Manuel Guimarães da Rocha
Manuel Guimarães da Rocha
Homenagem feita pela Câmara Municipal, ao exemplar vivo do querer.
Nem sempre o telefone traz boas notícias, mas desta vez foram mesmo boas. O meu velho amigo Manel Guimarães da Rocha telefonou-me a comunicar que ia ser homenageado pela Câmara Municipal de S. Pedro do Sul e a solicitar que eu fizesse a sua apresentação na sessão autárquica respectiva, tendo em consideração a sua qualidade de sampedrense, de profissional brilhante e de velho e bom amigo.
É escusado dizer aos presentes que conheço o Sr. Dr Manuel Guimarães da Rocha desde que a mim me conheço. Nascemos ambos na linda vila de S. Pedro do Sul, terra cantada por António Correia de Oliveira e desenhada à pena por D. Diogo Reriz. Independentemente desses atributos, é a terra mais bonita do mundo e que transformou os nossos próprios berços, em lugares privilegiados da Natureza. E nem a fronteira virtual, na actual cidade, entre a Vila e a Ponte, dividiu a mesma gratidão ao lugar onde nascemos e crescemos. Na realidade, a geográfica e natural divisão sampedrense entre a Ponte e a Vila, nunca teve o perturbador efeito de Tordesilhas, pois, tanto os oriundos de uma parte como da outra, são apaixonados acrisolados pela terra que os viu nascer, como um todo. Porque não referir o que então nos parecia dividir e que afinal nos unia…. ! A Vila e a Ponte eram e são, quanto a mim, realidades socias um pouco diferentes. Na verdade, a população da Ponte regia-se por valores bem tradicionais, onde a agricultura dominava tudo e todos e onde existia uma férrea vontade de viver melhor e de progredir, defendendo as suas tradições, os seus oragos e os seus vizinhos. Muitos dos seus melhores tinham sido perseguidos após a implantação da Primeira República e outros, mais tarde, cerceados pelo espartilho da Republica do Estado Novo. A nobreza tauromáquica que deu nome a S. Pedro do Sul e a Lafões e, claro está, à Ponte, tinha sido injustamente apagada do mapa. Quem se não lembra dos Casimiros e da sua popularidade tanto em Portugal como em Espanha? Tiveram que se tornar invisíveis em relação ao poder constituído para poderem sobreviver, desaparecendo voluntariamente das bocas do mundo. Tal situação fez renascer, uma vontade social invencível naquela colectividade que, progressivamente, a caracterizou como uma casta diferente dentro da mesma estirpe sampedrense. Os da Ponte é que eram, como tantas vezes ouvi, na minha meninice. Por outro lado, na Vila, a gente acomodou-se facilmente às alterações políticas verificadas, pois nunca foram significativamente molestados pelas vicissitudes das transformações sociais. Aliás, as necessidades das novas administrações, mesmo de sentido diferente, permitiu prosseguirem sem grandes dificuldades e sem prejuízo da sua comodidade, continuando sem qualquer entrave no exercício das carreiras profissionais que já tinham ou beneficiando mesmo das alterações criadas pela exigência dos novos postos de trabalho, aparecidos para satisfazer novas facetas do interesse público. Enfim, a Vila acabou por ser menos incomodada com as várias alterações políticas verificadas, o que permitiu uma fácil aceitação no virar de cada página social. Posso assim falar, pois eu não era nem da Vila nem da Ponte. Residia na fronteira e tanto assim era que, nos desafios de futebol, entre a Vila e a Ponte, jogava pelo lado a que faltava um elemento. Era esse o critério da minha escolha…! Devo dizer que não era grande espada em matéria de bola, razão porque ia ficando para trás na selecção dos integrantes de cada equipe.
Mas esta era a realidade. Sentia o pulsar do querer da gente da Ponte, sempre descontente com tudo e com todos. Aliás, o meu Pai era um Homem com as características de insatisfação do Homem da Ponte, lutando contra a maré, contra o comodismo e mesmo contra o meio social decadente, onde nasceu. Eu segui-lhe as pisadas. Continuo a ser um sentimental sampedrense com o coração repartido pela vila e pela Ponte e com o espírito ávido de aventuras e do desconhecido. O mesmo se passava com o Dr. Manuel da Rocha. Pois é, o meu amigo era certamente um dos melhores produtos acabados da insatisfação que brotava por todos os cantos da Ponte e que constituía uma mola real de progresso, por todos visível e por todos sentida, e até de um certo sentimento rebarbativo nas relações sociais vigentes e na tentativa da alteração de costumes e das práticas sociais que herdámos. Por essa razão, começou a aparecer, perante os seus pares, como um espontâneo líder e como um conselheiro, além de protector dos mais novos, impondo-se através do seu exemplar comportamento e da sua especial cultura. E não se pense que tal conduta era fácil. Não, num mundo materialista e de consumismo desenfreado que nos oprime, para resistir às tentações desviantes, era necessário assumir o estatuto de herói que, perante a erosão provocada pelo comodismo e pela facilidade, constituía o único escudo de protecção dos nossos interesses, não permitindo a subversão dos valores essenciais do pais e da região onde vivemos. E como Ele, Manuel Rocha, os sobreviventes, no panorama actual, são já poucos. São uma espécie de Cid Campeadores, que contra tudo e contra todos, se mantém de pé firme, defendendo a sua Terra e o seu País da corrupção e da vulgaridade. Ora, desde pequeno, recordo o Manel como um chefe nato, com convicções firmes, que não perdendo de vista a realidade em que vivia, não deixava de olhar o futuro, tocado pelo seu espírito de aventura e pelos sonhos, criados pelas histórias náuticas do seu Tio Venâncio. Contudo, teve sempre, ao longo da sua juventude, os pés bem assentes no seu terrunho natal. E foi com essa atitude que embarcou para nova vida no exterior da sua Terra.
