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Desenvolvimento Rural a Par e Passo

• Guilherme Lewes (Engenheiro Agrónomo)

Edição 788 (30/07/2020)

O “DIA DA SEMENTE” – PARA QUANDO?

Eu sei que já falámos de sementes há uns tempos atrás. Mas, devido à importância do tema para todos nós, hoje volto à carga, focando outros aspetos interessantes.

A relação entre o homem e a natureza sofreu uma profunda modificação, quando este percebeu a possibilidade da semente multiplicar a planta que lhe deu origem. O comportamento nómada inicial, deslocando-se atrás da caça, foi alterado posteriormente pelo próprio homem, fixando-se em locais por si escolhidos, cultivando os seus alimentos e formando as primeiras comunidades. Consequentemente, a relação semente-planta-sementes teve um papel fundamental no desenvolvimento da agricultura e na história da civilização.

O mundo das sementes é fascinante e de crucial importância para a vida na Terra. Segundo Luiz Labouriau, quando se fala de sementes, devem ter-se em atenção aspetos como a circulação, a conservação, o melhoramento, a identificação, a análise e a certificação, etapas de que já falámos em artigo publicado anteriormente.

 

Desde o aparecimento da agricultura, houve um longo trabalho de melhoramento e de seleção das plantas mais adequadas aos interesses e necessidades do Homem. Um dos maiores centros de coleções vivas de sementes do mundo é o “Instituto Federal de Indústrias de Plantas Nikolai Ivanovitch Vavilov”, de Leningrado, ilustrado na foto seguinte:

Foto 1 – Instituto Federal de Indústrias de Plantas Nikolai Ivanovitch Vavilov

Os Bancos de Sementes são uma forma eficaz de conservar recursos genéticos vegetais a longo prazo: permitem conservar grande quantidade de material, de origem e qualidade controladas, num espaço relativamente reduzido.

 

A título de exemplo, referem-se dois dos mais importantes bancos de sementes, de material vegetativo e genético, de caráter público, existentes em Portugal:

  • o Banco Português de Germoplasma Vegetal[1], localizado em Braga, que acolhe coleções representativas de germoplasma dos mais importantes recursos agrícolas de Portugal Continental e Regiões Autónomas; tutelado pelo Ministério da Agricultura (INIAV), o banco disponibiliza o acesso dos agricultores aos materiais de propagação que lhes permitam a produção diversificada de produtos agrícolas

 

  • Banco de Germoplasma da Universidade de Lisboa, que apresenta várias seções, entre as quais:

 

Banco de DNA de plantas

Banco de Sementes António Luís Belo Correia[2]

Num cenário de 70% de perda de biodiversidade nos últimos 100 anos e com a  necessidade de importarmos cerca de 90% das sementes que utilizamos, o Estado português tem assumido a responsabilidade do desenvolvimento de políticas e de atividades viradas para a conservação, disponibilização e utilização sustentável dos recursos genéticos.

Por seu lado, a FAO trabalha, à escala mundial, em várias áreas, com o objetivo de promover a implementação de uma abordagem integrada para melhorar o acesso dos agricultores a sementes de boa qualidade, abrangendo os setores informais e formais (públicos e privados) de sementes no desenvolvimento de cadeias nacionais de fornecimento de sementes.

É igualmente necessário referir que em Portugal o setor privado desempenha, por seu lado, um importante papel de preservação dos recursos genéticos vegetais, da sua experimentação e da sua disponibilização junto do mercado.

Damos nota, a título de exemplo, de dois casos com características claramente diferentes.

O primeiro, completamente empresarial e virado para o mercado, refere-se à empresa “Sementes Vivas”, sedeada em Idanha-a-Nova.

Empresa “Sementes Vivas”, Idanha-a-Nova

As suas atividades abrangem vários setores, como a produção, o melhoramento, o processamento, o embalamento, a comercialização e o marketing. O seu projeto nuclear assenta na produção, investigação e multiplicação de sementes, em modo biológico e biodinâmico, a partir de variedades tradicionais portuguesas.

