Um canto chão e varonil

E ainda à espera de ser… Abril.

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Edição 715 (13/04/2017)

Cogumelos/fungos – distância curta entre «tão amigos» e… «fatais»

• António Alexandrino

Os fungos estão em toda a parte. Alguns até são comestíveis. Todos os dias, a todo o momento, por eles somos beneficiados ou prejudicados.

É grande a abundância e a variedade de cogumelos comestíveis. ‘Como diz o outro’, até se pode admitir que todos são comestíveis, embora alguns o sejam apenas uma vez…! Frescos, secos, em conserva, congelados, podem ser cozinhados de formas diversas, como entrada, sopa, prato principal ou sobremesa.

Os fungos poderão vir a ser uma componente de embalagens biodegradáveis. A ideia foi apresentada, no final do ano passado, por investigadores da UTAD (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro), a partir de um compósito de origem natural – o “polímero verde”. O projecto foi, inclusive, já premiado.

A existência de cogumelos venenosos, alergénicos e alucinogénios é muito comum e conhecida desde tempos remotos. Registos dos mais antigos de fungos são estatuetas representativas de cogumelos que datam de 300 a 200 a. C. Especialistas defendem que os fungos terão uma antiguidade de 360 milhões de anos.

No ano 2000, foi encontrado, numa Floresta do Estado americano do Oregon, o maior fungo do Mundo. É um tipo específico de fungo – o Armillaria. Mede 3,8 km de comprimento, um megafungo que terá 2300 anos. Devido à sua cor amarelada, foi apelidado de “cogumelo-mel”.

Um produto português, único no Mundo (um fungicida orgânico, à base de proteínas, produzido a partir da semente germinada do tremoceiro), é produzido numa fábrica de Cantanhede. O produto é exportado para os Estados Unidos da América e é usado para proteger videiras, morangos, tomates e amêndoas contra fungos.

“Amigo do pão e dos doces”, o fungo do género Saccharomyces é muito usado no processo de fermentação de massas de pães, biscoitos, bolos e tortas. O gás carbónico libertado durante a fermentação faz com que as massas cresçam.

Diferentes tipos de fungos são os que se encontram na natureza. Dir-se-á que em escassos centímetros da pele da nossa mão poderão ‘residir’ alguns milhares. Há-os prejudiciais para a saúde humana, há-os que são utlizados como alimentos e até aqueles a partir dos quais se podem extrair substâncias para a elaboração de medicamentos (caso da penicilina), ou os que servem para fermentação da cerveja.

«Os fungos são muito mais próximos de nós do que as bactérias. Felizmente nós temos um sistema imunológico extraordinário» – afirma Ricardo Boavida Ferreira, professor catedrático do Instituto Superior de Agronomia.

Na prática, os fungos estão em toda a parte, sendo o vento um dos seus mais importantes condutores. Encontram-se no solo, na água, em animais, nos vegetais, no homem e em detritos em geral. Podem ser microscópicos ou atingir um tamanho considerável, como deixámos já referido.

Sem que nos apercebamos, somos diariamente beneficiados ou prejudicados directa ou indirectamente pelos fungos. «O ser humano ingere, todos os dias, centenas de esporos. O que vale é que temos umas defesas excelentes», como refere Ricardo Boavida Ferreira.

De acordo com os especialistas, há milhões de espécies de fungos que habitam o nosso planeta. Cogumelos, leveduras, bolores, mofos, por exemplo, são utlizados na culinária. Outros podem ser usados como medicamento. Actualmente, são conhecidos cerca de 73 mil espécies de fungos, apesar de os especialistas acreditarem que possam cifrar-se em 1,5 milhões de espécies!

«Uma grande variedade de fungos pode infectar-nos, provocando irritações superficiais na pele e infecções mais graves que podem envolver os músculos, ossos e órgãos internos. Algumas destas doenças podem ser fatais, especialmente para pessoas com o sistema imunitário debilitado», salienta Ricardo Boavida Ferreira.

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Sexta Santa

• Carlos Paiva

Cristo, amanhã é Sexta-Feira, dia sagrado,

Mas eu tenho um desejo em mim guardado

Que tu, com certeza, muito apreciarás:

Não terás que suportar Judas ou Barrabás,

Mas só e apenas – e escuta o que te digo –

Trocares, por favor, de lugar comigo,

Porque, não sei, mas soa-me que crucifixão

É preferível a viver, assim, nesta nação…

Sei que enfrentaste a cruz sem medo,

Mas tu tinhas Pilatos, e eu tive Pedro,

E os seus Passos não foram os da Paixão,

Mas sim os não sei quantos Passos da Desilusão!

Entre o seu feitio e o de Judas, haverá certas comunhões,

Embora aquele nos tenha vendido aos milhões,

E este, coitado, vendeu-te por uma bagatela,

Tanto que, arrependido, se dependurou pela goela.

Estás a ver, Cristo, como ficas a ganhar?

Eu, se fosse a ti, trocava já de lugar!

Olha que se não é parecida, é quase a mesma

Esta situação a que uns chamam Quaresma,

Porque eu também sofri longa, extrema penitência,

Designada, ao que sei, por Programa de Assistência,

E se por 40 dias, 40 noites jejuaste pelo deserto,

Eu jejuarei ainda por 40 anos, é o mais certo,

A sonhar com esse tempo dos contos de réis…

Olha que assim conquistas mais fiéis.

Olha para mim: o meu ventre já não sangra,

Mas, como tu, também ando de tanga,

E já sofri, na pele, chicotadas dolorosas,

Como quando o banco avançou c’ as penhoras

E o senhorio pediu renda de não sei que mês…

Meu sacrifício sobrepuja o teu, como vês,

E não transmitirá tanta dor teu sudário

Como a que exprimo ao ver minha folha de salário!

Oh!, não fiques aí assim, de braços abertos, moribundo,

Desce daí e toma o meu lugar neste mundo!

Talvez Deus me tenha abandonado, por que razão não sei –

Terá sido algum imposto que não paguei?!

Algum subsídio de que eu não prescindi?!…

Cristo, por favor, troca comigo, eu estou aqui,

Caído, de esperança já não tenho sequer um pingo…

Ahn?, o que dizes? OK, está bem. Falamos então no Domingo…

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RÁDIO LAFÕES

• Lurdes Maravilha (2017)

Rádio Lafões é uma estação

Em S. Pedro do Sul Situada

Que põe toda esta região

Ao par das notícias sem pagar nada

 

Sintonize o seu aparelho em 93.0 usando

O ponteiro que gira no mostrador

Terá à sua escolha o som com o comando

Adaptado ao som que quer pôr

 

Das notícias às músicas bonitas

Novas e do tempo dos nossos avós

Uma estação a levar-nos as mais pedidas

Convosco, nunca estamos sós

 

Ligados em directo a Rádio Lafões

Põe os seus ouvintes a par do que se está a passar

Em todas as distâncias e direcções

Mesmo no seu PC basta aprender a sintonizar

 

Graciosamente Rádio Lafões poderá ouvir

Faça dela a sua preferida estação

Ela percorre o mundo em canais para servir

Todos quantos têm um receptor à sua mão

 

“Mais alto e mais além”

Um programa de Fernando Morgado

Leva a poesia com ventos de bem

A cada coração a voz de um fado

 

Parabéns a quem com amores e carinhos

Aos microfones lhe emprestam a sua voz

Os ouvintes pagam com abraços e beijinhos

Vós sois o despertador da sentinela para todos nós

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Edição 714 (23/03/2017)

CUBO MÁGICO – «dos movimentos ao raciocínio lógico»

• António Alexandrino

O ‘cubo mágico’, ou ‘cubo de Rubik’, pode ser resolvido até por uma criança de três anos! Invenção do professor de arquitectura húngaro Ernö Rubik, em 1974, o cubo mágico vem gerando nos utilizadores tantas frustrações como paixões, pela dificuldade em pô-lo na posição original, depois de baralhado. Tem vindo a ser inspiração para muitos outros puzzles, das mais variadas formas e tamanhos.

A marca de 4.73/segundos constitui o recorde do Mundo de resolução do cubo mágico numa posição aleatória. Há quem o consiga resolver de olhos vendados (depois de o memorizar), debaixo de água, com os pés ou com uma só mão…

O cubo de Rubik foi ‘estrela’ nos anos 80 e início de 90. Perdeu popularidade, mas continua vivo – mundo fora, todos os fins de semana, há competições de resolução do vulgarmente denominado “cubo mágico”, regulamentadas pela World Cube Association (WCA). Também Portugal tem os seus entusiastas que se têm reunido em competição, aberta ao público, no Exploratório – Centro Ciência Viva de Coimbra.

O puzzle tridimensional com seis faces (cada qual com nove autocolantes coloridos, que se baralha e fica resolvido quando as faces atingem uma só cor), está conotado com uma inteligência superior. No entanto, isso é mito, garante o professor de informática e representante nacional da WCA, António Gomes: «Com motivação e prática, é possível resolver o cubo em qualquer idade. Até uma criança de três anos consegue. Só é preciso aprender o método, treinar e mexer o cérebro». Não há receita, previne António Gomes. «Cada embaralhamento é resolvido de forma intuitiva», e são tantas as maneiras de baralhar o cubo de Rubik, que uma vida não chegaria para as resolver todas. Todavia, há passos a seguir e é necessário entender a mecânica do objecto. Ensinar algumas regras e soluções matemáticas para alinhar todas as cores do cubo é justamente o que tem vindo a fazer, num ateliê de quatro sessões de uma hora no Exploratório de Coimbra, com acesso a crianças até 12 anos, a jovens a partir dos 13  e adultos. A adesão é um facto – «São momentos a menos em que está agarrado ao computador, ao telemóvel ou à televisão», diz Sónia, mãe do Bernardo, de 9 anos. «É uma forma de os retirar da frente dos ecrãs», entende António Gomes.

Praticar a resolução do cubo de Rubik, objecto lúdico que também «nos põe a pensar», tem várias vantagens, segundo o representante nacional da WCA. Não só estimula a motricidade ‘fina’ (movimentos de precisão), sobretudo na juventude, como o raciocínio lógico/matemático e a capacidade de abstracção. Além disso, exercita a memória e a concentração e potencia a tomada de decisões rápidas.

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Amor matarruano

• Carlos Paiva

O Amor é esta coisa que acontece

Quando nos falta o gasoil, avaria o GPS,

E andamos perdidos pelos montes,

Desbravando insuspeitos horizontes…

Olha se não me tem secado o motor,

Não te teria encontrado, meu Amor,

Quando parei junto a ti, tão menina,

E perguntei onde umas bombas de gasolina…

E tu, cujo cabelo era como lã de ovelhas,

Ficaste c’as bochechas tremendamente vermelhas,

E disseste-me, c’o teu sotaque montanhês,

Que por ali não havia nem GALPes nem BêPês,

E que o meu rocinante ia morrer à sede…

E p’ra meu azar, não havia por ali rede,

E p’ra onde quer que olhasse

Era garantido que a paisagem não mudasse…

A gente perde-se, sim, mas é p’ra se encontrar,

E por isso me convidaste a sentar,

Repartiste a tua broa de milho, rija que nem cornos

E com uns bolores azuis, decerto bónus,

Porque já te renderas a todo o meu encanto…

Ai Deus, que eu me perca aqui para o ano,

Pois não há Amor como o Amor matarruano…

Foto: Hugo Carvalhal

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Edição 713 (09/03/2017)

Des/Acordo Ortográfico – o recrudescimento da polémica, com proposta da Academia de Ciências de Lisboa, apontando no sentido do regresso de acentos, consoantes mudas e do hífen

• António Alexandrino

Pára<>para; pôr<>por; braço-de-ferro<>braço de ferro… Enfim, usando uma palavra tão ao gosto do nosso saudoso Jaime Gralheiro, «peregrina» por aí um autêntico cafarnaum, qual Torre de Babel! O exemplo ‘cá da casa’(entenda-se: ‘Gazeta da Beira’) também dá para tudo… cada qual escreve como lhe “dá na gana”! Diremos que tal panorama não serve, nem ‘se recomenda’… À boa maneira lusitana, damo-nos bem com a indefinição…com os tão nossos e tão ‘brandos costumes’…!

Vem isto a propósito do “documento de aperfeiçoamento do Acordo Ortográfico de 1990” (AO90), recentemente aprovado pelo Academia de Ciências de Lisboa. Documento esse recebido pela Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) “com satisfação”, face ao carácter «por vezes ambíguo, omisso e lacunar» do AO em questão. Aí se propõe o regresso das consoantes mudas, do acento gráfico e do circunflexo, assim como do hífen, entretanto desaparecidos, e muito contestados por diversos sectores da sociedade. Foi a citada recomendação aprovada por 18 votos, e apenas 5 votos contra.

O estudo apela no sentido do regresso das consoantes mudas em palavras como “recepção” e “espectador”, isto é, nos casos em que geram uma concordância absoluta de sons (homofonia) que podem levar à “ambiguidade”. Deve ‘regressar’ o acento agudo em palavras com pronúncia e grafia iguais (homógrafas). Exemplos: “pára”, forma do verbo “parar”, que se confunde com a preposição “para”; “péla”, nome e forma do verbo “pelar” que se confunde com “pela” (preposição “por” em contracção com “a”).

É também recomendado que regresse o acento circunflexo em vários vocábulos homógrafos de outros. É o caso do verbo “pôr”, para evitar a confusão com a preposição “por”.

Defende-se, no citado estudo, o emprego do acento circunflexo “nas flexões em que a vogal tónica fechada é homógrafa de outra flexão da mesma palavra”. Exemplos: “pôde”, forma do perfeito do indicativo do verbo “poder”, para se distinguir de “pode”, forma do mesmo verbo no presente do indicativo; “dêmos”, presente do conjuntivo do verbo “dar”, para se distinguir de “demos”, perfeito do indicativo do verbo.

Igualmente é recomendado o uso do acento circunflexo para as terceiras pessoas do plural do presente do indicativo. Exemplos: “vêem”, “crêem”, “lêem” ou do conjuntivo, como “dêem” dos verbos “ver”, “crer”, “ler”, “dar”.

Defende aquele estudo a acentuação gráfica, na terminação verbal “-ámos”, relativa ao perfeito do indicativo dos verbos da 1ª conjugação (todos os que terminam em “-ar”).

Relativamente às consoantes mudas, em casos de concordância absoluta de sons (homofonia), a Academia sugere os vocábulos “aceção”, que pode confundir-se com “acessão” (consentimento); “corrector”, que pode confundir-se com “corretor” (intermediário); “óptica” que poderá confundir-se com “ótica” (audição); “espectador”, diferente de “espetador” (o que espeta). Mantém-se também quando a consoante muda «tem valor significativo, etimológico e diacrítico. Exemplos: “conectar”, “decepcionado”, “interceptar”».

A propósito do hífen, por «clareza gráfica», recomenda-se o seu emprego quando os elementos dos compostos, com a sua acentuação própria, não mantêm, se considerados isoladamente, a respectiva significação, isto é, quando «o sentido da unidade não se deduz a partir dos elementos que a formam».

O referido documento está disponível na Internet, em http:/ /voc.cplp.org.

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Escaleira

Essa escaleira,

Umas vezes limpa, outras imunda,

Conta histórias de tudo

Quanto a circunda:

Homens e mulheres,

Anónimos entre tantos;

E cães e gatos,

Espreguiçando-se, lânguidos,

Sobre ela,

Quando o sol a chicoteia –

Indiferentes, todos,

À vida que passa alheia,

Fazendo, dessa escaleira,

Qual majestoso sólio…

Pudera, porém,

Ser um quase nada de espólio,

Pois que, ao passar, todos,

Enfim, a pisam,

E nessa obstinada pressa

Mal a divisam,

Ali, subjugada a seus pés,

Liminarmente esquecida,

Ela pouco mais

Do que matéria empedernida…

Mas isso que importa?

Assim a não vejo.

Olho-a, sim, mas c’ o olhar

Do meu desejo,

Pois que todos os dias,

Mal o sol fenece,

Um deus, algures, escuta

E atende a minha prece,

E já tudo se transfigura,

Tudo aí é quimera:

É nessa escaleira, a fim do dia,

Que o meu Amor me espera…

Texto: Carlos Paiva
Foto: Ana Rosa


Edição 712 (23/02/2017)

JOSÉ AFONSO – Trinta anos após: a sua vida, a sua obra, o seu exemplo

• António Alexandrino

Hoje, 5ª Feira, 23 de Fevereiro, passam 30 anos, desde o dia em que José Afonso nos deixou. A data é um pretexto para homenagem a José Afonso, poeta e cantor, sendo recordado com iniciativas diversas, em todo o país e na Galiza, que sempre lhe guardou um carinho e um respeito muito especiais. Para Paulo Esperança, vice-presidente da Associação José Afonso (AJA) compete não propriamente «celebrar a morte» do Zeca, mas sim «celebrar a sua vida, a sua obra e o seu exemplo cívico

Em destaque, múltiplas actividades. Assim, em Faro teve lugar o primeiro dos “30 anos, 30 concertos” organizados pela AJA. Aí ‘compareceram’ Mafalda Murta, Afonso Dias, Luís Galrito, a Orquestra Clássica do Sul e outros nomes, alguns dos quais ‘romperam as sandálias’ acompanhando as andanças dos “Cantares do Andarilho”: Rui Pato, Francisco Fanhais, Manuel Freire. Em Aveiro, o Auditório da Associação Mercado Negro apresentará o documentário “Não me obriguem a vir para a rua gritar, de João Pedro Moreira. Em Lisboa, na sede da AJA, terá lugar o recital “José Afonso e as palavras”, com a poetisa e actriz Júlia Lello e Marta Ramos a interpretar algumas das canções do Zeca. Em Braga, o Conservatório Gulbenkian  recebe um tributo com o grupo Canto d’Aqui, Artur Caldeira, Ana Ribeiro e Uxia. O livro “Escritas do Maio – escrever com José Afonso”, de Miguel Gouveia, vai ser reeditado; obra vocacionada para os estudantes mais novos, designadamente, os do 1º ciclo, propõe exercícios de escrita poética. No âmbito da música, também terá lugar uma reedição: o disco “Galiza a José Afonso”, que reúne a gravação de um concerto de homenagem ao cantor, no decurso de um espectáculo, em Vigo, em Maio de 1985, com a participação de vários artistas portugueses e galegos.

José Afonso marcou a história da música portuguesa, por diversas razões. É a amiúde recordado como, de uma forma um tanto redutora, “cantor de intervenção”. Sem deixar de o ser, «José Afonso é muito mais do que isso», no dizer de Paulo Esperança, ciente de que «durante anos tentou colar-se a José Afonso o rótulo de cantor de intervenção ou cantor da revolução». Para a AJA, este artista deu muito mais do que isso, devendo ser «analisado na sua globalidade», sem o confinar à ‘Grândola’ ou aos ‘Vampiros’, porquanto o autor «tem canções de amor lindíssimas e a grande parte da obra musical do Zeca nem sequer tem a ver com aquilo que as pessoas normalmente consideram canção revolucionária».

O vice-presidente da AJA sente que a obra de José Afonso tem vindo a encontrar eco na gente mais nova e elogia a nova geração de artistas que assumem essa influência e demonstram o seu apreço pelo autor de “Cantigas do Maio”. Grande parte da herança da obra manifesta-se, quantas das vezes, por músicos mais anónimos em pequenos espaços, um pouco por todo o país.

No entanto, Paulo Esperança entende que mais ainda há a fazer no sentido de as novas gerações reconhecerem a importância do autor de “Grândola Vila Morena”. «O ensino oficial devia prestar mais atenção ao José Afonso, não só na vertente musical, mas também poética», reconhecendo entretanto que tal depende também «da sensibilidade dos professores…»

 


Requiem por um amigo

• Carlos Paiva

Oh mas que fim de vida,

Mas que desgraça,

De um artista suicida

Darem nome a esta praça!…

‘Inda por cima,

Prá miséria não ser escassa,

Ao fim de uma avenida

Onde quase ninguém passa…

Quem diria coisas tais?

E logo tu, irmão dilecto,

Que além do mais

Foste também arquitecto…

Ah tanto monumento, prédio, casa,

E ser tua morada

Uma simples campa rasa,

Sem direito sequer a lápide…

 

Mas, no meio disto,

Houve quem quisesse

Saber de ti, amigo artista.

Assim a turba não esquece

Que foste alguém,

Que exististe…

Penso longamente nisto; porém

Não deixa de ser triste

Que tenham escolhido

Sítio tão fora de mão.

Mais valera ser esquecido –

Excomungado… porque não?

Pergunto-me como terás ido.

Foi da Ponte Salazar?

Ou porventura c’ um tiro,

Que era p’ra ser pró ar

E acertou-te, em cheio, no crânio…?

Isso agora não importa,

Já foi há tanto ano,

E se há de ti memória

É por causa desta placa,

Erguida a meio da praça.

Confunde-se c’ uma estaca,

Só o mais atento repara

E se dá ao trabalho

De ler teu nome, duas datas,

Além do pouco mais detalhe

Nas expressões ali gravadas:

Basicamente, o que foste,

Ou melhor, o que fizeste.

Fosse como fosse,

Um esforço inconsequente –

 

Sob o tecto dos teus projectos,

Delineados p’ra ser lar,

Vivem, agora, seres obscenos.

Comer, beber e fornicar

É tudo o que ali fazem,

E pouco mais, to garanto.

Não é provável que parem

E olhem, com todo espanto,

Prá perfeição do espaço

Que concebeste no estirador.

Gratidão? É um bem tão escasso.

‘Inda se tivesses sido cantor…

E os teus quadros? Expostos

Nalguma galeria soturna,

À mercê de dúbios gostos,

Não terão melhor fortuna…

Olha, não to queria dizer

(Já não te basta a tua dor),

Mas quem lá vai, após ver,

Diz-se capaz de melhor….

Só eu me compadeço,

Aprecio, verdadeiramente, a tua arte.

Estive lá a ver preço;

Confesso: nalguns casos, um disparate!

Mas acredita, amigo: se tivesse pilim,

Comprava-os todos, de rajada!

Seria menos triste o teu fim,

Nesta praça abandonada…

Até o meu cão,

Que aqui vim passear,

Contempla, com comoção,

Tua placa (onde acaba de urinar).

 

Ai!, como se adiantou a hora!

Distraí-me mais que o devido.

Desculpa, mas tenho de ir embora,

Perdoa-me, caro amigo.

É que estão à minha espera

Em casa, para jantar.

Amanhã, volto co’ a fera.

Se quiseres, entretanto, falar…

E desculpa, se neste longo rosário

Me estendi. Mas prometo:

Chegando a casa, vou ver, no dicionário,

Se foste alguém de jeito,

Ou se gastei o meu latim

Inutilmente. Mas não importa, comparsa,

Eu terei sempre razão: o teu fim,

Estava escrito, era morrer sem graça…


Catarina Rocha

Catarina Rocha, natural de Viseu, já é um nome conhecido no panorama musical português, pois iniciou a sua carreira no fado em 2012, depois de ter terminado os seus estudos (mestrado em Turismo e Desenvolvimento de Negócios, no Porto). Desde 2012, a artista tem feito espetáculos pelo país.

“Novo Mar”, single que anuncia o seu álbum de estreia, é um tema cheio de alegria que fala de um amor marinheiro que andou pelo mundo, mas voltou para ficar; com letra de Fernando Gomes dos Santos e música de Valter Rolo.

“Este álbum é a «minha cara», queria muito que o disco tivesse o meu estilo, os arranjos são muito atuais, e os poemas dizem exatamente o que me vai na alma” – explica a cantora.

O álbum “Luz”, foi produzido por Diogo Clemente (que tem produzido para grande nomes do fado – Carminho, Mariza, Raquel Tavares).

“Luz”, é composto por 10 temas, e contou com a participação de músicos de renome no Fado: Guilherme Banza (guitarra portuguesa), Marino de Freitas (baixo), Vicky Marques (percussão), Diogo Clemente (viola clássica) e Valter Rolo (teclados).

“É um álbum cheio de Luz, com frescura e leveza, mas ao mesmo tempo com temas muito fortes, como poderão constatar!” – acrescenta a artista.

Para além dos autores de “Novo Mar”, conta também com outros autores e compositores de renome, como Tiago Torres da Silva, Manuel Graça Pereira, Cátia Oliveira, José Gonçalez, e temas da autoria de Catarina Rocha.

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Ponta Delgada – o destino de uma viola dedilhada, ou Crónica de um violeiro atento, na senda do Prof. Alfredo Bensaude

• Joaquim Domingos Capela (Engº)

Dos sete aos vinte e dois anos, trabalhei na oficina de meu pai, conhecido violeiro, Domingos Ferreira Capela. Num armário ali existente, encontrei, por entre vários documentos, um que seria apenas a “Nota autobiográfica de um «luthier» amador”, Alfredo Bensaude (1856-1941). Talvez por ser jovem (n.1934) e não ter seguido aquela profissão, mas sim estudos de engenharia, no decorrer do tempo, esta figura desapareceu da minha memória, ‘regressando’ somente em 2010. Ao longo deste espaço de tempo, muita história se passou, da qual deixo algumas notas ligadas aos Açores.

Em Junho de 1990, integrado na tuna da Associação dos Antigos Tunos da Universidade de Coimbra (AATUC), como violinista, visito pela primeira vez os Açores – Angra do Heroísmo. Aí demos um concerto. Visitámos a Ilha, o que me deixou deslumbrado ao ver tanta beleza e um povo simpático e atencioso. Aproveitei para visitar o violeiro João Machado Lobão, que me facultou um livro da autoria do General José Alfredo Ferreira Almeida, titulado “VIOLA DE ARAME NOS AÇORES”, do qual constava a sua fotografia. Seguiu-se Ponta Delgada, onde simpática comitiva nos esperava, na qual se incluía o Dr. António Melo e sua esposa, senhora que gentilmente me levou a casa da colega Drª. Josefina de Medeiros, nascida na Povoação, e que conheci, quando estudante, na Universidade de Coimbra, no ano 1960-61. Perante a sua ausência, deixei uma mensagem na caixa de correio, evocando os nossos belos tempos vividos nesta cidade. Após concerto no Estabelecimento Prisional, deambulámos pela cidade, aproveitando para adquirir aquele livro.

Em Out./Nov. de 2000 a AATUC volta a actuar em Ponta Delgada e Angra do Heroísmo e, pela primeira vez, nas Ilhas do Faial e do Pico. Mais uma vez fiquei maravilhado, o que me leva, em anos sequentes, a completar o roteiro das Ilhas.

Em Abril de 1997, vou pela primeira vez à Ilha da Madeira, como turista, visita que, casualmente, viria, anos depois, a ser a causa do reencontro da figura do Professor Alfredo Bensaude. No Museu da Quinta das Cruzes, sito no Funchal, assisto a um belíssimo concerto dado pela Orquestra dos Bandolins da Madeira, dirigida pelo saudoso Maestro Eurico Martins (1954-2014), pessoa que conheci e a quem dei a saber ser violeiro amador. Quinze dias depois, este Maestro batia à porta da minha residência, sita em S. Félix da Marinha, V. N. de Gaia. Depois de ver diversos instrumentos, acaba por adquirir dois bandolins. Mais tarde, pede-me para construir bandoletas, bandolas e bandoloncelos, o que constituiu para mim um desafio fortemente motivador. Desenho o conjunto da ‘família’ com linhas harmoniosas e equilibradas e inicio a sua construção, de tal modo que, por volta de 2005, esta orquestra possuía cerca de duas dezenas de instrumentos. Adquiro, assim, larga experiência no domínio da técnica e da acústica. Sonhei, então, escrever um livro abrangente sobre estes instrumentos e, para o efeito, consulto, durante alguns anos, muito do que existia sobre bandolins e, em 2010, deparo na Biblioteca do Conservatório Nacional de Música de Lisboa, com uma colecção de revistas, “A Arte Musical”, obra de excepcional interesse, por abordar a história da música e da violaria, sendo o seu director uma pessoa conhecida e prestigiada, Michel’angelo Lambertini (1862-1920), amigo pessoal do Dr. Alfredo Bensaude. Numa das revistas (nº 362, Ano XVI, de 15 de Janeiro de 1914, Lisboa), reencontro a ‘autobiografia’ que tinha lido quando jovem. Bem haja, Dr. Alfredo Bensaude, pela coragem de nos ter deixado tal documento e os seus violinos, o que muito enriqueceu a história da violaria portuguesa.

Em Agosto de 2012, visito pela sexta vez Ponta Delgada, onde adquiro um livro,  “A VIOLA DE DOIS CORAÇÕES”, de autoria de Manuel Ferreira, obra de excepcional qualidade, da qual colhi informações interessantes, que me permitiram, em 2013, conhecer: o General José Alfredo Ferreira Almeida, o professor de viola e violeiro Miguel Pimentel, o violeiro Dinis Manuel Raposo e seu filho, o Engenheiro Aníbal Duarte Raposo, o professor de viola Rafael Carvalho, o guitarrista José Pracana e o Prof. Dr. Rui de Sousa Martins, director do museu de instrumentos musicais de Vila Franca do Campo, o qual visitei mais tarde.

Nem nos livros, nem nos contactos havidos, ao longo das minhas visitas ao Arquipélago, vi ou ouvi qualquer referência ao Dr. Alfredo Bensaude, nem eu, tão-pouco, tinha procurado conhecer a sua vida. Estava hospedado no “Hotel Açores Atlântico”. Ocorreu-me pedir informações na recepção sobre a família Bensaude. Foi-me dito ser esta a proprietária do hotel. Manifestei à Administração o desejo de contactar alguém da família, a fim de conhecer a história do Dr. Bensaude. Amavelmente, em 9 de Setembro, sou recebido pelo administrador do grupo que, no fim da nossa conversa, me ofereceu um texto com oito páginas: “Prof. Alfredo Bensaude – UM PEDAGOGO REFORMADOR”. Informou-me ainda ter sido publicado um livro sobre a sua vida, aquando do primeiro centenário da fundação do Instituto Superior Técnico, escola da qual foi o seu primeiro director e onde se encontra um violino de sua autoria. Em 22 de Novembro do mesmo ano, visito o I.S.T. Num dos corredores do edifício principal,  pergunto onde poderia ver este violino. Sorte a minha, pois estava a falar com o Prof. Manuel Francisco Costa Pereira, director do “Museu Alfredo Bensaude”, que teve a amabilidade de me oferecer aquele livro “A Génese do Técnico – Alfredo Bensaude” e de me proporcionar uma visita a este  museu. Na ocasião não foi possível ver o instrumento, por motivos de ordem burocrática.

Li o livro muito atentamente e fiquei espantado com a grandeza da obra deixada por Bensaude, encarnada pela inteligência, pela determinação, pela influência dos valores de família, mas muito certamente pela sua formação recebida nas escolas alemãs. Ressalta ao nosso espírito a sua firme convicção de que o engenheiro deveria possuir duas pernas para bem caminhar, uma delas “a teoria” e a outra “a prática”, visão que sempre defendi enquanto docente da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Mas a minha grande admiração pelo Dr. Bensaude vai também para o facto de ele ter sido violeiro, faceta invulgar, ou talvez única, em pessoas da alta sociedade, mas muito reveladora da sua grande sensibilidade artística, aspecto que aprecio por ser também violeiro e ambos dedicarmos, ou ‘baptizarmos’, os nossos instrumentos.

O Dr. Alfredo Bensaude diz naquele livro ter sido o seu pai o grande formador do seu carácter e o responsável pelo seu interesse precoce por ciência: «As suas aulas, sobretudo as de geometria, marcaram-me fortemente na minha infância; com ela, senti pela primeira vez a emoção estética provocada por um conjunto bem ordenado de deduções conduzindo a um resultado irrefutável…» Nele, narra ainda: «O ensino do desenho técnico, até então desprezado, fora elevado à categoria de assunto de primeira importância, o que também chocava, pois havia nesse tempo quem sustentasse que os engenheiros não precisavam de saber desenhar, sendo esse o mester dos desenhadores!(…) finalmente, parecia mal a muita gente que os alunos de uma escola superior fossem obrigados a envergar o fato de ganga dos operários, e trabalhar ao lado destes nas oficinas pedagógicas».

Frequentei o curso de serralharia mecânica, na Escola Industrial Infante D. Henrique no Porto; no primeiro ano (1946-47) recebi uma boa formação na disciplina de Geometria, dada pelo professor Arquitecto Teodósio Ferreira, onde aprendi o traçado da elipse, da parábola e da hipérbole (chamadas cónicas) e muitos outros saberes desta área. Por serem o desenho e a arte da violaria duas das minhas paixões, construí, em 1996, a viola nº 20 (violão) em homenagem a este meu estimado professor.

É interessante notar que entre estes dois mestres existia um ponto comum: a Geometria, na qual, perdoem-me a imagem, o cruzamento de duas rectas define um ponto comum.

É-me grato reconhecer, em tão notável Doutor, a força criadora do seu pensamento, reflectida não só na criação daquela Escola Superior, voltada para a técnica, para a ciência e para o futuro, mas também na arte, modelada na madeira dos seus violinos.

Eis os motivos que me levam a doar este cordofone e a colocar no seu interior a seguinte etiqueta:

 

«Viola dedilhada doada ao Museu Carlos Machado para perpetuar a minha admiração por tão ilustre cidadão micaelense, Dr. Alfredo Bensaude, cientista, pedagogo e violeiro.

13 de Março de 2016»

S. Félix da Marinha, 20 de Abril de 2016

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Indefinitivamente

• Carlos Paiva

Isso que não leva nem traz,

Te conduz sequer a alguma paz,

Tampouco desencadeia atrito,

Nunca te induz ao conflito,

Isso que não te amordaça,

Nem é dor que logo passa,

Cujo sexo se não discerne,

Não voa, não rasteja, não é verme,

Isso que não chega a vertigem,

Nem é chão que outros pisem,

Existe, entre líquido e sólido,

Tão confuso por ser tão óbvio,

Isso que é grito inaudível,

Dor que lateja e vibra, insensível,

Chega a divino, de tão humano,

Flui, a cada instante, porque estagna,

Isso que não chora ou regozija,

Nem vendaval, menos ainda brisa,

Algo no meio que não se encontra,

Vértice anguloso em coisa redonda,

Isso, enfim, o que te esmaga,

Delito de existir, pecado insigne,

Te faz não ser, e além nada,

É, simplesmente, o quanto te indefine!…

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Edição 710 (26/01/2017)

Numerologia – Os números decidem a nossa vida e destino?

