Francisco Sousa Tavares e Sophia Mello Breyner Andersen (1ª parte)
Uma dupla familiar sui generis que marcou a cultura portuguesa – 1ª Parte
Tenho o grato prazer de recordar algumas personalidades que tive a felicidade de conhecer e até de privar, influenciando significativamente a minha maneira de ser e de pensar e, obviamente, contribuindo indelevelmente para a minha formação. Estou a lembrar-me do conhecido casal Sophia Mello Breyner Andersen e Francisco de Sousa Tavares.
Casal perfeito que se completava perfeitamente com as suas diferentes perspectivas do mundo e da idiossincrasia que levava cada um a sentir de forma própria a mesma situação e a diagnosticar talvez de forma não exactamente igual os males que no afligem. Apesar de tal, identificavam-se perfeitamente na mesma fobia contra as injustiças sociais, as perseguições políticas, a não possibilidade de acesso das gentes do interior à educação, bem como à permanente ausência de ajuda técnica ao homem do campo e do mar, nos seus trabalhos agrícolas e na arriscada arte xávega. Como compensação, conviviam e tinham amigos nesses meios profissionais, onde ambos gostavam de se gastar, de respirar e de colher as histórias, as queixas e os lamentos dos mais modestos.
São os dois uma referência marcante da Cultura Portuguesa, cada um à sua maneira singular. Sofia, uma esteta da poesia clássica, transformou tanto a sua prosa como os seus versos em orações sentidas, impregnadas dos valores do Cristianismo, que referia terem vindo dignificar o Homem e constituir o único caminho para a harmonia e a liberdade de todos e de cada um.
Na sua obra, faz transparecer o messianismo e, por que não, no meio das brumas levantadas pelas suas rimas, o Sebastianismo com as quiméricas promessas do Quinto Império. A estética da sua palavra e a riqueza das suas mensagens tornaram-na numa escritora fortemente interventiva, merecedora dos melhores prémios culturais, pois recebeu o Prémio Camões em 1999 e o Prémio Rainha Sofia em 2003. As suas obras são apaixonantes, prendendo a nossa imaginação às suas páginas primorosamente bem escritas. Falo tanto de leitores adultos como de jovens no início das suas experiências intelectuais. Os seus “Contos Exemplares”, “O Cristo Cigano” “A História da Terra e do Mar”, e na ficção infantil “A Fada Oriana” e “A Menina do Mar”, entre muitas outras publicações, tiveram uma importância paradigmática na cultura portuguesa. Os seus livros devem ser lidos por todos sem excepção, pois constituem uma faceta da nossa hodierna maneira de sentir. Esse o motivo por que devem ser divulgados urgentemente em edições populares de fácil acesso.
As suas afirmações políticas, apesar da violência das suas mensagens, transformam-se sempre num bálsamo e numa leveza etérea que nos emociona pela solidariedade e pelo humanismo que transparecem.
Foi Ela deputada na Primeira Assembleia Constituinte, lutando intransigentemente pela defesa da liberdade, da educação e da cultura. Fazendo frente á demagogia tantas vezes reinante no Parlamento, onde decididamente afirmou, em resposta aos que criticavam os seus projectos culturais legislativos pelas consequentes e necessárias despesas:-“A Cultura é cara, a incultura é mais cara ainda e a demagogia é caríssima” ..!.
Igualmente, como escritora e poetisa tomou posição contra o Acordo Ortográfico que foi decidido contra a vontade dos portugueses e que continua a oprimir a Língua Portuguesa de forma infame.
Mas, o seu grito de alma em favor dos mais desfavorecidos vai iluminando o percurso dos que querem transformar radicalmente a vida portuguesa, extirpando a corrupção republicana que nos suga o Sangue e a Alma
“Nada pode apagar,/O concerto dos gritos/O nosso tempo é/Pecado Organizado “
E se Sofia era uma grande escritora e poetisa, não se limitando a simples espectadora da vida política nacional, o seu marido, o advogado Francisco Sousa Tavares, era, igualmente, uma das figuras mais brilhantes que participou na vida política antes e após o 25 de Abril, quer como deputado, quer como jornalista.