 

Em Portugal, a empresa tem parcerias com a Escola Superior Agrária de Coimbra, com a Escola Superior Agrária de Castelo Branco, com o Instituto Politécnico de Bragança, com o ICNF e com o INIAV (Banco de Sementes). O objetivo destas cooperações é estabelecer campos experimentais que desenvolvem sementes biológicas e biodinâmicas de alta qualidade, formando agricultores na multiplicação de sementes biológicas e no melhoramento biológico e biodinâmico das plantas.

 

O segundo caso, direcionado para a investigação agrária e para a vertente educacional da sustentabilidade, é a Quinta Biológica e Pedagógica “Aidos da Vila”, localizada, em Vilarinho do Bairro, no concelho de Anadia, a qual, para além das suas atividades de formação, investigação e demonstração, no domínio da agro-botânica, realizadas em parceria com atores estratégicos do território, sob o lema “Reaproximação do Homem à Natureza”, possui um laboratório onde se encontra um Banco de Sementes e Propágulos muito completo, organizado num excelente Index Seminum et Plantarum, que tem vindo a ser publicado e que reúne cerca de 850 Géneros e Espécies e 150 Famílias de plantas.

Quinta “Aidos da Vila” – Banco de sementes (parte botânica)

A Quinta é propriedade de um empresário com grande experiência em investigação agronómica, em agricultura sustentável e em ações de informação e formação sobre temas agroalimentares destinadas a vários tipos de público.

O proprietário, economista e apicultor, reformado, tem grande paixão pela terra, enquanto suporte alimentar e tem mostrado grande resiliência e estoicidade, pois toda a sua obra em favor da sustentabilidade, onde investiu, sem retorno, todas as suas economias, não tem sido devidamente reconhecida e apoiada pelas amorfas entidades oficiais. Mesmo sem apoios ele permanece na sua senda de ligação da ciência à terra

Este cidadão está na génese de um “movimento” que pretende, em consonância com as entidades públicas e privadas de algum modo ligadas ao universo da semente, o reconhecimento desta como património nacional e mundial, através da promulgação de um Dia Nacional da Semente e de um dia Mundial da Semente, que seriam comemorações pioneiras para dar visibilidade a este património vital para a nossa mesa e para a nossa vida.

“Aidos da Vila” vai estabelecer protocolos com entidades públicas e privadas para conjugar vontades no sentido de se conseguir a celebração destes dias em honra da Semente, na qualidade de fator maior para a preservação do Homem e do Planeta.

Este banco encontra-se organizado num Index Seminum, que conta com sementes de centenas de espécies vegetais e faculta trocas com outros bancos de sementes, como por exemplo, os citados anteriormente e até com entidades homólogas de outros países.

A finalizar diria, porque já visitei “Aidos da Vila”, que a Quinta é uma grande mais-valia para a Região Centro e, embora estupidamente ignorada pelo autismo local, engloba o passado, o presente e o futuro do setor agroalimentar sustentável, direcionado para a formação prática complementar.

 

Para serem utilizadas com garantias de sucesso, as sementes devem ser certificadas. O diploma que regula a certificação de sementes (e a produção, o controlo e a comercialização) é o Decreto-Lei nº 42/2017[3], que estipula que os sistemas de certificação dos materiais de propagação (sementes e propágulos) de espécies agrícolas, destinados à multiplicação e comercialização, têm como pré-requisito a inscrição das respetivas variedades no Catálogo Nacional de Variedades, que é determinante para a qualidade das sementes ou dos propágulos colocados no mercado, aliando também a defesa dos interesses dos seus utilizadores, nomeadamente dos agricultores, com a sustentabilidade da atividade de melhoramento vegetal e da sua propagação.

A nível global existe, o Banco Mundial de Sementes, que é uma estrutura tipo cofre, colocada a 150 metros de profundidade, destinada a guardar sementes e plantas de todo o mundo em segurança, para fazer frente a uma eventual catástrofe natural ou a qualquer conflito nuclear.