• António Alexandrino

Mapas traçam perfis que, supostamente, ajudam a descobrir aptidões. Vamos acreditar nesta “ciência”?

Será que aos números incumbe uma finalidade bem mais ampla do que um simples cálculo matemático e que estes determinam a nossa maneira de ser? Ana Sequeira, numeróloga e autora do livro “O poder dos números da sua vida”, lançado recentemente, defende a ideia de que «todos os números à nossa volta estão carregados de significado» e que, através do estudo da data de nascimento de uma pessoa, será possível «predizer as características da sua personalidade e perceber o plano da alma para essa vida e a forma mais fácil de o pôr em prática».

Os adeptos desta pseudociência sustentam que terá sido Pitágoras a descobrir a influência dos números no carácter e no destino das pessoas. Crença esta que, no entanto, é liminarmente enjeitada por matemáticos.

Assim, o matemático António Machiavelo, docente da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, assegura que «Do ponto de vista matemático, não há absolutamente nada que justifique ou que faça algum sentido, quanto a essas associações. Aliás, é muito curioso, porque desde os anos 50 do século passado que se estabeleceu que Pitágoras pode não ter tido nada a ver com matemática, além de que os seus ensinamentos eram transmitidos oralmente. Muitas das coisas que se conhecem hoje de Pitágoras foram escritas 800 anos depois de ele ter vivido. E, ao longo dos séculos, foram sendo ‘embelezadas’». Continua Machiavelo: «Quando se pretende dar alguma seriedade a algo, associa-se um nome importante. Por exemplo, há inúmeras frases atribuídas a Einstein, que Einstein nunca disse».

No entanto, para a numeróloga Ana sequeira, a problemática dos números é para levar a sério: «No meu caso, foquei-me numa visão mais terapêutica». Acredita que a numeralogia pode ser utilizada como uma terapia. E explica: «Pode ser usada como análise comportamental para conseguirmos perceber aquilo que é melhor para nós. A ideia é fazer-se um caminho de autoconhecimento». Nesta conformidade, «a pessoa perceberá o seu comportamento, o propósito de certas experiências da sua vida, passará a conhecer as suas fraquezas e os seus pontos fortes, as dificuldades e oportunidades, os caminhos a evitar e a identificar bloqueios que a impedem de viver ao máximo as suas potencialidades». Mas, atenção, isto «não significa que tenha o destino traçado».

Ana Sequeira diz crer que «a felicidade está ao alcance daqueles que estão dispostos a conhecer-se».  Todavia, o matemático António Machiavelo contrapõe: «Uma coisa é reconhecer que muito no universo pode ser explicado por fórmulas matemáticas», que até podem ser testadas, e que «outra coisa é afirmar que as letras do nosso nome correspondem a números», de modo a que algumas pessoas ‘especiais’ possam dizer quem somos, prever o que vai acontecer, os nossos sentimentos e necessidades e o que fazer.

Para o matemático, «a numerologia, assim como outras pseudociências que carecem de fundamento, não são inócuas: pretendem ‘adiantar’ respostas simplistas aos problemas sérios da vida e podem fazer com que alguns, em vez de resolverem esses problemas do melhor modo, caiam em fantasias que os distraem do mundo real, por vezes com consequências nefastas e evitáveis».

Em posição adversa, há quem, tal como Ana Sequeira, defenda que a verdade é que «os números são omnipresentes e que são usados nas leis e fórmulas que representam o equilíbrio do Universo». Daí, acreditarem que a numerologia «é tão-somente uma porta de entrada para os mistérios da vida».


Taxa de pós-Natalidade

de Carlos Paiva

Pós-Natal vem o período

Em que quase, quase tudo

Volta a ser como era.

Assim se esfuma a quimera

Do espírito natalício (ou natalácio…)

Exemplo: voltei a falar c’ o Acácio,

Tu c’ o Adalbertino,

Corrigindo o desatino

Que durava há ano e tanto.

Toma o perdão do pranto

O lugar, mas, entretanto,

Fica a questão: até quando?

Segundo costume do povo,

Até pouco além de Ano Novo,

O que já é o bastante

P’ra levar vida por diante.

Ouve: aperta a mão àquele moço,

Que logo será o pescoço,

Assim que volvida quinzena

No de Jano, ou quiçá lua cheia,

Tanto vale, tanto faz,

Acesso momentâneo de paz

Até voltar à guerrilha

Do ano que há pouco finda…

É querer moldar o barro

Mas voltar a ser o escarro

Cuspido de um deus menor.

Não se muda p’ra melhor,

Muda-se para o que for,

Para o que der e vier,

É-se o que se pode, não que se quer…

Em relação à vida,

O que seja que se decida

Vem diverso e contrário,

Não se rege por calendário.

Tenho que esta quadra

É maleita que logo passa,

Género de espasmo neurótico,

Embora não careça antibiótico,

Pastilhas Doutor Bayard

São bem capazes de curar

Tão fugaz enfermidade.

No fim, faz somente tua parte –

Votos de Amor, etc., também Felicidade –,

Depois verás, ano dentro,

Mortais restos desse prometimento,

E que viver é só ressaca

Da embriaguez de uma semana,

Um pouco mais, se quisermos –

Até aos Reis, mais coisa, menos…

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Edição 709 (12/01/2017)

Fecho-éclair – Há cem anos que o usamos!

• António Alexandrino

A invenção do ziper, em 1917, teve assinalável impacto na moda, no cinema e marcou a forma como o vestuário evoluiu.

Aproxima-se o dia 20 de Março, data que marca os cem anos do registo da primeira patente do fecho-éclair. Começou por designar-se “C-Curity”, tendo-se popularizado anos mais tarde como ‘ziper’, uma onomatopeia (“sugestão da imagem auditiva de um objecto, por meio de um concurso particular de sons verbais”). Em Portugal, denomina-se ‘fecho-éclair’, pela empresa francesa que os comercializava: ‘Fermeture Éclair’.

Na moda, a grande responsável pela utilização de fechos foi a famosa estilista de alta costura Elsa Schiaparelli. No atelier de Paris, começou a fazer desenhos de coordenados com fechos, numa perspectiva quer utilitária, quer decorativa.

Hollywood e Broadway começaram a usar o fecho para transmitir imagens de sexualidade, na década de 40. Disso é exemplo o musical de Rogers e Hart, com o famoso ‘striptease’ com o refrão de “zip”. Igualmente Rita Hayworth, no filme “Gilda”, usou o fecho como provocação sexual. E já Aldous Huxley fizera este tipo de associação em “Admirável Mundo Novo”.

No final da década de 40, após a Segunda Guerra, os zíperes tornaram-se comuns nas calças masculinas e no pronto-a-vestir. Os zíperes nos uniformes, durante a Guerra, são por muitos associados à sua popularização. Na década de 50, o zíper era o fixador para tudo, desde as calças às saias, das mochilas aos casacos de couro.

Esta invenção transporta consigo enorme maleabilidade. Com efeito, se o fecho-éclair se estraga, tal não é motivo para que um casaco ou um vestido se tornem irrecuperáveis.

Se olharmos com atenção para os fechos da nossa roupa, poderemos encontrar a sigla YKK, cujo significado é “Yoshida Kogyo Kabushikikaisha”, o nome da companhia fundada pelo japonês Tadao Yoshida, em 1934, em Tóquio. Esta empresa, a laborar em 71 países, produz 45% dos fechos mundialmente. O segredo do sucesso deste japonês é atribuído ao factor-qualidade; por isso, estes fechos são mais caros do que todos os concorrentes. Com efeito, o empresário nipónico percebeu que um fecho pode arruinar uma roupa. Os lesados serão os vendedores do produto final, sem que esteja garantida a qualidade do produto, o que afinal é uma regra de ouro do senso comum!

E pronto, com cem anos já o fecho-éclair conta… e dado o seu carácter manifestamente prático, poderemos augurar-lhe (ao que é suposto) longa vida!

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Edição 708 (22/12/2016)

• António Alexandrino

Natal sem presépio seria… qual “seria”… obviamente, que “não seria”. Sem mais!… Pode lá falar-se de Natal, sem conceder o devido espaço ao Presépio?

Os presépios, dos mais “vistos” ou tradicionais, aos alternativos (estamos no Século XXI, com umas tantas características fiéis ao tempo que passa) são uma das imagens de marca da época natalícia.

Adaptando-se ao sinal dos tempos, todos os anos chegam novidades ao mercado, embora algumas tragam o sinete que lhes confere uns laivos de originalidade, eivada mesmo de alguma ousadia. Este ano, a proposta mais bizarra veio do site Modern Nativity para quem, se Jesus viesse ao Mundo hodiernamente, e em ‘moldes natalícios’, certamente que a clássica cena que nos habituámos a ver nos presépios passaria por mudanças bem patentes. Ora vejamos.

Os três Reis Magos viriam munidos do GPS para localização adequada da Criança recém-nascida, com a oportuna ajuda do canal do Facebook e a boa-nova seria de imediato publicada no Twitter.

A pensar nisso, a Modern Nativity criou a versão da história católica para o novo milénio. A cena inclui José e Maria a tirar uma “selfie” com o recém-nascido, os Reis Magos a carregarem os presentes de Segway e a vaca a comer ração sem glúten. Junto aos animais, um pastor. É suposto (nem poderia ser outra coisa) estar a ouvir música no seu tablet digital. Este “Hipster Nativity Set” custa cerca de 120 euros – até isso é um sinal deste tempo consumista!

Deixando de lado as propostas alternativas, que talvez deixassem incomodado o mestre setecentista Machado de Castro, criador dos mais belos presépios barrocos portugueses (cite-se, a título de exemplo, a da Basílica da Estrela, em Lisboa) e passemos aos alvitres que as empresas de brinquedos têm lançado. Não será de somenos dizer que “o segredo é a alma do negócio”! Daí que a “oferta” proporcione conjuntos de presépios específicos para crianças de apenas um ano, de quatro anos, e para as mais crescidas.

Isso mesmo propõe a Fisher Price, com o seu presépio Little People, o Kit de Presépio Fofuchas, o presépio Pinypon ou os presépios da Playmobil, com versões até aos quatro anos, e dos quatro aos dez anos, um pouco mais completa, que inclui palmeira, cesta e vassoura.

“A todos um Bom Natal”.

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Edição 707 (08/12/2016)

Eunice Muñoz – Uma Senhora do palco

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• António Alexandrino

Eunice Muñoz está de volta à ribalta, por ocasião dos seus 88 anos e, sobretudo para continuar a sua longa e prestigiada carreira – são já 75 anos no palco e, pasme-se, com ideias de voltar ao activo!

Perante tais perspectivas e um azado ‘cenário’, montado numa sala daquele Teatro Nacional, a Imprensa entendeu, por ocasião dos 75 anos de carreira no teatro, auscultar o que de significativo esta ‘diva’ do palco tinha para lembrar ou revelar. De facto, uma carreira de 75 anos não é coisa de somenos! E aí tivemos a actriz, no dia em que completou tão longo trajecto (29 de Novembro), falando com os jornalistas e desdobrando-se em entrevistas para a rádio e para a televisão. E foi adiantando que, no verão do próximo ano, voltará ao palco para fazer teatro – «só posso dizer que será aqui, no D. Maria, com uma peça de Shakespeare».

Eunice, simplesmente uma Grande Senhora da ribalta, fala de tudo “com um sorriso rasgado e uma disponibilidade desarmante… e pausas muito características, porque os silêncios da actriz também são uma grande lição…”

Pouco depois ela entraria no palco da sala principal, para perpassar uma lição sobre a sua experiência de vida artística. Com efeito, foi em 28 de Novembro de 1941 que se estreou, precisamente no Teatro D. Maria, integrando o elenco da peça “Vendaval”, de Virgínia Vitorino, com encenação de Amélia Rey Colaço e Robles Monteiro. Eunice evoca esse momento: «Foi um dia de pânico; eu era muito miúda, tinha treze anos, mas a D. Amélia foi extraordinária para mim. Foi sempre uma grande amiga».

Das peças que mais a marcaram, ao longo destes 75 anos, evoca, sem hesitar, “Zerlina”, «uma grande peça, um grande papel».

Na plateia, estudantes de teatro, espectadores e admiradores da actriz, além de convidados especiais. Sobre os problemas de saúde que a afectaram e a afastaram dos palcos, fala em energias negativas que se abateram sobre si: «Foi muito má ao mesmo tempo. Mas, se aprendi algo com tudo isto, é que sinto que melhorei bastante. Entrou em mim uma paz e uma acalmia em relação a tudo, que têm sido muito importantes. Eu hoje dificilmente me aborreço com alguma coisa».

Apesar dos seus 88 anos e com um incomum currículo de 75 anos, vamos aguardar.

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Descaído em graça

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Crédito da Foto: Ana Rosa (www.instagram.com/ana_rosa122/)

 

• Carlos Paiva

Quê? Cair na graça das musas,

Se, de graça, nada nos dão?

E considerai, então, as lusas,

Que, do modo como são,

Nos têm em tal estima,

Tão aquém de gentalha,

Que é a graça tão ínfima,

Não vai além de migalha!…

Tágides, eu nunca vi,

Embora delas ouvisse,

De um poeta que outrora li,

Assomarem à superfície

Do caudal que vem de Espanha,

Gerando nesse vate

Inspiração tão tamanha,

Que lhe subiu a arte

Ao mais elevado cume

De todo o Monte Parnaso.

Eu não lhe tenho ciúme;

Embora poeta raso,

Meu talento é bem outro,

Não obstante ser pouco:

É lutar, corpo a corpo,

Sobre a lama, sobre o lodo,

E nessa dura contenda

Onde se quebram ossos,

Subtil mistério se desvenda

Aos olhos nossos:

O sublime opositor

Dessa arena onde cais

Conhece o teu Ser de cor,

Os passos por onde vais,

Teus movimentos, de improviso,

Antecipa, são desviados,

Sabe estar onde preciso,

Tem-nos estudados

A tal ponto e tanto,

Que a cada assalto

Regressas ao teu canto

Desse beligerante palco

Confuso, completamente aturdido,

E é então que dás conta

De estares a lutar contigo

E que a vitória se encontra

No golpe não desferido,

Em nova ferida, que abre e dói –

Da inspiração, todo o sentido

É, afinal, não ser tudo o que se foi…

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Edição 706 (24/11/2016)

Leonard Cohen – o músico que foi poeta até ao fim

• António Alexandrino

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Há anos que Leonard Cohen constava da bolsa das apostas do Nobel da Literatura, sem no entanto ser considerado favorito – a Bob Dylan, imprevistamente, foi-lhe atribuído o prémio, este ano… O maior relevo literário viera-lhe de Espanha, há cinco anos, aquando da atribuição do Prémio ‘Príncipe das Astúrias’.

Senhor de uma voz única (um tanto ‘rouca’, arrastada, cava e grave), o poeta, cantor e compositor, de nacionalidade canadiana, nascido em 1934 numa família judaica em Montreal, morreu aos 82 anos (feitos a 21 de Setembro passado). Há poucas semanas, no decorrer de uma entrevista à ‘New Yorker’, havia produzido esta afirmação desconcertante: “Estou preparado para morrer”. Cohen vivia em Los Angeles, nos Estados Unidos. Lançara o seu último álbum (o 14º de estúdio), no mês passado (“You want it darker”) que reflecte, também, sobre a sua própria mortalidade, como que em jeito de “carta de despedida”.

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A notícia da morte deste lendário poeta, compositor e artista, entretanto divulgada pelo seu agente na página do Facebook do músico («… perdemos um dos visionários mais prolíficos e respeitados do mundo da música») como que a todos apanhou de surpresa.

Em Julho passado, Leonard deparou-se com a morte de Marianne Ihlen, sua musa e companheira, norueguesa, com quem viveu na ilha de Hydra – e que inspirou a canção ‘So long, Marianne’. Poucos dias antes de ela morrer, escreveu- lhe uma carta, porventura profética: «Acho que vou seguir-te muito em breve. Sei que estou tão perto de ti que, se esticares a mão, acho que consegues tocar na minha».

Tinha 16 anos, quando começou «a esculpir os primeiros versos» e  licenciou-se em literatura na Universidade McGill, em 1955. A sua morte desencadeou  múltiplas reacções, no âmbito de diversas áreas e quadrantes. Para muitos de nós, «Cohen era o maior de todos os escritores de canções. Impossível de imitar, por mais que tentássemos»  (Nick Cave). O seu primeiro disco, “Songs of Leonard Cohen” publicou-o em 1967, aos 30 anos – e estão lá já dois clássicos do padecimento amoroso: “Suzanne” e “So long, Marianne”. A estes, à guisa de uma hipotética, ainda que aleatória, ‘primeira escolha’, juntemos “Bird on the wire” (uma das suas canções mais emblemáticas),1969; “Avalanche”, 1971; “Hallelujah” (provavelmente a sua canção mais conhecida e aquela que foi alvo de mais versões), 1984; “Take This Waltz” (adaptação de um poema de Frederico Garcia Lorca, um dos poetas da preferência de Leonard Cohen), 1986.

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Cogito… asinus sum!

 • Carlos Paiva

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Há certo e determinado burro que eu conheço,

O qual, não parecendo o que sou, é aquilo que lhe pareço

(Como diria, com truques de linguagem, o António Aleixo,

Referindo-se a sentidos cuja interpretação aqui vos deixo…).

Estoutro burro, por comer palha sempre no mesmo pasto,

Perdeu, por azar, a noção do quanto o mundo é vasto,

E por zurrar, sempre e ainda, nas mesmas pastagens,

Desconhece, afinal, haver naquele outras tantas linguagens…

Mais: o facto de tal pasto estar ao fundo de um remoto vale

Faz com que se julgue um burro sem par nem igual,

Tanto que, estando aí, e zurrando nas quatro direcções,

Pensa ser absoluto senhor de todos os conhecimentos e razões

Dos quais é composto este mundo – e pudera! -,

Pois remoendo, dias e noites a fio, na mesma erva,

Todo aquele pouco que come, para ele, é muito,

E se calha a provar doutra coisa, é acontecimento fortuito

E a não repetir de futuro, e isto porque aquele corpo,

De tão habituado àquele palhame, já não quer outro,

E assim, quando zurra, num zurrar arrogante e burgesso,

Repete, invariavelmente, quase sempre, o mesmo verso;

E se o contrariam, zurra ainda de modo mais feroz,

E só fica, enfim, plenamente satisfeito c’ o eco da própria voz,

O que quase sempre sucede, estando em tal vale encurralado,

E não lhe interessando entender as dietas doutro gado,

Seja da vaca, do boi, do potro, do cavalo, ou do bisonte,

Os quais até conhecera, pudesse ver além do estreito horizonte…

Mas não! Pasta e zurra, zurra e pasta, enche o bandulho,

E zurra outra vez, mas a pontos de tal barulho

Não se saber, estimados senhores, ao fim e ao cabo,

Se é obra do seu focinho, ou se é proeza do seu rabo!

Assim como assim, vai daí que D. Consciência, sua proprietária,

Responsável máxima destoutra exploração pecuária,

Não fora, por deletérias influências de terceiros e malignas,

Perder este burro o seu cúmulo de virtudes asininas,

Melhor fez, e não perdendo tempo a pensá-las,

Onerou o pobre burro com canga e um par de palas,

Para que, a salvo de toda a maldade estrangeira,

Paste e zurre, sim, mas sempre da mesma maneira!

Abençoado seja tal burro, fora os que ainda estão p’ra vir,

Pois p’lo focinho ou p’lo rabo, já é certo o que vai sair!

É deixá-lo andar, co’a vista afunilada e a canga na cerviz,

Pois assim como vai, está bem que é burro… mas é feliz!

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Edição 705 (10/11/2016)

Mário Cláudio, vencedor do Grande Prémio APE, pela segunda vez

• António Alexandrino

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Mário Cláudio conquistou pela segunda vez o Grande Prémio de Romance e Novela. Trinta anos depois, o escritor foi novamente galardoado com o Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores (APE). “Retrato de rapaz”, escolhido por maioria, foi o livro que mereceu a preferência do júri.

O autor de “Guilhermina”, depois de “Amadeo” (distinguido em 1985), voltou a conquistar um dos mais relevantes prémios literários portugueses. Junta-se, assim, a um lote restrito de escritores, que ganharam por duas vezes (Vergílio Ferreira, Agustina Bessa-Luís, António Lobo Antunes e Maria Gabriela Llansol).

O livro “Retrato de rapaz” concitou a escolha de três elementos do júri (Ana Paula Arnaut, Miguel Real e Miguel Miranda), tendo os restantes (Maria João Cantinho e Isabel Cristina Mateus) votado em “Impunidade”, de H. G. Cancela.

Publicado pela D. Quixote – editora de sempre de Mário Cláudio – no ano transacto, “Retrato de rapaz” foi o segundo volume de uma trilogia dedicada à relação entre seres de diferentes gerações. Na novela distinguida, o autor faz uma ficção em torno da vida de Giacomo, um discípulo no estúdio do artista da Renascença Leonardo da Vinci.

A trilogia, que incluiu “Boa noite, senhor Soares” – uma revisitação do semi-heterónimo pessoano Bernardo Soares – chegou ao términus já este ano, com “O fotógrafo e a rapariga”. A narração tem como protagonistas o escritor inglês Lewis Carroll e Alice Lidell, a jovem que inspirou “Alice no País das Maravilhas”.

Sob o patrocínio da Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, da Fundação Calouste Gulbenkian, da Imprensa Nacional Casa da Moeda, do Instituto Camões e da Sociedade Portuguesa de Autores, o Grande Prémio de Romance e Novela da APE vai na 33ª edição e tem um valor pecuniário de 15 mil euros.

No entanto, Mário Cláudio não pára de escrever e, por ocasião da publicação de “O fotógrafo e a rapariga”, revelou que está a trabalhar num romance passado na actualidade, mas que atravessa várias fases históricas: «A figura central é Camões. Como ele é lido em várias épocas e as construções de que a sua obra foi sendo alvo».

Edição 704 (20/10/2016)

Sessão de entrega de prémios realizou-se no dia 30 de setembro

Concurso literário “Vouzela, um património a descobrir” premiou dois trabalhos

• Redacão

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Na edição anterior já demos notícia sobre a sessão de entrega de prémios do concurso literário “Vouzela, um património a descobrir”, promovido pela ADRL – Associação de Desenvolvimento Rural de Lafões, em parceria com o Município de Vouzela, o jornal “Gazeta da Beira”, os Agrupamentos de Escolas de Vouzela (AEV), de Vouzela e Campia (AEVC) e a Escola Profissional de Vouzela (EPV).

 

Anúncio da edição do próximo ano

Satisfeita com a participação no concurso, a vereadora Carla Maia sublinhou a qualidade dos trabalhos apresentados. “Este é o momento para agradecermos aos concorrentes, enaltecermos a sua ousadia em participar e darmos os parabéns pelos trabalhos apresentados.

É bom saber que temos pessoas atentas à nossa terra, à sua riqueza histórica, cultural e patrimonial e que, acima de tudo, a estimam e valorizam.

Foi muito positivo sentir isso nos vossos textos”, salientou a vereadora que aproveitou o momento para anunciar a abertura do concurso para o próximo ano.

Por sua vez, Raquel Ferreira, na qualidade de coordenadora do Concurso enfatizou o anúncio feito por Carla Maia ao mesmo tempo que informou que seriam introduzidas algumas alterações no regulamento da próxima edição.

 

A Fonte da Nogueira

• Paula Lobo, de Oliveira de Frades – venceu na categoria aberta à população em geral

Descendo a Rua S. Frei Gil, em Vouzela, passamos a casa dos Távora do lado direito, imponente na sua herança histórica, aguarda o regresso dos áureos dias em que o seu brasão ostentava a nobreza da sua linhagem. Por entre o casario antigo, chega-se à Ponte Medieval conhecida como Ponte Romana sobre o tímido Rio Zela. É aí que tomando a direção do lado esquerdo vamos encontrar adiante, a fresca água que brota da Fonte da Nogueira. Construção simples e enigmática suporta dois modestos arcos em que o da direita ostenta o Brasão Real de quem a mandou construir. Entre os arcos, um banco convida a um descanso depois de saciada a sede. A água do rio canta a sua marcha alegre de quem tem pressa de ir, de chegar ao seu destino mais adiante na Foz onde se junta ao Vouga. Sobre a Fonte diz-se dos Amores e que quem dela beber, casará em Vouzela. Pouco se sabe desta bela fonte e menos ainda das histórias que lhe deram fama de romântica. Mas há a história que o velho salgueiro-chorão conta a quem o souber escutar, que a ouviu dos seus avós que haviam ouvido dos seus…

Decorria a primeira metade do século XVI…

Aquela noite estava iluminada por uma lua de prata. O Infante dispensou a guarda, continuou a descer a rua em vez de se recolher à pequena casa que o hospedava. Chegado à ponte, debruçou-se, olhando a estreita corrente de água que à luz do luar transparecia os redondos seixos do rio. Olhou em redor, ninguém por perto, apenas o murmurar da água e o coaxar das rãs. Pensou em como era agradável aquele lugar, longe do palratório dos anfitriões da Casa da Cavalaria e demais convidados que o tentavam impressionar com atenções e cuidados numa faustosa ceia de boa vitela regada com bom vinho, fazendo justiça à fama que a região tinha. O estômago, não habituado a tais fortes comidas, reclamou vigorosamente. Despiu a casaca de fino tecido bordado que trajava, pousou-a sobre a varanda da ponte, respirou fundo o ar fresco da noite que trazia consigo o aroma húmido dos campos de pasto e das mimosas e sentiu paz. Foi interrompido por um ruído que parecia vir mesmo debaixo de si, sob da ponte.

Olhou na direção do barulho tentando perceber a origem e enxergou um vulto numa evidente fuga pelas escadas existentes no muro da margem direita do rio. O Infante, jovem de armas experiente, num salto ágil agarrou-o fortemente sem lhe dar hipótese de fuga. Uma nervosa voz feminina fez-se ouvir enquanto tentava soltar-se dos braços que a prendiam:

– Por favor, deixai-me ir! Não fiz nada de mal, nem tinha intenção! Por favor! Por favor! – Sossegai, senhora. – Pediu o Infante, libertando-a. – O que fazeis aqui a estas horas da noite e sozinha? Quem sois? Como vos chamais? Respondei! – Inquiriu com autoridade.

– Não digais nada ao Infante, senhor! Pois ele poderá ficar mal impressionado com as gentesde Vouzela. – Implorou a mulher assustada.

– Dizer ao Infante? Mas se… – Pensou melhor. – Não contarei se responderdes às minhasperguntas, senhora.

Mais calma, a mulher contou o que a levava ali àquela hora da noite:

– Sou lavadeira da Casa da Cavalaria. Lavo aqui, debaixo da ponte, a roupa da minha senhora,mas hoje, quando arrumava o rol, dei pela falta de um toucado. Se a senhora souber que perdi uma peça, castiga-me severamente. Por isso voltei para o procurar, a noite está tão clara que parece dia.

– Encontrastes o que procuráveis?

– Sim. Está aqui, no bolso da minha saia, senhor guarda, vêde. – E metendo a mão ao bolso,tirou um toucado branco que estendeu ao Infante.

Ele anuiu com a cabeça e pensou: “Ela julga-me um guarda, não me reconheceu.“ A ideia de se passar por outra pessoa agradou-lhe e sorrindo, ergueu os olhos do toucado para a mulher:

– Como vos chamais, senhora?

– Rosa, senhor. – Sentindo o olhar que a fitava curiosamente, baixou humildemente o seu.

– Rosa… uma flor iluminada pela luz de prata da noite… – Murmurou ele.

De súbito, sentiu o estômago revoltar-se de novo. Levou a mão à barriga e o seu rosto contorceu-se levemente de dor. Rosa, sem hesitar, deu um passo na sua direção, pousou a mão no ombro do infante e genuinamente preocupada, procurou:

– Estais bem? Que tendes senhor?

– Nada de grave. A ceia ainda anda às voltas aqui dentro, só isso.

– Estais enfartado!

– Sim, estou enfartado.

– Vinde comigo. – Pediu-lhe Rosa, voltando-lhe as costas. – Segui-me, vinde.

O Infante seguiu Rosa que caminhava ao longo do leito do rio em sentido contrário à sua corrente. Alguns metros adiante, o caminho terminou frente a um arvoredo baixo denso, dominado por uma frondosa nogueira entre outras. Rosa parou, avançou para a árvore, afastou algumas ervas e dirigindo o olhar para o Infante, ofereceu:

– Bebei desta água, senhor guarda, ficareis bem melhor. Garanto-vos!

O Infante aproximou-se e viu um pequeno regato que corria discretamente por entre as fortes raízes da nogueira que havia crescido teimosamente por entre as fragas.

– Um regato? Beber água do regato?

– Não se trata de um regato, senhor. Prometei-me que não contareis a ninguém. Prometei!

– Prometo, mas se não é um regato é o quê?

– Uma nascente! Revelou Rosa triunfante. – Somente eu sei da sua existência! Descobria-a hámuito tempo, desde que lavo aqui. É uma água muito boa, muito saudável senhor, provai!

O Infante, habituado a tratamento real, hesitou um pouco:

– Mas como bebo se não tenho caneca?

– Irei buscar uma para vós.

– Não! Beberei de vossas mãos. É a vossa nascente, dar-me-eis a beber nelas.- Resolveu-se,completamente encarnado no anonimato e decidido, inclinou-se dando-lhe a entender a sua firme intenção de beber das mãos da rapariga.

Rosa juntou as mãos em concha, apanhou cuidadosamente a água e levou aos lábios do Infante que bebeu, uma e outra e outra vez. Enquanto bebia, pôde contemplar de perto a figura feminina diante de si. Rosa era ainda uma jovem mulher de olhos castanhos que cintilavam à luz da Lua. Os lábios perfeitos de uma boca pequena enfeitavam-se com um sorriso franco e cativante. O cabelo solto, ondeado como as ondas do mar, tinha a cor das castanhas do outono e o cheiro dos campos floridos da primavera. Reparou nas suas mãos pequenas de dedos finos que condiziam com o corpo proporcionado de estatura mediana Pensou em como era bela. “Somente os seus trajos a distinguem das mulheres da Corte. A beleza desta rapariga supera a de damas e de princesas.” Invadiu-o uma imensa ternura por aquela mulher. A presença dela era atraente, deliciosa como um doce que se degusta lentamente. Deu por si a pensar que não se importaria de ficar ali eternamente. Teve vontade de lhe dizer coisas bonitas como as que estava a sentir. Segurou as mãos dela entre as suas, olhou-a nos olhos e citou o seu querido amigo Gil Vicente:

– “ A serra é alta, fria e nevosa; vi venir serrana gentil, graciosa. Cheguei-me per’ela com grã cortesia. Disse-lhe: senhora, quereis companhia? Disse-me: escudeiro, segui vossa via.” Ela sentiu um misto de pejo e atração por aquele homem tão encantador, culto, de pele branca magnífica e cabelo sedoso que citava poemas.

-Sou uma lavadeira… Vós sóis um escudeiro do Infante Real e não sei o vosso nome ainda. O Infante, sentindo-se confortável e com receio de a assustar com a sua verdadeira identidade, decidiu manter aquela por mais algum tempo. Pensou no seu escudeiro mor.

– Gabriel. Chamo-me Gabriel.

– Tendes nome de anjo, senhor. Gosto, gosto muito de Gabriel…

As suas palavras foram interrompidas por vozes vindas de perto. O Príncipe pensou que já teriam dado pela sua falta e andariam à sua procura. Com receio de ser desmascarado, procurou terminar aquela conversa, despedindo-se.

– Devem ser os outros que me chamam para o meu turno de vigia. Tenho de regressar. – E,aproximando-se de Rosa, tocou-lhe os lábios com os seus. Pediu-lhe que regressasse ao outro dia, à mesma hora, àquele mesmo lugar, junto à nascente que ela partilhara consigo. E partiu na direção das vozes.

Na noite seguinte, quando Rosa chegou, já o Infante aguardava por ela. Assim que se encontraram frente a frente, a ansiedade vivida em todo o dia transformou-se num beijo apaixonado num abraço prolongado tentando concentrar naquele instante todo o tempo que, intuitivamente, sabiam não voltar a ter.

– Como esperei por este momento, minha doce Rosa!

– Tive receio que vos arrependêsseis. – Desabafou ela, olhando timidamente para o chão.Pegando-lhe o queixo com carinho, levantou-lhe a cabeça, fixou seus olhos nos dela e disselhe com ternura num sorriso aberto e franco:

-Arrepender-me? Como podia arrepender-me de querer estar com uma mulher tão bela, como vós? Arrepender-me-ia se não viesse.

– Gabriel, sou apenas uma lavadeira, de uma pequena vila…

– Não! Sois bela e quero que esta noite seja tão bela quanto vós! Dais-me de beber, minhaflor? – Interrompeu-a, abraçando-a de novo.

– Trago caneca, senhor.

-Quero matar a minha sede de vossas mãos. Dai-me de beber da vossa nascente, por vossas mãos.

E como na noite anterior, Rosa juntou as mãos, apanhou a água da nascente e deu a beber ao Infante.

A noite estava serena, mas as nuvens escondiam a Lua, cobrindo aquele lugar com um manto de escuridão. Sentaram-se junto à nascente, encostados à nogueira guardiã do tesouro de Rosa que passou a ser de ambos. Conversaram. Ele falou do que conhecia, de lugares distantes, de pessoas e costumes diferentes; da Corte, lugar de hábitos caprichosos e ambiente conspirante. Ela falou do que conhecia, dos prados verdejantes onde o gado pastava, das sementeiras sofridas e das colheitas festejadas, das pessoas simples e alegres da Vila, dos costumes que celebravam. Ele, ouvindo-a, pensava em como era simples e tranquila a vida ali, sem as responsabilidades e exigências de príncipe que era. Ela, ouvindo-o, pensava em como seria magnífico correr mundo, conhecer novos costumes; as damas da Corte trajadas em belos vestidos feitos à medida, de tecidos finos bordados, cortejadas por valentes cavaleiros, longe da monotonia e rudeza da vida que levava como serviçal.