Nascido em 28 de Março de 1936, em S. Pedro do Sul, partiu para o Porto, em 1963, onde se licenciou em Medicina. Pouco tempo depois, foi mobilizado para a Guiné, como alferes médico, onde o seu comportamento o fez merecedor da medalha de mérito militar de 3ª classe. Posteriormente, entrando na vida civil, especializou-se em Medicina do Trabalho, pela Ordem dos Médicos. Mas, a sua ânsia de aprendizagem não parava. Partiu para fora do seu país, frequentando um Estágio em Ortopedia Infantil no Hospital de Necker, em Paris e, posteriormente um outro, no Hospital Ortopédico de Berk-Plage. Já em Lisboa , tirou o Curso de Hidrologia Médica na Universidade da capital.
E apesar do apelo constante da sua Terra, onde ia passar as férias e matar saudades da família e das amizades, continuou a sua diáspora, única maneira de poder influenciar as possíveis e desejadas alterações no seu pátrio lar, com que tinha sonhado durante toda a sua juventude. Após ter sido admitido em 1967, por Concurso Público, como interno dos Hospitais Civis de Lisboa, tirou a Especialidade de Ortopedia, em 1973, tendo sido aprovado com um Muito Bom com Distinção e Louvor e considerado, em 1977, Especialista dos Quadro dos H.C.L.. Aceitou então a presidência do Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Lisboa, pois tinha obtido a concessão do certificado de competência em gestão, conferido pelo Conselho Nacional Executivo da Ordem dos Médicos. Foi Director do Serviço de Ortopedia dos Hospitais Civis de Lisboa, assumindo, em 1994, a presidência do seu Colégio de Ortopedia. Concomitantemente, desde 1991, foi Director da Unidade de Urgência do Hospital C. de S. José.
Convém não esquecer que foi responsável, em 1992, pela criação da primeira e única unidade de “Trauma Room”, no Serviço de Urgência do H.C. de S. José e da Unidade de Tratamento das Lesões Vertebro-modulares do mesmo Hospital Civil.
E a gente da província, convém relembrar, sempre necessitou da existência, nos centros de decisão, de conterrâneos influentes que lhes deitassem a mão na desgraça e na doença. E o Manel Rocha lá estava, como bom samaritano, pronto para ajudar e acorrer ao conterrâneo, quer fosse conhecido ou não da sua pessoa ou das suas relações. Uma espécie de anjo protector, como agente lenitivo para as desgraças da saúde e dos males da dor, auferindo publicamente a gratidão e o reconhecimento da gente da sua terra.
Mas, o Manuel Guimarães da Rocha, na sua vertente cultural, nunca deixou de se interessar pela sua terra, não deixando que os que já partiram fossem esquecidos. Os seus artigos e produção literária, tornaram notável a sua actividade de jornalista e de escritor, pois catalogaram para memória futura, lugares, imóveis, pessoas, e acontecimentos que apaixonaram os seus leitores e não vão deixar esquecer a história da sua terra. O seu livro “Regresso Imaginário” foi um sucesso, constituindo um documento essencial para se conhecer a vivência em S. Pedro do Sul, nas últimas décadas.
Mais um pormenor interessante da sua vida. Foi convidado como consultor para o Planeamento e Organização dos Serviços Médicos da Expo-98, bem como foi responsável pela coordenação e respectiva montagem, tendo merecido um justo louvor oficial. E as suas diferentes actividades relacionadas com a medicina não têm fim, desde consultor da empresa que recebeu e implementou o Hospital da Prelada do Porto, até consultor de um dos concorrentes à construção do Hospital S. Januário de Macau. No ensino da medicina, teve um papel importante, pois foi presidente de júris em vários concursos para especialistas de Ortopedia, tanto por nomeação da Ordem dos Médicos como do Ministério da Saúde.
E, claro está, a sua faceta de investigador e de escritor manifestou-se profusamente no campo da medicina, em trabalhos apresentados em Seminários e Congressos, tanto no País como no Estrangeiro.
E é esta personalidade multifacetada, que muito justamente a Câmara Municipal de S. Pedro do Sul se propõe hoje homenagear. O meu velho companheiro de aventuras, Sr. Dr. Manuel Guimarães da Rocha, habituado a trabalhar e a olhar solidariamente para o próximo, seu irmão, continua a retemperar as baterias no saudável ambiente rural da terra onde nasceu, mantendo-se actualizado e jovem de espírito, além de um personalidade fundamental da nossa sociedade.
Ele, na verdade, é um dos melhores de nós e uma marca relevante da nossa geração.
• António Moniz Palme
————————————————————————————————
Mais artigos
Redação Gazeta da Beira
Comentários recentes