Umas fanecas históricas com EFES à mistura
Umas fanecas históricas com EFES à mistura

Desde sempre gostei de participar de reuniões onde se debatiam temas mais ou menos históricos, onde se declama com alma e coração os versos dos poetas portugueses e, ainda por cima, tendo a cobertura do fado castiço.
E foi o que aconteceu numa reunião, da Tertúlia dos Poetas Vivos, organizada desta vez no Porto, na Taverna do Farrapo Velho, na Circunvalação onde, após um simpático e bom jantar, com a casa cheia, houve Poesia, entremeada pelo Fado de Coimbra e uma participação feita pelo investigador José Martins Pereira, sobre um tema, que é muito caro à cidade do Porto, “O Cerco do Porto e a personalidade de D. Pedro IV”.Aproveitando a descrição histórica de circunstâncias tão significativas para a história de Portugal e para a defesa da liberdade constitucional, recordou algumas lendas que por aí gostosamente correm. Na verdade, D. Pedro era verdadeiramente amado pela gente do Porto que com Ele viveu os maus momentos sofridos durante o cerco, apoiando abertamente o Rei Soldado, apesar de saber que estava a jogar na facção mais fraca da infeliz guerra civil. Por esse motivo, abriu generosamente a mão de tudo o que tinha e não tinha para apoiar e alimentar o exército de seu amado Rei, campeão da liberdade. Claro que, no decorrer dos tempos, a colorir os factos históricos cada um, na sua perspectiva e na sua imaginação criativa, acrescentava mais um ponto, contando detalhadamente circunstâncias a que assistiu apenas de raspão ou que ouviu contar ao vizinho do lado. Assim, as lendas nasceram aos molhos, sempre recordadas pelos tripeiros, esquecidos das agruras passadas, pela fome e pelas doenças sofridas pelos seus antepassados, assediados pelas tropas absolutistas.
Qual o motivo deste apontamento, perguntar-me-ão!. Vieram então à baila, vários factos inesquecíveis, desde a doação do coração de D. Pedro à cidade do Porto, à doação de uma importante Biblioteca à Associação Comercial Portuense, às novas armas heráldicas que galardoaram a cidade, à romântica carga de cavalaria, feita por Saldanha e pelo seu amigo Barão de Palme, apenas com doze cavaleiros, contra um enorme exército que, apanhado de surpresa, os deixou passar da Foz para o Porto, sem um tiro, pois os corcundas, assim eram chamados os soldados absolutista, pensavam que atrás daquele escasso número de cavaleiros, vinha na sua peugada o grosso da coluna, decidindo não abrir fogo para não gastar munições. Claro que esperaram sentados pela imaginária força que esperavam e que afinal nunca apareceu, por não existir.!!! Assim se safaram algumas das chefias dos resistentes do Cerco do Porto que, sem as devidas precauções, se isolaram e ultrapassaram inadvertidamente os limites de segurança, caindo na boca do lobo, ficando cercados por um troço numeroso do exército contrário.