– Acompanhais sempre o Infante nas suas viagens? – Questionou-o ela cheia de curiosidade.

– Quase sempre… – Sem querer entrar em detalhes.

– E como é ele, é como dizem?

– E o que é que dizem do Infante?

– Que é gentil, muito inteligente, que é um poeta! Que deveria ser ele o herdeiro da Coroa emvez de seu irmão, pois é amado pelo povo… – Também o amais, o Infante Luís… como o povo?

– O meu coração está cativo, senhor.

-Quem o aprisionou, Rosa perfumada, que roubais a beleza à madrugada primaveril orvalhada?

Sentindo as palavras do Infante como carícias percorrendo-lhe o corpo, Rosa sorriu e confessou:

– Foi um escudeiro, da guarda de sua alteza O Infante D. Luís, que o capturou no momentoque suas mãos tocaram na minha pessoa.

O Infante tocou-lhe o rosto num gesto meigo, acariciou-lhe o cabelo, cheirou-o, puxou-a para si e beijou-a apaixonadamente. Rosa inclinou-se lentamente para trás, encostando-se à sua nogueira cujas folhas caídas no chão serviam de manto, fechou os olhos, deixou-se despir de receios e deu-se. Sentindo-se protegida pelo homem que a possuía, abriu-lhe o seu mundo e ele entrando, entregou-lhe o seu no qual não se distinguiam preconceitos, destinos nem condições sociais. Despidos eram iguais. Partes que se complementam, que se compreendem na linguagem muda dos amantes. Os seus olhares intuíam o desejo um do outro numa permuta de carícias e sensações profundas que vinham ao de cima em explosões de prazer.

Mais tarde, acordaram com o ladrar exaltado dos cães. Surpreendidos por se terem rendido ao cansaço da entrega apaixonada, tomaram consciência de que o nascer do dia estava eminente. A custo, pesando-lhe cada palavra na luta interior entre o amor que acabara de viver e a responsabilidade do império que se impunha crescer, o Infante segurou-lhe as mãos e com os olhos rasos de lágrimas, que ocultou, começou numa voz trémula:

– Tenho de partir, minha Rosa. Parto logo que nasça o dia.

-Mas senhor, tendes mesmo de ir? Tendes mesmo de me deixar?

-Sim. Tenho… – Disse-lhe, sentindo o coração apertar-se e a voz presa na garganta.

– Vireis um dia buscar-me, Gabriel?

– Virei um dia matar a minha sede.

– E eu virei aqui esperar por vós…

Quis beijá-la de novo. Beijar todo o seu corpo, beijá-la até à sua alma. Prendê-la nos seus braços, levá-la consigo para proteger aquela flor. Pensou na entrega dos dois que ainda há poucas horas acontecera naquele mesmo lugar, tão diferente da dor da despedida. Por momentos, ocorreu-lhe ficar, era bom estar ali, estar com aquela mulher, mas tinha consciência de que não era um homem livre para fazer essa escolha. Fechou os olhos, cerrou os dentes, mas não conseguiu evitar que duas lágrimas, rolando-lhe pelo rosto, caíssem nas mãos de Rosa. Sem conseguir pronunciar mais nada, partiu.

– Gabriel…

A promessa reconfortou Rosa. Decidiu-se esperar pelo homem a quem se entregara de corpo e alma. Nada a faria demover da sua decisão, demorasse o tempo que fosse preciso. Era necessário dizer-lho, pensou, era preciso que soubesse que esperaria por ele independentemente do tempo que levasse. Deitou numa corrida, passou a ponte e à cabeça logo lhe veio a imagem da noite em que subiu as escadas assustada. Sentiu de novo no seu corpo as mãos de Gabriel segurando-a firmemente quando ela fugia receosa de ser denunciada e mal interpretada a sua presença ali, tão perto de onde o Infante estava instalado. Subiu a rua, em passos apressados. Sentia o coração bater fortemente no seu peito. Determinada a reafirmar o seu amor, não se demoveu quando deparou com o grupo de guardas que atarefada e ordenadamente, tomavam os seus lugares no cortejo que se formava frente à Casa dos Távora. A rua estreita obrigava à concentração apertada da pequena multidão que compunha o séquito real. Foi a custo que se infiltrou, tentando localizar o seu amado. Olhava para todos aqueles que pareciam ser Gabriel, fixava todos os rostos, mas nada. Sentiu um empurrão violento nas costas. Voltou-se e deparou com uma figura imponente, um escudeiro de grande estatura que a interpelou:

– Que fazeis aqui mulher? Sois tola? Desandai, o príncipe vai sair agora, ide, ide!

– Procuro o Gabriel. Procuro o guarda Gabriel, preciso falar-lhe! – Pediu-lhe corajosa eobstinadamente.

– Só há um Gabriel aqui, mulher. E não vos conheço de lado algum para que tenha de vosfalar. Ide, depressa, ou mando-vos prender! – Gritou-lhe o escudeiro.

– Não, não! O Gabriel, o guarda…

Sentiu uma mão agarrar-lhe o braço puxando-a para fora da parada quase formada agora.

– Anda comigo, Rosa. Que estás a fazer? Queres arranjar problemas? Anda, vamos para juntodas outras, que estão a guardar lugar para ver a partida do Infante. Estás a vê-las ali, ao cimo da rua? Tem boa vista. Anda rapariga!

Deixou-se levar sem ouvir palavra do que a amiga Sara lhe dizia. Na sua mente a resposta daquele bruto, tão diferente do seu amável Gabriel, ecoava como chocalhos, como o grasnar de corvos, como o uivo de lobos. Junto das amigas não falou, mas uma ideia fê-la animar: dali, poderia ver o cortejo e certamente conseguiria localizá-lo, não havia dúvida. Respirou fundo, tentando acalmar, sorriu e esperou.

A pequena praça de terra batida, onde muito mais tarde seria construída a Capela em honra a S. Frei Gil, estava repleta de gente que havia vindo à capital do concelho para ver o Infante D.

Luís partir da sua estadia de dois dias no Concelho. Era a primeira vez que um membro real vinha a Lafões depois de D. Manuel I ter concedido Foral à Vila de Vouzela. O Infante quis conhecer a região que lhe estava destinada, por vontade de seu pai ao nomeá-lo Duque de Beja, juntamente, com as vilas da Covilhã, Seia, Almada, Moura, entre outras, outorgadas por escrito mais tarde, já pelo punho do Rei, seu irmão D. João.

O povo, vestido nos seus trajes domingueiros, amontoava-se curioso tentando alcançar um lugar que permitisse ver o real aparato, fascinado com os cavaleiros nas suas armaduras imaculadas, aprumadamente montados nos seus belos cavalos de raça pura. O sol nascente, incidia reluzente no séquito, espalhando sobre a multidão os reflexos no metal como raios divinos num quadro celeste provocando um encantamento tal nos assistentes, que ficaram em silêncio quando as trompetas deram sinal do início da marcha, ouvindo-se apenas os cascos dos cavalos batendo na terra seca do caminho e o tilintar das armas.

Alheia a tudo, Rosa fixava cada rosto à procura do seu amado Gabriel. Um a um. À medida que cada rosto lhe devolvia a desilusão de não ter encontrado o que pretendia, o seu coração batia com mais força, mas convicto de que acabaria por bem sucedida. Atreveu-se olhar o Infante por curiosidade. Majestoso, montado num belo cavalo negro, trajando um elegante fato de veludo fino castanho e preto, debruado a fios de ouro, caseado com botões dourados reluzentes, o Infante tinha os seus olhos verdes postos nela quando Rosa o viu. De súbito, tudo pareceu girar à sua volta. Teve uma súbita vertigem, o vómito ficou-lhe preso na garganta e as suas pernas trementes, pareciam vergar-se perante o peso da sua surpresa. Agarrou-se, para não cair, ao braço de Sara que, deslumbrada pelo aparato, disse-lhe sem desviar os olhos para Rosa: – “Ele é tão bonito, não é Rosa, o Infante?”

Os seus olhares ficaram presos um no outro no instante que durou uns escassos segundos, mas que lhes pareceu uma eternidade. Ele percebeu a desilusão de Rosa ao descobrir a verdade. Houve momentos em que teve incerteza se ela alguma vez o teria reconhecido ou não, mas o olhar sofrido dela diante dele, desvaneceu qualquer dúvida. O seu coração apertou-se de novo.

Apertou-se pela separação daquela mulher tão simples, humilde, muito longe de o merecer

 

como amante, mas que o conquistara ao ponto de a querer perto de si. Junto a si todos os dias como sua mulher. Estavam tão perto e tão longe ao mesmo tempo! Deu-se conta como carregava o peso da culpa de não ter sido honesto e o peso da culpa de ter feito com que se apaixonasse por si. Sabia que Rosa iria ficar à sua espera, como havia prometido. E ele? Será que alguma vez iria ser capaz de cumprir a sua promessa de a ir buscar? Será que alguma vez teria coragem de enfrentar a Corte, o que esperavam dele, as suas responsabilidades como príncipe, como Infante? O olhar de Rosa era espinho a enterrar-se profundamente no seu coração. Ainda de olhos presos nos dela, fez-lhe uma subtil vénia inclinando levemente a cabeça. Olhou em frente, aprumou o seu porte e deixou-se levar.

Rosa manteve os olhos postos no infante. Queria que ele visse neles a sua indignação pela mentira, a sua dor pela traição, pois era assim que se sentia, traída, usada, completamente abandonada agora. Largou o braço de Sara e intuitivamente levou a mão ao seu ventre. A multidão seguiu o cortejo até aos limites da Vila, como se tratasse de uma cerimónia religiosa aclamando ali e além o seu Rei, dando vivas ao Infante gentil e generoso até que atrás de si, a praça ficou vazia. Um grupo de cães escanzelados, aproximou-se timidamente à procura de alguns restos que pudessem ter caído no meio da confusão, lutando entre si pela posse das míseras côdeas que encontraram. Somente Rosa permaneceu no seu lugar. Somente o seu corpo, pois sua mente percorria todos os momentos que havia passado com Gabriel, procurando compreender porque lhe havia mentido. A dor, a revolta, não lhe permitiam ver que fora o seu pressuposto que o tomara como um simples escudeiro. As lágrimas soltaram-se como chuva de tempestade, as pernas fraquejaram novamente e deixou-se cair de joelhos no chão.

Nas semanas seguintes Rosa não foi à sua nascente, nem se aproximou do local onde conhecera o Infante. As memórias daquele lugar eram demasiado dolorosas para si. Estava magoada com aquele que a enganara; estava zangada consigo própria por se ter permitido pensar que um homem da sua condição haveria de se apaixonar por ela. Queria fugir dali, fugir das suas memórias, fugir das suas ilusões, mas não tinha coragem de partir. Uma mulher sozinha não era bem vista, não estava segura. No entanto, o seu coração queria ficar perto de tudo o que lhe lembrava Gabriel. O seu sorriso, o olhar que a tinham cativado, eram uma constante na sua mente. Por vezes, parecia-lhe ouvi-lo claramente, chamar por ela.

Certo domingo, de um outono cinzento, Sara foi ter com Rosa ao fim da Missa.

– Andas sumida. Mudaste de poiso? Olha, pois não sabes o que perdes.

– Não tens nada a ver com isso! E o que perco eu, afinal?- Resmungou Rosa.

– Olha, lá para os lados onde lavavas a ceroulas dos Almeida, andam a construir uma fonte.Dizem que foi o Infante D. Luís que mandou como reconhecimento pela sua estadia e pela estima das gentes de Vouzela que muito bem o receberam. Vieram homens de fora para a construir. Podias arranjar um marido que te agradasse, ou queres ficar velha sem conhecer homem?

– Que dizes, mulher?- Gritou Rosa, sentindo o coração bater fortemente, pois naquele momento teve o pressentimento de que a fonte era a sua nascente e largou a correr pelas ruas de Vouzela em direção à nogueira. A chuva caía gelada no seu rosto, no seu corpo mal agasalhado. Corria sem ver onde colocava os pés calçados numas chinelas gastas pelo uso, o seu pensamento gritava-lhe “ Traidor, Traidor! Não acredito que roubastes a minha nascente também!”

As obras iam adiantadas já. A construção simples erguia-se frente à nogueira imponente que agora tinha o seu segredo cristalino exposto. A água da nascente caía para um de dois tanques já edificados lado a lado.  Ao ver o seu lugar invadido, Rosa chorou toda a dor que até ali tinha suportado. Apesar de todas as provas de que o Infante a tinha enganado e faltado à sua promessa, apesar da sua dor profunda, havia algo dentro de si que recusava acreditar que Gabriel a tinha traído. Não era possível que ela se tivesse equivocado, o olhar dele parecia-lhe dizer o contrário. E porque haveria ele de lhe mentir? Porque haveria ele de prometer que voltaria se não tinha intenção? Não, não era possível. Quanto mais pensava, mais confusa ficava. Os factos diziam-lhe uma coisa, mas o seu coração dizia-lhe outra. “E como vou amar o filho, se não amar o pai?” Perguntava-se, acariciando o ventre. A chuva continuava a cair, ensopando-lhe as roupas que vestia. Nessa mesma noite, as febres vieram e Rosa adoeceu gravemente obrigando-a a ficar resguardada por várias semanas até que recuperasse o suficiente para ficar livre de perigo.

Aquela manhã primaveril tinha despertado bem-disposta. O sol tímido brilhava num céu azul que havia vencido o nevoeiro da madrugada e os pássaros celebravam os raios de sol num chilreio alegre e contagiante. De passos pouco seguros, Rosa deixou o povo seguir para a missa domingueira e desviou o seu destino. Foi ver a fonte que diziam estar terminada, da qual todos gabavam a boa água dando graças ao príncipe D. Luís tê-la construído. Respirou fundo, a brisa fresca e húmida entrou-lhe pelas narinas fazendo-lhe doer os pulmões ainda ressentidos da pneumonia que a havia atacado. Passo a passo, desceu a rua. Chegando à Ponte Romana parou. Dali podia ver parte da fonte. O seu coração estremeceu. Retomou a  marcha lenta e seguiu até se encontrar diante da fonte, daquela que era a sua fonte. Os tanques estavam protegidos por três paredes robustas, partilhando a quarta que os separava a meio. Dois arcos simples frontais. À esquerda, o tanque que recebia a água da nascente, ao encher, vertia  para o tanque do lado direito cujo arco, maior, ostentava a Coroa Real. “ O tanque sem coroa dá de beber ao tanque Real” – Pensou. Reparou depois num banco feito de duas pedras sobrepostas encostado a meio dos arcos, como que a convidando a um descanso ou a uma espera…

Só então Rosa compreendeu o motivo daquela fonte. Era um presente do Infante para ela. Recriava o momento em que ela deu de beber ao seu Infante e o banco aludia à sua promessa de ali ir todos os dias esperá-lo. Sentiu o seu bebé mexer dentro de si pela primeira vez. Sorriu. Sentou-se no banco frio. Tocou-lhe, tocou as pedras da fonte acariciando a aspereza do granito. Encostou-se e, suspirando profundamente, perdoou ao seu Gabriel, perdoou ao Infante e perdoou a si própria por ter duvidado.

– Senhora, dais-me de beber? – Ouviu de uma voz perto de si.

Abriu os olhos e deparou com a figura de um homem diante de si trajando uma capa, mal deixando ver o seu rosto.

– Mas senhor, se não tenho caneca para vos dar a beber. – Respondeu-lhe Rosa.

– Dai-me de beber da vossa nascente por vossas mãos, minha Rosa orvalhada.

Rosa não voltou a ser vista em Vouzela a partir daquele dia, tendo desaparecido sem deixar rastro algum.

Pouco tempo depois, o Infante D. Luís que nunca casou, apresentou à Corte o seu filho. Este único filho, D. António Prior do Crato, haveria de ser aclamado Rei de Portugal em 1580.

Nota: “António I de Portugal, mais conhecido pelo cognome de o Prior do Crato, era filho natural do Infante D. Luís e neto de D.

Manuel I, tendo sido um dos candidatos ao trono português durante a crise sucessória de 1580. A 24 de Julho de 1580, durante a preparação para a esperada invasão espanhola, D. António foi aclamado rei de Portugal pelo povo, no castelo de Santarém. D. António pedira ao povo que o aclamasse apenas regedor e defensor do reino, mas já o povo rejubilava. É aclamado também em Lisboa, Setúbal e em numerosos outros lugares. No entanto, um mês mais tarde, a 25 de Agosto, as suas forças são derrotadas na batalha de Alcântara pelas do duque de Alba.”

Um estudo recente tenta demonstrar que D. António era filho legítimo do Infante D. Luís, filho de D. Manuel I por Violante

Gomes. Nele vem reproduzido um assento da Sé de Évora, de 15 de Junho de 1544, descoberto por Luís de Mello Vaz de São Payo, no qual um baptizando é filho de uma escrava “de Pero Gomes, sogro do Infante D. Luís”.[O autor do estudo argumenta que “não podemos crer que o cura da Sé chamasse sogro ao pai da manceba do Príncipe, mesmo que com ele vivesse maritalmente”. Também refere que este assento “fornece o nome, que não vimos mencionado em nenhuma outra fonte, do pai de Violante Gomes”.

in wikipedia

FONTE DA NOGUEIRA

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Edição 704 (20/10/2016)

BOCAGE e as “redes sociais”

Congresso assinalou final da comemoração dos 250 anos do seu nascimento

• António Alexandrino

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Bocage nasceu a 15 de Setembro de 1765. Passaram-se 250 anos (medidos à data de 2015), tendo o poeta dado azo a comemorações, ao longo de um ano, comemorações que se encerraram no passado mês de Setembro, com a realização do congresso internacional “Bocage e as Luzes do Século XVIII”.

Sabendo nós da sua forma de ser e estar na ‘sociedade civil’, algumas questões poderão colocar-se, no tempo que passa (tempo fortemente marcado pelas tecnologias). Com efeito, se Manuel Maria Barbosa du Bocage estivesse vivo, estamos em crer que seria de esperar um membro activo da sociedade, mas talvez sem filiação em qualquer partido político. Deparar-se-nos-ia um cidadão empenhadamente preocupado com o respeito pelos direitos humanos, sempre alinhado pelos pareceres progressistas e valores da Revolução Francesa. Esta é opinião de pessoas diversas, nomeadamente, Daniel Pires, investigador da vida e obra do poeta setubalense, responsável pelo Centro de Estudos Bocageanos, opinião partilhada à margem do congresso acima referido. “Claro que Bocage teria um objecto de crítica muito mais frequente no passado quadro legislativo, já que esse Governo foi um desastre para o país”, frisa Daniel Pires.

No entanto, outras vozes entendem não só relevar estes pressupostos, mas também trazer à liça outras vertentes que a modernidade aponta como incontornáveis. Assim, Álvaro Arranja, autor da obra biográfica “Bocage, a liberdade e a Revolução Francesa”, pensa que Bocage vincar-se-ia hoje contra o desinvestimento na cultura, avalizando-se como um líder de opinião. “O discurso economicista que se tem implantado na nossa sociedade e que nos pretende dominar totalmente levaria Bocage a fazer muitos poemas satíricos como aquele que dedicou ao avarento médico”, afirma Álvaro Arranja para quem o “Elmano Sadino” tiraria “o maior partido das redes sociais para partilhar os seus poemas”.

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Edição 703 (29/09/2016)

TINTIN – A revista que vai dos 7 aos 77 anos

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• António Alexandrino

Tintin não envelhece, apesar dos seus 70 anos. O 70º aniversário desta reputada publicação (para os ‘jovens dos 7 aos 77 anos’) evoca, no livro “La grande aventure du Journal Tintin”, em 777 páginas, o percurso da obra, reproduzindo bandas desenhadas de quase todos os heróis que lhe deram corpo.

Passava o dia 26 de Setembro de 1946, quando Tintin, “personagem icónica” de Banda Desenhada, criada pelo belga Hergé, era lançado nas bancas, através da revista «Le Journal de Tintin”, não se imaginando porventura o sucesso que lhe estava destinado. Com efeito, recuperava ainda a Bélgica das feridas da II Guerra Mundial, quando uma nova publicação infanto-juvenil surgia para se tornar um marco na história da BD. Dado à estampa pelas ‘Editions du Lombard”, o volume tinha uma versão em holandês (‘Kuifje’) e contava 12 páginas, embora somente quatro tivessem Banda Desenhada, assinadas por Cuvelier, Jacobs, Laudy e Hergé.

Hergé era o director artístico e o pilar da publicação. No entanto, para isso foi necessário que o editor, Raymond Leblanc, antigo membro da Resistência, lhe desbloqueasse  uma autorização de trabalho, porquanto sobre ele recaíam acusações de colaboracionismo, por ter publicado Tintin no jornal ‘Le Soir’, durante a ocupação da França pelos nazis.

O primeiro número cifrou-se em 80 mil exemplares e, volvidos apenas três meses, a revista crescia para 16 páginas. Dois anos mais tarde, nascia a versão francesa.

Quanto aos heróis, foram-se multiplicando: Alix, Bernard Prince, Michal Vailland, Ric Hochet, Luc Orient, Comanche, Simon du Fleuve, Thorgal e muitos outros preencheram páginas e páginas de histórias aos quadradinhos recheadas de humor, aventura, ficção e fantasia, que fizeram sonhar gerações sucessivas de “jovens dos 7 aos 77 anos” e definiram nova forma de narrar em BD, durante décadas.

Em Portugal, as histórias do Tintin belga apareceram no “Diabrete” (1951) e no “Cavaleiro Andante” (1952), tendo sido também publicados pelo “Zorro”, “Titã”, “Flecha”e “Foguetão”. Em 1968, nascia a versão portuguesa, que aliava ao melhor da sua congénere belga as séries de sucesso da emergente revista “Pilote”. Assim, pela primeira vez, uma única publicação reunia Tintin, Astérix e Lucky Luke, que marcaram também muitos leitores portugueses.

O Tintin belga findou em 1988, tendo ainda tentado reviver, embora sem êxito, na “Tintin Reporter” e na “Hello BéDé”.

 

 

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• Sofia Costa

Outeiro de Sul, 01 de Agosto de 2016.

Ocaso-Apresentacao

Galeria “Leituras (In)esperadas

Vouzela, 22 de Julho de 2016

No dia 22 deste mês, na Galeria “Leituras (In)esperadas, foi lançado o livro de Manuel Martins da Costa, O Ocaso do Sonhador. Uma cerimónia muito simples onde compareceram muitos familiares e amigos que ainda conservavam na memória o autor e o seu trabalho.

A tarde estava agradável e o calor do fim do dia começava a misturar-se com os múrmuros das pessoas que se iam juntando, proporcionando um ambiente familiar e convidativo. A sala encheu rapidamente para dar início à festividade.

Os presentes foram deleitados com a bela música do grupo ARS NOVA. As três cantoras e o maestro interpretaram temas não só populares e da região (“Maçadeiras” e “Chora a videira”) como também peças mais eruditas, e ao gosto do autor, numa harmonia que nos deixou a todos mais libertos e comovidos.

Seguiu-se a leitura pela neta de Manuel Martins da Costa de um texto escrito por Mariana Bettencourt. Sem alguma vez ter conhecido o autor, a médica e escritora fez um retrato luminoso da obra ao mesmo tempo que, a partir dela, reconstrói de forma precisa o ambiente do autor, os seus valores e a evolução do seu pensamento.

Assim, no seu Ocaso, o Sonhador poderá não ter uma Fé religiosa no sentido formal (sente que as suas orações são como bater à porta de uma casa vazia) mas não deixa de manifestar uma profunda crença no Ser amado. Insubmisso a qualquer Dogma, adota a máxima de Protágoras que proclama o Homem medida de todas as coisas; desconfiado da autoridade política, elogia o Homem buscado por Diógenes, que prefere a luz do sol aos favores dos poderosos. Faz alusão ao Super-Homem de Nietzsche, cuja tragédia foi ter largado a mão ao Amor. Torna-se assim apologista de um racionalismo apaixonado, dentro da lógica cristã de Pascal.

Não menos impressionante, Cesaltina Sobral proclamou, com emoção, palavras que demostraram, mais uma vez, a grandeza de espirito do autor e as suas preocupações com o bem-estar comum. Os muito conhecidos rouxinóis, apresentados por Manuel Martins da Costa a muitos, foram relembrados durante o discurso, deixando familiares e amigos com saudades do canto do pássaro e das palavras do amigo.

Nos «Rouxinóis», foi onde vi pela primeira vez a concretização do «Sonho Voluntário» deste livro, na transformação da natureza selvagem, numa natureza aperfeiçoada pela criatividade e trabalho manual de Manuel Martins da Costa que aí criou um locus admirabilíssimo.

Da demanda da literatura oral e tradicional, em que o Herói vai vencendo penosos

obstáculos, até atingir a perfeição, merecedora da sua felicidade, até ao sartreano «Ohomem só se conhece em situação» no seu interagir com os outros, recusando o «Sonho Involuntário», está na minha leitura, o cerne deste livro.

Neste tempo em que a urgência, o curto prazo e a popularidade imediata nos impedem a escuta, a concentração e o desenho de uma realidade mais humana, é urgente ler «O Ocaso do Sonhador» para recusarmos a alienação do «Sonho Involuntário». Embora, frequentes vezes, tenhamos de carregar um saco de víboras, é importante chegar ao Ocaso com a tranquilidade e a certeza de que a nossa vida, tal como a de Manuel Martins da Costa, não foi em vão.

Também a intervenção de Vasco Coutinho foi tocante. O ex-aluno do autor recordou os serões, as conversas e o presunto que as acompanhava. Revelou igualmente a admiração que, não só ele mas muitos outros, tinham por Manuel Martins da Costa. Trouxe das profundezas das memórias e do coração o grande homem que era, dando particular destaque à sua enorme capacidade de escutar e de, com poucas e sábias palavras, nos elevar para outros horizontes e perspetivas onde os nossos dramas existenciais se dissolvem no vento que nos impele a progredir.

A última palavra coube ao filho, Paulo Manuel Rodrigues Martins da Costa, que tentando fazer justiça aos ensinamentos do pai, nos proporcionou um momento de reflexão relativamente ao livro e, acima de tudo, à generosidade do autor. No final fez um agradecimento a todos os presentes e a todos aqueles que nos proporcionaram aquele agradável encontro.

Depois de muitas palmas sentidas e umas lágrimas escondidas, o serão teve o seu fim, fim este que foi meramente um começo no lançamento do grande livro cujo o nome fica, “O Ocaso do Sonhador”.

Não resisto a acrescentar a esta crónica um poema dedicado ao meu avô (que a minha avó finalmente conseguiu resgatar de um inviolável cofre, depois de lhe ter encontrado a chave) e que, certamente, inspirou o autor no título e mensagem da sua obra. (a data do poema antecede o início da escrita do livro em aproximadamente seis anos)

 

Sonhador

(poema dedicado a: Martins da Costa)

Amigo de todos,

Vê as flores de cada um,

Olhar penetrante,

Riso conquistador,

Olhos da cor do

Céu fazendo lembrar

A esperança que ainda

Tem na vida.

Sonhador vive num

Mundo que não é o meu.

Não se guarda

Atrás do muro,

Luta com toda a

Sua força, é um

Vagabundo da verdade.

Não vive na indiferença,

Todos os pormenores

O toam no coração,

Coração que se abre

A qualquer um.

Aventureiro, apanha

Um barco e dá

Boleia a todos,

Para todos flutuarmos

No oceano cintilante.

Sentado na areia

Quente da praia

Olhando o sol;

Na janela olhando

O céu negro,

Chovendo, sempre

Com um sorriso

Nos lábios. Na selva

Não se perde

Entre as árvores.

Sabe para onde

Vai, e ele próprio

É luz que guia

Os outros através

Da floresta, que

Nos guia até

Ao cume da montanha,

Põe mais uma

Peça no puzzle

De cada um.

Vive nas estrelas.

Lavra a vida das

Outras pessoas removendo

As pedras. É o sol em pessoa.

Pedro J S Carvalho

1/07/84

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Edição 701 (28/07/2016)

Intervenção de Vasco Coutinho na apresentação do livro “Ocaso do Sonhador”

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Manuel Martins da Costa criou nos seus alunos uma impressão tão forte que no meu caso me transportou a este lugar hoje.

Esse facto, esse estar connosco, deve-se ao estabelecimento de uma grande relação de amizade, de admiração, das leituras e sobretudo das palavras que arrastaram momentos cúmplices.

O tempo com o meu Professor era um tempo interior, da nossa realidade, mas também um tempo cósmico, de nós com a substancia de todas as coisas e as interrogações naturais da adolescência.

Na sua capacidade de nos induzir espanto e perplexidade, foi sempre capaz de fazer com que nos perguntássemos como e quando nos chegou às mãos a Liberdade, a tolerância, a aceitação da diferença a solidariedade

Ensinando-nos a ouvir, desafiou-nos a escrever- Que relatássemos experiências e que as deixássemos ocupar o lugar dos sonhos.

Dizia-me o Paulo num telefonema recente que ouvia o Pai a ler-me o “Ocaso do Sonhador “por telefone, imaginem como me sentia gigante por tamanha honra ouvindo-o em primeira mão.

Este livro tem uma crítica literária feita pela Mariana Bettencourt Viana Gatão, amiga da Família e que espelha a essência do sentido do homem e da sua escrita.

O Martins da Costa fala de si mesmo, do seu tempo, da sua vida, dos seus afectos, das suas dores, dos seus ideais, de si mesmo em carne e osso.

Visitei o Outeiro algumas vezes desde que nos conhecemos e comi com certeza o melhor presunto de salgadeira da minha vida, soube aqui pela Dª Maria da Luz que era a Sogra que tão bem o fazia.

Também subi o elevador de cordas para o Miradouro construído numa árvore de onde observávamos a paisagem e conversávamos.

Dos lugares de estar e conversar foi feita a nossa amizade.

Quando adoeceu, visitei-o algumas vezes e mencionou como fundamentais para as minhas leituras futuras três autores, Nietzsche Holderlin e Shakespeare.

Na sua mesinha de cabeceira tinha sempre o Livro de Nietzsche – Assim falava Zaratrusta, atrevo-me a ler esta parte do capítulo – A Outra Área da Dança:

Próximo tenho medo de ti – Longe amo-te.

A tua Fuga atrai-me.

A tua procura pára-me, sofro!

Mas quem não sofreria por amor de ti.

 

A sua vida como Professor e activista das causas sociais levaram-no a coordenador do plano Nacional de Alfabetização, o que demonstra a sua génese humanista e a sua vontade de tornar o Homem mais Livre.

O meu Professor Martins da Costa acreditava no Homem, como medida de todas as coisas, preferia a luz do Sol aos favores dos poderosos.

No legado que nos deixou, que me deixou, há uma paixão pela vida ou como Ibsen dizia – que a vida fosse como o poema da grande conciliação entre a felicidade e o dever.

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Iniciativa realizou-se a 22 de julho na Galeria Leituras (In)Esperadas

Livro “O Ocaso do Sonhador” foi apresentado em Vouzela

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A Galeria Leituras (In)Esperadas recebeu no passado dia 22 de julho, pelas 21h30, a apresentação do livro “O Ocaso do Sonhador”, publicação póstuma de um romance inédito da autoria de Manuel Martins da Costa.

A apresentação feita por Vasco Coutinho, antigo aluno do autor, e a sessão contou com a atuação musical do grupo Ars Nova.

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Participam também o Presidente da Câmara de Vouzela, Rui Ladeira, Maria da Luz Martins da Costa, Mariana Bettencourt Viana e Cesaltina Sobral.

“O Ocaso do Sonhador” é um romance filosófico sobre o ocaso da vivência da utopia. O protagonista, o Sonhador, percorre uma demanda, mas é também um pensador que discorre sobre a realidade e o mito e que questiona o Homem.

Manuel Martins da Costa nasceu a 23 de setembro de 1932, em Oliveira do Sul, concelho de S. Pedro do Sul. Concluiu o curso da Escola Normal em Goa, licenciando-se mais tarde em Filosofia e Ciências Pedagógicas na Universidade de Lisboa.

Lecionou no Ensino Primário, Preparatório, Liceal e no Magistério Primário. Foi ainda coordenador do Plano Nacional de Alfabetização e manteve, ao longo da vida, uma intensa atividade cívica.

 

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Edição 700 (14/07/2016)

Camilo de Oliveira

O comediante morre aos 91 anos

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• António Alexandrino

Nascido em 1924, com uma carreira de 70 anos, em palco e na TV, Camilo de Oliveira, uma das grandes figuras da comédia em Portugal, cruzou várias gerações com o seu humor. Por certo que muita gente recordará ‘papéis’ como o do padre Pimentinha – “Sabadabadú”, 1981 – aquele simpático e inefável cura, quando se lamentava, premonitoriamente ou não (“Isto é que vai uma crise?!” ao sentar-se no confessionário, sempre que não aparecia ninguém para confessar pecados!

O seu desaparecimento suscitou reacções diversas, que não se fizeram esperar e atravessam gerações. Amigos e colegas evocam um actor excepcional, de grande talento e rigor: “Figura essencial da comédia portuguesa da qual fica grata memória. Tinha um humor muito doce” (Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República);

“Foi crítico hábil de costumes, retratando com fina ironia a sociedade das últimas décadas com personagens no teatro e na TV. Mestre da comédia portuguesa que contribuiu de forma extraordinária para a vitalidade do teatro de revista em Portugal” (Luís Filipe Castro Mendes, Ministro da Cultura);

“Um grande profissional de teatro, um ‘gentleman’ e um homem muito divertido” (Florbela Queiroz, actriz);

“Ficará para sempre na nossa memória, como o último grande comediante” (Júlio Isidro, apresentador).

