A. Moniz Palme (Ed. 732)

O Triste Numero final, marcado pelo não cumprimento das Regras da Ordem – Segunda Parte

Edição 732 (25/01/2018)

O Triste Numero final, marcado pelo não cumprimento das Regras da Ordem – Segunda Parte

Não ficaria completa esta pequena resenha histórica, senão falássemos dos principais Grão-Mestres, principalmente dos que eram de nacionalidade portuguesa e bem portuguesa, bem como das tristes razões porque os Cavaleiros de S. João deixaram de ser pessoas gratas em Malta e perderam o governo da Ilha que até então tinham exercido a contento da população.

Sinto-me obrigado a referir que um dos principais cavaleiros da Ordem de S. João e talvez um dos seus primeiros Grão-Mestres (11º Grão Mestre, eleito em 1202), embora por muito pouco tempo, foi um filho natural de D. Afonso Henriques e de Chamoa Gomes, D. Fernando Afonso, nascido em 1140. Foi Alferes Régio e Comendador Hospitalário de S. João de Alporão de Santarém. Quando regressava de Jerusalém, onde se pensava que tinha ido receber orientações e sido nomeado Grão-Mestre, foi assassinado pelos freires d´Uclés (Ordem de Santiago), em Évora, segundo refere o Livro Velho de Linhagens, não se sabendo qual o motivo de comportamento tão estranho de elementos de uma outra ordem de cavalaria…!.

Os seus restos mortais jazem na Igreja de S. João de Alporão, em Santarém.. Lá existe um significativo epitáfio que assim reza :” Tu mortal, que vens aqui, contempla e chora. Já fui qual és, qual sou serás, ajoelha e ora”.

Ora bem, oficialmente, o primeiro Grão-Mestre da Ordem, foi Raymond de Puy, como já referi. Do ano de  1521 a 1534, foi Grão Mestre Philippe Villier de L´Isle Adam, altura em que a Ordem foi expulsa de Rodes e passou o seu quartel general para a Ilha de Malta. Jean Parisot de La Valellette foi Grão-Mestre de 1557 a 1568, chefiando a Ordem durante o terrível cerco dos otomanos em 1565, isto apesar de já contar 70 anos de idade. Em surtidas feitas fora das muralhas, apanhava militares turcos sitiantes e respondia aos ataques que sofria, disparando os canhões municiados com as cabeças dos inimigos. Levantado o cerco, começou a reconstruir a cidade que actualmente ostenta o seu nome, La Valletta. De 1572 a 1581, foi Grão-Mestre, Jean l´Eveque de la Cassiere, que iniciou a construção de S. João de La Valletta como Igreja Conventual da Ordem. Seguiu-se Alof de Wignacourt, que foi mestre de 1601 a 1622. Teve um notável trabalho na construção de variadíssimas construções militares ao longo da costa. De 1622 a 1623, foi Grão Mestre o português Luís de Vasconcellos que não chegou a aquecer o lugar, atendendo ao pouco tempo que sobreviveu após a sua escolha. Mais tarde, Jean de Lascaris Castellar, desempenhou as funções de Grão-Mestre, de 1636 a 1657, continuando a construção de fortificações e torres de vigia através da Ilha. Os Irmãos espanhóis, Rafhael Cotone, de 1660 a 1663, e Nicolas Cotoner, de 1663 a 1680, foram sucessivamente Grão-Mestres e responsáveis pelas decorações mandadas fazer no interior da Catedral de S. João e pela construção de mais muralhas e de outras fortificações.

De 1722 até 1736, foi Grão-Mestre uma insigne personalidade portuguesa,  António Manuel de Vilhena, considerado uma exepção em relação aos seus antecessores, visto ter se preocupado com as condições sociais da população, tudo tendo feito para melhorar o seu nível de vida, o que lhe granjeou uma grande popularidade. Foi o responsável pela construção de uma nova zona urbana de La Valletta, bem como do sumptuoso Teatro Manuel e do Forte Manuel, no porto de Marxamxett, poderosa fortificação, com o seu nome, que passou a ser utilizada como sede dos cavaleiros. De 1741 a 1773, foi outro português Grão-Mestre da Ordem de Malta, Manuel Pinto da Fonseca, que ficou conhecido pelas suas extravagâncias e hábitos requintados, tornando a corte que o rodeava numa das mais luxuosas da Europa. Foi responsável pela edificação e melhoramento de diversas construções, onde se inclui o Palácio do Grão-Mestre e o Albergue de Castela. Morreu com a provecta idade de 92 anos. A má língua sussurrava que a sua longevidade se devia aos elixires e mezinhas que tomava, preparados pelo seu alquimista privado.

