António Moniz de Palme (Ed. 678)

O miserável saque de bens portugueses feito pelas tropas napoleónicas, chefiadas por Junot, e o comportamento corajoso do Poeta e Escritor Vasco Graça Moura - 4ªparte

Faz agora um ano que nos deixou Vasco Graça Moura, que além de escritor e poeta era um político corajoso, competente e sério, como já referi num artigo publicado na Gazeta da Beira, tendo feito inúmeras intervenções em vários fóruns internacionais, principalmente no Parlamento Europeu, na defesa dos interesses portugueses, nomeadamente dos valores culturais nacionais e do nosso património histórico.

Pois bem, através dos tempos, como todos nós temos consciência disso, os exércitos invasores sempre se acharam com o direito de saquear o que podiam no país invadido, não olhando a meios para roubar e transportar para as suas terras de origem os tesouros da infeliz colectividade submetida aos ditames de opressão militar de um governo estrangeiro. Os castelhanos assim procederam por diversas vezes em relação a Portugal. As célebres”e valiosíssimas tapeçarias portuguesas de pastrana figuram nos museus do pais vizinho, nomeadamente em Toledo, como se fossem bens móveis legitimamente adquiridos.

Já agora, explico:- As “Pastranas” são uma espécie de tapetes, uns estofos lavrados ou bordados que revestiam soalhos e, a maior parte das vezes, as paredes de pedra dos castelos medievais ou então eram utilizadas como modo de dividir uma sala de grandes dimensões. Os tecelões da Flandres foram os grandes artista europeus da tapeçaria, talvez sendo continuada a sua arte, em Portugal, mais tarde, pelos artesãos de Arraiolos. O Rei D. Afonso V, após a tomada de Arzila e Tânger, para memória futura dos portugueses, encomendou as quatro célebres tapeçarias pastranas, aos artistas de Tournay, confeccionadas, pensa-se sob desenho do autor dos conhecidos Painéis de S. Vicente, o pintor Nuno Gonçalves. Uma delas, talvez a mais conhecida, representa o desembarque de D. Afonso V em Arzila. Mas voltemos ao que interessa;-ao saque feito às nossas valiosas pastranas que foram levadas para as “Hespanhas”, ilegitimamente, pelo poder usurpador dos Filipes, onde para sempre ficaram.

Com os franceses passou-se o mesmo em todas as invasões por nós sofridas. Todavia, durante a Primeira Invasão Francesa a situação revestiu-se de contornos bem mais graves. Após ultimada a ocupação ilegítima do nosso País, Junot governou Portugal em nome de Napoleão e teve tempo para nos espoliar de tudo quanto há, aproveitando o ensejo para mandar retirar abusivamente de museus e palácios grande quantidades de peças de arte, de móveis, de baixelas de prata e de ouro, de jóias e de livros e documentos raros que pertenciam ao nosso património e que estavam ligados à história portuguesa. Porém, não há mal que sempre dure. E o Marechal Wellesley acabou por desembarcar com os seus homens em Lavos, perto da Figueira da Foz e, com o apoio do exército português, bateu completamente os invasores franceses, no Vimeiro e na Roliça, acabando com as facilidades para a roubalheira organizada do nosso património.

Vendo-se cercado e perdido, Junot propôs aos ingleses um armistício, prometendo fazer embarcar e retirar o exército napoleónico para o seu país. Os ingleses, para poupar homens e material, aceitaram discutir tal armistício. Porém, nas negociações dos seus termos, os portugueses não foram ouvidos nem achados. Como consequência, a Convenção de Sintra, então celebrada, permitiu infamemente que os franceses saíssem de Portugal com armas e bagagens, bem como com todo o dinheiro que tinham roubado e todas as preciosidades que tinham sido ilegitimamente saqueadas ao Património Português. Na altura, houve logo protestos violentos contra os responsáveis ingleses mas, numa situação de inteira dependência da nossa parte pouco mais poderia ter sido feito, a não ser concluir que, no futuro, os ingleses, iriam cometer o mesmo tipo de arbitrariedades e injustiças em relação ao País que tinham vindo ajudar…!

Ora bem, como deputado do Parlamento Europeu, Vasco Graça Moura, tomou conhecimento de que o Ministro Francês da Cultura, tinha formulado um enérgico pedido ao Director Geral da Unesco para que os bens culturais do Iraque, durante a ofensiva americana e inglesa, fossem devidamente preservados e restituídos àquele país, que deles é proprietário legítimo. Assim sendo, e seguindo a linha de pensamento do responsável francês, na sua qualidade de primeiro vice-presidente da Comissão de Cultura, do Parlamento Europeu, escreveu uma circunstanciada carta a tal Ministro, datada de 26 de Março de 2003, aplaudindo a iniciativa francesa, mas recordando que durante a invasão do território soberano português, sob o comando de Junot, apesar de, sem apelo nem agravo, terem sido derrotados, levaram consigo, contra a vontade dos portugueses, numerosas obras de arte e preciosos tesouros, em consequência de pilhagens sem escrúpulos e sem freio, cometidas em nome do governo francês. Assim escreveu Vasco Graça Moura. Ultimando a sua missiva, lamentou que os nossos bens, tão importantes para o património cultural português, nunca tivessem sido entregues a Portugal, seu proprietário legítimo, razão por que, parafraseando a carta desse responsável francês sobre os bens do Iraque, exige que os tesouros culturais, que nos foram subtraídos, sejam prontamente devolvidos a Portugal. “Tendo a honra, -acrescentava Vasco Graça Moura, de convidar o ministro francês a declarar que o governo francês está pronto a tratar dessa devolução…”, sugerindo ainda que, pela via diplomática, seja constituída uma comissão mista franco-portuguesa incumbida de estabelecer a lista desses roubos de guerra e de organizar a sua rápida devolução…Enfim, um tiro certeiro na demagogia e nas roubalheiras feitas oficialmente por um governo francês. Corajoso Vasco Graça Moura. Não há qualquer dúvida…!

Claro que o Governo Francês não respondeu a esta carta, continuando a França a locupletar-se indevidamente com um património que lhe não pertence. Perante esta situação, concluiremos que os franceses seguem o lema hipócrita “ Olha para o que eu digo e não para o que eu faço”, como reza a fábula..

Entretanto, Vasco Graça Moura faleceu, nunca jamais tendo havido uma insistência, mesmo ténue, dessa legítima exigência, pelas nossas politicamente correctas autoridades governamentais. Concluindo :- temos os responsáveis que temos, cujo nível cultural é tão baixo, como alta é a sua incompetência.

António Moniz Palme – 2014

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