Foram cerca de 70 anos, nos teatros de Lisboa e em digressões pelo país, especialmente dedicados ao riso, às vezes em parceria com actores como Ivone Silva, Beatriz Costa, António Feio e Nuno Melo. Aliás, com Ivone Silva, protagonizou um dos pares de enorme sucesso em programas televisivos, “Os Agostinhos”, da autoria de César de Oliveira e Melo Pereira (em 1981), distinguido internacionalmente com menção honrosa no Festival Rosa de Ouro de Montreux, na Suiça.

Camilo de Oliveira, sportinguista “dos quatro costados”, formou, por sua iniciativa, diversas companhias teatrais, dirigiu revistas e encenou peças. É suposto que tenha participado em 47 revistas, 24 comédias e vários programas de televisão, como “Camilo em sarilhos”, “Camilo, o pendura”, “Camilo na prisão”, “A loja do Camilo”, “As aventuras do Camilo” e “Camilo & Filho Lda”.

De acordo com opinião generalizada dos colegas de profissão, Camilo era um “homem bom, com um temperamento por vezes nada fácil, mas muito amado por todos… excelente profissional, primava pela exigência. Camilo sabia muito bem o que estava a fazer, e sendo exigente em palco, era disciplinado e exigente consigo próprio… tinha os tempos certos de comédia e tinha uma enorme cumplicidade com o público”. O investigador Luciano Reis classificou-o mesmo como “um dos maiores decanos da história do teatro e da interpretação em Portugal, um exímio na arte de representar”.

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Edição 699 (30/06/2016)

Prémio Camões 2016 contempla autor brasileiro recluso

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• António Alexandrino

Raduan Nassar apenas tem três livros editados – todos na década de 1970. Caso para se dizer que também neste contexto a quantidade, só por si, não é vantagem que baste. Nassar é o vencedor da 28ª edição do prestigiado galardão.

Raduan Nassar, o influente escritor brasileiro, de 80 anos e de origem libanesa, retirou-se da vida literária, há quase quatro décadas!

Recai a escolha sobre um nome prestigiado da literatura de língua portuguesa. A preferência do júri não causa propriamente admiração. No entanto, foi com enorme “surpresa”, “admiração” e “orgulho” que Nassar, segundo palavras do secretário de Estado, Miguel Honrado, recebeu a notícia.

De acordo com o comunicado do júri, «o autor revela, no universo da sua obra, a complexidade das relações humanas», não se coibindo de abordar uma faceta mais «agreste e incómoda». Os jurados relevaram ainda a «plasticidade da linguagem numa obra que privilegia a densidade acima da extensão». O ministro da Cultura português, Luís Filipe Castro Mendes, endereçou ao escritor as suas “mais vivas felicitações pela justíssima atribuição do Prémio Camões à sua pessoa e à sua obra”.

Comparado a Thomas Pynchon ou J. D. Salinger, pela aversão à face mundana da literatura, R. Nassar, como dissemos, escreveu apenas três livros, todos na década de 1970: ‘Um copo de cólera’, ‘Lavoura arcaica’ e ‘Menina a caminho’. Os dois primeiros encontram-se esgotados, há anos, prevendo-se que esta atribuição do Prémio conduza a nova edição.

Nos últimos meses, tem-se assistido a uma notória redescoberta internacional dos seus livros. Como prova disso, refira-se a inclusão do nome do escritor – graças à tradução para inglês de ‘Um copo de cólera’ – na lista dos semifinalistas do “Man Booker Prize”. Uma escolha muito saudada por muitos dos seus pares, designadamente, o angolano José Eduardo Agualusa.

Há menos de três meses, Nassar surpreendeu a opinião pública brasileira, ao trocar o habitual isolamento pela participação num evento de apoio a Dilma Rousseff.

A escolha de Raduan Nassar comprova, mais uma vez, a supremacia do eixo Portugal-Brasil, quanto a vencedores do Prémio Camões. Com efeito, apenas em cinco das vinte e oito edições a preferência do júri não recaiu sobre escritores dos dois países: José Craveirinha (1991), Pepetela (1997), José Luandino Vieira (2006 – prémio entretanto recusado), Arménio Vieira (2009) e Mia Couto (2013).

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Edição 698 (09/06/2016)

ARS NOVA  EM CONGRESSO INTERNACIONAL, NA UNIVERSIDADE DE LISBOA

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A 25 de Maio, o grupo ARS NOVA de Manhouce, a convite do Centro Interdisciplinar de Estudos de Género (CIEG), marcou presença com uma brilhante actuação no Congresso Internacional “Estudos de Género em debate – percursos, desafios e olhares interdisciplinares”, realizado a 25, 26 e 27 de Maio, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da UNIVERSIDADE DE LISBOA.

Com um repertório variado, entre música tradicional, música erudita (G. F. Haendel e G. Puccini) e música de intervenção (José Afonso e Fernando Lopes-Graça), o ARS NOVA conquistou a assembleia, composta por investigadoras/es de vários países: Cabo Verde, Brasil, Inglaterra, EUA, Noruega, Itália, Holanda, Suécia, Japão, Guiné-Bissau, Turquia, Polónia e França.

Para além dos muitos aplausos que surgiram da aula magna do ISCSP, o interessante foi algumas pessoas da assistência subirem ao palco, no final, a saudar o Grupo e a afirmar que, embora não tivessem entendido a língua, ficaram muito impressionadas com a música e com a forma como as jovens cantaram, emocionalmente envolvidas. Uma delas afirmou mesmo que lhe tinham vindo as lágrimas aos olhos, tão comovida que estava, uma prova de que a música e o canto podem unir pessoas de diferentes nacionalidades. Depois quiseram tirar fotos – Margaret Abraham, presidente da Associação Internacional de Sociologia; Beverley Skeggs e Rosemary Deem da Universidade de Londres; Virgínia Ferreira da Universidade de Coimbra; Anália Torres, coordenadora do CIEG; Paula Pinto e Manuela Tavares, também do CIEG; Maria José Magalhães, da Universidade do Porto e presidente da UMAR (União de Mulheres Alternativa e Resposta); e Ana Paula Canotilho, também da UMAR.

O Grupo, constituído pelo professor António Alexandrino (piano/arranjos e direcção musical) e pelas vozes de Adriana Gomes, Ana Rita Trindade, Cíntia Gomes e Susana Alves, está de parabéns pelo espaço que conquistou junto de pessoas de outros países.

O transporte do Grupo foi assegurado por carrinha da Câmara Municipal de Vouzela que mais uma vez demonstrou solidariedade para com este Grupo.

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Exposição de fotografia sobre Cuba em Vouzela

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• Redacção

Para os amantes de fotografia decorre em Vouzela uma exposição de fotografia de Cuba, no Museu Municipal, da autoria de Raul Torres Robles.

À conversa com o casal vouzelense Celeste Carvalho e António José Carvalho, nasceu a ideia de mostrar à região um dos seus trabalhos de fotografia. Com o apoio da ‘Casa Museu’ e em parceria com o Município de Vouzela, foi escolhida uma das colecções de Raul, entre diversas que primam pela excelência. Acresce que Raul Torres está ligado a Vouzela por laços familiares, visto o avô de sua esposa, Mário de Almeida Campos de Melo, ter raízes em Vouzela, terra que ele considera também “um sítio maravilhoso”.

Raul Torres Robles nasceu em Puerto Rico (E.U.A.), em cuja Universidade se licenciou, indo em seguida viver em “Greenwich Village”, em Nova Iorque. Mudou-se para a Europa, pouco depois. Entretanto, ‘elege’ as suas duas paixões – a fotografia e a música. Para as alimentar, trabalha como executivo em empresas internacionais. Viveu e trabalhou em vários países: Espanha, Inglaterra, Portugal, Alemanha, Senegal, Holanda, Argentina, Suécia, Madagáscar e, agora, entre França e Portugal. Actualmente, reparte o seu tempo entre o ensino superior e a fotografia – exposições (França, EUA, Itália, Espanha, Marrocos, Portugal) e reportagens de moda, casamentos, eventos culturais, retratos… Enfim, “um viajante infatigável, fotografando incansavelmente”.

A abertura da exposição, que vai estar patente até 30 do corrente mês de Junho, no Museu Municipal de Vouzela, teve lugar no passado dia 4 de Junho, com a presença do Sr. Presidente da Câmara de Vouzela, Engº Rui ladeira, e de numeroso público.

‘Gazeta da Beira’, bem como algumas das pessoas presentes, colocaram algumas questões, que vamos sintetizar. Sobre a escolha de Cuba, para a realização deste trabalho, Raul diz que «Quando a revolução triunfou e Fidel entrou em Havana, eu era um jovem universitário… O povo cubano é um povo especial, maravilhoso, apesar das carências. Então a sua música… por todo o lado se canta e dança, faz parte da sua cultura! Eu, porto-riquenho, mas sempre identificado com o povo cubano… Quis mostrar com esta colecção de fotos (tiradas entre Abril e Maio de 2010) uma visão muito pessoal desse país extraordinário, como o vivi e vi pelos meus olhos… Não quis mostrar a pobreza, miséria e as necessidades que estão presentes constantemente e em toda a parte, nem mostrar os poucos recantos restaurados, destinados a turistas estrangeiros… Ao que me propus foi capturar com olhares, paisagens e momentos esse desejo de sobrevivência, com uma certa alegria e felicidade da vida, deste povo nobre e generoso…».

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“Histórias do Mar e Outras Histórias Que Um Dia Hei de Inventar…”, novo livro de Carlos Almeida

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Carlos Almeida, escritor, professor e ativista cultural, natural de Santa Cruz da Trapa, vai apresentar o seu mais recente trabalho no Agrupamento de Escolas de Santa Cruz da Trapa no âmbito da Feira do Livro, no próximo dia 7 de junho.

Este novo livro, “Histórias do Mar e Outras Histórias Que Um Dia Hei de Inventar…”, conta também com a colaboração do seu filho Daniel Almeida que na ilustração.

Como o próprio autor refere, este livro trata de “…um conjunto de histórias que nos transportam para um mundo feito de ambientes sustentáveis, onde cada gesto humano é um carinho à natureza”.

Através deste trabalho o autor assume a sua preocupação com o ambiente e a natureza, mas com um olhar de esperança no futuro.

“são momentos de afeto para com a natureza em desequilíbrio, gritos de alerta que se desprendem das feridas suportadas em silêncio, gestos de esperança no olhar sonhador de uma criança …”

É a “descontinuidade temática e experimentalismo técnico” que caracterizam a produção artística e literária de Carlos Almeida.

Carlos Almeida nasceu de forma acidental, como o próprio diz, em Lisboa. Mas foi aqui nas Beiras que construiu a sua vida. As suas raízes familiares e culturais estão sedeadas em Santa Cruz da Trapa. Vive em Viseu desde 1987.

É professor de História e dirigente do Gicav-Grupo de Intervenção e Criatividade Artística de Viseu. Aqui dirige o Festival Internacional de Banda Desenhada de Viseu. Também na Banda Desenhada representa o Gicav na Comissão de Honra no Festival de BD da Amadora.

Toda a obra de Carlos Almeida estará exposta, no Centro Cultural Casa do Povo, na Feira do Livro em Santa Cruz da Trapa que decorrerá entre os dias 6 e 12 de junho.

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Edição 696 (12/05/2016)

Os Navios da Noite” – João de Melo

(“O formato curto dos contos para narrar uma história longa: a condição humana”)

• António Alexandrino

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‘Gazeta da Beira’, em devido tempo (edição de 28 de Janeiro p. p.), referiu a distinção concedida ao escritor João de Melo com o prémio Vergílio Ferreira 2016, tendo em conta o conjunto da sua obra.

Eis-nos, entretanto, perante “Os Navios da Noite” (dezoito contos), chegado às bancas, em Fevereiro passado, um tanto antes da entrega do prémio Vergílio Ferreira, evento esse que teve lugar no passado dia 1 de Março, na Universidade de Évora, com um programa e circunstância de elevado gabarito.

O escritor inicia o livro, ora em apreço, introduzindo uma citação de Álvaro de Campos:

«Que somos nós? Navios que passam um pelo outro na noite,

Cada um a vida das linhas das vigias iluminadas

E cada um sabendo do outro só que há vida lá dentro e mais nada.

Navios que se afastam ponteados de luz na treva,

Cada um indeciso diminuindo para cada lado do negro

Tudo mais é a noite calada e o frio que sobe do mar.»

Definir um escritor somente através de um dos seus livros é sempre metodologia redutora. Especialmente quando é autor não somente de ficção, mas também de ensaio, crónicas e, inclusive, de um livro de poesia. Tal sucedeu, entre outros, com o escritor João de Melo, no que respeita a “Gente Feliz com Lágrimas” (1988) – «título estranho de um romance em que a autobiografia e a ficção se enleiam sem se confundir», palavras de Luísa Mellid-Franco, para quem “Os Navios da Noite” mais não parece ser do que «o avesso daquela partida vencedora e esperançosa dos Açores para o mundo, levada a cabo pelo Nuno Miguel».

Os Navios da Noite” – Inicia-se com o conto “O Ponto de vista do Vencido”, antecedido de uma curta introdução de Jorge Luís Borges (aliás, magistralmente escolhida): «Há sempre algo de grandioso na derrota / que não pertence à vitória»; acaba com uma ‘fábula de resignação’ (Sílvia Souto Cunha) em “Pão com Laranjas”, no qual um narrador, perante a possibilidade de usufruir dos três desejos concedidos a Aladino, termina escolhendo, com receio dos castigos inerentes, continuar a ser o que é: «Nem pobre nem rico: um ser remediado com o produto e o suor do seu trabalho; e saudável o bastante para estar vivo, conhecer e amar este mundo (que é tão belo, tão real à nossa medida!), fruir dos ligeiros prazeres de que também se vive – os quais devemos levar em desconto das nossas dores espirituais; e continuar a ser aquilo que a mãe natureza resolveu fazer de mim em primeira mão: nem belo nem feio, fruto nado e criado de uma têmpera que assenta na personificação do chamado homem comum; e ser e parecer digno o suficiente para poder olhar-me, cada dia pela manhã, ao espelho da única verdade que a todos pertence: estando limpa e tranquila, a minha consciência será também a beleza única e verdadeira de um homem entre os homens.» Todavia, até aportar a esta última página sobre «os anseios e desejos de redenção da pequena vida – a única doença de que ninguém conhece possibilidade de cura», o autor leva-nos a navegar por águas turbulentas, embarcados num ‘mega-navio’ (‘germânicamente’ magnânimo), prestes a afundar, onde as “misérias” suplantam, enfim, a grandiosidade: rombos assinaláveis, incêndios na casa das máquinas, inexistência de botes salva-vidas para todos os passageiros.

“Os Navios da Noite” “somos nós, e é o país a atravessar a noite escura da crise e não só. Estes 18 contos são dedicados aos vencidos da vida, derrotados que passam na escuridão como barcos insignificantes” (Sílvia Souto Cunha). Aí deparam-se-nos histórias, como a do professor, preso político torturado em Caxias, que ‘racha’ sob o peso dos «infernos da tortura e da dor»; ou a do desgastado padre Filomeno, empachado dos pecados alheios, que desiste, sendo visto como possuído pela Besta, julgado e castigado em fogueira inquisitorial; ou a da professora Aida, regressada, após 15 anos de ausência, a um «país na mais funda lástima», com «velhas senhoras que vão e vêm das compras nas lojas e nos mercados do bairro» a quem «inculcaram um imenso remorso: o seu país está doente de morte porque elas deram de comer e de beber aos filhos e aos maridos… um país doente das modestas prendas que elas lhes deram pelo Natal e no dia de aniversário… país doente dos seus sonhos… por tudo isso elas choram, choram, choram». É ainda o ‘regressado’ José Maria (Eça de Queirós), viúvos e doentes, viajantes de cruzeiro a quem tudo acontece… isto é, “gente infeliz com lágrimas”…

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Edição 696 (12/05/2016)

XXIV Aniversário de Cavaquinhos e Cantares à Beira

• Rita Alexandrino Mendes Rocha

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Nos dias 6 e 7 de maio de 2016, o Grupo de Cavaquinhos e Cantares à Beira comemorou o seu XXIV aniversário, à noite, em Queirã, no Salão da Junta de Freguesia de Queirã.

O dia 6, sexta feira, foi dedicado ao teatro, contando com a representação da peça de teatro ”O Ilustre Conferencista” do Grupo da Associação Recreativa Desportiva Cultural de Oliveira de Baixo, Bodiosa. A noite terminou com “Prata da Casa”, Veteranos da Freguesia de Queirã e suas Harmónicas que tocaram as suas “gaitas de beiços”, recriando um “baile à moda antiga”.

No sábado, dia 7 de maio, atuou o Grupo de Cavaquinhos da Casa do Povo de Alcofra e o grupo Anfitrião- Cavaquinhos e Cantares à Beira.

Ao longo destes 24 anos de existência, o grupo tem –se dedicado  à recolha, preservação e divulgação da  música tradicional desta região, quer nacional, quer internacionalmente,  estando já a preparar a comemoração do 25.º Aniversário. Para as “ Bodas de Prata”, entre outras atividades, estão já em preparação a Monografia da Freguesia de Queirã e um DVD, do qual constará a recriação de algumas tradições que já caíram em desuso como é o exemplo de “sarrar a Velha, Apupar aos cabaços…”, rezas e outro património oral e imaterial.

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Manuel Veiga publicou novo livro

• António Bica
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Manuel Veiga

Manuel Veiga tem escrito na GAZETA, embora com intermitências.

Publicou agora, Abril de 2016, terceiro livro de poesia, “DO ESPLENDOR DAS COISAS POSSÍVEIS”, pela editora POÉTICA EDIÇÕES (poética-livros.com/loja) que já publicara outro livro seu, “POEMAS CATIVOS”.

Os poetas são artífices das palavras a expressar emoções, como Manuel Veiga.

A estimular a leitura, respiga-se, realinhando dos poemas:

“Tacteio os sinais furtivos, as emoções breves nas palavras por dizer. Insubmete-se o poema na prestidigitação dos dedos em busca da exactidão da forma.

Mãe, presença iluminada que pressinto em cada passo. Os teus cabelos brancos. As lágrimas no céu. O menino, milagre de ti, filho incréu.

A tua bênção, pai; antes que as margens se afastem infinitamente, passo as tuas bênçãos à carne da minha carne, no sorriso da criança com teu nome, António.

Éramos a gravidez do tempo, a explosão dos cravos, a gloriosa madrugada e o fecundo Abril de um filho.

Eclesiais bênçãos sobre as searas, exorcizando pragas. O povo em coro: aleluia. Além, nas nuvens, Ceres e Pã.

Imanência de sopro, frágil senda, calcinados sonhos nos ombros do poeta. Celebramos divinos, como se poeta náufrago, ou gargalhada do destino. Inaudíveis sons, bailado da memória, fio de água a desenhar a paisagem, fogo no interior da pedra.

Delicada flor no coração dos homens, busca milenar dos dias solares. Há um dia outro, brisa que incendeia, Abril límpido, justiça no rosto do povo. No alvoroço das palavras, reinventados os dias claros e o fogo solar.

A distância se condensa entre o momento breve e a eternidade. Palavra frémito, cadência solta, alvoroço. Explosão de punhos em gestos erguidos, na alegria solidária, na luta ombro a ombro. Os braços, árvores de raízes no coração das auroras, Mozart saltitante, fogo divino derramando-se. Crescer, viver, abraçar o mundo, tudo no nada que se é, António.

Perdido na cascata dos teus cabelos negros, na ânfora do teu corpo, menina, colhemos flores em inóspitos caminhos .”

Cabe ao leitor avaliar a qualidade da poesia, lendo o livro, não pelos olhos de outro. Por isso não se comenta.

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Mário de Sá-Carneiro – no Centenário da sua morte

Efeméride motivou iniciativas diversas

• António Alexandrino

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Sá-Carneiro nasceu em Lisboa, a 19 de Maio de 1890, e morreu em Paris, a 26 de Abril de 1916.

O centenário da morte do escritor foi assinalado com várias iniciativas, nomeadamente, uma exposição em Paredes de Coura, outra na Biblioteca Nacional e um “programa especial” na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa.

A exposição levada a efeito em Paredes de Coura (“Mil anos me separam de amanhã”) teve como peça “central” a nota de suicídio do escritor, deixada a Fernando Pessoa, mostrando, ainda, o espólio de uma colecção privada com correspondência e edições originais dos seus livros.

«Mário de Sá-Carneiro, ‘O homem são louco’» foi o título da exposição inaugurada em 26 de Abril, lembrando “a forma em que [Fernando] Pessoa se referiu ao seu amigo e espírito contemporâneo” Sá-Carneiro, pela Biblioteca Nacional de Portugal (BNP), aquando da apresentação da mostra. Como adianta a BNP, refira-se que a exposição em apreço constava de oito secções: ‘Publicações em vida’, ‘Publicações na primeira metade do centenário da morte’, ‘Publicações na segunda metade do centenário da morte’, ‘Correspondência’, ‘Prosa’, ‘Poesia’, ‘Orpheu’ e ‘Miscelânea’.

Em 2007, a Biblioteca Nacional adquiriu em leilão, na galeria do Potássio4, por 33 mil euros, obras de Mário de Sá Carneiro, entre as quais figurava um manuscrito que passou “a ser o documento mais importante do espólio do escritor”, na posse da BNP, como realçou à Lusa o seu então director, Jorge Couto.

A Casa Fernando Pessoa, em Campo de Ourique, Lisboa, promoveu “um programa especial, que juntou Ricardo Vasconcelos, especialista em Mário de Sá-Carneiro, a Miguel Simões e a Suzana Branco, criadores de uma visita guiada, em forma de áudio-teatro”.

Coimbra – Os primeiros livros do escritor.

O “primeiro livro” da biblioteca de Sá-Carneiro, juntamente com outros sete da sua infância, estão guardados na Universidade de Coimbra, onde o escritor foi estudante. “Spelling Book” terá sido o primeiro da biblioteca do então menino Mário de Sá-Carneiro, em que a sua assinatura é repetida várias vezes e no qual se encontra a seguinte inscrição: «O primeiro livro que se comprou para o Mário», datada de 1895 (aos cinco anos de idade). Na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, estão oito livros. Os achados foram descobertos “numa caixinha”, em 1994, contendo os livros apontamentos, pequenos versos e até desenhos, que poderão ser de sua autoria.

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A Corda Musical

A corda

Acorda

Luzes de imaginação

Imagens de beleza

Alegria e tristeza…

A corda

Acorda sentimentos

Num som maciço e doce

Tal qual como se fosse

Um toque de veludo

Cheio de amor.

E esse toque é quase tudo

Da alma do tocador.

A corda

Desperta corações

Como a guitarra num fado,

Faz libertar emoções.

 

A corda,

Com outras cordas,

São amarras de navios

Entrelaçados de fios.

Têm som forte e profundo

Quando vibram

Batidos pelas tempestades,

Cordas que acordam saudades

Suspiros e ais

Passeando pelo mundo

Ou agarrados ao cais.

Cordas que içam velas

Soltas ou enfunadas

Cordas tensas, esticadas,

Que soam com vento ao passar

Dia ou noite

De breu ao luar.

Quanta magia há nelas…

Qual será o seu destino?

Adivinhamo-lo

Nos sons de um violino.

Cordas que acordam o despertar

Naquele sino da aldeia

Que o faz voltar no ar…

Cordas que embalam o sol poente

Às Trindades

Nas horas de meditar.

Cordas

Que acordam fúrias,

Torrentes, furacões,

Calmas quentes,

Amores serenos…

E paixões.

 

Cordas

Que acordam o mundo,

O mar sem fundo, Céu e Inferno

Verão inverno

O que é místico e eterno…

Estranho e fantasmagórico

O que a corda acorda

No seu vibrar harmónico…

Numa nota só,

Há alegria e dó

No seu cantar,

Oh mão abençoada

Que lhe tocas apaixonada

Sem receios ou medos…

A corda é apenas

Mais um dos teus dedos!

• José Manuel Cachim, 15 de Maio, 1999

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Cows from outer space

•  Carlos Paiva
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Foto: Delfim Dias

25 de Abril de 1974 – a estação orbital

Estacionada a ziliões de km do planeta

Regista a passagem, acoplada a um cometa,

De uma nave interestelar colossal

Que vem a despenhar-se, sem deixar marcas,

Num país algures em plena Europa.

Entre os destroços, abre-se uma porta

Donde sai um poderoso exército de vacas.

Estas vacas, emissárias de Hipócrito,

Um tirano alienígena com mau feitio,

O pior trambolho que o cosmos já pariu,

Estas vacas, dizia eu, vieram parar a sítio inóspito:

Este sítio, que não lembra ao diabo,

É a própria pátria do Camões e do Pessoa,

E é curioso que nessa altura, em Lisboa,

Siga a revolução, embora em tom moderado.

Ora, estas vacas são vacas, mas não são parvas –

Foram meticulosamente treinadas, são uma tropa de elite,

E enquanto não falta na rua quem grite,

Estas vacas, com artimanhas e bem calculadas palavras,

Conseguem, num acto inesperado, apossar-se do poder!

Muitas sobem ao palanque e, altissonantemente, mugem;

É a hora, meu senhores, de o altifalante perder a ferrugem,

E tem que ouvir mesmo quem não quiser…

As vacas não perdem tempo: novas ordens são decretadas,

Projectos de lei, um ror de regras ainda por inventar –

Cúmulo: as vacas chegam a proclamar-se ‘sagradas’

E com habilidade para tratar de assuntos sérios,

Até metendo o focinho na forragem do outono,

E também noutros assuntos, de que não percebem corno,

E assim ascendem a cargos de chefia nos ministérios.

A bem segura distância, e por controlo remoto,

Hipócrito comanda, de surra, a sua horda,

Que, ah!, já veste fatos, sorri, anda na moda,

Mesmo que à volta tudo descambe e dê pró torto.

Aliás, discretamente tudo se parece encaminhar

Para a instalação de um festim lúbrico,

Ainda por cima à conta do erário público…

Enquanto isso, as vacas, naturalmente, continuam a avacalhar,

E não tarda que, nas parangonas dos jornais,

Surjam notícias de tão notório avacalhamento:

Buracos, golpadas monumentais, derrapagens de orçamento,

E uns outros tantos esquemas e aldrabices mais!

Não tarda que o povo sua indignação já mostra

Perante as ditas vacas sagradas do poder,

Porque prometam lá o que irão fazer,

O que têm feito, quase sempre, é uma indescritível bosta!

Dão cabo, por completo, do asseio geral,

Pois, a cada vez que sua farfalhuda cauda se arreda,

Lá de dentro sai uma rajada sonora de merda,

Tanto que já mais parece uma vacaria Portugal!

Mas acaso alguém pergunta como delas nos livrar –

O que fazer com tais seres?, mandá-los p’ra onde?… –

É caso curioso, há sempre alguém que, bovinamente, responde:

‘Ah não, são sagradas, não se lhes pode tocar…’

 

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Edição 695 (28/04/2016)

UMBERTO  ECO, “uma inteligência única”

 

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«Como as senhoras, os autores não têm idade» (Ana C. Leonardo). Efectivamente, a obra ‘imortaliza’ o escritor. Já Horácio (enorme referência literária mundial, grande poeta do período clássico da literatura latina – nascido em 65 antes de Cristo) mui sabiamente alertou para o fenómeno da criação literária: «Exegi monumentum aere perennius…» – ‘erigi um monumento mais perene do que o bronze…’ (Odes, III, 30).

Umberto Eco deixou-nos recentemente, aos 84 anos, tendo falecido na sua casa, em Milão. O mundo chora a morte do filósofo romancista. “Exemplo extraordinário de intelectual europeu, aliava uma inteligência única com uma incansável capacidade de antecipar o futuro”, destacou Matteo Renzi, primeiro-ministro italiano. Outrossim, para Marcelo Rebelo de Sousa (presidente da República Portuguesa) Umberto Eco “Foi um intelectual na melhor tradição europeia: conciliou erudição com uma capacidade invulgar de trazer o livro e a leitura para novos públicos, cruzando fronteiras difíceis de ultrapassar”.

Para quem foi crescendo a ler o escritor, ainda que apenas os seus ensaios mais acessíveis, e descontado o romance “O nome da rosa”, que o popularizou, o seu desaparecimento significa o empobrecimento do mundo (não se entenda nisto uma frase gasta de retórica), mas porque é mesmo um mundo que desaparece: um mundo povoado pelo que ainda restava da figura do intelectual do séc. XX, culto, interventivo, universal – asserção que o próprio Eco traduziu por palavras, em Junho passado, na Universidade de Turim, ao insurgir-se contra o que denominou “l’invasione degli imbecilli”, explicitando de seguida: “Prima parlavano solo al bar dopo un bicchiere di vino, senza danneggiare la collettività… a resistência à imbecilização do mundo ficou mais difícil com a sua morte” (Ana C. Leonardo).

Penso em mim como um professor sério, que ao fim de semana escreve novelas” – assim se definia Umberto Eco. Filósofo, semiólogo, escritor e professor universitário, deste modo se manifesta o legado deste italiano nascido na Itália de Mussolini, em Alexandria, a 5 de Janeiro de 1932. Era casado com Renate Ramger, uma professora alemã de arte, com quem teve dois filhos. A crítica mordaz e a capacidade de observação estão bem patentes na sua obra e também nas atitudes que foi adoptando ao longo da vida. Como fiador da liberdade e da justiça, preferiu abandonar o grupo editorial da família Berlusconi, na senda do que já era seu hábito denunciar os excessos do outrora primeiro-ministro italiano, com uma ironia fina.

Autor de mais de 40 ensaios, verdadeiras obras-primas (casos de “O signo”, “Os limites da interpretação”, “Kant e o ornitorrinco” e “Como se faz uma tese em Ciências Humanas”) concomitantemente, escreveu sete romances.

Com efeito, a sua carreira como romancista começou já perto dos 50 anos de idade (recorde-se que entre nós é também de iniciação serôdia o nosso Nobel da Literatura, José Saramago). Primeiro, “O nome da rosa” (1980), com o qual ganhou os prémios Médicis Prémio Strega, e fama internacional com a adaptação cinematográfica. Seguiram-se “O pêndulo de Foucault” (1988), “A ilha do dia anterior” (1994), “Baudolino” (2000), “A misteriosa chama da rainha Loana” (2004), “O Cemitério de Praga” (2011) e o “Número zero (2015).

Com uma carreira académica fulgurante, obteve 34 doutoramentos ‘honoris causa’ e fundou o Departamento de Comunicação da Universidade de San Marino, em 1988. Leccionou, entre outras, nas universidades de Yale e Haryard (EUA), além do ‘Collège de France’. Era ainda professor emérito da Escola Superior de Estudos Humanísticos da Universidade de Bolonha.

• António Alexandrino

 

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Frank Sinatra  – “The Voice

• António Alexandrino

Ed686_SinatraDia 12 de Dezembro. Se Frank  Sinatra (“The Voice” )fosse vivo, faria 100 anos, nessa data.

Há precisamente um século, nascia um bebé numa modesta habitação do nº 415 da Monroe Street, em New Jersey, EUA. Foi-lhe posto o nome de Francis Albert Sinatra

Filho único de um casal imigrante, proveniente de Itália, Frank viria a tornar-se o maior cantor do séc. XX e um ícone da cultura popular. No decurso de 50 anos, gravou mais de 100 discos, 1800 canções! À posteridade legou o epíteto de “a Voz”.

Em 1939, aos 23 anos, começava uma longeva carreira, com a gravação do seu primeiro disco. Pouco depois, já provocava chiliques nas moçoilas da assistência e ‘arrasava’ corações pela América. Rapidamente se afirmou como uma estrela global de primeira – quiçá a primeira.

Embora longa a carreira, Frank Sinatra veio a Portugal apenas por três vezes: em 1950 e em 1971 como turista – jogou golfe em Cascais – e a terceira como cantor. Actuou no estádio das Antas, em 7 de Junho de 1992. Entretanto, a sua estrela artística empalidecia (o que acontece a todos, mesmo aos maiores). Aos 76 anos, então, era já a fase descendente da sua carreira. Apesar do preço elevado dos bilhetes (entre os 15 e os 30 contos), juntou cerca de dez mil pessoas na relva, revestida por alcatifa azul e com algumas mesas para as carteiras mais abastadas. Não consta que esta passagem pela ‘Cidade Invicta’ tenha deixado grande memória. Segundo as ‘crónicas’, terá aportado poucas horas antes de cantar e nem terá pernoitado em solo luso, após a apresentação de 17 canções. Ao que consta, no fim do concerto, não quis cumprimentar Amália que o foi saudar.

Todavia, Frank Sinatra maravilhou gerações; viveu como quis, de jacto em jacto privado, ‘bom vivant’, mulherengo, adepto dos ‘jogos de azar’, caçoando das acusações que o apontavam como mafioso. Falecido aos 83 anos, ‘vê’ o 100º aniversário do seu nascimento comemorado um tanto por todo o lado.

Sem pretensiosismos, fiquemo-nos, por exemplo, com “My way” ou  “My funny Valentine” ou “Stormy weather”…

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Ed. 685  (05/11/2015)

Bocage – 250 anos do poeta

• António Alexandrino

Ed686_bocageNascido a 15 de Setembro de 1765 e falecido em 1805 (com apenas 40 anos), Manuel Maria Barbosa du Bocage, teria, actualmente, 250 anos, se fosse, fisicamente, vivo.

Natural de Setúbal (“Elmano Sadino”), está a ser alvo de homenagens e actividades a condizer, que vão até Setembro de 2016, a serem levadas a efeito pela autarquia setubalense. A iniciar tal programa, para além de situações pontuais, houve lugar, no dia de aniversário, a uma sessão solene e a um concerto da Orquestra do Norte, na Praça Bocage, em Setúbal e ainda, posteriormente, à tertúlia “Eis Bocage: Conversas de Botequim”, com convívio poético, no Largo da Misericórdia.