Conhecido como a “Nova Arca de Noé”, o Banco Mundial de Sementes[4] situa-se nas ilhas de Svalbard, no Ártico (Noruega). Uma década após a sua inauguração, vai ser alvo de melhorias devido aos danos provocados pelo degelo do Ártico nos últimos anos. O banco tem em depósito 890 mil amostras de sementes de todo o mundo.

Por todos estes aspetos se vê a indesmentível e gigantesca importância da Semente para o sustento da humanidade e para a sustentabilidade do planeta Terra. Se há dias nomeados para tantas coisas inusitadas, porque é que a Semente não merecerá, por maioria de razões, ter também um dia nacional e mundial de celebração?

Estamos em crer que tal acabará por acontecer, face ao que a semente representa para o futuro da humanidade. Tudo depende da proatividade dos agentes envolvidos, ou seja, de cada um de nós!

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[1] / 2 http://www.iniav.pt/menu-de-topo/quem-somos/unidades-de-investigacao-e-servicos/biotecnologia-e-recursos-geneticos/recursos-geneticos-vegetais-plataforma-on-line

 

[2] http://www.mnhn.ul.pt/portal/page?_pageid=418,1391363&_dad=portal&_schema=PORTAL

 

[3] https://dre.pt/application/conteudo/106825053

 

[4] https://www.croptrust.org/our-work/svalbard-global-seed-vault/

 

 


Edição 787 (16/07/2020)

SERVIÇOS DOS ECOSSISTEMAS

Uma dádiva da natureza identificada e utilizada pelo Homem

Sejam bem-vindos aos “Serviços de Ecossistemas”!

Nada mais adequado para começarmos do que esta frase de Charles Darwin: Como são complexas e inesperadas a interação e as relações recíprocas entre os seres vivos que lutam num mesmo espaço… (in: A Origem das Espécies).

Os ecossistemas estão na base de toda a vida e atividade humana. Os bens e serviços que oferecem são fundamentais para a manutenção do bem-estar e para o desenvolvimento económico e social futuros.

Um “ecossistema” é uma combinação complexa e dinâmica de plantas, animais, microrganismos e ambiente natural, que vivem em conjunto como uma unidade e que dependem uns dos outros. Por seu lado, a “Biodiversidade” engloba todas as inúmeras formas de vida resultantes destas parcerias. Alguns ecossistemas são conhecidos, outros são mais exóticos. Um prado é um ecossistema em que os insetos polinizam as flores e as ervas. O gado alimenta-se dessas plantas, e o seu estrume, decomposto pelos organismos existentes no solo, ajuda, por sua vez, a nutrir a terra onde as plantas se desenvolvem. Cada um dos elementos do ciclo depende dos outros para sobreviver.

 

 

Montado, ecossistema agro-silvo-pastoril

Por vezes chamados de “serviços ambientais”, os serviços de ecossistemas são os benefícios que as pessoas e as economias obtêm dos ecossistemas, como a água doce, a madeira, os recursos genéticos, a regulação climática, a proteção contra riscos naturais e contra pragas, o controlo de erosão, o lazer, entre outras.  Os sistemas agrícolas e o meio ambiente apresentam frequentemente uma profunda associação que é simultaneamente simbiótica e dinâmica. Muitos destes processos ecológicos funcionam ao nível regional, numa escala superior à da exploração agrícola.

A ecologia e os ecossistemas foram relançados como paradigma na Conferência do Rio em 1992, onde os problemas ambientais foram discutidos e onde, pela primeira vez, se pediu à comunidade científica para fornecer mais estudos sobre os componentes dos ecossistemas, as espécies, e sobre a forma como elas respondem aos problemas ambientais como a poluição, o aumento da temperatura e a exploração excessiva dos habitats.

Os serviços de ecossistemas, definidos por Costanza no fim do séc. XX (Costanza et al., 1997) são, hoje em dia, um ex libris por serem fundamentais para o Homem. Toda a comunidade científica internacional entende a importância do que significam esses serviços, porque são eles que asseguram os recursos mínimos à sustentabilidade do planeta e da humanidade.