Não posso deixar de recordar o modo como os conheci. Na minha infância, muito pequeno ainda, soube quem era um casal que prendia as atenções de todos, na Piscina da Praia da Granja, rodeado de gente que com Eles discutia e o modo desassombrado como expunha as suas ideias aos presentes, sobre os vários dramas que na altura afligiam a colectividade lusa. Entre os amigos mais íntimos eram carinhosamente conhecidos pela “Xixa” Mello Breyner e pelo “Tareco “Sousa Tavares.
Mais tarde, universitário em Coimbra e a dar os primeiros passos na vida política, assisti, em 1961 e 1962 às Semanas de Estudos Doutrinários, onde os monárquicos discutiam os fundamentos das suas soluções para o País e faziam um crítico balanço da vida política portuguesa. Na altura, um grupo de participantes manifestou-se frontalmente contra a situação política de então, sendo o campeão das críticas Francisco Sousa Tavares. Ele era um monárquico vindo das hostes integralistas que, perante o panorama económico, social e político que se vivia, veio iniciar um debate de ideias, no fundo um autêntico e difícil combate, atendendo à conjuntura, expondo o seu pensamento de forma vigorosa e brilhante.
“A Unidade do País é precisa, mas no plano constitucional, onde é possível, e não no plano governamental e administrativo, onde é impossível. É necessário encontrar as regras de jogo que sejam aceites praticamente por todos, seja qual for o seu credo”, dizia peremptoriamente.
Pouco tempo antes tinha dado a lume um projecto de constituição portuguesa, publicação denominada “Combate Desigual”, que logo na tipografia tinha sido apreendido. Mas, como era uso e costume, escapavam sempre muitos exemplares à fieira da censura e acabou por ser suficientemente difundido, incluindo no meio académico coimbrão. Ora, durante as Sessões dos Estudos Doutrinários, apareceram então personalidades que, embora discretamente, apoiaram as teses de Francisco Sousa Tavares. Mas, um numeroso grupo de elementos da academia, não esteve com meias medidas e manifestou-se ruidosamente a favor do projecto político que ali estava a ser apresentado por Sousa Tavares, onde se defendia claramente a democracia. Dentro dos muitos jovens que aderiram às teses de Sousa Tavares, não posso deixar de recordar, entre muitos outros, a figura de José Luís Nunes, que posteriormente foi figura importante no Parlamento, de José Guilherme Almeida Coutinho, Vouzelense falecido muito novo, de Honório Pinto da Costa, irmão do dirigente do F.C. do Porto Pinto da Costa, de José Maria Lacerda e Megre, e de Avelãs Nunes, professor de Direito na Universidade de Coimbra e Reitor da mesma, grupo de que eu fazia parte e que acompanhei com entusiasmo. Ficámos completamente deslumbrados pelo ideário e pelo projecto político de Sousa Tavares, apesar das críticas acesas de que fomos alvo. Era para nós um Mestre e, sempre que o mesmo era convidado para ir a qualquer local fazer uma conferência, lá estavam os seus fieis discípulos. Eramos umas dezenas de monárquicos Independentes que, como seus indefectíveis seguidores, começámos a fazer campanha descarada das doutrinas de Sousa Tavares. Esse grupo, pouco tempo depois, tinha centenas de adeptos só em Coimbra
Igualmente, a sua mulher, a escritora e poetisa Sofia Mello Breyner, foi uma das principais personalidades culturais e políticas do nosso tempo, que tentou sensatamente transformar o posicionamento dos católicos perante o panorama político da altura. Nessa ocasião, acompanhava sempre o marido para todas os locais onde o mesmo fosse fazer conferências com receio que o seu feitio exaltado e o conteúdo das suas prelecções o atirassem para os braços da polícia política, circunstância de que Sousa Tavares não tinha qualquer receio!
Mais tarde, ficou célebre a fotografia de Sousa Tavares, tirada na altura da Revolução de Abril de 1974, quando estava empoleirado numa guarita do Largo do Carmo, de megafone na mão a discursar para a multidão, festejando a entrada da democracia em Portugal
Saiu agora uma publicação dos artigos de Sousa Tavares, na Capital, de 1976 a 1992, com uma introdução do seu filho Miguel Sousa Tavares, bem como prefácios de António Barreto e de Mário Soares, que fica para a história pois os seus artigos reflectem com exactidão os dramas da vida política da altura.
• António Moniz Palme 2014
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Redação Gazeta da Beira
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