Sem ambições de grande abrangência, nesta abordagem de apenas umas tantas linhas (Bocage é o maior poeta do século XVIII – “irmão” de Camões na «má fortuna», nas andanças pelo Oriente, nos amores infelizes) fixemos a atenção, no tempo que passa, sobre o que pensaria Bocage da crise e do Portugal de hoje. Nesta matéria, há que ouvir os especialistas. Alguns especialistas sobre o poeta setubalense subscrevem que este reagiria de maneira crítica ao quotidiano português de crise, à assimetria ricos/pobres e à Europa contemporânea na forma de lidar com os refugiados.

Para Álvaro Arranja (“Bocage, a Liberdade e a Revolução Francesa”), hoje, Bocage «basearia as suas críticas fundamentalmente nas políticas tomadas por alguns países da Europa em relação aos imigrantes da Síria, ao mesmo tempo que acusaria a União Europeia de não fazer o seu papel na luta pelos direitos fundamentais da Revolução francesa – igualdade, liberdade e fraternidade.

Por agora, ficamos por aqui, transcrevendo, a propósito, um dos seus sonetos:

«Liberdade querida e suspirada, / Que o Despotismo acérrimo condena! / Liberdade, a meus olhos mais serena / Que o sereno clarão da madrugada!  /// Atende à minha voz, que geme e brada / Por ver-te, por gozar-te a face amena! / Liberdade gentil, desterra a pena / Em que esta alma infeliz jaz sepultada! /// Vem, oh deusa imortal, vem, maravilha, / Vem, oh consolação da humanidade, / Cujo semblante mais que os astros brilha! /// Vem, solta-me o grilhão da adversidade! / Dos céus descende, pois dos céus és filha, / Mãe dos prazeres, doce Liberdade!»

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Ed. 685  (05/11/2015)

Ramalho Ortigão

• Manuela Tavares

Encontros Intergeracionais em Bondança e Aveloso de Sul

Ed685_DSCF0233No âmbito do Projeto Acolher – Cooperação Intergeracional para um Turismo Ético e Responsável em Meio Rural, inserido na programa Cidadania Ativa da Fundação Calouste Gulbenkian, realizaram-se nos dias 30 e 31 de Outubro, dois encontros intergeracionais nas aldeias de Bondança (Manhouce) e Aveloso de Sul.

Na desfolhada em Bondança participaram perto de 40 pessoas num convívio, onde jovens e pessoas idosas trocaram saberes e cantares. Alguns elementos do grupo de concertinas de Lafões abrilhantaram o baile que se seguiu à desfolhada. O grupo “Fragas (en) canto” com origem no Projeto Acolher cantou músicas e autores como José Afonso, Pedro Abrunhosa e Brigada Vitor Jara, assim como músicas tradicionais, convidando as mulheres de Gestosinho e Bondança a participar, gerando-se um ambiente muito emotivo, em especial, quando o grupo, evocando as pessoas que emigraram, cantou “Para os braços de minha mãe”. A população de Bondança acolheu também com muito agrado o retorno à sua aldeia do antigo presidente da Câmara Bandeira Pinho, agora como visitante associado da Fragas Aveloso.

O mesmo ambiente de convívio e de partilha de experiências registou-se no “Convívio da Castanha” na Associação Fragas Aveloso, a promotora do projecto Acolher, em parceria com a Binaural  Estiveram presentes mais de três dezenas de pessoas, jovens e menos jovens, sendo que uma das jovens do projecto Acolher leu alguns dos poemas publicados recentemente em livro: Ekaterina Malginova. Neste convívio marcou presença o Presidente da Junta de Freguesia de Sul, assim como elementos da Associação Cultural de Rompecilha que convidaram a Associação Fragas para o magusto de dia 1 de Novembro. Neste magusto, foi exibido o documentário realizado por Renato Fernandes, jovem do projecto Acolher, sobre o ciclo do linho em Rompecilha, com origem na visita de jovens do projecto à aldeia a 25 de agosto deste ano.

Estes encontros intergeracionais transformaram-se também em convívios inter-aldeias (Aveloso de Sul, Bondança e Rompecilha), mostrando que as solidariedades também podem ser geradas através do convívio, reanimando antigas tradições que constituíam factores de coesão entre as pessoas, como é o caso das desfolhadas.

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Ed. 684  (15/10/2015)

Ramalho Ortigão

• António Alexandrino

ou  Era uma vez…“As Farpas”

Um século após a sua morte (a efeméride teve lugar no passado 27 de Setembro), vai “matéria” de sobra para o estro do talento de Ramalho Ortigão e, pela cumplicidade de ambos, para o não menos talentoso coautor d’ As Farpas, Eça de Queirós…

São diversas as iniciativas para as comemorações do centenário. A cidade do Porto, onde nasceu, em 1836, de família burguesa desafogada, leva a efeito (entre 29 de Outubro e 14 de Novembro), através da Fundação Engº António de Almeida, um ambicioso programa de homenagem. Igualmente destaque para a Biblioteca Nacional Digital, que vai dar relevo às suas obras mais conhecidas, tal como um conjunto de notícias sobre a sua morte. Também Lisboa, cidade onde faleceu, em 1915, se associa às comemorações, com duas conferências e uma mostra bibliográfica a promover pelo Grémio Literário.

Como ele próprio o frisou, muito ficou a dever aos «sãos e austeros costumes em que foi educado, “como um pequeno saloio”, “no caldo de unto e na broa dos homens do campo”, na casa de lavoura da avó materna. Costumes patriarcais e convivência com um tio frade e um criado soldado: “Fiquei para todo o sempre um tanto frade, um tanto soldado”» (in ‘Dicionário de Literatura’, Prado Coelho). «Na saúde física e na educação recebida, de ar livre, assentam a sua esplêndida saúde moral, as suas virtudes de lutador, o seu amor às coisas concretas, o seu portuguesismo, o seu culto da tradição» (idem).

Cedo começou a leccionar francês no Colégio da Lapa, dirigido por seu pai, bem como a dedicar-se ao jornalismo. Frequenta a Universidade de Coimbra, sem que se tenha diplomado. Intervém na “Questão Coimbrã” com um folheto imparcial e corajoso – ‘Literatura de Hoje’. Em 1868, é nomeado oficial da secretaria da Academia das Ciências, passando a viver na capital, entregue ao jornalismo. Lança-se, com Eça, na longa campanha d’As Farpas. Enfileirou entre os homens da “Geração de 70”, empenhados em criticar vícios e preconceitos da sociedade portuguesa, perfilhando um espírito moderno, positivo, liberal, europeu. Marca dessa geração é também o gosto de viajar. Figura no «grupo jantante» dos “Vencidos da Vida”, com Eça de Queirós, Oliveira Martins, Guerra Junqueiro e outros. Honra-o a amizade do Rei D. Luís. Em 1895, é bibliotecário do Palácio da Ajuda. Com o advento da República, em 1910, entende que deve renunciar aos cargos da Academia e da Ajuda. Desiludido da acção política, vai regressando progressivamente aos princípios em que fora criado…

Vasta foi a sua produção literária e jornalística, embora só uma pequena parte haja chegado aos nossos dias. Apesar disso, Ramalho Ortigão escapou ao esquecimento a que foi votada a maioria dos vultos desse tempo, nomeadamente, Pinheiro Chagas, Castilho ou Bulhão Pato.

Em parceria com Eça de Queirós, de quem era grande amigo, escreve “O mistério da estrada de Sintra”.

Literatura de viagens: em obras como “A Holanda” ou “John Bull”, Ortigão conseguiu captar o espírito do lugar, sintetizando um conjunto de impressões definidoras e bem humoradas acerca de povos como o holandês e o inglês.

Crítica de arte: Teve um contributo importante para o seu incremento, sobretudo, graças ao livro “O culto da arte em Portugal”.

As Farpas. Obra levada a efeito, em parceria com Eça, numa primeira fase. «Inimitável fresco da sociedade portuguesa da segunda metade do século XIX» (Sérgio Almeida, in JN, 27 de Setembro, 2015), se bem que «a sátira e a verve aí presentes» (idem) estariam à medida do muito que o Portugal de hoje fornece a um bem apurado engenho! Em As Farpas, se revela uma «vocação pedagógica, servida por excepcional poder de observação e de análise» (in Dic. de Literatura, Prado Coelho), que dissecou o país com uma propriedade incomum. Obra escrita «com um objectivo primacial: fazer ver bem. Ver bem é a primeira condição para actuar bem» (ibidem).

No plano artístico, Ramalho é um sensorial, muito atento e vibrátil, face ao mundo exterior. No plano estilístico, muito rico de vocabulário concreto (utensílios, técnicas, vestuário) é «firme, lavado, fluente, comedido – afirmação duma personalidade pelo equilíbrio viril, digamos pela normalidade exemplar» (Prado Coelho, idem).

Ramalho Ortigão: personalidade prática, elegante no vestir, mundano.

Deixamos aqui alguns excertos desta imortal obra. Prevenimos o caro leitor, face à tentação para uma eventual comparação com a actualidade. É que, no tempo que passa, lá diz a bem avisada asserção, “qualquer semelhança com a (quotidiana) realidade é pura coincidência”.

“Leitor de bom senso, que abres curiosamente a primeira página deste livrinho, sabe, leitor celibatário ou casado, proprietário ou produtor, conservador ou revolucionário, velho patuleia ou legitimista hostil, que foi para ti que ele foi escrito – se tens bom senso! […] O País perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos e os caracteres corrompidos. A prática da vida tem, por única direcção, a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido, nem instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não existe nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Já se não crê na honestidade dos homens públicos. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos vão abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta em cada dia. O tédio invadiu as almas”.

“Há muitos anos que a política em Portugal apresenta este singular estado: Doze ou quinze homens, sempre os mesmos, alternadamente possuem o Poder, perdem o Poder, reconquistam o Poder, trocam o Poder… O Poder não sai duns certos grupos… Quando quatro ou cinco daqueles homens estão no Poder, esses homens são, segundo a opinião, e os dizeres de todos os outros que lá não estão – os corruptos, os esbanjadores da Fazenda, a ruína do País! Os outros, os que não estão no Poder, são, segundo a sua própria opinião e os seus jornais – os verdadeiros liberais, os salvadores da causa pública, os amigos do povo, e os interesses do País… A política converteu-se em uma associação de intriga, em que os sócios combinam dividir-se em diversos grupos, cuja missão é impelirem-se e repelirem-se sucessivamente uns aos outros, até que a cada um deles chegue o mais frequentemente que for possível a vez de entrar e sair do governo”.

“Em Portugal, a luta pela vida destrói a altivez moral e dá a sobrevivência à ignorância bajuladora e servil”.

“Como o boi puro, o povo não se desilude nunca, nunca se desengana na lide… O povo é um boi que em Portugal se julga um animal muito livre, porque lhe não montam na anca: – e o desgraçado não se lembra da canga!… O povo às vezes tem-se revoltado por conta alheia. Por conta própria – nunca”.

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EXPOSIÇÃO 4M’s em Braga

• Redação

Ed684_Violinos-Expo-EngCapela_IMG_17474M’s = à Magia das Mãos, da Madeira e da Música. Esta, a chave da fórmula 4M’s. Em que consiste?

Inaugurada em 10 de Outubro p. p., no ‘Museu Pio XII’, na cidade de Braga, sob a presidência do seu Director (Cónego José Paulo Martins) esta exposição de cordofones, patente ao público até ao dia 30 de Novembro, é constituída por 23 instrumentos friccionados (tocados a arco) e dedilhados (tocados com os dedos).

Todos os instrumentos são da autoria do violeiro Joaquim Domingos Capela (Engenheiro e Professor Universitário), pertencente a uma família distinta de violeiros de Anta (Espinho).

Compõem o recheio da exposição: violinos (normais e gravados), viola de amor, viola de arco (violeta), rabeca, crota, família de bandolins, alaúde, violas de mão (barroca, romântica e moderna), guitarras portuguesas (modelo Coimbra e modelo Lisboa) e cavaquinhos (modelo Minho e modelo Lisboa). Parte deste património foi cedido pela Universidade de Aveiro, sendo a maior parte facultada pelo próprio autor.

Os instrumentos, reputados como de alta qualidade, mereceram elevados encómios dos visitantes, muito especialmente o violino ¼, construído pelo autor, na idade de nove anos. Preenche, ainda, a exposição um conjunto de madeiras, ferramentas e vernizes, materiais utilizados pelo autor para descrever o modo de como construir um violino – faceta muito apreciada pelos circunstantes, tendo em conta as dúvidas e perguntas entretanto por eles formuladas.

Completam esta exposição cerca de duas dezenas de livros, escolhidos pelo violeiro Joaquim Domingos Capela da sua extensa bibliografia, dirigidos à arte da violaria e à vida dos grandes violeiros.

Ao terminar o cerimonial, o Director do ‘Museu Pio XII’ dirigiu algumas palavras elogiosas sobre a obra exposta, pela sua qualidade e diversidade, salientando não ter conhecido outro construtor que tivesse abrangido a feitura de instrumentos pertencentes a áreas tão específicas como é o caso de instrumentos  friccionados e dedilhados. Apelou ainda à divulgação da existência desta exposição, por ser pouco vulgar.

Em evento de tal contexto, ficaria um vazio, se não houvesse música, música instrumental. Com efeito, foram tocadas duas peças musicais pelo jovem violoncelista Tiago Mendes.

Como acima ficou dito, esta exposição estará aberta ao público até 30 de Novembro. Fecha à segunda-feira e tem o seguinte horário: 10.00-12.30 e 14.30-18.00.

 

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Ed. 683 (24/09/2015)

ARS NOVA EM LISBOA

Manuela Tavares

Ed683_ARS-Nova_IMG_5523Vestidos azuis de várias tonalidades, vozes límpidas e bem colocadas, em cantares tradicionais, eruditos e de intervenção, encantaram o numeroso público que se juntou no Centro de Cultura e Intervenção Feminista da UMAR, em Alcântara, para assistir ao concerto do ARS NOVA.

Pela primeira vez em Lisboa, este grupo de jovens vozes de Manhouce – Adriana Gomes, Ana Rita Trindade, Cíntia Gomes e Susana Alves – dirigido pelo professor António Alexandrino Matos, afirmou-se pela qualidade e pelo programa escolhido, onde não faltaram compositores como Fernando Lopes-Graça, José Afonso, Mozart e Haendel, sem esquecer o canto da polifonia tradicional.

A UMAR – União de Mulheres, Alternativa e Resposta, que nesse dia 12 de Setembro completou 39 anos de existência, sentiu-se muito gratificada com este concerto, segundo declarações de Teresa Sales, Vice-Presidente da Associação, que salientou também o facto de o repertório cantado incluir poemas de José Gomes Ferreira musicados por Fernando Lopes Graça, autores por vezes esquecidos na actualidade.

Manhouce desceu, mais uma vez, à cidade de Lisboa, desta feita através das vozes do ARS NOVA, novel grupo formado em Dezembro de 2014, com origem nas “Vozes de Manhouce” e que se autonomizou, por necessidade de ampliação de repertório e para valorização de outras vozes, mais jovens.

O repertório deste grupo reflecte classe e diversidade, quer no colectivo (coro), quer a solo. Não perdendo as suas raízes tradicionais, ao seleccionar para o seu programa canções como ‘Maçadeiras’, ‘Chora a videira’, ou ‘Este linho é mourisco’, o ARS NOVA enfrenta também os desafios dos cânticos de intervenção, designadamente, as “Canções Heróicas” de Fernando Lopes-Graça (‘Acordai!’, ‘Cantemos o novo dia’ e outras) que ficaram na memória de quem lutou contra um regime de 48 anos que obscureceu o país na cultura, nas mais elementares liberdades e que penalizou quem ousava pensar e agir. Mas é, também, o manancial de José Afonso (‘Milho verde’, ‘Canção de embalar’, ‘Balada do Outono’, ‘A morte saiu à rua’…). Este grupo ousou, ainda, e com êxito, entrar pelos caminhos da música erudita, ao cantar, nomeadamente, ‘O mio babbino caro’ – G. Puccini (1858-1924), Aria da Ópera “Gianni Schicchi”, ou ‘Ombra mai fù’- G. F. Haendel (1685-1759), Aria da Ópera “Xerxes”, ou ‘Ave verum’- W. A. Mozart (1756-1791), ou ‘Panis angelicus’- C. A. Franck (1822-1890).

Os apoios institucionais a este grupo de canto são ainda escassos, mas temos a certeza de que, com persistência na qualidade da sua intervenção, o ARS NOVA vai dar que falar e engrandecer a região de Lafões e as suas gentes.

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Ed. 682 (10/09/2015)

Vale a pena estudar?

• António Alexandrino

Ed682-Cultura_EstudarEstamos em vésperas de as portas das escolas dos vários níveis de ensino (desde as “escolinhas” ao superior) se abrirem, dando realização a mais um ano lectivo/escolar. Os preparativos, como de costume, aí estão “no terreno”, com múltiplas salgalhadas… também “como de costume”.

Legítimo e porventura imperioso questionarmo-nos: será que vale a pena estudar? A expressão, por nós transformada em “questão”, é da autoria do Sr. Professor Manuel António Assunção, digníssimo Reitor da Universidade de Aveiro e, com devida vénia, a trazemos à liça.

Efectivamente, o que está no âmago do problema, «da maior importância para as pessoas e para o futuro do país é a qualificação dos portugueses» (idem, M. A. Assunção). Regista-se, no momento que passa, mais elevado número de candidatos ao Ensino Superior do que em igual período do ano transacto, facto a que é dado especial relevo.

Na verdade, Portugal continua longe da média europeia, no que respeita a pessoas com formação superior: 30% contra 38%, se tivermos em conta quem está entre 30 e 34 anos. Nota-se uma recuperação do nosso atraso crónico muito vagarosa: apenas 3% nos últimos 8 anos! É previsível que não vamos atingir uma das metas 2020, fixadas para a EU: ter 40% da população, na faixa apontada, com um diploma superior.

Dois terços dos jovens que concluem o Ensino Básico não chegam ao Superior. É, obviamente, preocupante! Trata-se de uma «situação paradoxal e muito negativa, quando caminhamos para uma sociedade onde o conhecimento é cada vez mais determinante para o secesso individual e colectivo» (idem).

Razões para que, no passado recente, os candidatos ao Ensino Superior tenham diminuído são múltiplas. No entanto, é de sublinhar uma: a percepção instalada um tanto em largos sectores da sociedade de que não vale a pena estudar. Ora, nada de mais errado!

Não só vale a pena como «constitui um investimento firme para o futuro» (idem). A taxa de desemprego de quem tem um curso superior é muito menor (10% contra 16%); o tempo de espera por emprego é inferior; a remuneração auferida é melhor; as oportunidades e possibilidades de escolha à disposição de quem tem a qualificação superior são muito mais alargadas. Não falando já do bem social e do «acréscimo de cidadania que advêm de termos mais gente com melhor formação e educação» (idem).

Todavia, a situação que o país atravessa não acrescenta facilidades. Bem pelo contrário, impõe aos estudantes e respectivas famílias uma escolha criteriosa do curso a seguir. «O valor antecipável da formação é muito variável e encerra incertezas várias» (idem). Por isso, deve cada qual fazer a sua opção, tendo em conta competências, gostos e sonhos…

Mas, qualquer que seja a opção…, vale a pena estudar!

 

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Ed. 681 (30/07/2015)

Política, Democracia, Cidadania e Ambiente – Laudato si!

• António Gouveia

Ed681_p31No velho sentido clássico, definição ou semântica do que é a ideologia política, seja ela de esquerda, do centro ou de direita, cada uma defendendo os seus valores, tenho-me, enquanto cidadão interventor e político (somos todos políticos), alinhado ao centro, com pequenos recuos de oportunidade e arroubos estratégicos – nasci a 23 julho, meio caranguejo, meio leão, esta é uma crónica de aniversário –  para um e outro lados da balança conforme o prumo, pois entendo que é no centro que está o “justo meio” – isto nos ensina Aristóteles (na sua) “Ética a Nicómaco” -, na medida em que, diz ele, “Se temos razão em dizer que a vida feliz é a vida a que nenhum obstáculo desvia da virtude, e que a virtude é um meio, segue-se necessariamente que a vida melhor é a que consiste num justo meio”. E mais ainda: “Estas mesmas normas devem também aplicar-se à excelência ou à perversidade de uma Cidade e de uma Constituição, porque a Constituição é o estilo de vida de uma Cidade”.

Como sabemos, o termo política deriva do grego, da palavra Πὁλίς (pólis, cidade) cujo sufixo ”tica”, aprendi no liceu, sugere relação, no caso, com a Cidade e forma como esta deve ser governada. Relendo ainda Aristóteles, desta feita no (seu) Tratado da Política e volta aos clássicos, encontro, logo nas primeiras páginas, que “A sociedade que se formou da junção de várias aldeias constitui a Cidade, a qual tem a faculdade de se bastar a si própria, sendo organizada, não somente para conservar a existência, mas também para procurar o bem-estar”. Será esta uma das melhores definições de Política. E diz mais ainda: “O homem é um animal político”- não sei se para nos distinguir dos outros animais sem alma, portanto irracionais, selvagens e brigões -, ou se já então, o maior filósofo de todos os tempos entendia que o lugar e sociedade onde vivemos é uma selva. Talvez seja, pelo que observo.

Aristóteles nasceu na Trácia em 385 a.C., há 2 400 anos, portanto, em Estagiros, pequena cidade fundada por colonos gregos no território que pertencia então à antiga Macedónia (essa mesma, a pátria de Alexandre, o Grande) no espaço geográfico que hoje corresponderá, mais coisa menos coisa, a partes da Grécia, Turquia e Bulgária, nos mares Egeu, Negro e da Mármara, junto aos estreitos dos Dardanelos e do Bósforo, este a dividir hoje a Europa da Ásia, na belíssima e mística Istambul, outrora Constantinopla e Bizâncio. E, por esta razão, tantos séculos passados, tantos os saltos qualitativos que a sociedade deu ao longo dos tempos, na ciência, tecnologia, filosofia, economia, antropologia, nas artes (a política das mais belas mas borram-lhe a pintura, outra arte), espantamo-nos (eu espanto-me) com tudo o que se vem passando: falta de ética, mentira e corrupção, latrocínio e peculato, justificações e desculpas esfarrapadas para crimes bem à vista de todos mas de difícil prova (no direito penal, liberdade e propriedade também chocam entre si), que poucos magistrados têm a coragem de inquirir e punir com medo das consequências e dos poderosos. Tudo, afinal, porque “Homo homini lupus” – frase dita por Plauto no séc. II d.C. e tão bem popularizada por Thomas Hobbes muito mais tarde, no séc. XVII.

Mais curioso é ter sido na antiga Grécia a descobrirem-se estas palavras: política, oligarquia, monarquia, aristocracia, democracia, república, estado e tantas outras por que se movimenta, nos dias de hoje, toda a política nacional e internacional. E mais curioso ainda, passados tantos séculos, estar este país tão longe da igualdade e fraternidade tão apregoadas ao longo dos séculos, mil vezes repetidas. Por mim, dos valores principais a comandarem a sociedade, a liberdade e a propriedade são importantes, também o tão propalado ambiente, outro valor de inegável alcance que o Papa Francisco, com oportunidade vem relembrar na nova encíclica inspirada no belo poema do outrora rico cidadão convertido em “poverello” de Assis – Laudato Si -, poema à natureza que nos sustenta, outro valor tão vilipendiado que até querem privatizar a água, este sim, um valor absoluto, soberano e intocável.

Vamos ter novas eleições a 4 outubro, desta feita para as legislativas, o mesmo é dizer para a Assembleia da República. António Costa, líder do PS, deu o pontapé de saída, renovando os cidadãos que quer ver sentados em S. Bento e sacudindo com coragem, os que aos costumes dizem nada ou coisa nenhuma. Por mim, já tinha mudado a lei eleitoral e, se ela mo consentisse (e devia consentir, a democracia é isso), votaria nominalmente numa lista, escolhia os partidos e, nas listas de nomes, os que eu mais gostasse, por exemplo, a jovem Mariana Mortágua para me representar e, com ela, outras figuras gradas, mulheres e homens sérios e honrados, e que honram a política, que por ela se batem com denodo e galhardia contra esta bagunça que é uma mistela de austeridade para uns e de roubalheira e corrupção para outros. Vivendo nós numa rua de pobres, tal como a Grécia – onde já ouvi isto? -, Bom seria vivermos com mais probidade e menos austeridade, por certo afastaríamos esta crise e este desemprego, animávamos a economia e poupávamos para atenuar este endividamento que a todos nos esmaga e derrota. Enfim, saíamos deste purgatório que é uma cepa torta e arde que até queima as nossas vidas.

 

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Ed 680 (16/07/2015)

O disco de vinil cada vez mais de regresso e em força!

• António Alexandrino

Ed680_VinilNa anterior edição de ‘Gazeta da Beira’, dedicámos parte do espaço “Cultura” aos 40 anos da “Brigada Victor Jara”. Foram 40 anos merecedores dos encómios aí expressos. Todavia, e porque deixámos em aberto a concretização de alguns dados sobre uma vinda da ‘Brigada’ a S. Pedro do Sul, entendeu um assinante de ‘Gazeta da Beira’ fornecer-no-los, o que agradecemos. Efectivamente, aquele grupo actuou no então Cine-Teatro, em 1983, por iniciativa do ‘Cénico’, agremiação a que estava ligado, activamente, o leitor a que acima aludimos.

Ao longo da referida local, salientámos o facto de a sua produção discográfica haver sido, pode dizer-se, no âmbito do vinil, quanto mais não fosse, por uma questão cronológica, porquanto era a forma de produção e divulgação mais fiável no sector. É que, na verdade, o vinil, o disco de vinil, está cada vez «mais vivo» e recomenda-se (acrescentamos nós). Do facto se tem vindo a fazer eco a nossa comunicação social.

Com o aparecimento do CD (Compact Disc), ter-se-á diagnosticado o fim do vinil, sobretudo, o LP (Long Playing), a forma mais perfeita de registo sonoro, na ‘carreira’ desta longeva tecnologia. Outras mortes anunciadas foram tendo lugar, ao longo da História, sem que se tenham concretizado “tanto como isso”! Com efeito, o surgimento do cinema parecia empurrar para o limbo o teatro… o teatro não morreu. Veio a televisão, que tinha por ‘incumbência, liquidar o cinema e, já agora … o teatro… enfim, e outros inventos (especialmente, as “novas tecnologias”) que estariam na calha para liquidar ou obstruir quantos andassem pelas proximidades…, numa espécie de caça “fratricida” e sem tréguas. Mais, independentemente da melhor ou da menos boa utilização de todas estas vertentes, de forma descomprometida, deveremos aceitá-las, todas, como potencialmente possuidoras de capacidades concomitantes e concorrentes, no melhor sentido.

Diz quem sabe (caso dos comerciantes do sector) que as vendas do LP não param de subir e o formato é o preferido pelos melómanos e coleccionadores. Atestam, ainda, que o mercado cresce tanto para os velhos discos usados como para as novidades discográficas que aparecem em ‘rodela negra’. Os interessados em vinil são cada vez mais em maior número. De resto, não se pense que o fenómeno é de há pouco. A tendência sente-se vai para 10 anos e é cada vez mais visível: o vinil está a regressar em força.

Após eclipse devido à ascensão do CD, aí por meados dos anos noventa, os discos de vinil voltaram a ser uma preferência para muita gente, desde há cerca de uma década. Diz o mundo do comércio que o CD lidera as vendas, mas com esta ressalva: há já vários anos que cada vez se vendem mais LP e cada vez menos se vendem CD.

Alguns números. Nos Estados Unidos, a venda de vinil aumentou 50% em 2014. Segundo a Nielsen, uma consultora de análise de tendências e hábitos de consumo, o mercado dos LP aumentou 260%, desde 2009, prevendo-se que este ano os números vão continuar a subir. De acordo com a “Forbes”, os três primeiros meses de 2015 apresentam vendas de vinil 53% superiores às do mesmo período do ano passado.

Há cada vez mais lojas que apostam nos discos de vinil, sendo significativo o seu número, mormente em Lisboa e no Porto. Mas também as feiras de artigos usados, como a ‘Vandoma’ (Porto) ou a ‘Feira da Ladra’ (lisboa) costumam ser locais apreciados por quem procura discos a preço em conta. «Cada vez mais artistas optam por editar em vinil, muitas vezes sendo o único formato físico escolhido, em detrimento do CD… Abrimos uma loja, em 2004, e as vendas de vinil foram sempre subindo» (Rui Quintela, proprietário de uma das mais emblemáticas lojas de discos do Porto).

De entre os que compram discos de vinil, nem todos o fazem pelas mesmas razões. «Cada um terá os seus motivos, desde quem alegue que o som é melhor, até ao que gosta das capas neste formato ou porque acha que fica melhor no móvel lá da sala» (idem).

Não há, também, um perfil tipo do comprador, mas uma franja significativa é o melómano na casa dos 30 anos. Se há uns 10 anos apenas os melómanos mais puristas compravam vinil, «neste momento a coisa democratizou-se para as massas e os êxitos…» (Rui Quintela).

Não prometemos, mas voltaremos, eventualmente, ao assunto.

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Ed. 679 (25/06/2015)

Brigada Victor Jara – 40 anos depois!

• António Alexandrino

Ed679_BrigadaVitorJarra_IMG_1477Víctor Jara. Melhor, Víctor Lidio Jara Martinez. Cidadão chileno, director de teatro, poeta, cantor, compositor, músico e activista político.

Integrou e dirigiu, artisticamente, o Grupo Musical Quilapayún (fundado em 1965), que se perfilava na corrente da “Nueva Canción Chilena” (quem não se lembra… “el pueblo unido jamas sera vencido”?). Na sequência, e em consequência, do golpe militar de 11 de Setembro de 1973 (sob inspiração da CIA e comandado pelo general Augusto Pinochet que instaurou uma longa e feroz ditadura), Víctor Jara foi assassinado, em Santiago do Chile, cinco dias depois, tal como muitos seus compatriotas, inclusive, o Presidente Salvador Allende, que falecera aquando do golpe.

Poucos meses depois, em Portugal, é o 25 de Abril de 1974. E um enorme abanão, em múltiplas facetas da vida nacional, nomeadamente, no campo da música tradicional portuguesa, varre o país. Eram as ‘brigadas’ de alfabetização… a 5ª Divisão do MFA… Ouvem-se nomes, como que ‘novos’, de músicos e musicólogos. Entre outros, Armando Leça, Artur Santos, Michel Giacometti, Fernando Lopes-Graça… Efectivamente, o Estado Novo, nesta matéria, havia “vendido o seu peixe” como lhe conviera, à sua maneira. Surgem grupos, especialmente pela mão de gente jovem, que marcam o panorama cultural.

Brigada Victor Jara. É uma das grandes referências, neste contexto, e está a comemorar 40 anos. Uma ‘referência’ de quem um dos actuais músicos (Arnaldo Carvalho) faz questão de afirmar que «Nós nunca andámos atrás do estrelato… sempre fomos um grupo de causas».

A história da Brigada remonta a Coimbra (“sua génese e a sua cartilha de procedimentos”) e ao pós-25 de Abril. Um grupo onde, ao longo dos anos, entrou e saiu muita gente. Gravaram discos essenciais (ah, vinil, vinil…!) para se perceber a riqueza e a importância da música tradicional portuguesa, de todas as regiões do país, embora tenham relevado algumas, face a outras. Lembra o músico, supra citado, que Michel Giacometti foi sempre a quem a banda mais recorreu nas recolhas  – andou muito tempo por terras transmontanas  a captar tradições em vias de extinção. “A alguns locais ele só conseguia chegar de burro e encontrava sítios virgens com muita canção da tradição oral”.

Nas novas gerações de músicos nacionais, entendem os elementos da Brigada, não falta quem mantenha viva a tradição. Acrescenta Garção Nunes: “Esta geração nova não está tanto a ir buscar a música tradicional pura e dura, mas mais a procurar os próprios instrumentos e a puxá-los para os nossos dias. Isso é evolução e assim é que deve ser”.  Garção Nunes cita exemplos, como os das violas campaniça ou beiroa, “que há 30 anos estavam quase desaparecidas”. Hoje, como diz Arnaldo Carvalho, “há um processo dinâmico e há uma coisa altamente promissora para o futuro que é a progressiva introdução desses instrumentos e sua valorização em todas as linguagens musicais”.

Vão lá 40 anos! Para festejar a data, a Brigada Victor Jara edita a discografia completa, em 10 CDs (com 111 canções de todas as regiões, ilhas incluídas, e um livro com as letras e vários depoimentos de gente próxima do grupo). De acordo com Cristiano Pereira (in JN, 12 de Junho/15, ‘Artes’), «Amiúde arrumada no departamento dos “comunistas”, a música gravada pela Brigada Victor Jara é absolutamente obrigatória para se perceber a identidade e as raízes culturais portuguesas».

Em determinada altura (não temos presente), a Brigada actuou no então Cine-Teatro de S. Pedro do Sul. Emocionante! Hoje, passados que são seguramente pouco menos de 40 anos, é recordação que “faz viver”!

Julgamos oportuna uma alusão, ainda que sumária, ao primeiro LP, intitulado EITO FORA. Dever-se-á esta denominação ao facto de a canção assim conhecida, que dá início a este (ainda) ‘vinil’, ser uma “cantiga de ceifa”, um “Eito Fora”, de Lourosa da Trapa (S. Pedro do Sul). Provém de um amplo trabalho de recolha de Michel Giacometti e Fernando Lopes-Graça, entre Agosto de 1968 e Outubro de 1970, nas Beiras (Alta, Baixa e Litoral). Na região de Lafões, foram acompanhados e orientados pelos Srs. Dr. José Silvestre e Dr. Jaime Gralheiro. Desta primeira equipa da Brigada faziam parte: Né Ladeiras, Zé Maria, Jorge Seabra, Fernando Amílcar, Jorge Santos, João Ferreira e Joaquim Caixeiro.  

Terminamos esta homenagem à Brigada Victor Jara, transcrevendo da capa do LP EITO FORA o que nos parece “a sua cartilha de procedimentos”:

«Este é o nosso primeiro trabalho gravado e como tal deve ser visto. Representa, no entanto, mais de duzentas actuações em várias zonas do País, especialmente, no Centro. Em bons teatros ou em palanques improvisados de festa de aldeia; no aconchego do ar condicionado ou percorrendo ruelas estreitas ao som da alegria colectiva; justificando o melhor possível o nome que demos ao nosso grupo:

o de Brigada, com intenção,

o de Victor Jara, com admiração e saudade.

