Os demónios do Marquês!!!
Edição 737 (12/04/2018)
Os demónios do Marquês!!!
Afinal os Maus da Fita, os Jesuítas, não eram tão maus como os pintavam.
Desde sempre em Portugal, pelo menos desde os tempos do Marquês de Pombal, que os jesuítas vêm sendo acusados injustamente de tudo e de todos os males que vão acontecendo. Enfim, os elementos da Companhia de Jesus, fundada por Santo Inácio de Loyola e confirmada em 1540, pelo Papa Paulo III, entraram na maledicência quotidiana. Claro que essa má fama foi criada no tempo da sua expulsão de Portugal e, inconscientemente, o Povo Português e até os intelectuais, quando alguma coisa corre mal, acusam os pobres jesuítas, que não estão cá para se defender das atoardas com que constantemente os mimoseiam. Foram diabolizados, pela tradição popular, isso não restam dúvidas.
Lembro-me bem, quando brincava com os meus amigos na Praça de S. Pedro do Sul, junto ao Chafariz, vimos descer a rampa vinda do Palácio do Marquês de Reriz, um conhecido casal. Era o Sr. Grão-de-Bico, com o seu característico chapéu de abas direitas, com uma fita de tonalidade fora do vulgar, lembrando a variedade colorida da selva Amazónica, para condizer com a sua pronúncia abrasileirada que lhe ficou de uns anos de estadia no Brasil. Vinha acompanhado da sua santa Patroa, com uma saia até aos pés e sempre muito agarrada ao seu homem. Ele vinha a protestar em voz alta perante a admiração do público, nomeadamente dos motoristas de táxi que ali estacionavam. Foram eles que me explicaram que o Sr. Abade da terra onde o Grão-de-Bico tinha teres e haveres, estando a recolher apoios económicos para acorrer a uma qualquer desgraça, protestou pelo facto de os ricos terem dado tão pouco, ricos esses onde, pelos vistos, se encontrava o Sr. Grão-de-Bico. Este não gostou da recriminação à sua forretice e, após uma catilinária que durou desde a casa do Marquês de Reriz até ao Café Edgard, virado para o Palácio Reriz, levantou revolucionariamente o braço com o punho fechado e gritou bem alto, “Óh Sr. Marquês (muito respeitador), vem cá baixo, pois eles andam cá outra vez”. Após escalpelizado tão estranho brado que incluía o pobre e pacífico artista D. Diogo Reriz, chegámos á conclusão divertida que o queixoso se referia aos jesuítas, pedindo a intervenção para o seu conflituoso caso com o pároco em questão, à pessoa do Marquês de Reriz, pelos vistos, segundo o pensamento do simpático Grão-de-Bico, herdeiro da figura histórica do Marquês de Pombal!!!. Calculam o pagode que foi…! Mas o que é certo é que ainda hoje, no espírito do Povo, os Jesuítas, justa ou injustamente, são os maus da fita…, havendo um culto permanentemente fomentado por algumas correntes anti-religiosas, descendentes das “lojas” do tempo do Marquês de Pombal. Claro que o filme de Martin Scorsese, “Silêncio”, veio revelar os jesuítas ao público numa perspectiva bem diferente. O realizador em questão relata a jornada para o Japão de dois missionários jesuítas, Sebastião Rodrigues e Francisco Garupe, que lá enfrentaram terríveis perseguições religiosas. Os dois jesuítas, no seu itinerário de mártires, não cumpriram as determinações dos seus algozes, estabelecendo-se então um diálogo entre eles e Deus, um jogo de crenças, onde a dúvida se engrandece e a violência tudo envolve, com requintados métodos de tortura e execução. O “Silêncio” ganha forma ao longo da viagem, havendo na produção cinematográfica, um desaparecimento da banda sonora que tanto nos transporta como nos inquieta, nos diálogos do Jesuíta Rodrigues com Deus, como refere, num bem elaborado e significativo comentário, a Srª Prof. Doutora Marta Poiares. O “Silêncio” muito incomodou e fez os intelectuais verem posteriormente os jesuítas de forma bem diferente. Devo esclarecer que os jesuítas tinham entrada na Corte do Celeste Império e os Imperadores Chineses tinham sempre um elemento da Ordem como dignitário, uma espécie de ministro, pois Eles sabiam astronomia, matemática e astrologia e, antecipadamente, previam as datas em que se verificavam os eclipses da Lua e do Sol, fenómenos que muita influência