Aurora Simões de Matos

 Edição 752 (20/12/2018)

• Aurora Simões de Matos (Membro da Sociedade Portuguesa de Autores)

A ALDEIA ONDE NASCI – PRESÉPIO NATURAL

 

Em qualquer humilde lar da minha aldeia
em tudo igual aos lares da Galileia
bem podia ter nascido o Salvador…

 

Que melhor canto para um Rei nascer
que este trono de beleza natural
onde o frio do tempo é só calor
tornado chama por força do Amor?

 

Que melhor berço para acolher Jesus
que este chão forradinho de verdura
onde o ar que se respira é fonte pura
e o Sol do Céu resplandece todo Luz?

 

Que Mágicas Montanhas haveria
mais de acordo com o mistério de Maria?
E que Rio mais límpido e profundo
para mirar-se o Príncipe do Mundo?

 

Nesta paisagem de VERDADE NATURAL
quero sempre erguer meu Presépio de Natal…

 

Estamos em Meã, Parada de Ester, Castro Daire, mesmo ao lado da Paiva, o rio benfazejo.

Aqui, onde os campos deveriam verdejar de fartas águas e aloirar de fartas espigas de milho.

Aqui, onde há bem poucas décadas, grupos de vacas pastavam em lameiros tranquilos de erva fresca e os rebanhos saíam para o monte, na mansa pacatez de um quotidiano rotineiro, mas sempre cheio de vida.

Aqui, onde o alvoroço da Feira dos Doze fazia a história mensal das atividades económicas de uma região em que a agricultura e a pastorícia, o artesanato e o pequeno comércio não deixavam ninguém sem trabalho.

Aqui, onde crianças e adultos fervilhavam de buliçoso movimento pelas ruas empedradas ou de terra batida, que se cruzavam em sinuosos declives.

Aqui, onde não havia casas desabitadas e as gentes se tinham acomodado a um viver parco de outras perspetivas que não fossem as da sua tradição, e ainda assim iam construindo alegremente a felicidade possível.

Aqui, onde o caso mudaria de figura quando, a partir das facilidades trazidas pelo alargamento das redes de estradas e de transportes, a eletrificação de toda esta região, a chegada de novas tecnologias de comunicação e o prolongamento da obrigatoriedade escolar, se iniciou a debandada migratória, em busca de melhores condições de vida e de legítimos acessos a patamares de cultura mais elevados.

Toda esta situação agravada por políticas governamentais devastadoras para o mundo rural. E, inevitavelmente, pela crise económica mundial que deixa sempre por baixo os mais fracos e indefesos.

À semelhança de tantos outros lugares, Parada, Meã e outros lugarejos ao derredor já não têm braços que os sustentem por inteiro.Da freguesia onde nasci e cresci, resta uma população cada vez mais diminuída nos números e nas forças. Restam as casas mais ou menos ostensivas, mais ou menos humildes, muitas delas desabitadas. Restam alguns campos cultivados, a meias com tantos outros que foram ficando ao abandono.

Resta uma tradição que urge reavivar.E restam, incólumes, o rio e os montes, orlando as belezas naturais da minha terra.

E que belezas mais verdadeiras, na autenticidade da sua gente rústica e simples, para receber, no seu  humilde seio, o Salvador do mundo, que se fez pobre para que o reconhecêssemos como Irmão?

Por entre este sossego abençoado de Montanhas Mágicas e as águas santas de um Rio Natural, quero sempre erguer meu Presépio de Natal!


 Edição 750 (22/11/2018)

• Aurora Simões de Matos (Membro da Sociedade Portuguesa de Autores)

A minha conversa com o Infante

Visitei o INFANTE D. HENRIQUE, na sua Casa da Ribeira do Porto. Fui recebida à entrada pela histórica Figura, tendo mantido com ela uma longa conversa, quase monólogo. em modo de desabafo.

