• António Moniz de Palme*
Edição 825 (15/04/2022)
Maridos à Portuguesa 1º Parte
Os maridos portugueses, aliás como os pertencentes aos países latinos, têm má fama, para não dizer péssima fama. São uns ditadores, e até se atrevem a bater nas mulheres…! Desde pequeno, quando ouvia histórias de mau relacionamento de casais, nem acreditava no que ia escutando. A Miquinhas da loja tinha um olho negro, pois tinha levado um sopapo à meia volta do bruto do marido. A Aldinha do Olival, aquela santa, tinha um braço todo preto, consequência das pancadas com que o marido a brindou, no regresso de uma visita à taberna do lado. O Dr. Felício, por não gostar do jantar, com um bofetão, partiu um dente à pobre mulher e, por último, a Felicidade do Beco Amarelo, apesar de estar gravidíssima e de ser mãe já de uma caterva de filhos, teve que ser levada ao Hospital, pois estava moída de pancada, após uma altercação com o seu homem, muito mal disposto pelo facto de o seu clube de futebol ter apanhado uma cabazada …. Não compreendia tais episódios familiares e até cheguei a pensar que me estavam a meter umas mentirolas para me impressionarem, na minha inocência de aluno da Escola Primária. Pois, no recreio da aulas e nas brincadeiras de rua com as meninas, não podíamos sequer ter a veleidade de desrespeitar as nossas amigas com brincadeiras mais violentas que lhes pudessem provocar um simples arranhão. Por outro lado, tanto os meus amigos mais velhos como o meu próprio Pai sentenciavam que bater numa mulher era uma tremenda cobardia. Bater, só com uma flor….! Enfim, quando descobri a realidade, fiquei revoltado em nome das mulheres, pois estas eram representadas, no dia a dia, pela imagem da minha Mãe e das outras santas Mulheres da Família. Todavia, cheguei rapidamente à conclusão de que, apesar da má fama do homem lusitano, o verdadeiro chefe da família era o elemento feminino que, indubitavelmente, mandava na casa, administrando o dia a dia e distribuindo, com parcimónia, os tostões do vencimento do marido para fazer face às despesas necessárias do agregado familiar. Na prática, quem manda na casa dos portugueses, é a Mulher…! Essa é que é a verdade. Aliás, é o que vale à sobrevivência de todas as Famílias, mesmo das mais humildes. O marido dá ordens, sobre o acessório mas, no fundamental, é a mulher que tem a última palavra, fazendo vista grossa às toleimas do marido e actuando do modo mais sensato para os interesses da Família.
Recordo uma passagem significativa, passada no Regimento de Cavalaria 6 do Porto, onde em determinado Domingo estava de serviço, isto é, estava de Oficial de Dia, tendo que permanecer nas instalações militares todo o dia, inclusivamente lá pernoitando. Já no princípio da noite, encontrava-me numa varanda da Sala de Oficiais, existente na fachada do edifício que dava para a Rua Serpa Pinto, artéria que tinha imenso trânsito tanto de automóveis como de pessoas a pé. A certa altura, visivelmente a cambalear, apareceu um domingueiro que aparentava ter entrado nos copos à grande e à francesa. Apareceu uma mulher, que pelos vistos era seu conjuge, vinda dos bairros em frente e que o recriminava por ser tão tarde e estar com as crianças á espera dele para a ceia. Claro que levou uma má resposta, uma ordem para estar calada e não o aborrecer. Como a mulher insistisse e o procurasse arrastar atrás de si, recebeu uma data de murros e pontapés, continuando a agressão apesar de já estar caída no chão e a sangrar pelo nariz. Ordenei ao cabo da guarda para, com a ajuda de elementos do plantão, retirar a pobre mulher das mãos daquele energúmeno. Ao mesmo tempo, telefonei para a polícia para vir proteger uma senhora que estava a ser seviciada pelo indecente marido. Apareceu um agente de autoridade, com um ar imponente, e