No entanto, na realidade acontece que a perda de biodiversidade está a destruir as funções dos ecossistemas. A biodiversidade, essencial para a sobrevivência dos ecossistemas, está sob pressão, e uma grande parte já desapareceu. A intensificação da agricultura e a urbanização, a poluição, as alterações climáticas, e as espécies alóctones que competem com a flora e fauna autóctones, estão a causar danos nos ecossistemas naturais. Uma vez destruídos, a sua recuperação é dispendiosa e, por vezes, impossível.

 

 

Poluição atmosférica, grande inimigo da biodiversidade

Tipificação dos Serviços de Ecossistemas

Segundo o MEA (Millenium Ecosystem Assessment) e o UK National Ecosystem Assessment (2011) há quatro classes de serviços de ecossistemas:

Suporte, Regulação, Aprovisionamento e Cultural.

A União Europeia adotou em 2012, uma classificação internacional (Common International Classification of Ecosystem Services, CICES), na qual os serviços de suporte se encontram distribuídos pelos serviços de aprovisionamento e de regulação.

Os Serviços de Suporte fornecem a infraestrutura básica da vida. Incluem a produção primária, a energia do sol, a formação do solo e a reciclagem de água e nutrientes nos ecossistemas terrestres e aquáticos.

 

Pedogénese ou formação do solo

Todos os outros Serviços de Ecossistemas – regulação, aprovisionamento e cultural – dependem deles. Os seus impactos no bem-estar humano são indiretos e, quase sempre, de longo prazo: a formação de solos, por exemplo, ocorre ao longo de décadas ou séculos. Os Serviços de Suporte são fortemente inter-relacionados entre si e geralmente sustentados por uma vasta gama de fatores físicos, químicos e suas interações.

Os Serviços de Regulação prestados pelos ecossistemas são extremamente diversificados e incluem os impactos da polinização e regulação de pragas e doenças no fornecimento de bens do ecossistema, como alimentos, combustível e fibra. Outros serviços de regulação, incluindo clima e regulação de catástrofes, podem funcionar como serviços de ecossistemas finais, ou contribuir significativamente para os serviços finais, tais como a qualidade da água doce disponível.

 

Degelo provocado pelas Alterações Climáticas

Tal como acontece com os serviços de suporte, os de regulação estão fortemente ligados uns aos outros. A regulação da qualidade da água, por exemplo, é determinada, primeiro por processos de captação e depois está ligada a outros serviços de regulação como seja o controlo da qualidade do solo e do ar, a regulação climática, e também aos serviços de suporte, por exemplo a reciclagem de nutrientes.

Os serviços de aprovisionamento manifestam-se nos bens que se obtêm dos ecossistemas, como alimentos e fibras, combustível sob a forma de turfa, madeira ou biomassa não-lenhosa, e água de rios, lagos e aquíferos. Os bens podem ser extraídos de ecossistemas agrícolas e sistemas de aquicultura e florestas, ou por meio de captura e de colheita de outros alimentos selvagens, sob a forma de pesca e caça. Os suprimentos de bens do ecossistema são invariavelmente dependentes de muitos serviços de suporte e regulação. Os serviços de aprovisionamento têm sido, historicamente, um dos principais focos da atividade humana e por isso estão estreitamente ligadas aos serviços culturais.

Os serviços culturais têm origem em locais onde os seres humanos interagem uns com os outros e com a natureza, dando origem a bens culturais. Além das suas características naturais, estes estão imbuídos dos resultados das interações entre sociedades, culturas, tecnologias e ecossistemas ao longo de milénios. Compreendem uma enorme variedade de infraestruturas chamadas “verdes” e “azuis”, espaços, tais como jardins, parques, rios e lagos, o litoral e as paisagens mais amplas, incluindo paisagens agrícolas e selvagens. Esses locais oferecem oportunidades para muitos tipos de atividades de lazer.

 

A Cascata do Pulo do Lobo, no Rio Guadiana, Mértola

O bem-estar humano está diretamente ligado ao fluxo de serviços, como seja a saúde pública, os bens mínimos e a segurança alimentar, que são inteiramente influenciados pela biodiversidade presente nos ecossistemas. Esta interligação é fundamental. Neste contexto, a biodiversidade constitui a base do capital natural que, juntamente com o sistema abiótico que a rodeia, determina o fluxo dos bens e serviços que vão influenciar o bem-estar humano.

