Amêijoas à portuguesa fora de portas - 2ª parte
Amêijoas à portuguesa fora de portas – 2ª parte
Após percorrer as florestas misteriosas das sequóias de dezenas de metros de altura e de milhares de anos de idade, o repouso das praias calmas de brancos e limpos areais e dos amplos horizontes animados com a passagem das baleias, fizeram-me permanentemente parar para bem saborear a magnificência do panorama que ia descortinando em cada curva do caminho. O silêncio apenas é cortado pelos chamamentos dos leões marinhos que, acantonados em rochedos e deitados em bancos de areia a poucas dezenas de metros da praia, têm as suas conversas ruidosas em família, chamando a atenção de quem passa para os seus característicos bigodes e para as suas espapaçadas figuras. Mas o que mais me encantou não foi a beleza paradisíaca da paisagem, foi sim o rasto permanente e bem visível, por tudo o que é sítio, da colonização e da obra de portugueses.
Até existe uma Irmandade do Espírito Santo, tão ao gosto açoriano, no longínquo Fort Bragg, com a sua areia constituída por vidro polido que ali outrora era vazado como lixo e que agora constitui património estadual, não podendo ser retirada para qualquer finalidade. Na verdade, a areia tem um aspecto brilhante que confere àquela lindíssima praia um aspecto esotérico. Mais à frente, “Cabrillo Point” e o seu farol, autêntica construção de casa de bonecas, rodeado por uma zona de parques lindíssimos, com veados, águias, chacais e pumas. Logo topamos com a castiça Praia dos Portugueses, cuja placa indicativa tem sempre gente a ser fotografada junto dela e, mais à frente, um restaurante de estrada, em Jenner, perto da foz do “River Russian”, onde entrei com a família por mero acaso. Uma vista esplendorosa e um menu delicioso, onde as “Amêijoas à Portuguesa“ ocupavam lugar principal. Bem me tramei quando pedi vinho português, mas “noblesse oblige” e, embora me tivesse arriscado a ficar bem depenado, tinha que completar o doce cenário e a boa mesa com um vinhozinho da nossa pátria, olaré…! Pobrete, mas alegrete, como se diz nas minhas bandas. Por curiosidade, revelarei que o restaurante se chama “River´s End Restaurante Inn”e está situado no caminho de Mendocino para Bodega Bay, tendo sido considerado, em 2013, um dos melhores restaurantes da Califórnia.
Já agora não posso deixar de referir uma pequena cidade, junto ao mar, que é uma autêntica jóia e que respira portuguesismo por todos os poros. Chama-se Mendocino, com as ruas paralelas, como em Espinho, localidade onde foi filmada a serie “Crime-disse Ela”, com a famosa actriz e produtora Ângela Lambesbury, a interpretar o papel de Jessica Fletcher, uma escritora que dá uma mãozinha à investigação criminal. Aqui, igualmente, a influência dos pescadores açorianos, com a sua alma grande, marcou para sempre a localidade.
Aí, como em todo o Estado da Califórnia, as grandes superfícies não estão dentro das localidades. Apenas o comércio tradicional ali assenta arraiais, juntamente com restaurantes, bares, hotéis, antiquários, farmácias, o pequeno comércio, cabeleireiros e pedicuros, actividade esta que não é oriunda do portuguesinho que emigrou, mas do contingente asiático que lá emparceira com lusitanos e hispânicos. E sem darmos conta, estamos a ouvir falar a nossa língua. Um homem com os característicos traços fisionómicos da nossa terra olhava para mim insistentemente, a tentar ouvir o que eu dizia e, claro está, acabou por meter conversa dizendo “Bom Dia”, embora estivéssemos já no crepúsculo da tarde. Claro que fiz grande festa àquela explosão de portuguesismo. Era um descendente de portugueses que de português sabia apenas dizer “Bom Dia “ e pouco mais…, mas a sua alma vibrou por ouvir falar a língua materna. E certamente que a minha pessoa não vibrou menos…!
As cidadezinhas, com as suas igrejas e campanários bem portugueses, têm o nome das várias Nossas Senhoras a quem oramos e dos nossos Santos predilectos, Santo António, S. João e S. Pedro, além de, revelando os seus antepassados açorianos, aparecerem os bonitos e tradicionais Impérios e Irmandades do Espírito Santo em tudo que é aglomerado. Consegui apurar existirem, só na Califórnia, 60 Irmandades do Espírito Santo. É obra…! O Império do Espírito Santo de Fort Bragg, além das funções religiosas, tem uma função lúdica. É transformado, nos dias festivos portugueses, em salão de baile. Nem mais…! E não é só junto à costa. Viajando para o interior, os nomes portugueses aparecem a cada esquina.
• António Moniz Palme
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Redação Gazeta da Beira
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