deu ordens ao mau marido para se por na alheta e acompanhar a respectiva esposa. Como não fosse obedecido, pegou o fulano, por um braço, para o tentar fazer seguir caminho. A estratégia deu mau resultado, pois o bêbado, como tivesse público a assistir ao escândalo, desatou aos pontapés e aos socos ao agente da autoridade. Claro que as agressões a uma autoridade que apenas estava a cumprir o seu dever, obrigou o agente a uma resposta especial. O polícia pregou ao autor daquele mau comportamento, para impor a ordem, uma bofetada para o tentar acalmar…. O que foi fazer o pobre polícia. A mulher e umas vizinhas da mesma, entretanto aparecidas, rodearam o agente e começaram a zurzir o pobre cívico com insultos e punhadas. Claro que dei ordens para os elementos da guarda tornarem a sair e libertarem o agente da autoridade daquela alcateia de saias, onde se incluía o bêbado, que tinha provocado aquele escândalo público, por agressão ao respectivo conjuge, sem qualquer respeito por quem não é obrigado a assistir aquele tipo de espectáculos. Mas para mim o grande espanto era o que mulher declarava alto e em bom som ao polícia, em tom de protesto, que o marido batia naquilo que lhe pertencia, naquilo que era dele…! Na verdade, pelo conceito vigente, naquele meio, nem a polícia tinha que se meter porque o cidadão em causa apenas batia na sua propriedade, e os militares nada tinham que se meter no assunto. Enfim, tudo serenou com a retirada do pobre polícia, a quem o meu telefonema estragou o fim de um pacífico Domingo.
Já perto da meia-noite, estando postado à mesma varanda da Sala de Oficiais, a apanhar ar, apareceu outra vez o Bebedolas, sozinho, na porta de armas, a mandar vir com todos e com ninguém!!!. Para tentar evitar um novo desacato público, mandei abrir o portão e com ar pouco amigo perguntei ao fulano o que pretendia e se não lhe tinha chegado sovar a infeliz mulher em público e agredir um polícia que estava a defender os direitos de uma senhora, contra as miseráveis agressões feitas por um mau marido. Uma vergonha! Respondeu-me prontamente que tinha batido naquilo que era propriedade exclusivamente sua e que a mulher já estava habituada aquele tipo de relacionamento. Acrescentou que era a sua esposa que mandava em casa e a quem entregava o dinheiro dos salários, mas tinha que ter absoluto respeito pelo seu Homem, se não…! A polícia não tinha nada que se meter na sua vida. Ainda se fosse a tropa, a que pertenceu e onde andou a cumprir o serviço militar, nada protestaria. Um oficial era para ele um pai que lhe podia cascar à vontade…!. Agora, quanto à Polícia, não podia tolerar que se metessem na sua vida. Eles que fossem implicar com as respectivas patroas…! Enfim, estava tudo dito…!
Fiquei completamente esclarecido. Aprendi que em determinados estratos sociais, a mulher era um simples objecto, sobre quem o marido tinha o velho “Jus Abutere”, isto é, até o direito de destruição, pois era propriedade sua e exclusiva.!!! Apesar de tudo, era Ela que mandava em casa. E esta, hein ?!!!
Mas, na verdade, estas situações de violência e agressão doméstica, que enchem os noticiários, não podem ser toleradas por uma sociedade civilizada e humanista Além do mais, tais cenas tristes não correspondem nem à velha tradição portuguesa, nem ao conceito da propriedade familiar. As mulheres não são objecto da propriedade de ninguém e, se o fossem, seria uma propriedade com uma função predominantemente social, como referem os doutrinadores e os filósofos da Antiguidade. Mas, em relação às relações conjugais na nossa história, convém não ficar por aqui. No próximo artigo, direi mais qualquer coisa, se tiverem paciência para me aturar, pois as coisas não são como parecem.
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