A preservação dos ecossistemas é um dever ético, bem como uma necessidade prática das gerações atuais e das futuras. A Humanidade tem de entender que é apenas um fio entre muitos na teia da vida e que não podemos continuar a explorar o planeta sem pagar um preço demasiado elevado.

É necessário um conhecimento mais exato para aumentar a nossa compreensão das ligações entre a biodiversidade, os ecossistemas e o bem-estar humano. A proposta de um mecanismo internacional de articulação entre o mundo da ciência e o da política visa reforçar a avaliação e a consultoria científica independentes na elaboração de políticas a nível global em matéria de biodiversidade e de serviços ecossistémicos.

Por fim, apenas uma frase que traduz o abusivo comportamento humano:

Estamos, claramente, a gastar a um ritmo excessivo o capital natural da Terra!

 


Edição 786 (25/06/2020)

RUMO À SUSTENTABILIDADE

Hoje decidi falar um pouco sobre sustentabilidade à escala local. É um tema muito abordado e muito conhecido, tal é a sua relevância para a continuidade do planeta e da sua biodiversidade.

A sustentabilidade é um conceito complexo, pois é função de um conjunto de variáveis interdependentes e integra questões de âmbito social, energético, económico e ambiental.

Ora, se a sustentabilidade tem uma relevância tão decisiva, torna-se crucial saber quantificá-la, criando ferramentas para a sua mensuralidade.

– Foi precisamente isso que fez a Rede CESOP-Local, parceria entre a Católica-CESOP (unidade de investigação do Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica Portuguesa) e Municípios de todo o país, com o objetivo de medir e acompanhar a sustentabilidade ao nível Local, sendo o Índice de Sustentabilidade Municipal (ISM), uma das ferramentas desenvolvidas.

O Projeto “Territórios Sustentáveis”, desenvolvido no quadro desta parceria, apresenta-se como um processo de mediação, partilha e transferência de boas práticas e conhecimentos para o caminho do desenvolvimento sustentável ao nível Local.  Permite acrescentar valor às dinâmicas das comunidades locais, ao disponibilizar informações relevantes de apoio à decisão autárquica, na definição da sua estratégia.

Este Índice, produzido com a colaboração dos Municípios da Rede CESOP-Local, permite a cada concelho do país um diagnóstico do desenvolvimento sustentável no seu território. Tem como ponto de partida, os 17 Objetivos, 169 metas e 244 indicadores da Agenda 2030 da ONU e analisa os indicadores globais com aplicabilidade à realidade local, procurando manter a coerência e o alinhamento entre os vários níveis de análise (global, nacional e local).

 

Rede CESOP – LOCAL

A metodologia utilizada é partilhada internacionalmente através da plataforma “Localizing the SDGS”

em: https://www.localizingthesdgs.org/library/view/536 .

O ISM é uma ferramenta que mede o cumprimento da Agenda 2030 a nível municipal. O ISM é baseado nos 17 ODS, nas 169 metas e nos 244 indicadores propostos pela ONU. Todos os municípios portugueses podem aderir à rede CESOP-Local.

A Edição de 2019, apresenta 113 indicadores ODS 2030 disponíveis para todos os municípios, registando, assim, um aumento significativo face ao ano anterior. Este Índice, divulgado anualmente desde 2018, apresenta este ano, como novidade, a possibilidade de os Municípios terem acesso à evolução do seu desempenho territorial desde 2011 até à data, nos indicadores com dados disponíveis para esse período.

Os documentos podem ser consultados em:

https://cesop-local.ucp.pt/sites/default/files/2019-06/Jo%C3%A3o%20Ant%C3%B3nio_ISM%202019_27.06.19.pdf

– Outra metodologia para medir a sustentabilidade a nível municipal é o Programa ECO XXI, desenvolvido e coordenado pela ABAE (Associação da Bandeira Azul da Europa).