Não, não lhe falei da política expansionista de Portugal do seu tempo. Que muitos aplaudem e outros tantos criticam. Nem de gente escravizada. Nem do seu jovem irmão D. Fernando, que morreu prisioneiro em Fez, no Norte de África, perante a posição irredutível de D. Henrique e de seu irmão D. Pedro, em não entregarem Ceuta aos seus donos primeiros. Certamente, um espinho no sapato do Navegador. «Águas passadas não movem moinhos» e os tempos eram outros, e a palavra Pátria tinha um peso do tamanho do mundo, e D. Filipa de Lencastre não tinha educado a “Ínclita Geração, Altos Infantes” para a desistência, muito menos para a cobardia. E o Adamastor era conversa fiada que não lhe metia medo. E havia povos a precisarem de ser evangelizados. E etc… etc… etc… bla bla bla…  bla bla…bla…que muitos haveriam de ser os argumentos da ilustre Figura. E a economia, a cultura, a língua e a geografia estavam mesmo a pedir medidas de alargamento! – haveria de dizer-me, sem tibieza na voz.

Não fui ali para lhe falar das Descobertas, nem da Guerra Colonial que se lhes seguiu, cerca de 5 séculos depois, e que grande mossa haveria de deixar na portuguesa gente moça.

O INFANTE É O INFANTE, e o seu lugar na História ninguém lho tira nem põe em causa. Como ninguém porá em causa o patriotismo subjacente a todo o movimento de expansão territorial das diversas potências ultramarinas, naquele tempo. Que fez dos Portugueses os grandes impulsionadores da recuperação de uma Europa em crise, por via dos milhões de pessoas mortas com a peste negra e por via das guerras religiosas. E que tornou Portugal numa grande potência mundial e no primeiro Império de grande amplitude, a nível global. Maneiras de ver a coisa, maneiras diversas de ler a História. Que nessas maneiras haverá sempre discordância da grossa.

Assim sendo, tinha eu encontrado o melhor interlocutor para o meu revoltado desabafo. Vai daí, barafustei:

Senhor Dom Henrique

– Como pode este país tão cheio de referentes heróicos pela sua soberania e engrandecimento, solidariedade e respeito por si próprio, deixar arder incautamente  milhões e milhões em bens, um valor incalculável em vidas humanas, tantas certezas  e tantas esperanças, sem ninguém de boa fé colocar sem medos a mão na consciência individual e colectiva, encontrar o rasto que despoletou o crime e se assumirem as verdadeiras culpas?!

– Como pode este país dormir tranquilo, quando quem tem o dever de olhar pela sua segurança se deixa adormecer, à hora a que assaltantes lhe levam armas e munições, material de guerra, de defesa e segurança, talvez para ser usado em ataques terroristas contra si próprio?! Talvez por desleixo grosseiro que nos envergonha? Talvez por falhas previstas, confirmadas e desvalorizadas por quem subiu ao poleiro e dali não enxerga senão o que lhe convém?! Talvez por, ingenuamente, não se ter ainda reparado que o mundo está em guerra?!

– Como pode este país de grande destaque no futebol mundial, o desporto mais popular de sempre a nível global, aquele que arrasta multidões e envolve orçamentos astronómicos, que faz parte da nossa cultura, que além de ser superiormente considerado na literatura, no cinema, na televisão, na música, desempenha um forte papel na saúde física e psíquica das gentes e na solidariedade entre os povos, como pode este país permitir que alguns dos seus clubes mais prestigiados se tenham entregado ao ódio e à vingança extrema, exibindo na comunicação social para o planeta atónito, o ridículo de e-mails comprometedores de grandes nomes do desporto-rei envolvidos em corrupções, tráfico de influências, branqueamento de capitais, gestos e palavras, vilezas e descalabros… e a denúncia de rezas e bruxarias encomendadas a especialistas portugueses e estrangeiros da magia negra?

Isto, claro, sem nunca ninguém chegar a acordo e  a consenso, quanto a culpados, que os não há, obviamente!!! Como se sentirão Eusébio, Mário Coluna, Peyroteo, Luís Figo, Cristiano Ronaldo?

O INFANTE ouviu, suspirou, colocou a mão em pala sobre o olhar que dava para o rio e se prolongava pelo mar fora, perscrutou as ondas da vida, e respondeu, rouco de pasmo:

– Pobre Portugal… assim não vais longe!!!

E, cobrindo o rosto com as largas abas do inconfundível chapéu, rematou, incrédulo:

– Para não ver misérias!…

JULHO, 2017