 

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DEU-NOS O TRANGLOMANGO, NÃO FICÁMOS SENÃO…MARAVILHADOS!

Ed679_trangloestreiaTViriatoJá os conhecíamos: a começar pela Ana Bento, a “alma mater” da associação e escola de música Gira Sol Azul; o Bruno Pinto, que, com a Ana, organiza o Festival de Jazz de Viseu, e participa em inúmeros projectos musicais como guitarrista e compositor; o Ricardo Augusto, da Infantuna e muitos outros grupos de música tradicional, como acordeonista e cantor com sólida formação musical, que dirige, actualmente, o Coro Azul; a Catarina Almeida, que já gravou com Bernardo Sassetti (álbum “Mood”) e Pedro Abrunhosa (álbum “Momento”) e o jovem baterista Miguel Rodrigues, um sumarento fruto da escola de Música Gira Sol Azul, onde estudou com Márito Marques e Acácio Salero, este último considerado, por José Duarte, um dos melhores bateristas de Portugal.

O próprio projecto, Tranglomango, já era conhecido dos viseenses, em vários concertos, nomeadamente na Feira de S. Mateus de há dois anos. E, no entanto, conseguiram surpreender-nos, no passado dia 21 de Maio, no palco do Teatro Viriato, no concerto de apresentação do seu primeiro disco, “Más Línguas”, a inaugurar a etiqueta discográfica “GiraDiscos”, com a qual pretendem “divulgar e estimular a criação artística na área da música em Viseu e edição discográfica independente”.

Os Tranglomango não são apenas mais uma banda de música de raiz tradicional portuguesa. Os seus arranjos de temas tradicionais têm condimentos originais, com intenso sabor de folk-rock e aromas ainda mais exóticos, numa  subtil (in)fusão de géneros que não adultera, pelo contrário, resgata a música popular portuguesa, tantas vezes mutilada por contrafacções mais ou menos “pimba” ou pretensamente “modernaças”. Os Tranglomango acentuam a autenticidade e a beleza da nossa música tradicional ao conferir-lhe roupagens harmónicas mais urbanas e contemporâneas. Mas também são bem sucedidos ao arriscar na criação original, com duas composições de Ana Bento sobre letras de Fernando Giestas (a divertida “Galinha da vizinha” e a belíssima“Valsa do vestido”, com um elegante bailado da guitarra de Bruno Pinto).

 

De destacar o arranjo de “Lauriberta”, de Ricardo Augusto, e os de Ana Bento da “Moda do Entrudo” e de “São Gonçalo de Amarante”, uma chula tocada em Amarante até ao século XIX por largas dezenas de zabumbas (tocadores de bombos) em ritmos frenéticos e algo orgíacos (ou não fosse S. Gonçalo tão casamenteiro como Santo António), que, talvez por isso, acabou por ir parar ao folclore brasileiro.

 

Igualmente brilhantes são os arranjos colectivos de tradicionais da Beira Baixa, “Cantiga Bailada”, uma das mais bonitas melodias do nosso cancioneiro tradicional, “Má Língua”(aqui também graças à mestria de Joaquim Rodrigues) e “Macelada”, (na Beira Baixa dizem “marcelada”, de macela ou marcela, camomila), com o ostinato rítmico dos adufes a ser substituído pelas batidas do baixo, bateria e guitarra, num jorro de som magnificamente equilibrado por perfeitas harmonias vocais.

Um dos momentos mais bonitos do espectáculo foi a prestação dos pequenos cantores da família Gira Sol Azul – Olívia, Jasmim, Artur, Úrsula – da lavra da Ana e do Bruno – e João, Afonso e Dinis,  dos genes do Ricardo), nessa divertidíssima lenga-lenga tradicional “Papim”, que até dá vontade de ir a correr fazer mais um filho, só para lhe ensinar esta canção ao nível do melhor de José Barata Moura ou Sérgio Godinho/ Jorge Constante Pereira (Os Amigos de Gaspar).

 

Apetece citar José Mário Branco: “A música popular portuguesa é aquela parte da nossa música que, sem nunca abandonar a referência às raízes da nossa tradição oral, coloca essa mesma tradição ao compasso da época em que criamos e vivemos, com níveis de qualidade estética e poética que garantem a sua sobrevivência. (…) Se os portugueses não fizerem a música portuguesa, ninguém o saberá fazer por eles e a humanidade ficará mais pobre”.

É esse o sortilégio que nos foi lançado pelos Tranglomango, palavra originária do galego “tangano-mangano”, que significa bruxedo, feitiçaria, doença atribuída a feitiço, que em português adquiriu tradução multiforme: “tranglomanglo”, “tranglomango”, “trangomango” (Aquilino Ribeiro, “Filhas da Babilónia”), “tranglomanglo” e ainda “trângulo-mângulo”, canção popular de Santa Marta de Penaguião, mais conhecida na divertida versão dos Gaiteiros de Lisboa. Estes serão, certamente, uma das mais  benéficas influências deste promissor projecto de genuínos artistas portugueses, de Viseu e, por extenção, do Mundo, pois canté!

 

Carlos Vieira e Castro

 

 

 

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Ed. 678 (11/06/2015)

ARS NOVA (Manhouce)

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Debate com Mariana Mortágua e Pedro Soares

S. Pedro do Sul, 14 de Junho de 2015, às 15.00

Cine-Teatro Jaime Gralheiro

Programa

1. Chora a Videira* – Popular, Cambra (Vouzela)

2. Milho Verde* – José Afonso (1929-1987)

3. ‘Achégate a mim, Maruxa’* – José Afonso

4. ‘Ombra mai fù’ – G. F. Haendel (1685-1759), Aria da Ópera “Xerxes”

5. Cantemos o Novo Dia  – Fernando Lopes-Graça/Luísa Irene (“Canções Heróicas”, nº 7)

6. A Morte Saiu à Rua* – José Afonso – Adriana

7. Jornada – Fernando Lopes-Graça/José Gomes Ferreira (“Canções Heróicas”, nº 2)

8. ‘Nessun dorma’ – G. Puccini (1858-1924), Aria da Ópera “Turandot”

9. Acordai!* – Fernando Lopes-Graça/José Gomes Ferreira (“Canções Heróicas”, nº 1)

VOZES – Adriana Gomes | Ana Rita | Cíntia Gomes | Susana Alves

*Arranjos, Órgão, Piano e Direcção Musical – António Alexandrino

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ARS NOVA – Esta expressão latina significa “Arte Nova”. Refere-se ao tratado “Ars Nova Musicae” de Philippe de Vitry, bispo de Meaux (França). Foi utilizada, por volta de 1322, para designar um novo estilo de música, com um espectro mais vasto do valor das notas. Por ela se entende a notável fase de evolução musical que decorre durante o séc. XIV e cuja sigla é, na França, a Canção polifónica e, na Itália, o Madrigal. O período da “Ars Nova” coincide com a transição entre a Idade Média e o Renascimento.

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Ed. 677 (28/05/2015)

Ensemble Vocal de Vouzela

Ed677_EnsembleVouzelaFoi vivido mais um momento cultural que agradou ao público presente na Igreja de S. Pelágio. O Ensemble Vocal de Vouzela em parceria com o Município de Oliveira de Frades e a colaboração da Paróquia de Oliveira de Frades promoveu, no passado dia 16 de maio, um concerto de música sacra não litúrgica. Foram interpretadas obras de Mozart, Bach, Haendel entre outras. O Ensemble Vocal de Vouzela – projeto recentemente criado – surge da vontade de apresentar música polifónica vocal. Conscientes das dificuldades inerentes à prática de música vocal de conjunto, 14 pessoas dedicadas que partilham a paixão pela música, envolvem-se num projeto que procura trazer algum reportório vocal erudito que maioritariamente é confinado – quer na prática quer no público – a meios e pessoas diretamente ligados ao mundo profissional da música. Com estreia realizada no passado dia 29 de Março na Igreja Matriz de Vouzela, o Ensemble Vocal de Vouzela é constituído por Inês Santos, Diana Silva, Dolores Tavares, Cristiana Silva, Leonor Lopes, Sara Corgo, Carlos Rodrigues, Diogo Pinheiro, Hugo Pereira, Joaquim Tavares, Luís Filipe Pereira, Dário Amaral, António Alexandrino Matos tendo como maestro Diogo Tavares. Outros projetos serão apresentados brevemente pelo Ensemble, tendo certeza de que com a vontade e qualidade das pessoas que compõem o Ensemble, só se pode esperar grandes feitos.

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Notícia sobre o XI Encontro Cultural de S. Cristóvão de Lafões

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Decorreu, nos passados dias 15 e 16 de Maio, mais uma edição dos Encontros Culturais em S. Cristóvão de Lafões, no Mosteiro de S. Cristóvão. Esta iniciativa, que conta já com 11 anos de idade, promove na região o único debate científico dedicado à presença cisterciense, em longos séculos de História de Portugal. Representa também um momento de aproximação da sociedade civil local a este património, à sua identidade e memória, permitindo, a quem o procura, conhecer melhor o seu passado.

Nesta edição, subordinada aos ecos da vida e obra de S. Bernardo em Portugal, no ano em que decorrem os 900 anos da fundação de Claraval, ouviu-se falar sobre os aspectos da filosofia e combates filosóficos travados por Bernardo, acerca da chegada e do êxito dos monges brancos em terras da Galiza e de Portugal: sobre o modo como se seguiram as prescrições propostas por Cister no uso da cor nas iluminuras dos manuscritos de Alcobaça; sobre aspectos construtivos usados em Cister, acerca da influência dos mestres alcobacenses em edifícios de outras ordens; sobre o modo como, no plano político, se verificou o efeito cisterciense em algumas das decisões relacionadas com as conquistas de Santarém e Lisboa, e ainda sobre o modo como se vão degradando algumas das esculturas da autoria dos mestres barristas de Alcobaça do século XVII.

Este alargado leque de intervenções permitiu que especialistas da área da História (Ermelindo Portela – Universidade de Santiago de Compostela; João Soalheiro – CEHR da U. Católica); Arnaldo Sousa Melo – Universidade do Minho), da História de Arte (Adelaide Miranda – Universidade Nova de Lisboa; Francisco Pato de Macedo – Universidade de Coimbra), da Filosofia (José Meirinhos – Universidade do Porto), da Química (Maria João Melo – Universidade Nova de Lisboa), da Conservação e Fotografia (José Pessoa – Museu de Lamego), não só comunicassem os dados da sua investigação, como discutissem e pensassem uns com os outros e com os diferentes participantes presentes e com formações diversificadas e grande curiosidade, os seus resultados.

No final do 1º dia, encerraram-se os trabalhos com um concerto na Igreja de S. Cristóvão de Lafões, a cargo de grupo coral de Manhouce, o Ars Nova, dirigido por António Alexandrino, que presenteou os ouvintes com belíssimas interpretações de vários autores, mas onde pontuou o canto tradicional de Manhouce. São muito promissoras as vozes de Cíntia Gomes, Susana Alves, Ana Rita e Adriana Gomes, pelo que se deseja que possam vir a encontrar o seu caminho numa formação vocal avançada, a desenvolver em qualquer uma das instituições de música que as queira receber. Esta opção levará, sem dúvida, a transformarem em certezas as promessas que este concerto proporcionou.

Os participantes, quer os conferencistas, quer o auditório, agradeceram o modo como, “com verdadeira hospitalidade cisterciense”, foram recebidos no Mosteiro de S. Cristóvão de Lafões e puderam, mais uma vez, aproximarem-se daquilo que em tempos passados chegou a configurar “uma civilização”. Esta hospitalidade passou também pelo convívio, na hora do almoço de cozinha lafonense, e com o desfrute da beleza da paisagem. A Associação dos Amigos do Mosteiro de S. Cristóvão de Lafões pôde contar com a atenção e colaboração da Junta de Freguesia da União de Freguesias de Santa Cruz da Trapa e de S. Cristóvão de Lafões, tendo o segundo dia do Encontro decorrido no excelente auditório da casa da Cultura, em Santa Cruz da Trapa.

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Ed. 676 (14/05/2015)

TRIBUTO A ZECA AFONSO

• Manuel Silva

Ed676_ZecaAfonso-DSCN9952Na noite do passado dia 1 de Maio, dia mundial do trabalhador, cantores e músicos de ambos os sexos, alunos  da Universidade Sénior de S. Pedro do Sul, prestaram tributo a Zeca Afonso, no Cine Teatro Jaime Gralheiro, entoando doze canções suas, entre as quais, “Maria Faia”, “Canção de embalar”, “Os Vampiros”, “Canto Moço” e “Grândola, Vila Morena”.

O grupo musical foi dirigido por Miguel Ângelo Pereira, sendo a apresentação das canções feita pelo aluno Acácio de Matos Pinto.

Àquela actuação assistiram várias dezenas de pessoas que, em diversos momentos, interagiram com os alunos da Universidade Sénior.

Este espectáculo foi preparado em pouco tempo. No entanto, quem se deslocou ao Cine-Teatro Jaime Gralheiro assistiu a uma exibição bem sintonizada, a nível instrumental e de vozes.

O maior momento de inter-acção, envolvendo cantores, músicos e público, verificou-se no final, quando todos cantaram de pé “Grândola, Vila Morena”. Na assistência encontravam-se pessoas de todas as idades, condições sociais, identificadas com vários partidos e ideologias ou que não se interessam por política.

O autor destas linhas  recordou que 41 anos antes, com apenas 14 anos, então aluno do 4º ano (actual 8º ano) da Secção Liceal de S. Pedro do Sul, assim chamada, dada a sua dependência funcional do Liceu Alves Martins, de Viseu,  participou na primeira manifestação política da sua vida, no 1º de Maio de 1974, que encheu praças e ruas desta hoje cidade, em apoio da revolução do 25 de Abril.  Como agora se viu, o mesmo espírito, apesar das conhecidas contrariedades, permanece vivo na nossa terra.

Na assistência encontravam-se presentes Vitor Figueiredo, presidente da Câmara Municipal de S. Pedro do Sul e vereadores da maioria socialista, bem como Alberto Paulino, Presidente da União das Freguesias de S. Pedro do Sul, Várzea e Baiões.

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Ed. 674 (16/04/2015)

Ensemble Vocal de Vouzela

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Casa cheia foi o que se verificou na noite do passado dia 29 de Março, na Igreja Matriz de Vouzela, durante a apresentação do Ensemble Vocal de Vouzela. Trata-se de um coro polifónico (a quatro vozes) constituído por coralistas de Vouzela, sob a direcção do maestro Diogo Tavares.

Com a finalidade de apresentar ao público a identidade da música vocal erudita – que se tem vindo a perder ao longo dos tempos – o Ensemble Vocal centrou-se num repertório de cariz sacro, não litúrgico.

Na primeira parte do concerto, foi destacada a música a cappella, com as seguintes peças: Hossana Filio David (Franz Schubert), Kyrie (Ariel Ramirez), Tantum Ergo (Anton Bruckner) e Stabat Mater (Zoltán Kodály).

Seguiu-se a apresentação da Tocata e Fuga em Ré menor, de J.S.Bach, com interpretação ao órgão do Prof. António Alexandrino Matos.

A terminar o concerto, foram apresentadas obras para coro e órgão: Ave Verum de Elgar, bem como a obra sublime de Mozart Ave Verum e, a concluir, Canticorum Jubilo, de Haendel.

Naquela que marca a primeira apresentação pública do Ensemble Vocal de Vouzela, destaca-se a presença de todo o executivo municipal, bem como os aplausos da centena de pessoas que se encontrava na Igreja. Nesta noite de Domingo de Ramos – início da Semana Santa vivida intensamente pelas gentes de Vouzela – fica marcado este novo projeto que só foi possível através da entrega, espírito de sacrifício e dedicação dos coralistas que trabalharam para oferecer à população este magnífico concerto. O maestro Diogo Tavares destacou publicamente o trabalho dos seus companheiros de viagem, explicando que todo o trabalho que fizerem foi em troca de valores como a amizade e a paixão pela música. De facto, tal nível artístico só é possível quando os intervenientes dedicam o que inteiramente têm, o que nos leva a concluir que Vouzela possui gente com muito valor!

 

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Ed. 673 (26/03/2015)

Órgão de Tubos da Igreja do Convento – Município promove a recuperação deste valiosíssimo exemplar do património sampedrense

• António Alexandrino

Ed673_Orgao-IgrejaConvento_DSCN6634Na edição nº 645 de “Gazeta da Beira” (26 de Dezembro de 2013), publicávamos uma local, de nossa autoria, alusiva ao órgão de tubos da Igreja de S. José do Convento Franciscano.

Entendemos oportuno voltar agora ao assunto. Com efeito, por louvável iniciativa do actual executivo municipal, presidido por Victor Figueiredo, e na sequência de uma colaboração institucional celebrada com a Fundação INATEL, o referido instrumento acaba de ser alvo de necessária intervenção, a cargo de António Simões, Mestre-Organeiro a quem, tal como abaixo se menciona, já em 1996 o Município entregara a recuperação do órgão.

No entanto, apresentamos substancial parte da citada publicação, dado que, para além da mera informação, julgamos poder despertar interesse nos leitores de “Gazeta da Beira”. Eis o texto, com algumas, embora poucas,  actualizações:

«Muito provavelmente só umas tantas pessoas saberão que a Igreja de S. José do Convento Franciscano, de São Pedro do Sul, tem um antigo e belo órgão de tubos.

“Uma relíquia”, de “valor incalculável”, segundo o apreço de quem entende do assunto. Foi construído pelo organeiro António Xavier Machado e Cerveira, o mais notável fabricante de órgãos português e o que mais trabalho produziu (105 órgãos, dos quais este é o nº 17). Datando da segunda metade do séc. XVIII (1788), este é um instrumento com 227 anos.

Segundo o Prof. Pedro Dias, do Instituto da História de Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, as suas características mais evidentes são: “o estilo concheado que se usou em Portugal, a partir de D. José I e compostos por madeiras correntes marmoreadas a vermelho, verde e azul e talhas douradas; a mísula, de perfil triangular com anjos na base e balcão com painéis de madeiras comuns, seguindo-se os corpos das tubagens de chumbo; a parte alta, de linhas quebradas, é coroada com urnas, dois anjos e uma alegoria à música; possui ainda rendilhados de talha dourada, sendo as madeiras marmoreadas em azuis, verdes e vermelho”.

Na tampa protectora do teclado pode ler-se: «ESTA OBRA MANDOU DOURAR O EX.mo S.r D. F.r JOZE DO MENINO JEZUS BISPO DE VIZEU. ANNO 1789».

Órgão de ‘tipo ibérico’, possui cerca de 500 tubos. O teclado (a consola) vai de (C1) a (C5). Dispõe de 7 registos para cada uma das mãos; pedal de tambor; pedais auxiliares para abrir e/ou fechar cheios/palhetas.

Depois de mais de 30 anos calado, foi alvo de restauro, na década de 90 do século passado, a expensas e por iniciativa do executivo municipal, então presidido pelo Dr. Bandeira Pinho. Tendo o trabalho de recuperação sido da responsabilidade do Mestre-Organeiro António Simões, de Ansião (Leiria), foi inaugurado em 24 de Novembro de 1996, em concerto, a cargo do organista Rui Paiva […].

Afinal, quem foi Machado e Cerveira? Nascido em Setembro de 1756, em Tamengos de Anadia, faleceu em Caxias, em 1828. Era irmão do famoso escultor Machado de Castro, pela parte do pai, Manuel Machado Teixeira, também ele grande organeiro e escultor em madeira.

Machado e Cerveira é autor de monumental órgão da Igreja dos Mártires, em Lisboa, o seu primeiro órgão, que ainda existe e em perfeito estado de funcionamento. Foi incumbido de construir quase todos os órgãos das igrejas reedificadas depois do terramoto de 1755, quer em Lisboa, quer em terras vizinhas. Fabricou outros desses instrumentos para outras igrejas de vários pontos do país, inclusive, para o Brasil. Alguns são de grande porte. Os órgãos produzidos por António Xavier Machado e Cerveira são famosos por uma sonoridade brilhante e por um toque de carácter ornamental, visto ser também um notável escultor em madeira».

 

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Ed672 (12/03/2015)

“Correntes d’Escritas” 2015 – Galardão para Fernando Echevarría

• António Alexandrino

Ed672_premioEchevarriaNa sua 16ª edição, o encontro, talvez já o maior e mais prestigiado certame do género, decorreu no passado dia 25 de Fevereiro, no habitual cenário (Póvoa de Varzim), com muito do costume e algo de novo (designadamente, o espaço).

Efectivamente, o seu progressivo ‘crescimento’ obrigou à procura de um “novo quartel-general”, o Cine-Teatro Garrett, pois são muitos os seguidores, para além dos autores convidados (45 portugueses e 15 estrangeiros).

As habituais lotações esgotadas, que “Correntes de Escritas” tem vindo a registar nas anteriores edições, levaram a organização a procurar outras soluções. Se a Biblioteca Municipal e o Hotel Vermar deixaram de corresponder às exigências do evento, face à constante procura de público, o problema do espaço estará, por agora, solucionado. Para isso, em muito contribuem os 470 lugares ao dispor, com a adopção do referido Cine-Teatro Garrett como palco preferencial para as sessões. Localizado junto às principais artérias varzinistas, permite que o impacto deste encontro de escritores de expressão ibérica beneficie, inclusive, o comércio local. Com efeito, são largas as centenas de pessoas que rumam até Póvoa, em busca de momentos de “partilha entre escritores e leitores”.

O formato de festival mantém-se idêntico ao de anos anteriores. Assim, as mesas-redondas são o fulcro das actividades. Com frases lapidares e/ou enigmáticas (“O silêncio é o sal da escrita em construção” ou “Da escrita em ruínas transpiram as intermitências da vida”, alguns exemplos) se dá o mote para intervenções que chegam a contornar o tema proposto, constituindo um exemplo da liberdade criativa do encontro.

Dos autores convidados (sessenta) a representação lusa esteve em franca maioria, facto que em parte se explica pelas restrições orçamentais, que levam a organização a limitar o número de estrangeiros. De entre estes, vai o destaque para Leonardo Padura, de dupla nacionalidade (espanhola e cubana), autor de Hereges, o seu mais recente e muito elogiado romance, entretanto apresentado ao público português. O mesmo se diga do espanhol Carlos Castán, contista de mérito que se guindou às esferas da fama, no romance, com Má luz.

Dos autores portugueses, salientem-se Eduardo Lourenço, Ana Luísa Amaral, Mário Cláudio, Germano Almeida e Manuela Gonzaga.

Autores “repetentes”: Onésimo Teotónio de Almeida, Valter Hugo Mãe, Gonçalo M. Tavares, Nelson Saúte. No entanto, um terço dos participantes marcou presença pela primeira vez, o que traduz uma tentativa de algum ‘rejuvenescimento’.

Todavia, o interesse do evento não se limita aos debates. Na esteira de anos transactos, a presença das editoras fez-se notar com a apresentação de vários livros. São os casos, entre outros, de O fotógrafo e a rapariga, de Mário Cláudio, e O osso da tristeza, de João Rios.

Categorias e outras paisagens é o livro de Fernando Echevarría com que o autor venceu o Prémio Literário Casino da Póvoa. «A poesia é um género que exige muita atenção, muita leitura e, por isso, é que se lê tão pouco: porque custa, mas tudo o que custa é que dá prazer», afirmou Echevarría, a propósito do seu escrito. No dia em que o poeta completou 86 anos, veio à Póvoa agradecer a distinção.

Fernando Echevarría suplantou nomes como Tolentino Mendonça, A. M. Pires Cabral e Nuno Júdice. “A obra revela um carácter monumental, impressionante pelo seu fôlego”, entendeu o júri.

Outros prémios foram atribuídos. “Locus” (para jovens escritores), a Cândida Oliveira de Sousa, de Viana do castelo; Conto Infantil Ilustrado, a Uma amizade misteriosa, do 4º A do Externato Paraíso dos Pequeninos, de Lourosa, e Fundação Dr. Luís Rainha (para trabalhos sobre a Póvoa) a O céu do mar, de João José da Conceição Morgado, da Covilhã.

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Ed671 (26/02/2015)

Faleceu a escritora Luísa Dacosta

• António Alexandrino

Ed671_LuisaDaCosta«São várias as gerações que, ao longo dos anos, cresceram a ler os seus contos e, através deles, adquiriram o gosto pela leitura». Assim se referiu à autora, aquando da sua morte, ocorrida no passado dia 15 de Fevereiro, aos 88 anos, Jorge Barreto Xavier, secretário de Estado da Cultura.

Luísa Dacosta é pseudónimo literário de Maria Luísa Pinto dos Santos. Nascida em Vila Real de Trás-os-Montes (1927), licenciou-se em Histórico-Filosóficas, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professora, dedicou grande parte da sua vida aos mais jovens. Com efeito, escreveu numerosas obras de literatura infantil. Personalidade rica e polícroma, fazemos referência a algumas facetas que, embora necessariamente sumárias, nos darão uma visão de conjunto no que à sua obra concerne.

Os seus escritos, predominantemente curtos, “são contos ou crónicas em que retrata um tempo e uma sociedade, tipos e modos de viver a que não falta uma visão entre o terno, o lúcido e irónico” (vide personagens de Província, a sua primeira obra, publicada em 1955) “ou «O bom nome das famílias» em Corpo Recusado (1985) implicando a  observação minuciosa e a finura típicas da cronista” (Cfr. Dicionário de Literatura, Direcção de Jacinto do Prado Coelho, Coordenação de Ernesto Rodrigues, Pires Laranjeira, Viale Moutinho – Livraria Figueirinhas, Porto). Especiais cambiantes denota no registo de um mundo em vias de desaparição em A-Ver-o-Mar (1980) e em Morrer a Ocidente (1990), “retratos da comunidade piscatória e rural dessa praia  do litoral norte, que se aproximariam da etnografia (descrição de costumes, modos de vida, linguagem) se não houvesse neles a intervenção de um eu que interage com o meio, fazendo lembrar António Nobre ou Raul Brandão de (respectivamente) Os Pobres e Os Pescadores” (idem, supra).

Não só nas crónicas de temática urbana como nas provincianas, a autora mostra uma “vocação visualista, sensível como é aos pormenores descritivos – cores, cambiantes de luz, materialidade das coisas; em especial atenta ao quotidiano sem história das gentes banais, traça em filigrana cenas que vão constituindo uma memória de tempos e lugares portugueses, e a dela própria. De facto, todo esse mundo exterior forma camadas, sedimentando-se para compor uma figura de sujeito mulher, atravessando todos os textos, desde os mais antigos” (idem).

A paisagem. Seja a da província transmontana da infância, quer o Porto e a aldeia de pescadores da idade adulta, não se confina a um cenário ou a um pretexto para a descrição, mas é sobretudo passagem para o universo do eu que lhe confere a subjectividade, “transpondo a crónica para o tom intimista próprio do diário, da autobiografia e do memorialismo, até por tomar como temática dominante o amor deceptivo… Na construção da narrativa em fragmentos ou em deriva, balanceando o exterior e o sujeito íntimo, Luísa Dacosta exercita o gosto de contar” (idem), inclusive, nas obras para crianças.

Para além dos indicados, aqui ficam outros títulos, especialmente para crianças: Vovó Ana, Bisavó Filomena e Eu (1969); O Príncipe Que Guardava Ovelhas (1974); O Elefante Cor de Rosa (1974); Teatrinho do Romão (1977); A Menina Coração de Pássaro (1978); Nos Jardins do Mar (1981; A Batalha de Aljubarrota (1985); História com Recadinho (1986); Os Magos Que não Chegaram a Belém (1989); Sonhos na Palma da Mão (1990); Aleluia na Manhã (1994).

Prémios recebidos por Luísa Dacosta, no âmbito da sua actividade literária:

Em 1992 – Prémio Máxima de Literatura, pelo livro Na Água do Tempo – Diário;

Em 2002 – Prémio Uma Vida, Uma Obra (atribuído pela Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto);

Em 2010 – Prémio Vergílio Ferreira (atribuído pela Universidade de Évora)

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Ed. 670 (12/02/14)

Bob Marley – A voz que ecoa e se perpetua

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• António Alexandrino

Muitos de nós, por certo, se lembram, talvez com uma ponta de nostalgia, daquela música, com um ritmo agradável ‘à primeira’ (o reggae), que vinha da Jamaica, sobretudo veiculada por um tal Bob Marley, com ou sem os Wailers.

É que o cantor jamaicano, falecido de cancro em 1981, aos 36 anos, faria agora 70, continuando a ser a referência privilegiada da música reggae. Nascido a 6 de Fevereiro de 1945, na vila Nine Mile, e apesar de curta haver sido a sua vida, levou o reggae a todo o Planeta e o seu legado mantém-se bem vivo.

Conhecido no mundo da música como o “Rei do reggae”, Bob Marley teve uma morte prematura. Um cancro venceu Bob Marley. Iniciada na primeira metade dos anos 60, a sua carreira revelou-se uma das mais influentes da história da música de âmbito popular e a ele se deve a apresentação ao Mundo do reggae.

Deixou um punhado de obras fundamentais – “Catch a fire”, “Exodus” e “Uprising” – e calcula-se que tenha vendido mais de 75 milhões de discos. Ao difundir o raggae pelo Planeta a cabo, deixou muitos herdeiros, inclusive, em Portugal. Para Ricardo Costa (Richie Campbell), o mais sucedido cantor reggae luso na actualidade, «Qualquer pessoa que faça reggae fora da Jamaica só o faz porque Bob Marley pôs o reggae na boca do Mundo». Richie Campbell não se lembra do primeiro contacto com a música reggae de Bob Marley – «Era novo de mais para ter essa memória, porque foi desde que nasci». Campbell passou pela fase da adolescência «em que não queria ouvir a música da minha mãe», até regressar a Marley, mais tarde, «para um processo de redescoberta». E o resultado é este: Hoje, Richie Campbell é o nome mais popular do reggae nacional. «Ouvimos muita música sobre festa ou amor na rádio sem conteúdo absolutamente nenhum e o Marley conseguiu aliar perfeitamente melodia a uma mensagem forte», afirma Richie, não poupando elogios ao jamaicano. Refere ainda que a música de Marley «convida a meditar sobre várias mensagens que são muito fortes e continuam a ser muito pertinentes hoje em dia». E «essa é a grande essência do Bob Marley: não é música como entretenimento, é música como instrumento para provocar o pensamento das pessoas».

«A música do Bob Marley tem o significado de um acordar de consciência», diz um cantor do Porto – Dentinho – que esteve já envolvido em várias bandas de reggae, seguindo agora carreira a solo. «O Bob passa essa força de nunca desistir e que é notória nas suas músicas, mostrando sempre um lado positivo no meio do negativo». Lembra que «ele foi um grande ícone da música jamaicana, que levou ao Mundo a sua mensagem e a sua música, com um grande impacto ainda nos dias de hoje». Quanto ao presente do reggae, por terras lusas, entende que «algo de bom se está a solidificar e que a mensagem está a ser passada».

 

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Ed. 663 (30/10/14)

Carlos do Carmo, o Senhor Grammy

Ed662_CarlosCarmo• António Alexandrino

Na anterior edição de Gazeta da Beira, aqui evocámos o nome da fadista Amália Rodrigues. Passavam quinze anos, após a sua morte. Então, aludimos, entre outros, a Carlos do Carmo, na qualidade de, além de outras ‘virtudes’, renovador do fado. Isto, apesar de ele próprio entender que «Sinto que é sempre pouco o que dou ao fado… e ele tem-me dado tanto…»

Aos 74 anos de idade, e quando celebra 50 anos de carreira, Carlos do Carmo, “Uma das mais emblemáticas vozes da Música Portuguesa”, com múltiplos prémios recebidos (que, inclusive, já marcou presença no Olympia de Paris), é agraciado com um Grammy Latino, o galardão da máxima distinção internacional a reconhecer os artistas pela excelência musical. Carlos do Carmo é o primeiro artista português a receber o prémio (como que uma espécie de “óscar” da música), a ser entregue em 19 de Novembro no MGM Grand Garden Arena, em Las Vegas. Distinção que partilhou com as antigas e as novas gerações de fadistas (Camané, Ana Moura, Carminho, Cristina Branco, Aldina Duarte, Mariza, Mafalda Arnauth), com os quais, e sem complexos, gravou, incorporando o novo fado, na certeza de que a inovação é o caminho certo para a sua preservação e continuidade. Com efeito, pode dizer-se que «Carlos do Carmo nunca descansou à sombra da tradição» (Alfredo Leite, in JN de 03/07/14). Lá estarão outras figuras da música, entretanto contempladas, a receber prémio idêntico: Ney Matogrosso, Willy Chirino, César Costa, Duo Dinámico, Los Lobos e Valeria Lynch.

Nascido em Lisboa, de mãe também ela fadista (Lucília do Carmo), Carlos do Carmo partiu do fado tradicional, tendo-se estreado na casa de fados lisboeta O Faia, propriedade dos seus pais. Gravou o seu primeiro disco em 1964 (“Carlos do Carmo com a Orquestra de Joaquim Luiz Gomes”). Embora ligado ao fado tradicional, sempre assumiu o gosto por outras áreas musicais e por intérpretes como Franck Sinatra ou Jacques Brel.

Profissional no mais verdadeiro sentido, é deveras relevante a exigência desde sempre colocada na escolha dos meios e recursos para o desempenho da sua arte de cantor fadista. Nesta conformidade, escolhe bons músicos a acompanhá-lo e prima na selecção dos poetas, autores dos textos. Ao “construir”, de forma consistente, um repertório, o Texto merece-lhe o maior cuidado, a ponto de o fadista Marco Rodrigues a ele aludir, no sentido de que «cria imagens com as palavras que diz e da forma como as diz». De facto, percebem-se com elevada perfeição as palavras que canta. Por outro lado, é vasto o leque de poetas, quer no tempo, quer na diversidade, quer na qualidade: Antero de Quental, Bocage, Joaquim Pessoa, José Saramago, Ary dos Santos, Fernando Pessoa, Almeida Garrett, Teixeira de Pascoaes, António Gedeão, Carlos de Oliveira, Frederico de Brito, Pedro Homem de Melo, Maria Teresa de Noronha, Poesia Popular, Manuel da Fonseca. Na oportunidade, cite-se este último: «Do Sul ao Norte, Trovador que canta Província a Província, Carlos do Carmo canta, lírico e lúcido, o povo que somos» (capa do LP “Um Homem no País”).