E além destes factos, recordou uma série de interessantes lendas, nomeadamente a dos Três Efes. Contudo, as lendas passam a factos históricos quando são testemunhadas por documentos fidedignos ou pelo depoimento de testemunhas credíveis que presenciaram os factos. E, nesse sentido, vou transcrever um pedaço da narrativa do grande historiador José Matoso, no seu “Cerco do Porto, a vitória do Liberalismo e a instabilidade Constitucional”, acrescentado pela prosa do escritor, meu querido amigo, José Archer de Carvalho, no seu livro “Ninguém Acredita”
Pelos meados de 1832, concluídos os preparativos militares nos Açores, onde se refugiaram as elites liberais, após a tomada do poder pelos absolutistas, no Continente, partiu uma expedição em direcção ao Norte de Portugal, constituída por 8 000 Homens embarcados em 50 navios, sob o comando do Almirante Inglês Rose Sartorius. A esta esquadra reuniu-se a fragata “Rainha de Portugal” em que viajava D. Pedro. O desembarque processou-se a 8 de Julho, um pouco ao Norte do Porto, perto do Mindelo, na Praia de Arnosa de Pampolido. Mais tarde, para comemorar este acontecimento, foi ali mandado erigir um monumento votivo, conhecido pela “Memória” : Quaisquer que fossem as razões do comando das hostes miguelistas estacionadas na área, chefiadas pelo Visconde de Santa Marta, o certo é que a operação de desembarque se desenrolou sem qualquer resistência por parte do inimigo, que apressadamente, à vista da esquadra liberal, tinha abandonado a cidade do Porto. Ora, integrado na expedição liberal, vinha dos Açores um súbdito britânico da Família Tait, ligado à conhecida Casa Tait do Porto, que acabou por se radicar em Portugal, onde deixou descendência, sendo um dos seus netos um grande amigo do escritor José Archer de Carvalho, já referido e que se fosse vivo teria mais de cem anos. Após o desembarque, segundo as crónicas históricas referidas, as forças liberais dividiram-se em quatro grupos para entrar na cidade do Porto. Um grupo entraria pela Foz do Douro, um segundo pela Boavista, um terceiro grupo pelo Campo de Santo Ovídeo, e um quarto grupo pelos lados de Campanhã, reunindo-se todos no Quartel General.
O grupo, que ia entrar pela Boavista, sabendo que no Porto, nem os cães nem os gatos escapavam à faca e ao garfo dos habitantes, resolveram fazer um pequeno desvio para Norte, até uma praia de pescadores, chamada Angeiras, para tentarem comer alguma coisa que se visse, pois a fome era muita. O súbdito britânico Tait fazia parte desse grupo de esfomeados, cujos chefes sabiam bem que para os seus subordinados entrar em combate teriam que estar minimamente bebidos e comidos. Depararam então com uma modestíssima tenda, onde uma mulher de saia rodada, chinelas a bater, lenço cruzado na cabeça e mangas arregaçadas, fritava fanecas num grande fogareiro. Quando viu aquela clientela, fardada e armada perguntou logo ao que vinham e o que desejavam comer, esclarecendo que havia vinho verde e fanecas de três F.F.F. Perante as dúvidas acerca da qualidade das fanecas oferecidas, perguntaram à dona da tenda como eram as fanecas com tanto F. Esta, muito simplesmente e com um ar de gozo pela ignorância daqueles comensais ilustres, esclareceu que eram FANECAS, FRESCAS e FRITAS.A tropa ficou entusiasmada e logo se sentou ás improvisadas mesas onde se banqueteou com fanequinhas fritas e com uns retemperadores copos de bom vinho verde. Acabados de comer e beber à tripa forra, o responsável pelo pagamento da conta, um dos generais da expedição e não o próprio Rei D. Pedro, como diz a lenda, perguntou quanto era e explicou que pagaria a conta com quatro F.F.F.F. A mulherzinha ficou aflita com a resposta, deitou-lhe um ar de poucos amigos, firmou a mão nas ancas e em ar de desafio ripostou- “Troque lá isso por miúdos, que é que vossemecê quer dizer?” A resposta foi rápida, “Quer dizer FANECAS; FRESCAS; FRITAS E FIADAS” Após uma troca de palavras pouco ortodoxas, onde o palavreado livre do Porto deve ter acrescentado à frase dos quatro EFES, mais uns tantos EFES, que se não podem aqui repetir, por decoro óbvio, foi feita uma explicação de quem eram os caloteiros, apreciadores de fanecas fiadas e ao que vinham!!!. Segundo refere a lenda, D. Pedro, no dia seguinte, foi a cavalo pessoalmente pagar a conta com uma moeda de ouro, sendo o avantajado troco dado para o enxoval da empregada da tenda que matou a fome e a sede aos militares liberais e tratou diplomaticamente do negócio dos três F.F.F !!!..
Os que escaparam com vida aos inúmeros combates acontecidos, passado uns tempos, incluindo o meu trisavô segundo reza o historial familiar, foram festejar a Angeiras a victória liberal, deleitando-se mais uma vez com um prato que desta vez não tinha quatro F.F.F.F.!!!
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