Ferdinand von Hompesch foi Grão Mestre de 1797 a 1799. Revelou-se porém um fraco e sem qualquer capacidade para exercer tão elevado cargo. Perante a pressão de Napoleão e do seu exército, abriu tragicamente as portas de Malta, contrariando a vontade da população e ofendendo gravemente os Estatutos da Ordem, que regiam uma organização supra nacional, não obedecendo politicamente aos ditames de qualquer país. A Ordem em si era um autêntico Estado Soberano. Nela existiam cavaleiros de muitos países e, obviamente, cavaleiros franceses, ingleses e portugueses, na ocasião, naturais dos principais países beligerantes. Assim como a Ordem resistiu aos otomanos, devia ter resistido aos soldados de Napoleão, não traindo o seu espírito de independência e os objectivos da própria Ordem. Resumindo, em 19 de Maio de 1798, a esquadra francesa pretendeu tomar Malta militarmente, nos trâmites do seu conflito com os Ingleses e Portugueses, ameaçando os responsáveis da Ordem de Malta e o seu Grão Mestre, governante da Ilha, com uma ocupação à força. Em vez de resistirem, não permitindo que a tropa francesa desembarcasse, o fraco Grão-Mestre aceitou a invasão sem dar um tiro, perante o protesto da população. Claro que os ingleses, através de uma esquadra chefiada por Nelson, com a promessa da ajuda de uma esquadra portuguesa, não ficaram inactivos, vogando para o Mediterrâneo e derrotando a esquadra francesa em Aboukir. Quando as velas portuguesas apareceram em cena, foi a nossa esquadra incumbida de efectuar o bloqueio da Ilha de Malta. Ainda por cima, a sua população tinha-se revoltado contra os invasores franceses, entrincheirando-se em tudo que era zona fortificada, sendo urgente, por essa razão, socorrer a mesma com armas e munições. A esquadra portuguesa, era chefiada por D. Domingos Xavier de Lima, que tinha casado com a sua sobrinha, Dona Eugénia Maria Xavier Telles de Castro da Gama, 7ª Marquesa de Nisa, passando por essa razão a usar o título de Marquês de Nisa. Para iniciar as hostilidades, mostrando não temer Napoleão, enviou um ultimato de rendição às forças invasoras, proposta essa que foi recusada. Em consequência, o bloqueio português a Malta apertou significativamente. O Marquês de Nisa habilmente estruturou uma estratégia para as suas unidades navais, obtendo o maior êxito no bloqueio iniciado, segundo elementos colhidos no livro “Grandes Batalhas Navais Portuguesas,” do escritor e especialista naval, José António Rodrigues Pereira. As naus Princesa Real, navio de 110 peças, onde estava içado o pavilhão do Marquês de Nisa, e Afonso de Albuquerque, bem como o brulote Incendary, cedido pelos ingleses, permaneceram em frente de La Valletta, aprisionando e afundando todas as embarcações francesas ou de aliados que tentaram aproximar-se da costa maltesa e não permitindo que alguém saísse de Malta. Por outro lado, a nau S. Sebastião, a fragata Benjamim, e a corveta Andorinha postaram-se na ponta sudoeste da Ilha, apoiados pelos brigues Falcão e Gaivota, enquanto a nau Rainha de Portugal percorria toda a costa, isolando o exército francês e tornando-o completamente inoperacional. Entretanto, os tripulantes portugueses, apoiavam ainda as populações locais com o abastecimento de víveres e de munições. Durante a noite, o policiamento era ainda mais rigoroso, a fim de não permitir a saída da fragata francesa La Justice, que se encontrava pronta para zarpar para o largo, carregada com o produto dos roubos cometidos no valioso património da Ordem. Na verdade, durante o bloqueio efectuado pela esquadra do Marquês de Nisa, apenas uma pequena embarcação carregada com víveres conseguiu escapar ao bloqueio. Além do mais, Nisa forneceu aos revoltosos Malteses 15 barris de pólvora, 60 espingardas e 1000 cartuchos e, mais tarde, depois ter aprisionado navios egípcios, ao serviço dos franceses, os seus carregamentos de armas foram entregues à população de Malta. A esquadra portuguesa apresou ainda uma série de embarcações inimigas, preparando as condições para a entrada vitoriosa em Malta do exército inglês e dos tripulantes da armada lusa. Mais tarde Nelson, referindo a actuação e comportamento da esquadra portuguêsa e do seu chefe Marquês de Nisa, em carta enviada ao almirante português declarou “Mui altamente aprovo a vossa meritória conduta no bloqueio da Ilha de Malta e do envio e intimação para capitular ao exército francês”. Claro que a população maltesa, não perdoando a abertura das portas da Ilha a Napoleão, expulsou a Ordem de Malta, passando a ser governada por uma administração local, estranha à Ordem. Enfim, Malta passou a ser um país independente, embora, com o decorrer do tempo, a Ordem de Malta continuasse a ser o emblema mais visível daquele novo país mediterrânico, continuando a ser o centro das atenções dos visitantes de todo o mundo.

Com a extinção das Ordens Religiosas em 1834, foi constituída em 1899, em Portugal, uma Ordem de Beneficência, chamada Assembleia de Cavaleiros Portugueses da Soberana Ordem de Malta.

António Moniz Palme – 2016

 

 

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