E, com esta «voz imaterial», alguns dos temas, só para referir alguns, de uma carreira de 50 anos, ‘vieram para ficar’: “Canoas do Tejo”, “Estrela da tarde”, “Um homem na cidade”, “Os putos”, “Por morrer uma andorinha”, “Lisboa menina e moça”.

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Ed. 662 (16/10/2014)

Ed662_amalia• António Alexandrino

Passam 15 anos, após a partida de Amália, mas “o seu legado mantém-se inalterado”. Pode dizer-se que o mito mora ao nosso lado (‘Povo que lavas no rio’…). Continua a motivar novos intérpretes, poetas e compositores.

Quinze anos após, há que reconhecer que o fado tem vindo a ganhar “novas cores”, com a renovação que seria inevitável, tendo, no entanto, como referência, a figura, a grande senhora que foi Amália, goste-se muito, ou simplesmente nem se goste de fado.

Na calha da sempre tentadora presunção da procura da sucessão, dir-se-á (com o músico/musicólogo Rui Vieira Nery) que “Não há segundas Amálias” e que “Qualquer tentativa de colagem demasiado mimética à figura de Amália será sempre uma caricatura apagada daquilo que era a verdadeira Amália. As grandes fadistas da nova geração são aquelas que estão a conseguir autonomizar-se da herança de Amália”.

Carlos do Carmo, o primeiro português premiado com um Grammy, reconhece que “há gente de muita qualidade no fado, desde músicos a intérpretes.

Ana Moura, a intérprete de “Desfado”, entende que “o fado está cada vez mais presente e para ficar”. Justifica a pujança do género com o facto de se verificar o aparecimento de uma “nova geração de fadistas, de compositores, de músicos que trouxe algo de novo que faz com que as gerações mais jovens também se identifiquem mais facilmente com o género”.

Quanto ao surgimento de novos valores, Rui Vieira Nery afirma que se pode falar de fado «pós-moderno», por se verificar uma característica fundamental da pós-modernidade – “a mistura de passado e presente, a nível da música, de letras, de estilo de canto”. Para isso, os fadistas e as fadistas mais jovens congregam várias influências, o que “é típico de uma vida cultural muito globalizada”, marcadamente pós-moderna.

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Ed. 661 (25/09/2014)

Léonard Cohen – As mesmas palavras e a mesma voz, cada vez mais grave e áspera, aos 80 anos

• António Alexandrino

Ed661_LCoehnNa presente edição, continuamos no sempre imenso mundo da música.

Para nós que vivemos o tempo daquela voz, grave, lenta, um tanto monocórdica, já “vista” e ouvida… um pouco de nostalgia até “sabe bem!” E cá o temos: Léonard Cohen.

Nascido em Montreal, numa família judia. E vão 47 anos de discografia (13 álbuns), «sem “inventar” uma partícula que seja, felizmente» (Emanuel Carneiro, JN). Mantém-se a voz e as palavras. A voz, cada vez mais grave (a idade não perdoa), numa linha de rumo que, «hoje mais do que nunca, consubstancia um porto de abrigo avesso ao excesso de música medíocre e de existências em aceleração e exposição contínuas» (idem).

Efectivamente, o músico canadiano assinala a chegada aos 80 anos, com o lançamento de um novo disco – “Popular problems”. São mais nove temas, dos quais se destacam ‘Slow’ e ‘Nevermind’.

Nascido a 21 de Setembro de 1934 (“Tive uma infância muito messiânica” – declararia), «o cepticismo benigno que lhe enforma a existência está-lhe nos genes e na desventura» (idem).

Iniciada a carreira em 1967, Cohen manteve-se fiel a todos os temas que nortearam a sua visão estética – «religião, amor, sexo, labirintos psicológicos, arte em si mesma e, até, política, embora com dose substancial de ambiguidade – a forma como os submeteu à sua própria linguagem sempre esteve dependente das suas convulsões existenciais». A sua discografia reflecte fielmente as suas ‘perspectivas existenciais’.

A «intensidade emotiva intrínseca a cada um dos seus gestos e aos consequentes relatos não perde pela ‘subtileza’ com que são expostos; por vezes, no caos, um murmúrio fala mais alto do que um grito» (idem, ibidem). A confirmá-lo, canções como “Bird on the wire”, “Famous blue raincoat”, “Take this waltz”, “Hallelujah”, “Suzanne”, “I’m your man”, “So long, Marianne”, “Sisters of mercy” ou “Closing time”.

Bondade, ironia, resignação, sarcasmo, humor… Léonard Cohen não é para levar a sério? Terá dias, bem como uma grande capacidade de «olhar o espelho e perceber que no reflexo está o osso de que são feitas as palavras que lhe garantiram o acesso à torre da canção» (Emanuel Carneiro, JN).

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Ed. 660 (11/09/2014)

PACO DE LUCÍA –  o génio da guitarra flamenco, era filho de mãe portuguesa

• António Alexandrino

Ed660_Paco-LuciaÉ a vez de PACO DE LUCÍA, aqui na Gazeta da Beira, segundo critério anteriormente delineado.

Paco de Lucía (Francisco Sánchez Gómez, de seu nome) nasceu em 1947, em Algeciras, Espanha. A mãe era portuguesa – Lúcia Gomes, cujo nome foi linguisticamente adaptado para o termo espanhol Lucía. Aquando da sua morte, aos 66 anos, vítima de ataque cardíaco (brincava na altura com seus netos, na praia em Cancún, no México), a Autarquia de Algeciras decretou três dias de luto, tendo o seu presidente comentado que «a sua morte transforma o génio em lenda».

Aos 66 anos, o espanhol era considerado um músico revolucionário e “fora de série” – «É de salientar o hipervirtuosismo de Paco de Lucía, que transpõe todas as fronteiras da virtuosidade técnica», segundo a opinião do compositor e guitarrista português Pedro Caldeira Cabral. “Revolucionário da guitarra e um dos principais responsáveis pela popularização do flamenco”, esta arte muito lhe fica a dever pelo impulso e divulgação que, ao longo de quatro décadas, Paco de Lucía lhe imprimiu, levando o flamenco aos quatro cantos do Planeta. «Transformou o flamenco, uma linguagem tradicional, própria de uma região, numa música universal» – nas palavras do guitarrista Pedro Jóia.

Em sucessivas digressões artísticas, assinalou a sua presença em dezenas de países. Apontado como um dos maiores guitarristas da música contemporânea, Paco foi galardoado com o Prémio Príncipe das Astúrias 2004, tendo recebido, no mesmo ano, um Grammy pelo melhor álbum de flamenco.

Subiu pela primeira vez a um palco aos 12 anos, na senda de seu pai, também guitarrista. No seu livro “A new tradition for the flamenco guitar”, Paco de Lucía releva o profundo impacto do pai, sem o qual teria sido impossível chegar aonde chegou – «Não acredito no génio espontâneo e o meu pai obrigou-me a tocar quando eu era pequeno». Mitos e lendas chegaram a narrar que o pai lhe amarrava as pernas à cama para o obrigar a trabalhar, coisa desmentida pelo músico: «Não era bem assim, era mais psicológico; eu dizia-lhe que trabalhava dez ou doze horas e via a felicidade no seu olhar».

Aos 18 anos, gravou o primeiro álbum, pouco antes de se encontrar com o cantor Camaron de la Isla, outro portento do flamenco. Ambos gravaram mais de uma dezena de discos, considerados como grandes obras do flamenco moderno. Simultaneamente, Paco trabalhou várias interpretações do repertório clássico espanhol, gravando obras de Manuel de Falla, de Isaac Albeniz e o “Concerto d’Aranjuez”, de Joaquin Rodrigo. “Partilhou palcos e cumplicidades com grandes figuras como John McLaughlin e Al di Meola”.

 

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Ed. 659 (31/07/2014)

Futebol para além do futebol – «o lado obscuro da magia do futebol» (II Parte)

• António Alexandrino

Ed659_diamantesnegros-filmeDizíamos (I Parte, edição anterior da GB) que “daqui parte a história de “Diamantes negros”. Repescando, no entanto, vocabulário aí trazido à colação (comprar, vender, emprestar, dispensar, trocar…), recorde-se que os primórdios do filme nos dão as imagens de um grupo de jovens negros (no Mali), jogando uma partida de futebol, sob a observação de um atento e entendido olheiro. Os jovens, sonhando porventura com uma possível fuga para a mirífica e utópica Europa do futebol; o olheiro, a soldo de algum  “empresário”, pensando no recheio da conta bancária!

Dois desses jovens, passando por Portugal, aportam a Espanha, para serem colocados em grandes clubes, sob a miragem de triunfar no futebol europeu. Mas o sonho tem os seus escolhos e estes adolescentes, na sua crença ingénua, vão deixar-se arrastar por um mundo implacável e cruel, que os trata como simples mercadoria.

“Diamantes negros” é expressão que faz lembrar Eusébio, a “Pantera Negra”, que em Moçambique havia começado por dar uns pontapés numa bola de trapo. Estará na memória de muitos aquilo que, já à época, foi a sua chegada a Lisboa e a disputa um tanto rocambolesca desencadeada pelos dois maiores clubes da então “Metrópole”.

JOVENS CHEGAM À EUROPA

E SÃO TRATADOS

COMO  MERCADORIA

Se assim aconteceu há mais de cinquenta anos, quando o futebol estava ainda longe de ser a indústria que hoje conhecemos, como não serão os seus contornos no tempo que passa? Isso mesmo nos mostra o filme, rodado num país onde a modalidade tem a expressão que sabemos, e onde se encontram alguns dos clubes mais poderosos do Mundo, movimentando interesses colossais. Difícil será, diz quem já conhece, assistir, impávida e serenamente, a um jogo de futebol, depois de visionar “Diamantes negros”.

Vai para 20 anos que o mundo do futebol, dentro da ‘geografia’ europeia, se agitou com o “caso Bosman”, caso que aliás recebe o nome de um pouco mais ou menos obscuro futebolista belga. Processo ‘animado’ que levou à “lei Bosman”, recurso legal para a livre circulação dos futebolistas profissionais, dentro da Comunidade Europeia. Suposto era que o jogador profissional granjeasse espaço e fosse, de facto, livre de negociar o seu contrato. Mas não tanto assim, porquanto uma ‘nova espécie’ espreitava a oportunidade – os “empresários”. Esta estirpe é quem ‘detém’ o jogador e com ele pratica o tráfego… São uma espécie de «donos» de uma classe entretanto transformada em nova escravatura, não importando de que tipo: uns, embora poucos (a elite), escravos de luxo (objecto de transacções chorudas); outros, nem tanto… e outros (muitos) até com salários em atraso. São estes senhores quem conjuga os verbos que indicámos: comprar / vender / emprestar / ceder. “O jogador x foi vendido por… tantos milhões!” (é sempre aos milhões, em atropelo e socialmente ofensivo, no tempo e circunstâncias em que estamos). Tudo isto com a Comunicação Social a ‘ajudar à festa’…, tanto pelo que se escreve como pelo que se diz nos vários ‘púlpitos’ de programas ditos desportivos da nossa excelência televisiva. Este vocabulário, noutros tempos, desapareceu da linguagem corrente desportiva… por ser manifestamente ‘tonta’, tendo-se empenhado nisso pessoas, organizações e cidadãos em geral. Regressou com a força que aí vemos!

Tudo quanto se possa dizer não passará da ponta do iceberg! Poderíamos terminar,  referindo alguns (os menos invisíveis) aspectos relacionados com a Selecção, que devia ser a “de todos nós”, dado que nessa estrutura deveria estar a nata, os melhores, com ausência de jogos e jogatanas de interesses ao dedo dos empresários e superempresários, dos patrocinadores e do compadrio.

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Ed. 658 (17/07/2014)

Futebol para além do futebol – «o lado obscuro da magia do futebol» (I Parte)

• António Alexandrino

Acaba de cair o pano (passe o lugar-comum) sobre o Campeonato do Mundo de Futebol, realizado no Brasil. Como sempre, muitas ilusões e desilusões, vários candidatos à vitória final, uns por ‘devoção’, outros por ‘obrigação’… enfim, os grandes eventos costumam dar “muito pano para mangas”. Não vamos dissecar filão tão abundante, como é o futebol, com os respectivos campeonatos, asserções sociais, implicações económicas… não temos bisturi capaz para tanto… e não faltam púlpitos em abundância, nos vários canais de TV, de onde pregam muitos, e não menos sábios, especialistas na matéria…

“Está tudo bem quando bem acaba”. Nem sempre… além de que ‘acabar bem’ passará por múltiplas maneiras de entendimento, sobretudo quando em jogo estão imensos jogos de interesses, tal o imenso e conspurcado pantanal em que o futebol se veio transformando… Avançamos desde já com algum vocabulário do campo do interesse mercantilista, da linguagem do mercado: comprar, vender, emprestar, trocar (tal como o cidadão vai à feira para conjugar estes verbos – comprar, vender, trocar… o burro, por exemplo). E lá que há burros muito dotados, virtuosos… por isso, desejados, para compra, venda, troca, empréstimo (ainda que com o resgate de alguma cláusula de rescisão, de relevo ou não) lá isso há…

JOVENS CHEGAM À EUROPA

E SÃO TRATADOS

COMO  MERCADORIA

Não terá sido mera coincidência a estreia do filme “Diamantes negros”, exactamente em 12 de Junho, dia do início de mais um Campeonato do Mundo de Futebol, no Brasil (este, o segundo realizado e não ganho por/naquele país). De facto, é a altura certa para se ver um filme de produção espanhola, em 2013, que coloca o dedo em diversas feridas  do mundo do desporto que, decerto por mérito próprio, conquistou o estatuto de ‘desporto-rei’. Deveria a “Copa do Mundo” ser uma manifestação das virtudes de uma modalidade amada por tanta e tanta gente. Existe, porém, uma diferença que “raia a perversão entre os milhões que movimentam o mundo do futebol” (João Antunes, in JN, 11/06/14) e os salários chorudos que auferem as suas grandes estrelas e “a pobreza de quem ainda vibra com uma bola de trapo nas ruas e nas praias deste Mundo e as instituições que entendem o futebol como uma forma de valorizar quem pouco mais tem na vida, de eliminar distinções raciais ou outras, de dar um sonho a quem tem, no dia a dia, uma vida de pesadelo” (idem, ibidem).

“Diamantes negros” inicia-se no Mali, onde um grupo de jovens se diverte, jogando uma partida de futebol. Terão por certo em mente os seus ídolos, eles próprios transportados para todo o Mundo por uma implacável e global máquina mediática. Na assistência, um atento e entendido olheiro. Alguém deveras interessado nas maravilhas da bola… ou nos milhões que algum ou alguns daqueles jovens podem representar para as suas contas bancárias? Como em outras actividades económicas, pelo meio pulula uma imensidão de intermediários (“empresários”, que é o termo mais adequado a esta forma de ‘empreendedorismo’), cuja única finalidade é o lucro.

Daqui parte a história de “Diamantes negros”.

(Continua)

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Ed656_OscarlopesDepois de haver passado um ano (em 22 de Março p. p.), após a morte de Óscar Lopes, Gazeta da Beira entende dedicar, na presente edição, um pouco deste espaço a esse homem de capacidade intelectual invulgar, uma das personalidades mais notáveis da Cultura Portuguesa do século XX.

Óscar Luso de Freitas Lopes nasceu em Leça da Palmeira, em 1917, numa família da classe média, conservadora e monárquica. Professor, ensaísta, linguista e crítico literário. Licenciado em Filologia Clássica pela Universidade de Lisboa, e em Histórico-Filosóficas pela Universidade de Coimbra, é também diplomado em Estudos Ingleses pela Universidade de Cambridge e pelo Conservatório de Música do Porto.

Exerceu funções docentes em liceus de Vila Real e Porto. Perseguido e afastado do ensino oficial, por motivos políticos, foi mais tarde impedido de leccionar «no nível da sua elevada competência», no ensino universitário. Em consequência da sua dedicação a causas de carácter humanista, foi perseguido e preso pela PIDE, tendo passado seis meses, isolado, na prisão («por assinar papéis contra a bomba atómica», como ele próprio disse!) e impedido de sair do país, para apresentar os seus trabalhos científicos. Após Abril de 1974, Óscar Lopes foi admitido na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, tendo exercido as funções de presidente do Conselho Directivo e de vice-reitor da Universidade. Aí fundou o Centro de Linguística e leccionou várias cadeiras relacionadas com esta área de investigação.

A par de regular e extensa produção escrita (cerca de centena e meia  de publicações) participou em inúmeros colóquios, no país e no estrangeiro, com uma «disponibilidade e gentileza que tornam rara a sua generosidade intelectual e humana» (Eduardo Prado Coelho, in Dicionário de Literatura). Tido em apreço como um ‘mestre seguro’, pelo rigor da informação e pelo extraordinário conhecimento dos autores da literatura portuguesa, foi e continua a ser considerado uma ‘autoridade’ no meio escolar e académico. Durante décadas, sucessivas gerações de estudantes aliaram o seu nome à História da Literatura Portuguesa, em parceria com António José Saraiva (1ª ed. em 1953; 17ª ed. em 1996), «dimensionando assim, de forma permanente, mas sempre em aberto, uma componente central na obra oscariana: a de historiador da literatura» (idem). No âmbito das suas preferências, no que à produção literária concerne, cabem Camões, Eça, Cesário, Pessanha, Raul Brandão, Aquilino, Pessoa (estes, os dois maiores escritores do Séc. XX), Eugénio de Andrade, Agustina, Cardoso Pires e Herberto Hélder.

No domínio da investigação linguística, refira-se a “Gramática Simbólica do Português” (1971), que é obra pioneira nos estudos da semântica, em Portugal, onde o Autor “recorre a precursora teorização proveniente da formalização lógico-matemática”.

Espírito aberto e tolerante, Óscar Lopes conjuga um “forte empenhamento nos seus ideais políticos e sociais a uma humildade e simplicidade de conduta que tornam cativante a sua personalidade” (idem). «Ensaísta arguto e informado, a sua competência enciclopédica guindou-o a um lugar de excepção na cultura portuguesa. O seu vasto saber interdisciplinar faz dele um dos últimos de uma geração de mestres, modelares na combinação da análise do plano microtextual com o das grandes sínteses, exemplares na articulação de uma sensibilidade estética com uma formação clássica e humanista, dir-se-ia, intemporal» (idem).

Por isso e por tudo, como escreveu Rui Sá, “obrigado, Óscar Lopes!

• António Alexandrino

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INVESTIGAR A VOZ proporciona mais um prémio internacional à soprano Filipa Lã

ed655-p31_FilipaLaFilipa Lã, soprano, é já nossa conhecida, no âmbito da voz, ou não estivéssemos numa região, onde o canto é como que uma “instituição”. Referimo-nos ao canto popular, especialmente, ao que é cultivado pelas cantadeiras de Manhouce. Em 2010, a Professora Filipa dirigiu e ministrou um Workshop de Técnica Vocal ao Grupo das “VOZES DE MANHOUCE”, de Isabel Silvestre e Companhia.

Mais recentemente, 16 de Abril de 2013, aquando das comemorações do Dia Mundial da Voz, promovidas pelo Departamento de Comunicação e Arte da Universidade de Aveiro (e sob a sua orientação), as “Vozes de Manhouce” participaram no evento “As Várias Faces da Voz Humana”, designadamente, no que respeita às ‘tradições orais na aprendizagem da música tradicional portuguesa’.

Agora, a soprano, de 39 anos, acaba de receber a sua sexta distinção, no campo da investigação em Vocologia, prémio este atribuído pelo Instituto Internacional de Canto da Croácia, dada a sua contribuição para o estudo da voz. “Fez-me retomar a emoção da arte e repensar os motivos de estudar a música”, reconhece. Galardão a juntar a outras distinções havidas, quer no país, quer no estrangeiro (Estónia, Estados Unidos da América, Inglaterra). Desenvolve, presentemente estudos em ordem a “como treinar vozes profissionais”.

Vinda de terras da ‘Lã e a Neve’, é natural da Covilhã. Começou a cantar no coro da igreja local, aos cinco anos, tendo seguido para o Conservatório, onde, a par com aulas de canto, experimentou violoncelo e piano. É possuidora de um currículo académico rico, diversificado e vasto que vai até ao doutoramento e pós-doutoramento, incluindo uma licenciatura em Biologia, que muito útil se torna na sua investigação. O seu domínio de especialização abrange a aplicação de conhecimentos biomédicos, no campo da fisiologia e acústica vocais, para a optimização da performance. Filipa Lã tem conciliado a investigação em Música, na área da Voz, com performance. Como cantora, tem vindo a realizar diversos concertos de Canto e Piano, explorando um repertório variado (canções portuguesas, francesas, alemãs, inglesas, espanholas, russas); solista em concertos com orquestra.

Vive de forma empenhada, se não mesmo apaixonada, o estudo da voz (o “casamento entre ciência e arte”, como ela própria diz). É-lhe reconhecido o esforço em manter a ligação «entre a racionalidade que a pesquisa exige e a emoção que sente quando o som lhe sai das cordas vocais». Dá aulas na Universidade de Aveiro e investiga o comportamento do corpo humano quando se canta, bem como a influência de factores diversos sobre a voz. O método contraceptivo da pílula e os efeitos da menopausa são aspectos a que dedicou atenção, em teses académicas. Como diz, “a voz é um alvo hormonal; os ‘castrati’ (castrados) são um exemplo histórico de como variações nas concentrações de hormonas esteróides sexuais podem interferir com a qualidade vocal de um indivíduo”.

Merecem-lhe interesse a singularidade do canto minhoto e o fado, que são objecto de estudo em projectos nacionais e estrangeiros.

Para ela, a VOZ “é um código escondido” que pode revelar uma personalidade: se fuma, passa por dificuldades e tensões… Usar bem a voz implica exercícios e cuidados que vão ao pormenor da forma como se respira. E estudá-la exige “técnica e imaginação”. Por isso, há que encontrar recursos e meios adequados (espectrógrafos, electro-laringógrafos …). É que “ouvir não chega”, é preciso ‘ver’ e entender a voz e as suas variações.

António Alexandrino

 

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Ed654_GracaMouraAos 72 anos, desaparece uma grande e multifacetada figura da cultura portuguesa actual, um dos grandes artesãos da nossa língua. Poeta, romancista, ensaísta, tradutor, político. E não só.

Atentemos no que dele se escreveu e disse, aquando da sua morte, ocorrida no passado dia 27 de Abril:

«O mundo de Vasco é o mundo todo com o seu mistério e o seu enigma insondáveis» (Eduardo Lourenço, ensaísta).

Na poesia portuguesa, é senhor de «obra considerável e daquelas que irá ficar» (Nuno Júdice, poeta).

«Homem de grande abertura nas questões culturais, nada sectário e um bom camarada» (Manuel Alegre, político e poeta).

«Um humanista dos tempos de hoje – frontal, corajoso, determinado, mas também um poeta e ensaísta dotadíssimo» (Guilherme d’Oliveira Martins, Presidente do Tribunal de Contas).

«Um grande vulto da cultura portuguesa. Tradutor de excelência, grande poeta e escritor; pessoa de excelente trato; grande defensor da cultura portuguesa» (Carlos Tê, poeta).

«A cultura portuguesa perdeu o seu último aristocrata, homem de uma cultura infindável» (Manuel Alberto Valente, editor).

«Portugal perde um grande poeta, um defensor da língua portuguesa. O Vasco foi um dos intransigentes defensores da pureza da linguagem contra essa mudança que se pretende» (Maria Teresa Horta, escritora). Efectivamente, foi uma das vozes mais críticas do Acordo Ortográfico, tendo deixado e explicado no livro ‘A perspectiva do desastre’ as razões pelas quais abominava tais alterações impostas ao Português. Nesta conformidade, como presidente do Centro Cultural de Belém, funções que assumira em 2012, proibiu o uso do AO nos textos produzidos na instituição.

Este portuense, da Foz do Douro, onde nasceu em 1942, tirou o curso de Direito e exerceu a advocacia, mas orientou posteriormente a sua actividade, por forma a merecer o que acima fica dito. Registe-se, inclusive, a sua envolvência na vida política – era uma figura do PSD. Foi secretário de Estado da Segurança Social no V Governo Provisório liderado pelo General Vasco Gonçalves, em 1975, no qual permaneceu cinco meses. Foi, ainda, deputado europeu (era um europeísta convicto), integrando o Grupo do Partido Popular Europeu.

Refiram-se, no entanto, algumas facetas relacionadas com a sua produção e vivências literárias.

Ainda estudante, publica o primeiro livro de poesia, em 1963 – “Modo Mudando”; “Poemas Escolhidos” (1996); “Poesia” (2000). Esta poesia é marcada por «um vivo sentido intelectual, pela ironia, pelas suas referências culturais, pelas ‘ágeis recorrências de retórica’, havendo uma convergência de outras formas expressivas desde a música às artes plásticas» (in ‘Dicionário de Literatura’ – Direcção de Jacinto do Prado Coelho).

Publica o seu primeiro romance, intitulado “Quatro Últimas Canções”, em 1987. «Geralmente, na sua obra ficcional, transparece um sentido irónico e, por vezes, burlesco, uma visão descomprometida e tendencialmente pessimista das relações humanas, uma expressão alegorizante referida a expressas circunstâncias de ordem histórica» (idem, ibidem).

No domínio do ensaio, publicou vários livros, muitos deles no âmbito dos estudos camonianos e da nossa literatura contemporânea.

Escreveu obras teatrais e de natureza diarística (“Circunstâncias Várias”, 1995).

O Presidente da República agraciou Vasco Graça Moura com a Ordem de Sant’Iago da Espada, tendo então o próprio resumido tudo quanto fez em vida, na seguinte frase: «A poesia é a minha forma verbal de estar no Mundo».

O reconhecimento pelo seu labor e obra produzida acarretou-lhe prémios diversos (vide JN, de 28 de Abril p. p., com a devida vénia): Prémio Pessoa, Prémio Vergílio Ferreira, os prémios de Poesia do PEN Clube Português e da Associação Portuguesa de Escritores, que lhe atribuiu o Grande Prémio de Romance e Novela, a Coroa de Ouro do Festival de Poesia de Struga, o Prémio de França para Poesia Estrangeira, o Prémio de Tradução do Ministério da Cultura de Itália e a Medalha de Florença, o Prémio Morgado de Mateus, o Prémio Europa – Cátedra David Mourão-Ferreira da Universidade de Bari, em Itália, entre outros.

 

Deixamos a transcrição de um dos seus poemas, inserto em “POEMAS PORTUGUESES – Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI”, Porto Editora.

 

ritos de não passagem. desinventário

sobre histórias dos cavalos de ferro, de antónio lopes

onde os comboios já não passam, onde ervas desoladas

e fetos do silêncio invadem os carris, onde apodrecem

tempo e locomotivas, onde há apeadeiros

vazios, instalações desertas, máquinas abandonadas, onde

 

os vagões são monturos de sombras e de estofos

puídos, ombreiras esbeiçadas, molas que não funcionam e

eixos que empenaram, sem passageiros, cestos, garrafões,

lenços de chita, varapaus, chapéus,

 

sem cheiros, luzes, fumos, silvos, sem mulheres

de arrecadas, serapilheiras, bilhas e farnéis, sem

horas nem desoras, sem nomes de estações soletrados

ao ritmo dos freios, sem magalas nem caixeiros viajantes,

 

sem doentes a caminho do hospital, sem gente

que vai pagar a décima, ou reza, ou joga as cartas,

ou vem de cotim preto de enterrar alguém,

ou ri de algum contentamento, ou traz saudades,

 

sem galinhas engaioladas, sem cartuchos de tremoços,

sem castanhas assadas, sem arrufadas e regueifas,

sem jornais, sem revisor nem maquinista,

onde o cimento se esboroa, a madeira se esburaca, as coberturas

 

se destelham, a água já não corre, as vendedeiras

desapareceram, as manivelas deixaram de servir,

onde os relógios perderam os ponteiros,

onde enferrujam cancelas e lanternas, tabuletas

 

de “pare, escute, olhe”, pilares de pontes velhas,

onde ferros retorcidos, pedregulhos, silvas, cardos,

entre algum rio e algum monte, uma charneca e um olhar,

se amontoa sucata, apenas sucata para a alma,

 

e não se passa nada e não passa ninguém.

(Lacoonte, Rimas Várias, Andamentos Graves, 2005)

 

• António Alexandrino

 

Nota da Redacção

Este espaço é destinado pela “Gazeta da Beira” à Cultura, designadamente, no que concerne a pessoas, personalidades e/ou instituições, as quais este jornal entenda serem merecedoras de relevo. Não, necessariamente, porque morrem, mas também, e sobretudo, por isso. Obviamente, dentro de uma equação jornalística levando em linha de conta ser a GB um periódico regional e quinzenário. Procura-se, por norma, não ir além de um assunto por cada edição e sem uma rígida obediência ao acontecer cronológico dos factos. Daí que alguns, porventura em maré de oportunidade discutivelmente aleatória, tenham de aguardar sua vez, espaçando-se no tempo.

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ASSOL apresentou exposição inovadora na Casa da Música

A música está “Ao Alcance de Todos”

Ed653_CasaMusica-PortoNo âmbito da iniciativa “Ao Alcance de Todos”, na Casa da Música (Porto), terminou no passado domingo de Páscoa a exposição “Música de Todos os Tempos”, com instrumentos musicais construídos a partir de papel reciclado por pessoas portadoras de deficiência no Centro de Atividades Ocupacionais da Associação de Solidariedade Social de Lafões (ASSOL), sediada em Oliveira de Frades. A construção destes instrumentos ocorreu durante o verão do ano passado e foram agora expostos na Casa da Música.

A exposição elaborada pela ASSOL integrou um vasto programa da iniciativa “Ao Alcance de Todos” que ainda decorrerá até 30 de abril. A iniciativa organizada pelo Serviço Educativo da Casa da Música, que tem como objetivo juntar pessoas com necessidades educativas especiais e mostrar que a música não tem fronteiras e está ao alcance de todos, independentemente da condição física ou mental de cada um.

O sentido de comunidade não será posto de parte e estão incluídos, nas atividades propostas, workshops, performances de núcleos que desenvolvem trabalho artístico fora da Casa da Música e atuações que recuperam memórias musicais.

Apesar da maioria das iniciativas terem entrada livre, há algumas atividades cuja entrada e participação tem o valor de dois e seis euros. O programa de “Ao alcance de todos” pode ser consultado na íntegra no site oficial da Casa da Música (http://www.casadamusica.com).

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Festival de artes em maio

“Viseu a…” também vai passar por S. Pedro do Sul

Ed653_Viseu-aO festival de artes “Viseu a…” regressa no final do próximo mês de maio, envolvendo centenas de pessoas em espetáculos de dança, teatro, circo e música, não só na capital de distrito, mas também em concelhos vizinhos.

O diretor do Teatro Viriato, Paulo Ribeiro, anunciou que o festival de artes vai acontecer de 24 de maio a 01 de junho. Para além de Viseu, o programa também integrará espetáculos em S. Pedro do Sul, Mangualde, Nelas e Tondela.

“Foi sempre um sonho do Teatro Viriato sair fora de portas e nós fizemo-lo sempre de forma muito localizada, muito cirúrgica. Trabalhávamos com outras instituições, com escolas, mas nunca invadimos a cidade e, de repente, temos este projeto”, afirmou Paulo Ribeiro.

A primeira edição deste festival realizou-se no ano passado em vários espaços da cidade de Viseu, com espetáculos consecutivos durante 24 horas, e foi considerada um sucesso.

Como se trata de uma candidatura aprovada no âmbito da Comunidade Intermunicipal Viseu Dão Lafões, a ideia foi, depois da primeira edição, alargar o festival a concelhos vizinhos.

Paulo Ribeiro explicou que cada cidade terá iniciativas diferentes, exemplificando que, em Nelas, o encenador Graeme Pulleyn está a preparar o espetáculo “Romeu e Julieta” com a comunidade cigana.

O festival conta com a consultoria e coordenação artística de Madalena Victorino e Giacomo Scalisi.

Paulo Ribeiro frisou que o programa do festival quer “deixar memórias, projetar para o futuro, contribuir para que as gerações possam ter um olhar diferente sobre o seu papel na sociedade”.

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Centro Social e Paroquial de Queirã apresenta Projeto de Arquitetura

Ed653_Centro-Social_QueiraNo dia 4 de abril de 2014, pelas 15 horas, o Centro Social e Paroquial de Queirã, apresentou no salão de atividades, recentemente terminado, o Projeto de Arquitetura do Lar de Idosos e Apoio Domiciliário. O projeto apresentado contará com uma  área a construir de 2388 m2, terá uma capacidade para  30 utentes  em regime residencial e 30 em apoio domiciliário; manterá 6 postos de trabalho e criará 12. O projeto terá um custo previsto de 1,5 M Euros e terá um Impacto Financeiro previsto no concelho de 2 M Euros nos primeiros 5 anos de funcionamento.

Nesta cerimónia estiveram presentes e usaram da palavra, entre outros, o Presidente do Centro Social, Sr. Padre Francisco Domingos,   o Diretor do Instituto Segurança Social de Viseu,  Dr. Telmo Antunes, a presidente da Junta de Freguesia de Queirã, Dr.ª Susana Outeiro e Sr. Presidente da Câmara Municipal de Vouzela, Eng.º Rui Ladeira.

Todas as entidades demonstraram interesse na execução do projeto, sendo desta forma uma mais-valia, não só para a freguesia de Queirã, mas também para todo o concelho de Vouzela e região. Este projeto tornar-se-á uma realidade em 2015,  dependendo ainda da aprovação de candidaturas.