 

Bandeira Verde – galardão do ECOXXI

 

O ECOXXI visa a identificação e o reconhecer as boas práticas de sustentabilidade desenvolvidas ao nível dos municípios, valo

rizando um conjunto de aspetos considerados fundamentais à construção do Desenvolvimento Sustentável, alicerçados em dois pilares:

* a educação no sentido da sustentabilidade;

* a qualidade ambiental.

Composto por 21 indicadores de sustentabilidade local, este Programa pretende avaliar a prestação dos municípios em torno de alguns temas considerados chave: Educação Ambiental para o Desenvolvimento Sustentável; Sociedade Civil; Instituições; Conservação da Natureza; Ar; Água; Energia; Resíduos; Mobilidade; Ruído; Agricultura e Desenvolvimento Rural; Turismo e Ordenamento do Território.

O ECOXXI, pretende anualmente identificar, reconhecer e galardoar (galardão a atribuir: Bandeira Verde) os municípios com boas práticas de sustentabilidade e com políticas e ações em torno de 21 indicadores e cerca de 70 sub-indicadores, cuja pontuação conduz ao cálculo do Índice de Sustentabilidade ECOXXI, motivando, desta forma, os municípios e cidadãos para a importância do seu envolvimento no processo de transição para uma sociedade mais responsável e sustentável.

 

Educação ambiental

Em 2019, candidataram-se ao Programa ECOXXI 53 municípios (17% dos municípios portugueses), uma das maiores participações registadas ao longo das 11 edições do Programa. As candidaturas são pagas, dependendo o valor do nº de habitantes do concelho.

Na edição de 2019, foram atribuídas 48 Bandeiras Verdes ECOXXI (91% dos municípios participantes), ou seja, obtiveram um índice igual ou superior a 50%, sendo que apenas 5 (9%) não atingiram os objetivos mínimos estabelecidos.

Do conjunto dos 53 municípios candidatos, foram 7 os municípios que obtiveram um índice ECOXXI igual ou superior a 80%: Guimarães, Lisboa, Águeda, Pombal, Torres Vedras, Loures e Alfândega da Fé.

A temática “Agricultura e Desenvolvimento Rural Sustentável” é estudada através do Indicador 20, o qual integra os seguintes 5 sub-indicadores:

– % de SAU em Modo de Produção Biológico

– Existência de produtos agroalimentares qualificados

– Adesão ao Estatuto da Agricultura Familiar

– Existência de mercados locais de produtores

– Ações levadas a cabo pelo município a favor da sustentabilidade do território.

 

Sustentabilidade agroalimentar

Findo o prazo das candidaturas inicia-se o processo de análise pelos Júris, que culmina sempre na atribuição de pontuação a cada um dos indicadores, o que possibilita o cálculo do Índice Eco XXI.

A finalizar, diria que este foi apenas um leve “cheirinho” sobre o universo da sustentabilidade do Planeta, neste caso a nível local, sítio por onde devem começar a germinar as boas ideias com destino às boas práticas, na mira de um mundo melhor

 


Edição 785 (11/06/2020)

MONTADO – UM ECOSSISTEMA EXTRAORDINÁRIO

Hoje é a vez de falarmos sobre o “Montado”, a paisagem mais icónica do Ribatejo e Alentejo, um marco da identidade, das tradições e dos costumes enraizados e foco de uma grande tradição cultural e etnológica. Marcado pelas enormes manchas de sobreiros e azinheiras alinhados em planícies onduladas ou em serras mais pequenas, o Montado é uma imagem única e idílica.

O montado, que existe em larga escala nas regiões do centro-sul e sul de Portugal, sobretudo no Alto e Baixo Alentejo, é uma espécie de floresta montada pelo homem.

A própria palavra o indica: estamos perante uma montagem, que assenta numa árvore especial, o sobreiro, e na sua mistura com outras de outro tipo, sendo estas quase sempre a azinheira, mas por vezes o pinheiro-manso. É um bosque ordenado e alinhado, planeado estrategicamente pelo homem, que visa proteger o sobro, responsável pela produção de cortiça e pelo papel de destaque que Portugal tem como maior exportador desta matéria-prima.

