Antonio Moniz Palme (Ed. 738)

Os juízes, a maledicência e as maleitas que os afectam

Os juízes, a maledicência e as maleitas que os afectam – 1ª parte

A seriedade que sempre foi atribuída aos juízes e à magistratura como um todo tem andado, lamentavelmente, pelas ruas da amargura. Diz a má língua de gerações sucessivas que os magistrados não fazem justiça honesta, recebendo prebendas de quem as pode oferecer. Mas essas situações, ao longo dos tempos, eram raras e, muitas vezes, talvez temas hiperbolizados para manter o interesse de tragédias e romances de cordel. Todos se lembram das críticas de Gil Vicente, o Pai Português do Teatro e que, nos seus temas satíricos e moralistas, criticava os desonestos, onde se incluíam os maus magistrados. Arranjava exemplos clamorosos de encarregados da administração da justiça, que não cumpriam as suas obrigações de imparcialidade e seriedade, para exemplo das populações. Tais maus magistrados eram zurzidos violentamente, no palco e nos autos, pelos autores das obras exibidas, para exemplo e gáudio do Povo. Era assim mesmo!!! Quem não se lembra do Auto da Barca do Inferno e de algumas farsas onde aparecia, para exemplo, um mau juiz peitado e subornado por uma das partes…! Mas, tirando esses rasgos literários, a Justiça sempre seguiu bem de saúde. Os Juízes de Fora e os Juízes Brancos de outrora equilibravam os conflitos locais e a relações de vizinhança em crise. A magistratura conseguia meter na ordem os interesses ilegítimos dos que não respeitavam a lei, tendo sempre nas suas costas o escudo do Poder Real. Claro que, de quando em vez lá, havia casos clamorosos, mas que eram excepções, razão porque serviam de exemplo lapidar para as consciências da colectividade. Quem não se lembra da célebre pergunta: “Quem matou o Juiz de Fora?”. E a resposta respectiva : – “Foi Mortágua”, esclarecimento que irritava os naturais daquela bonita terra da Beira que se sentiam mortalmente ofendidos com aquela triste alusão a um crime colectivo por si cometido. Claro que o desgosto e a ofensa já passou, bem lavada pelo tempo e pela curtíssima memória da comunidade. Agora até existe ou existia uma elegante pastelaria em Mortágua, onde tive a oportunidade de ir, que se chamava”Juiz de Fora”.Já agora explico que, na realidade, num dia 24 de Novembro do ano de 1365, o juiz de fora, João Menga, tomou tão injustas decisões em relação a gente inocente, que a população inteira de Mortágua se levantou revoltada e o procurou, perseguiu e justiçou, nas fragas do Rio Cris, para onde atiraram o cadáver que seguiu o seu ínvio destino na correnteza das águas revoltas. Caso este esporádico e sem precedentes, ninguém tendo sido acusado do crime, pois foi uma população inteira que o cometeu, senão física, pelo menos moralmente. Ninguém se acusou individualmente e ninguém foi acusado de acção tão grave – um assassinato cometido na pessoa de um juiz. E por essa razão, ficou na história judiciária portuguesa que Mortágua matou o Juiz, cometendo um acto infame, pois então!!!. Mas esta excepção não deslustra a actuação impecável dos intérpretes do poder judicial, através da história. Já sei que os meus leitores estão a pensar nos juízes que condenaram os Távoras e nos juízes de alguns tribunais políticos especiais. Pois é, mas aí aparece uma doença terrível que é a mistura à força do Poder Judicial com o Poder Executivo. Na verdade, para haver possibilidade da existência de uma Democracia, os três poderes explanados por Montesquieu, Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judicial têm que estar inteiramente separados, isto é, independentes entre si. Benjamim Constant, um iminente político de há dois séculos, acrescentou a esses três poderes, um quarto, o Poder Moderador, no qual o rei constituía um elemento de equilíbrio, pois lhe era atribuída a competência de preservar e de garantir a liberdade dos três poderes, a sua plena independência entre si. Ora, nesses tribunais especiais, caso do julgamento dos Távoras, o poder judicial estava dependente do Marquês de Pombal, que constituiu um tribunal com a finalidade não de julgar os Távoras, mas sim de os condenar à morte, quer houvesse quer não houvesse provas que sustentassem a sentença infame proferida, como ficou mais tarde sobejamente provado. Mas estes casos excepcionais não são a regra geral.

Na verdade, sempre tivemos juízes sérios, mal pagos, a viverem modestamente com as suas famílias, por vezes em casas do estado, e respeitados por toda a colectividade onde estavam integrados. Essa é a verdade nua e crua. Recordo com saudade de alguns juízes de Lafões, tanto de Oliveira de Frades, como de Vouzela e de S. Pedro do Sul, gente simples, culta, séria e de uma modéstia sem par, que se impunham pela sua simpatia e espírito de compreensão, pela sua sensatez e cultura, conversando abertamente com a população, convivendo no café da terra e até andando vestidos de forma muito peculiar.” Deve ser um juiz”, observava um cidadão natural da terra, quando chegava alguém de fora com vestes graves que, na sua perspectiva, lembravam um magistrado judicial. Estava indumentado com uma farpela feita naturalmente num alfaiate local e sem luxos. Recordo, entre muito outros, o distinto juiz Marques Vidal, que depois foi director da Polícia Judiciária e que dava trela até aos estudantes de S. Pedro, sentando-os à sua mesa e mantendo com eles conversas sobre os mais diversos assuntos. Conviviam, para poder auscultar o sentir da localidade, único modo de praticar boa justiça, quando necessário era. Recordo tais magistrados, respeitosamente e de chapéu na mão…

Mas o problema actual não reside, igualmente, numa meia dúzia de magistrados corruptos que existem e que têm sido apanhados nas curvas das suas desonestas habilidades, Não vale a pena dizer nomes, pois de todos são conhecidos. Aparecem, por outro lado, magistrados que confundem as suas funções num órgão de soberania com o cumprimento de determinações de carácter partidário ou dadas abusivamente por seitas, procurando impedir que juízes, seus colegas, independentes e competentes, sejam promovidos a um escalão superior e, concomitantemente, protegendo autênticos crápulas, assaltantes de colarinho branco do erário público e que aproveitaram os lugares políticos que ocupam para explorar o Povo Português e enriquecer sem justificação visível.

Mas não são esses casos isolados que enegrecem a actuação do Poder Judicial, pois a grande maioria dos magistrados tem reagido a gente desse jaez, procurando defender os interesses da população. O mal é bem outro como veremos….!

António Moniz Palme – 2018

 


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