• António José Gomes Rocha

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Eugénia Lima, “a notável acordeonista portuguesa”

Todos vamos sendo ‘povoados’ por diversas referências que nos sobrevêm com o decurso de nossos dias, sob o beneplácito de Saturno (deus do tempo, na Antiguidade Clássica). Mormente na infância, na adolescência ou na juventude.

Ed652_eugeniaLimaNessa já um tanto afastada circunstância, quem tivesse um ‘rádio’ lá na terra, que se fizesse ouvir na rua (de preferência, em elevado volume sonoro), era um pessoa ‘importante’. Mas havia poucos ‘rádios’… e a televisão ainda vinha a caminho. Eventos importantes ‘vinham’ no bico desta ‘cegonha’ e era frequente as pessoas irem a casa do sr. fulano de tal, para acederem ao privilégio.

No dia a dia, o ‘rádio’ debitava a música que a “Emissora Nacional” emitia, ao gosto e ao sabor popular(!). Mas a verdade é que era uma gostosura, pese embora a questão relacionada com o ‘nacional-cançonetismo/cantiguismo’, ouvir referências musicais, como era o caso de Eugénia Lima e o seu acordeão. Aquele acordeão parece que até falava! Ela era, de facto, a rainha do acordeão, um instrumento na linha de apreço da música popular, sobretudo.

Eugénia de Jesus Lima acaba de nos deixar, aos 88 anos.

Filha de José Ferreiro, afinador de acordeões, nasceu em Castelo Branco, no ano de 1926. Cedo, aos 4 anos de idade, se apresentou em público, no Cine-Teatro Vaz Preto, em Castelo Branco, tocando “Lavadeiras de Caneças” (de Frederico de Freitas), no final de uma sessão de filmes mudos. Era o início de actuações em toda a Beira Baixa, que lhe valeram o qualificativo de «miúda de Castelo Branco». Em 1935, integrou o elenco da revista Peixe-Espada, no Teatro Variedades, em Lisboa. Em 1936, o Governo concedeu-lhe uma licença extraordinária para actuar no Casino do Estoril, visto a legislação da época não permitir a apresentação pública remunerada de menores em casas de espectáculo. Prosseguiu então a actuando em vários teatros e casas de fado (Éden Teatro, Solar da Alegria, Retiro da Severa).

Na mesma altura, iniciou os seus estudos musicais com dois músicos da Banda do Regimento de Cavalaria 6 de Castelo Branco. Aos 13 anos, candidatou-se ao Conservatório de Lisboa, para frequentar o curso de acordeão, desiderato entretanto indeferido, visto que este instrumento não integrava os currículos daquela instituição. Viria, todavia, aos 55 anos, a receber o diploma do Curso Superior de Acordeão de Paris.

Em 1957, fundou e foi a primeira directora da Orquestra Típica Albicastrense, em Castelo Branco.

Acordeonista de sucesso, Eugénia Lima cedo começou a gravar a solo, tendo registado mais de uma dezena de discos, com temas populares, de diversos compositores, versões para acordeão e várias composições de sua autoria. Compôs mais de 200 obras que se integram em géneros como corridinho, fado-canção, valsa, vira, marcha, paso doble, rapsódia, fox-trot, mazurca, tango, polca, chula, chorinho.

Possuidora de uma excelente técnica, aplicada a um repertório eclético, o seu estilo pauta-se por uma notável capacidade de improvisação e de ornamentação, aliadas a uma notável exploração dos recursos do instrumento.

Verdadeira embaixadora deste instrumento, quer no país, quer em diversos países estrangeiros, Eugénia Lima tornou-se um modelo para várias gerações de acordeonistas.

É credora de várias distinções. Obteve o 1º Lugar no Concurso de Acordeonistas (Emissora Nacional); foi premiada com o “Óscar da Imprensa” para a melhor solista de música ligeira (1962); foi a primeira artista a apresentar-se como convidada especial no programa da TF1 Le Monde de l’Acordéon (1979); foi condecorada com o grau de Dama da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada (1980); foi-lhe conferido o Diploma de Honra da União dos Acordeonistas de França (1984); foi-lhe atribuída a Medalha de Mérito Cultural (Ministério da Cultura – 1986); foi condecorada com o grau de Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique (1995). Em 2011, aos 85 anos, a acordeonista foi homenageada em Castro Marim, numa sala esgotada, com a participação de 81 acordeonistas, tendo ainda tocado e deixado aos circunstantes a sua linha de conduta  artística: «as músicas que fiz, foram feitas por amor à arte e reflectem o estado de espírito naquela altura; mais de oitenta por cento das minhas músicas nasceram no palco, de improviso».

A seu tempo, a artista pedira aos seus familiares que entregassem ao Santuário de Fátima aquele que considerava o seu companheiro e mais importante acordeão, ao longo da sua carreira, instrumento “que possuía uma extraordinária afinação, resultado da mestria de seu pai”.

O nome de Eugénia Lima figura no Dicionário Mundial de Mulheres Notáveis.

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Ainda a 15ª edição de “Correntes d’Escritas”

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Algo do que ficou dito

• Antonio Alexandrino

Ao longo do certame (19-22 de Fevereiro), ‘o espírito louco’ dos 62 escritores afro-ibero-americanos, numa sala com 600 lugares, permanentemente ocupados, produziu, na e para além da literatura, aquilo que poderá ser considerado como uma denúncia incisiva, irónica e frontal do incómodo por que passa a sociedade portuguesa. Diremos mesmo que a ‘PALAVRA’ terá estado no seu melhor. Daí entendermos valer a pena regressar ao assunto.

Respigámos, com a devida vénia, e sem mais comentário, algumas citações, de entre outras, que fazem parte de um manancial deveras interessante, mas desgraçadamente real.

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Eduardo Lourenço

De Eduardo Lourenço, o professor que, aos 91 anos, pede meças: «A crise vem de fora, mas de onde?… As tragédias gregas tornaram-se banais. Há 100 anos, esta Europa entregou-se a uma auto-destruição que foi o primeiro momento do buraco negro em que fomos caindo, e que não tem precedentes. Ao fim deste século de horrores que culminaram com o Holocausto e Hiroshima, pensávamos que íamos entrar numa espécie de planície. Mas afinal não é o que está acontecendo. E nós estamos aflitos com isso. Dá a impressão de que, de repente, fomos invadidos, não por uns castelhanos arcaicos nossos vizinhos, e que são nossos irmãos e primos, mas por uma espécie de vampiros, como aqueles que o cinema de Hollywood ilustra. Não é por acaso que o tema dos vampiros se tornou moda. Os vampiros são emissários da morte, é como se estivéssemos a viver uma espécie de apocalipse em directo, e esse apocalipse não é só de gente armada, é de qualquer coisa que nos suga o sangue e o sentido daquilo que vivemos… Com algum tempo e sorte havemos de sair do atoleiro em que estamos mergulhados».

Ou de Hélder Macedo: «Na minha juventude e adolescência era bem mais complicado fazê-lo. Estamos a ser diariamente ofendidos neste país e estamos bem comportados de mais. Temos a obrigação de sermos malcriados. Vamos celebrar o grande e universal manguito».

De Rui Zink: «Há uns tempos houve um senhor que teve um problema com o professor doutor Presidente da República. Parece que lhe chamou ‘palhaço’. E vi logo uma palavra fantástica, que podia ser a gralha do ano: o Presidente professor doutor Cavaco Silva mora no ‘Palhácio’ de Belém».

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Lídia Jorge

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João de Melo

Ou de Lídia Jorge: «Escrevemos com todas as raivas e alegrias que a vida nos vai dando. Mas escrevemos, sobretudo, com esse espírito louco que permanentemente tentamos dominar».

O escritor João de Melo, que em devido tempo, pela mão da Pintora Helena Liz e de seu marido Dr. António Liz Dias, vogou até esta região de Lafões, onde passou a ser presença repetida, deu alguns motes, acutilantes e deliciosos: «Hoje, em Portugal, é Deus quem parte e reparte com o Diabo, ficando este com a melhor parte». E continuou o autor de “Gente Feliz Com Lágrimas”: «Não sei quem veio de fora, nem por que motivos as coisas deixaram de ser nossas – mas voga por aí uma presença estranha, o rosto invisível e absoluto de um qualquer ocupante estrangeiro. Ele mudou o nome das coisas e a precisão doméstica dos nossos sítios. Tomou conta dos lugares públicos. Aquartelou-se nas casas, nas tribunas e nos templos. E agora impõe-nos uma ordem social e espiritual que nunca foi nossa: ou seja, uma religião sem princípios, a confraria da imoralidade». E prosseguiu, traçando um sarcástico retrato do país: «São populares e risonhos os amanuenses e os ditadores do país onde já não acontece nada. Basta-nos, para que isto ainda exista, haver lá no alto um cardeal primeiro-ministro, alguns bispos e curas nos ministérios e uns quantos noviços por secretários de Estado – mantendo-se assim a nossa ilusão acerca da existência do país. Bastam-lhe os lugares sentados no Parlamento e um talentoso orador a gritar ao povo; bastam-lhe dois escritores e meio para falar por todos; doze actores de teatro e cinema, dez polícias e um general, um maestro de batuta erguida ante as cinquenta e duas cabeças de uma orquestra, zero vírgula um arrependidos políticos confessos, dois vírgula zero seis professores e sindicalistas, três médicos e meio engenheiro, um cantor de fados e treze guarda-costas, um agricultor e oito industriais, um futebolista e três quartos de outro, um careca idoso e outro careca que ainda exibe o cartão jovem ou o título de novo empreendedor – e fica completo o comício. Vão-se os homens desta terra que em tudo deixou de valer a pena desde que sua alma se fez pequena. Vão-se os anéis e os dedos, os pomares e as vinhas, as searas de trigo e os pinhos, os pássaros e o milho – e calam-se pouco a pouco as vozes e os sinos».

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“Correntes d’Escritas” – 15ª edição com uma mão cheia de estreias

• António Alexandrino

Entre 19 e 22 de Fevereiro – “quatro dias de celebração da língua” –, teve lugar o mais antigo festival literário de expressão ibérica, na Póvoa de Varzim.

Por um auditório lotado (600 pessoas – número que terá ultrapassado as expectativas), passaram sessenta autores, 26 dos quais estreantes.

Festival de reencontros, visto proporcionar a presença de escritores que o público se habituou a ver, ano após ano, é também um festival de estreias. Entre os eleitos, Miguel Sousa Tavares, Golgona Anghel, Patrícia Portela, João Ricardo Pedro, José Rentes de Carvalho, Joaquim Bértholo e o galego Manuel Rivas. No entanto, a lista de estreias incluiu mais uma dúzia de nomes, entre os quais, o fotógrafo Alfredo Cunha, António Mota, José Ovejero, Margarida Ferra e António Gamoneda (uma das grandes atracções do evento poveiro).

Apesar de o elenco primar pela novidade, o mesmo se poderá dizer do local escolhido para a realização das actividades. A Biblioteca Municipal, local onde durante vários anos decorreu a iniciativa, cedeu a primazia ao Hotel Axis Vermar.

O “diálogo” entre a literatura e outras artes passou por uma oficina de escrita para cinema, com a presença do realizador António Pedro Vasconcelos.

Como não podia deixar de ser, o lançamento de livros. Dentre eles, ‘Livros nómadas do sangue’ (João Rios), ‘Máquina de lavar corações’ (Renato Filipe Cardoso), ‘A pata da cobra’ (Maria Quintans)…

Pesem embora as novidades previstas para a edição deste ano, o figurino que tem vindo a notabilizar o festival manteve-se. Assim, não faltaram as mesas-redondas, com frases tão desafiadoras como «pensamentos não são correntes de ninguém» ou «de correntes e cont(r)a-correntes se faz a poesia». Ou as conversas “a dois” (a duas?), como Filipa Leal e Maria Teresa Horta, ou ainda Isaque Ferreira e Cruzeiro Seixas.

Refira-se, enfim, a conversa entre o nosso conhecido e amigo escritor João de Melo e Onésimo de Almeida, a propósito dos 25 anos de “Gente feliz com lágrimas”.

*

Concomitantemente, no primeiro dia das “Correntes” (19 de Fevereiro), era lançado o livro “Escrita íntima – Correspondência 1932-1961”. A publicação reúne missivas entre Maria Helena Vieira da Silva (falecida em 1992) e seu marido, Arpad Szenas.

O evento teve lugar no auditório da Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva, que acolhe o espólio do casal de artistas plásticos, em Lisboa.

O livro – um conjunto de 53 cartas escolhidas – foca a correspondência entre ambos, documentando «os raros e curtos períodos em que estiveram geograficamente separados». Embora tenham sido poucas as ausências para trocar cartas, «esses documentos revelam não só os afectos, mas outras informações interessantes sobre pintura, contactos com amigos e família ou exposições que visitavam».

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Mike Horn – aventura rima com loucura?

• António Alexandrino

Ed648_Mike-Horn“Era difícil respirar, o ar queimava-me os pulmões e tinha medo de que congelassem” – assim se expressava Mike Horn, depois de caminhar, sozinho, dois anos no Árctico.

Mike Horn, cidadão suíço, nascido na África do Sul, é um exemplo de determinação e coragem. Atravessou a nado os seis mil e novecentos quilómetros do rio Amazonas, socorrendo-se apenas de uma pequena prancha de fibra («particularmente empolgante e aterrorizante»). Deu uma volta ao mundo, sozinho, seguindo sempre debaixo da linha do Equador, sem qualquer transporte motorizado, sempre a pé, de barco à vela, de piroga ou de bicicleta. Solitário, percorreu o Círculo Polar Árctico, sem motores, em barco à vela, de esqui ou a pé, ao longo de mais de vinte mil quilómetros, durante mais de dois anos e com temperaturas de 60 graus negativos.

Mike Horn é um dos maiores exploradores vivos. Aventureiro destemido, afronta as capacidades da resistência humana nos cenários mais inóspitos do Planeta. Defende que “o impossível só existe até se encontrar uma maneira de torná-lo possível”. Diz que se sente vivo quando supera o medo e parte ao desconhecido.

Não contente com as suas façanhas, juntou-se ao norueguês Borge Ousland e, juntos, tornaram-se nos, até hoje, dois primeiros (e únicos) humanos a caminharem até ao Pólo Norte durante o inverno, em escuridão permanente e sem assistência motorizada, onde «a paisagem fantasmagórica evoca um planeta petrificado em noite eterna».

Para Horn, “o homem que quer viver fora da zona de conforto”, estas decisões são um desafio ‘natural’. Realça que “uma pessoa não pode tornar-se num explorador, nasce para isso, está no ADN”. Face a tal currículo, precisará de perigo constante para sentir-se feliz ou realizado? A resposta é natural e óbvia: “Gosto é do desafio em superar o medo e procurar saber mais sobre mim, mesmo quando estou perante o perigo”.

Mike Horn dá conta das suas aventuras “em livros bastante recomendáveis”, bem diferentes de toda a literatura produzida pela nova geração de exploradores ou aventureiros, no entanto ainda não traduzidos para a língua portuguesa – “Latitude zero”, “Conquérant de l’impossible” e “Objectif: Pôle Nord de nuit” («ser louco é enfiar uma gravata e ir para um escritório»).

Nesta conformidade, ocorre-nos o poema ‘D.SEBASTIÃO, Rei de Portugal’, de Fernando Pessoa (‘Mensagem’):

«Minha loucura, outros que me a tomem

Com o que nela ia.

Sem a loucura que é o homem

Mais que a besta sadia,

Cadáver adiado que procria?»

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Ary dos Santos – ‘As Palavras das Cantigas

• António Alexandrino

Ed647_ArySem palavras (a “letra”) não há canto. Canto esse que pode valer por si (‘a cappella’), ou é acompanhado por instrumento(s) – de resto, é uso muito antigo. Assim faziam, na velha Grécia, os aedos (‘aedo’: poeta grego da época primitiva, que cantava ou recitava com acompanhamento da lira – Homero foi o mais célebre dos aedos). Assim fizeram, mais tarde, os trovadores. Assim sucede, hoje, com muitos intérpretes, no campo da música e do espectáculo musical.

Com a lira se representava Apolo, eleito Patrono das Artes pelas divindades inspiradoras das mesmas – as Musas. De ‘musa vem a palavra ‘música’; com ‘lira’ se relaciona a palavra ‘lírica’ (a poesia). A música e a poesia andaram sempre de mãos dadas.

A poesia portuguesa não foge à regra e, «logo nas suas fontes trovadorescas… a cítola era companheira inseparável da palavra», como diz Natália Correia no prefácio de “AS PALAVRAS  DAS CANTIGAS”,  colectânea dos poemas de Ary dos Santos escritos para Amália Rodrigues, Carlos do Carmo, Fernando Tordo, José Afonso, Paulo de Carvalho, Simone de Oliveira, Tonicha, entre outros.  Quem não se lembra dos festivais televisivos, por exemplo…?

Isto, a propósito dos 30 anos após a morte do poeta José Carlos Ary dos Santos, efeméride ocorrida no p. p. dia 18 de Janeiro. Fernando Tordo foi quem mais musicou e cantou Ary dos Santos, tendo-o feito com cerca de 100 poemas. Nesta conformidade, houve lugar a um espectáculo comemorativo, no Teatro São Luiz, intitulado “Ary rima com Lisboa”, com Fernando Tordo (voz e guitarra), a cantora Mitó Mendes (do grupo ‘A Naifa’) e João Tordo, escritor, como contrabaixista.

É a ‘rima’ de Ary que, para além de outras múltiplas e variegadas ‘rimas’, rima com ‘Lisboa’ que, de acordo com Natália Correia (idem, op. cit.), e evocando o cantor Carlos do Carmo por exemplo (“Um Homem na Cidade”), é «… essa Lisboa, cidade do seu tormento em que as noites são feitas do basalto da tristeza; metrópole das misérias escondidas à socapa pelo Amarelo da Carris; o cauteleiro que, apregoando as horas de boa sorte, consome o fado da pouca sorte; a eternidade friorenta do homem das castanhas à esquina do inverno; a coisa mais triste deste mundo que é a velhinha sentada no banco do jardim, estátua da desgraça que amargou até ao fundo, fazendo com os ossos as maneiras de estar ali, rainha das chagas, sentada sobre o mundo… nessa Lisboa cujos azulejos, vestindo-a de azul e branco, são ladrilhos da saudade, é nessa cidade do pouco Tejo, pouco Tejo do cacilheiro e muita mágoa de quem saudosamente espera (o quê?) que o poeta tem a sua raiz. Lisboa é o seu amor a sua aventura e o seu desespero. O lugar onde ele persegue a ternura que está rodeada por cardos. Porque ao fim e ao cabo o amigo está sempre longe.»

“Cavalo à solta”, “Desfolhada”, “Laranja amarga e doce”, “Lisboa, menina e moça”, “Estrela da tarde”, “Menina”, “Quando um homem quiser”, “Tourada”, “Os putos”, são algumas das cantigas a que compositores e cantores deram corpo e continuam a povoar o mundo da nossa canção.  

Nascido em Lisboa, em Dezembro de 1937, Ary dos Santos publicou os primeiros versos aos 14 anos, após a morte da mãe, quando fez parte da Antologia do Prémio Almeida Garrett. No entanto, para além das ‘cantigas’, Ary deixou-nos um espólio poético assinalável: “A Liturgia do Sangue”, “Tempo da Lenda das Amendoeiras”, “Adereços, Endereços”, “Insofrimento in Sofrimento”, Fotosgrafias”, “As Portas que Abril Abriu” e “O Sangue Das Palavras”.

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Cinclus trouxe centenas a Vouzela

Ed647_cinclusA 4ª edição do Festival de Imagem de Natureza de Vouzela chegou ao fim com  balanço positivo. O Cinclus conseguiu trazer centenas a Vouzela, encheu as salas e dinamizou a vila e o comércio local.

 

 

 

 

 

 

 

 

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Eusébio – a realidade e o mito

• António Alexandrino

646_p29_eusebioA comunicação social levou às últimas a temática. Não é que falte matéria para outras contextualizações – “infelizmente!”, dirão uns… pensarão outros. Com efeito, sobre Eusébio e seu desaparecimento físico muito se disse e escreveu, porventura num misto de nostalgia, de saudade… daquele Eusébio que “habitou” a mocidade de muitos de nós; daquele Eusébio de quem o Estado Novo (“orgulhosamente só”) se apossou, tentando ‘usá-lo’, tal como fez com Amália; lendas consagradas e respeitadas em todo o mundo, talvez os embaixadores de maior visibilidade e de melhor aceitação, não só para “estranja”, mas sobretudo para os nossos compatriotas, obrigados a procurar lá fora o que o solo pátrio lhes não proporcionava. No entanto, “povo e lenda, ambos, feitos poesia – esse lugar mais habitável do que o real”, como escreveu alguém.

Poucas são as personalidades capazes de gerar largo consenso universal elogioso. Um dos melhores futebolistas de sempre (no país e no mundo), transformou-se num “ícone de Portugal”. O que espanta é o facto de grande parte dos portugueses, que o homenagearam, não o terem visto jogar ao vivo, tendo recebido dos seus pais e avós o testemunho das suas gestas, que viram confirmadas através de imagens de fraca qualidade e a preto e branco. Apesar disso, suficientemente elucidativas para eternizarem a elevada velocidade que punha nas suas corridas, a potência das seus remates, a alegria com que jogava e galvanizava os seus companheiros, a força que transmitia ao público e, enfim, um raro fair-play e sentido de camaradagem, mesmo no duro da derrota, ao desfazer o mito que alicerçava a ideia de que «um homem não chora». Eusébio chorou. Sem disfarçar a mágoa.

‘Gazeta da Beira’ presta homenagem a um homem que conseguiu unir transversalmente o País ao seu redor: possuidor de uma simplicidade, de uma humildade e de uma afabilidade invulgares, derrubou barreiras políticas e raciais, uniu gerações e conseguiu “guindar-se a um patamar acima das rivalidades clubísticas doentias ou das origens sociais de cada um. Um homem cujo nome é repetido e respeitado em todo o mundo. Os homens assim também morrem, mas não desaparecem, somente reforçam o seu estatuto de lenda.

“Monumento de si próprio”, a transformação em mito aconteceu muito antes do dia da sua morte, Para a memória colectiva (dos portugueses e de amantes do futebol em todo o mundo), “Eusébio continua aqui”.

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«Havia nele a máxima tensão

Como um clássico ordenava a própria força

Sabia a contenção e era explosão

Não era só instinto era ciência

Magia e teoria já só prática

Havia nele a arte e a inteligência

Do puro e sua matemática

Buscava o golo mais que golo – só palavra

Abstracção ponto no espaço teorema

Despido do supérfluo rematava

E então não era golo – era poema.»

Manuel Alegre

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Arquivo da memória de Dão Lafões e Paiva vem a público

binaural_2014A Binaural – Associação Cultural de Nodar, uma entidade cultural situada no concelho de São Pedro do Sul e que se dedica desde 2004 à pesquisa artística e social em zonas rurais de montanha, anuncia publicamente a criação do Arquivo da Memória de Dão-Lafões e Paiva, uma iniciativa financiada pelo Programa Cultura 2007-2013 da União Europeia e pela Direção Geral das Artes, que consiste num repositório audiovisual, catalogado e descrito de acordo com critérios rigorosos, representativo da herança cultural de territórios de montanha, tendo como objectivo introduzir sentidos de pesquisa inovadora nas formas de documentar, comunicar com comunidades rurais e difundir os resultados finais obtidos junto de públicos locais e externos.

Numa primeira fase, a concluir e a disponibilizar online até Fevereiro de 2014, o arquivo reunirá os seguintes documentos, recolhidos/acolhidos pela Binaural/Nodar entre 2006 e 2013:

* 140 entrevistas audiovisuais, a habitantes de mais de 30 aldeias do concelho de São Pedro do Sul, Castro Daire e Vila Nova de Paiva, abordando toda uma série de temáticas relevantes para perceber o passado e presente das comunidades rurais: rituais sagrados e santos locais, ciclos dos cereais (linho, milho e centeio), pastorícia, a floresta, as minas, criação de animais, paisagens e sua transformação, história das povoações, histórias de emigração, guerra colonial, desenvolvimento económico e transformações sociais, a caça, a pesca, a fauna, a flora etc. etc.

* 40 recolhas sonoras e audiovisuais de eventos sagrados e profanos, de situações sociais e de trabalho realizadas nos vales do Paiva e do Vouga

* 300 paisagens sonoras e audiovisuais realizadas nos vales do Paiva e do Vouga

* 75 criações artísticas sonoras e multimédia acolhidas pela Binaural/Nodar desde 2006 no vale do Paiva e Maciço da Gralheira (São Pedro do Sul) e cujas temáticas se relacionam intimamente com o território e suas gentes.

O Arquivo da Memória de Dão-Lafões e Paiva será no futuro objeto de novas parcerias, de forma a gradualmente se extender a novos municípios, promovendo-se assim uma rede local de pesquisa etnográfica multimédia com um trabalho consistente e com rigor metodológico e com um pendor eminentemente endógeno, ou seja, feito por gente da terra para as gentes da terra, logo com um elevado sentido de identidade territorial.

O primeiro ciclo de apresentações públicas do Arquivo da Memória de Dão-Lafões e Paiva irá decorrer num conjunto de espaços e em parceria com diversas instituições do concelho de São Pedro do Sul (município, freguesias, escola secundária, IPSS, e associações), tendo o seguinte programa:

Dom. 19 jan, 15h00 Cine Teatro de São Pedro do Sul

2ª F. 20 jan, 15h00 Agrupamento de Escolas de São Pedro do Sul

3ª F. 21 jan, 15h00 Centro Social de Vila Maior

4ª F. 22 jan, 15h00 ARCA – Associação de Solidariedade Social, Sta. Cruz da Trapa

5ª F. 23 jan, 15h00 Lar da Misericórdia de Sto. António – São Pedro do Sul

6ª F. 24 jan, 21h00 Associação Cultural, Recreativa e Desportiva de Oliveira e Aveloso (freguesia de Sul)

O Arquivo da Memória de Dão-Lafões e Paiva insere-se na Rede Tramontana de documentação cultural de zonas de montanha do Sul da Europa que inclui os territórios dos vales do Vouga e Paiva (Portugal), os vales do Sieve e do Arno (Toscânia, Itália), as montanhas do Gran Sasso e Monti della Laga (Abruzzo, Itália) e os Pirinéus Centrais (Midi-Pyrenées, França). Para além da Binaural/Nodar, fazem parte da Rede Tramontana as seguintes organizações culturais: Nosauts de Bigòrra, Numériculture Gascogne e Eth Ostau Comengés (todas de França), Bambun, La Leggera e LEM Italia (todas de Itália).

Ligação para o sítio Internet da Rede Tramontana:tramontana

http://www.re-tramontana.org

• Luís Costa (Coordenador/Coordinator)

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Gazeta da Beira organiza debate que procura perceber qual o futuro da Europa

Que Europa para termos futuro?

• Patrícia Fernandes

p29_europaA Gazeta da Beira vai promover um debate, no próximo dia 25 de Janeiro, a realizar no cineteatro de S. Pedro do Sul, pelas 15h, o qual, procurará reflectir sobre o futuro da Europa. Carlos Carvalhas, econonomista e ex secretário-geral do PCP, Amadeu Carvalho Homem, professor catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e José Manuel Pureza, professor de Relações Internacionais, na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, aceitaram o desafio e vão dar o seu contributo para explanar esta temática tão importante e que a todos diz respeito.

A Europa assume na actualidade um papel fulcral nas nossas vidas. Hoje em dia, somos também cidadãos europeus. Esta é, contudo, uma realidade alheia à maioria, relembre-se que as eleições europeias são as que registam a maior abstenção.

As eleições para o Parlamento Europeu são já para o ano e há muito em jogo, é preciso despertar consciências. Importa reverter este cenário marcado pelo desinteresse nesta União Europeia, importa dar a conhecer a Europa aos europeus, que são todos os portugueses, que somos todos nós.

Perante este cenário actual, em que, mais do que por portugueses somos governados por europeus, importa repensar políticas e descortinar soluções. São muitas as perguntas que se impõem: Que Europa queremos para o futuro? Que Europa precisamos? O que é que tem que mudar?

Ciente da importância que este tema tem na actualidade, ciente que o debate saudável é vital para uma sociedade instruída, capaz de criar as bases sólidas fundamentais para que possamos exercer o papel de cidadãos a Gazeta da Beira lança esta desafio aos nossos leitores e a todos cidadãos em geral. Contamos com a vossa presença e com a vossa participação. A nossa prioridade é dar resposta as vossas dúvidas, preocupações e interesses pelo que, aguardamos também pelas vossas perguntas, as quais pedíamos o favor de nos fazer chegar a partir do seguinte email: gazetadabeira@sapo.pt. Só assim, conseguiremos uma iniciativa plena. Contamos convosco, esta iniciativa é vossa!

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Órgão de Tubos da Igreja do Convento

• António Alexandrino

Orgao-IgrejaConvento_DSCN6634Muito provavelmente só umas tantas pessoas saberão que a Igreja de S. José do Convento Franciscano, de São Pedro do Sul, tem um antigo e belo órgão de tubos.

“Uma relíquia”, de “valor incalculável”, segundo o apreço de quem entende do assunto. Foi construído pelo organeiro António Xavier Machado e Cerveira, o mais notável fabricante de órgãos português e o que mais trabalho produziu (105 órgãos, dos quais este é o nº 17). Datando da segunda metade do séc. XVIII (1788), este é um instrumento com 225 anos.

Segundo o Prof. Pedro Dias, do Instituto da História de Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, as suas características mais evidentes são: «o estilo concheado que se usou em Portugal, a partir de D. José I e compostos por madeiras correntes marmoreadas a vermelho, verde e azul e talhas douradas; a mísula, de perfil triangular com anjos na base e balcão com painéis de madeiras comuns, seguindo-se os corpos das tubagens de chumbo; a parte alta, de linhas quebradas, é coroada com urnas, dois anjos e uma alegoria à música; possui ainda rendilhados de talha dourada, sendo as madeiras marmoreadas em azuis, verdes e vermelho».

Na tampa protectora do teclado pode ler-se: «ESTA OBRA MANDOU DOURAR O EX.mo S.r D. F.r JOZE DO MENINO JEZUS BISPO DE VIZEU. ANNO 1789».

Órgão de ‘tipo ibérico’, possui cerca de 500 tubos. O teclado (a consola) vai de Dó (C1) a Ré (C5). Dispõe de 7 registos para cada uma das mãos; pedal de tambor; pedais auxiliares para abrir e/ou fechar cheios/palhetas.

Depois de mais de 30 anos calado, foi alvo de restauro, na década de 90 do século passado, a expensas e por iniciativa do executivo municipal, então presidido pelo Dr. Bandeira Pinho. Tendo o trabalho de recuperação sido da responsabilidade do organeiro António Simões, de Ansião (Leiria), foi inaugurado em 24 de Novembro de 1996, em concerto, a cargo do organista Rui Paiva. Necessita já de nova intervenção, ainda que não complexa.

Afinal, quem foi Machado e Cerveira? Nascido em Setembro de 1756, em Tamengos de Anadia, faleceu em Caxias, em 1828. Era irmão do famoso escultor Machado de Castro, pela parte do pai, Manuel Machado Teixeira, também ele grande organeiro e escultor em madeira.

Machado e Cerveira é autor do órgão da Igreja dos Mártires, em Lisboa, o seu primeiro órgão, que ainda existe e em perfeito estado. Foi incumbido de construir quase todos os órgãos das igrejas reedificadas depois do terramoto de 1755, quer em Lisboa, quer em terras vizinhas. Fabricou outros desses instrumentos para outras igrejas de vários pontos do país, inclusive, para o Brasil. Alguns são de grande porte.

Os órgãos produzidos por António Xavier Machado e Cerveira são famosos por uma sonoridade brilhante e por um toque de carácter ornamental, visto ser também um notável escultor em madeira.

 

Em São Pedro do Sul celebrou-se o Natal

Concerto de Natal na Igreja de São José do Convento Franciscano de São Pedro do Sul

No passado dia 21 de Dezembro realizou-se um Concerto de Natal na Igreja de São José do Convento Franciscano de São Pedro do Sul, organizado pela Câmara Municipal de São Pedro do Sul.

O concerto, divido em duas partes, contou com a participação do grupo Alafum e do grupo Vozes de Manhouce com Isabel Silvestre e António Alexandrino.

Na primeira parte o Alafum apresentou música tradicional com vozes e diversidade instrumental.

Na última intervenção do Alafum houve a integração de um grupo de pessoas da Universidade Sénior de São pedro do Sul que conjuntamente apresentaram uma cantiga da tradição natalícia – Ó Rosita!

A segunda parte abriu com António Alexandrino, interpretando, ao órgão de tubos, a peça Prelúdio e Fuga de J. C. Simon, alemão, compositor organista do século XVIII, contemporâneo de Bach.

Segui-se a participação de Vozes de Manhouce com Isabel Silvestre e António Alexandrino.

Do reportório de Manhouce fizeram parte peças da polifonia tradicional, Lopes Graça (Acordai!, canção nº 1 das Heróicas) e outras músicas alusivas ao Natal tendo terminado com a Miraculosa.

Este evento integrou-se num vasto programa natalício promovido pelo município sampedrense que contou com Animação de Rua entre os dias 20 a 23 de Dezembro pelos alunos da Universidade Sénior de São pedo do Sul, pelo Rancho Folclórico as Lavradeiras de Negrelos, grupo de danças e cantares de Norte a Sul A Tileira, Associação Desportiva e Cultural de lourosa, rancho da freguesia de Serrazes, Rancho Folclórico de Pindelo dos Milagres; a Chegada do Pai Natal à Praça do balneário rainha D. Amélia; Teatro e cantares de Natal. No próximo dia 28 teremos a I Corrida de São Silvestre, Cantares Populares e no dia 31 Festa de Passagem de Ano, com entrada livre, na Praça do Município com o Grupo Musical “Jorge Manuel”.

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