António Moniz de Palme (Edição 820)

• António Moniz de Palme*

Edição 820 (27/01/2022)

O Papa Pio XII e as suas atribulações

O Papa, como chefe da Igreja, tem o dever de defender toda Humanidade, nomeadamente o mundo Católico, de quem é o legítimo chefe. E convenhamos que tal matéria é por vezes bem difícil, perante as minorias cristãs, existentes nos países muçulmanos e em países cuja ideologia política é anti-religiosa. Então, podemos bem avaliar os sobressaltos e as dúvidas pungentes que assaltaram, em cada época, os chefes da Cristandade. Pio XII, o italiano Eugénio Pacelli, foi Secretário de Estado de Pio XI, desde 1930, e eleito Papa em 2 de Março de 1939. Antes desta última situação, tinha sido Núncio Apostólico em Munique e, em 1920, Núncio em Berlim. No desempenho dessas funções, preparou uma concordata entre a Santa Sé e o Reich para procurar defender a Igreja e as minorias de qualquer credo, perante as possíveis mudanças de rumo da política nazi em relação aos cristãos e aos judeus. Pois bem, em 1933, os nazis começaram a infringir as disposições que tinham acordado anteriormente nessa Concordata. Claro que a Igreja apenas podia actuar diplomaticamente mas, em 1937, foi publicada, por Pio XI, a Encíclica Mit Brennender Sorge, um violento e duro requisitório contra as teorias neo pagãs do nazismo e contra as descaradas medidas anti- religiosas do Reich . Em relação ao comunismo, o Papa igualmente considerou o bolchevismo uma perigosa ameaça para a Liberdade de todo o Mundo. Mas, claro está, que tal atitude apenas se podia exteriorizar, perante o público, através de mensagens, no plano religioso e espiritual, veiculadas pela sua própria imprensa, não chegando a todo o Mundo, como se mostrava necessário. Mas, tal posicionamento foi ganhando progressiva veemência, motivada pelas crescentes perseguições e descriminações feitas pelos comunistas em relação às várias religiões existentes no seu próprio território e nos territórios dos países que iam invadindo e dominando à força. Isto antes e durante a Segunda Grande Guerra Mundial.

Entre dois perigos iminentes que ameaçavam os crentes e o povo católico, que poderiam fazer os Papas?!!! Os dois males cresciam com violência, nas duas frentes em confronto, retirando a liberdade de pensamento e de crença religiosa ao simples cidadão. E tal situação verificava-se em relação aos Aliados, no sector dominado pelos Soviéticos. Assim, o Papa tinha que condenar ambas as ideologias materialistas, tanto dos nazis como dos comunistas, para tentar acabar com as perseguições que se suspeitava, estarem a ser efectivamente levadas a cabo nos dois lados das trincheiras…! Ainda por cima, com os gastos da beligerância e as despesas extras ocasionadas pela guerra, os meios para socorrer as populações faltavam, pois não havia um tostão que não fosse para ajudar as populações fugidas das suas terras ou perseguidas. Para cúmulo, o Papa não tinha dinheiro para manifestar pronta e permanentemente as suas opiniões e criticar oportunamente a crueldade gratuita exibida contra gente indefesa, não falando já dos horrores e atrocidades da guerra. Os católicos americanos procuravam ajudar monetariamente, mas as remessas recebidas não chegavam para a elaboração da propaganda maciça necessária para combater as duas ideologias que, em diferentes campos, perseguiam os seguidores das diversas religiões, bem como o ser humano, na sua liberdade de ser pensante. Perante as ameaças soviéticas e as brutalidades cometidas por nazis e comunistas, o Papa Pio XII teve a coragem de propor aos diversos beligerantes um acordo de paz  para evitar a continuação da guerra . Entretanto o Vaticano teve conhecimento que os nazis tinham abatido 700 padres por terem criticado a execução pura e simples de doentes mentais e de pessoas com defeitos físicos ou com doenças graves. Perante os protestos do Papa, estrategicamente Hitler mandou suster tal miserável actuação. E no meio destes conflitos de interesses de nazis e de comunistas, pois Estes eram igualmente beligerantes ao lado dos Aliados, o Papa tinha que ter uma cuidadosa actuação, sensata e moderada, para não agravar a situação não só dos elementos da oposição aos diferentes regimes mas, igualmente dos judeus e dos próprios católicos, incluindo os católicos alemães. Como se recordam, na célebre Noite de Cristal, de 9 para 10 de Novembro de 1938, para vingar o assassinato do embaixador Von Rath, por um jovem judeu polaco, foram trucidados dezenas de judeus inocentes, encarcerados cerca de vinte mil e as sinagogas, cerca de duzentas, foram simplesmente incendiadas. Na ocasião, apenas houve um o protesto corajoso do Vigário Geral da Catedral de Santa Edwiges, em Berlim, dizendo publicamente uma oração pelos judeus injustamente deportados e assassinados. Claro que morreu, como um mártir, a caminho de Dachau. E as próprias partes beligerantes referiam que o Vaticano devia procurar evitar a sua ingerência nos assuntos internacionais em conflito para não agravar a situação, proclamando que os crimes cometidos por comunistas e nazis eram muitas vezes descritos com exagero para criticar os países em confronto. Mas, o que até então tinham sido simples suspeitas dos defensores dos estados democráticos e do Papa, tornou-se uma realidade conhecida pela generalidade da comunidade. Na verdade, não havia modo de esconder os hediondos crimes cometidos contra populações indefesas. Tristemente, em 1942, foi determinado o extermínio dos judeus. E se até então o Papa tinha as mãos atadas para criticar os países em combate, não podendo tomar uma posição clara contra o Reich e a Rússia, em desespero, proclamou ao Mundo que a Esperança assentava na vitória da Cultura Cristã. Ainda por cima, os responsáveis pelas criminosas decisões contra a Humanidade, para tentarem atenuar o mal cometido, iam declarando oficialmente que o Vaticano não podia representar as populações dos territórios anexados. Tal era a desculpa para ser dado início à deportação dos judeus de Roma e de Itália, seguindo-se, em 1944, a deportação dos judeus húngaros. Desesperadamente, muitos cristãos de diversas nacionalidades começaram a engendrar planos, autenticamente suicidas, para liquidar individualmente, tanto os nazis como os comunistas, responsáveis locais, pelas matanças. Os alemães logo reagiram, ameaçando que atacariam o Vaticano, que não tinha qualquer exército, como todos sabem. Perante o clamor levantado pelos católicos de todo o mundo, fizeram circular que raptariam o Papa, que não tinha um comportamento neutro.

E embora muitos pensem o contrário, a efectiva neutralidade constituía um inultrapassável obstáculo a qualquer iniciativa para a defesa das populações. Todo o Mundo Livre suspeitava que a Neutralidade era uma faca de dois gumes, pois era sempre agitada, constituindo uma estratégica mordaça, para não permitir uma intervenção mais efectiva do Vaticano. Pobre Pio XII, tão injustiçado foi…

É bom que toda a verdade seja conhecida por todos, como dizia o Cardeal Tisserant, para se poder raciocinar correctamente sobre os acontecimentos

passados.

Faço uma sugestão aos leitores. Vale a pena lerem a obra de Saul Friedlander, sobre Pio XII e o Terceiro Reich

António Moniz Palme –  2022 – Porto

* Advogado

27/01/2022



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