tinha no espírito dos Orientais. E esses jesuítas iam devidamente preparados para enfrentar o Oriente. Os célebres azulejos didácticos com figuras, feitos pelos jesuítas, foram criados para o ensino universitário coimbrão, nas cadeiras de Matemática e Astronomia, bem como modo de ensino noutros países de diferentes Continentes. Esses instrumentos estão agora perfeitamente identificados, bem como as figuras neles representadas, caso das constelações celestes, cometas e representações do sistema solar. Curiosamente, a Biblioteca Católica de Beitang, na China, revelou-nos num seu catálogo, que o Curso Conimbricense produziu às dezenas edições filosóficas sobejamente conhecidas em todos o Mundo, onde se incluía a China que até possuía alguns exemplares. Entre eles, existiam comentários a obras filosóficas de Aristóteles, dizendo respeito concretamente à Lógica, à Filosofia Natural, à Antropologia, à Ética e á própria Metafísica. Lock serviu-se dessas publicações dos jesuítas portugueses, o mesmo acontecendo com Karl Marx, na preparação da sua tese de doutoramento em Filosofia, fazendo citações dessas obras. O Colégio Conimbricense, ou Colégio de Jesus, estava instalado em Coimbra, no que é hoje a Sé Nova, com o seu portal barroco de 1715, bem como no edifício existente ao lado. Quando os jesuítas foram expulsos, a mando do Marquês de Pombal, foram anteriormente cercados nos locais onde estavam, no Colégio de Jesus e das Artes, por gente armada, saindo para o exílio apenas com a roupa que traziam vestida, deixando no local tudo o que lhes pertencia. Tudo o que ficou, foi mandado destruir. Porém uma surpresa estava reservada para esclarecimento futuro. Quando a Sé Nova de Coimbra foi há pouco objecto de obras profundas, por ordem do Cónego Sertório Martins, foi descoberto um acervo documental que permaneceu oculto durante mais de 250 anos, na Igreja do Colégio de Jesus (Sé Nova). O autor da protecção de todos esses documentos foi um jesuíta, António de Vasconcelos, um dos últimos forçados a partir para o exílio. Pouco antes da sua expulsão, conseguiu salvar da destruição um conjunto de documentos que considerava preciosos, na esperança que fossem encontrados mais tarde, passada que fosse a turbulência política da altura. Escondeu uma enorme quantidade de documentos, na actual Sé Nova, no interior de uma das colunas, no lado direito do altar da Coroação e Assunção da Virgem. Na base da coluna, quem procedia ao restauro da mesma foi surpreendido por uma caixa de madeira que continha um pequeno crucifixo de marfim e um saco com um objecto cilíndrico de pano branco com um grosso volume manuscrito e dentro dele um caderno de maior dimensão. Noutra coluna, foi encontrado um códice enrolado contendo um macete de cartas atadas por um cordel e uma bolsa do jesuíta António de Vasconcelos e mais documentos. Na verdade o jovem jesuíta conseguiu vencer a vigilância a que estava sujeito e, naturalmente, durante a noite, levou a acabo a obra de pedreiro necessária para esconder tantos documentos no interior das colunas. É bom ver que o Colégio estava cercado e ocupado por forças militares e proibido qualquer contacto com o exterior. O espólio guardado por António Vasconcelos vai permitir reescrever a História da Companhia de Jesus em Portugal
Independentemente de tal, é bom recordar que as ideias e descobertas de Galileu só chegaram a Portugal com os Jesuítas e o grande filósofo Francisco Suarez, que esteve a dar aulas na Universidade de Coimbra, declarou que a legitimação do mandato dos Reis vem do Povo, só indirectamente de Deus, razão da exigência da Aclamação na Monarquia Tradicional. Resumindo, o Povo aclama o Rei, o Povo destrona o Rei, quando o Rei não serve, pois legitimamente o Povo pode correr o mau chefe. O Marquês de Pombal, fruto do Absolutismo Esclarecido, não devia gostar nada deste tipo de teorias tão progressistas para a época. Afinal, os Jesuítas não eram tão maus como alguns os pintavam…! Mais que não seja, o nosso Papa Francisco é jesuíta. E esta…!
António Moniz Palme – 2018
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