 

Distribuição do Montado de Sobro na bacia mediterrânica (Fonte: APCOR, 2018)

Criado pelo homem, o Montado, é um ecossistema muito particular, constituído por florestas de sobreiros de equilíbrio muito delicado e que subsistem apenas no Mediterrâneo, Argélia, Marrocos e sobretudo nas regiões a sul da Península Ibérica. Em Portugal, país com a maior extensão de sobreiros do mundo (33% da área mundial), o montado é legalmente protegido, sendo proibido o seu abate e incentivada a sua exploração, transformando Portugal no principal exportador mundial de cortiça e no fabrico de rolhas.

O Montado caracteriza-se por ser uma área de povoamento mais aberto (a típica paisagem do Ribatejo e Alentejo, que faz lembrar a savana) e cuja espécie dominante é o sobreiro. No entanto, com o sobreiro podem coexistir outras espécies – azinheira, pinheiro-bravo e pinheiro manso – originando os sobreirais, que são bosques mais fechados e densos, onde se encontram outras espécies como estevas, sargaços, giestas, entre outros. Em média, a densidade destas florestas é de 80 árvores por hectare, podendo atingir densidades maiores, de cerca de 120 árvores. Cerca de 5% da área total do Montado pode ser utilizada para culturas cerealíferas, como o trigo, a cevada ou a aveia e 40% para pastagens.

 

Montado de sobro com sob coberto de pastagem

A biodiversidade existente nos Montados é um exemplo a seguir: pelo papel de prevenção em relação aos fogos, devido à coexistência de culturas agrícolas; pela diversidade de espécies animais que o habitam (como o porco alentejano ou a cabra serpentina); pelo aproveitamento de recursos como a cortiça, as bolotas e as pastagens, e pelo seu relevante caráter silvo-pastoril. Além da fauna, a biodiversidade da flora permite encontrar no Montado ervas aromáticas, como a lavanda, o tomilho, o rosmaninho ou o alecrim e ainda diversas espécies de cogumelos, que estabelecem uma interessante relação simbiótica com os sobreiros.

Quanto ao valor económico dos montados, este reflete-se, essencialmente, na produção de cortiça e no destaque que Portugal tem como maior exportador desta matéria-prima, estando a sua importância cultural relacionada com a sua função de conservação da biodiversidade. Associada diretamente à economia deste ecossistema agro-silvo-pastoril, encontra-se uma das atividades mais singulares praticadas em zonas de montado, o descortiçamento.

O descortiçamento é o processo de “extração da casca dos sobreiros” e representa o início do ciclo de vida da cortiça. Este realiza-se durante a fase mais ativa do crescimento da cortiça, que normalmente ocorre entre meados de maio até ao fim de agosto.

 

O descortiçamento

O Montado de Sobro apresenta também capacidade de sustentar outras atividades económicas com importância regional e local, nomeadamente a criação de carne de qualidade e de leite, enquanto bases da indústria agroalimentar, a apicultura, a recolha de cogumelos comestíveis, a exploração de recursos cinegéticos e as atividades turísticas.

No contexto social, o Montado de Sobro é um sistema que tem no Homem o elemento central do seu funcionamento. O “monte”, elemento estruturante e distintivo do Montado, constitui o primeiro assentamento humano no território e a unidade habitacional rural do Alentejo e parte do Ribatejo. É no monte que se alojam os trabalhadores das herdades e são guardados os equipamentos e os animais, estando assim fortemente ligado à forma de exploração agro-silvo-pastoril da terra e à organização das propriedades.

 

Importância socioeconómica do Montado

Portugal ainda é o maior produtor mundial de cortiça – em apenas 8% do território nacional produz-se mais de 50% da cortiça ao nível mundial. A cortiça é a matéria-prima de uma atividade industrial, que transforma cerca de 70% do total produzido a nível global pela indústria corticeira, situação que faz do nosso País líder no sector.

 

Desafios e ameaças

Os montados portugueses apresentam algumas ameaças, mas também novos desafios a considerar para o futuro.

Situações como o declínio dos montados devido a doenças e pragas, o aumento do risco de incêndio florestal face às alterações climáticas e expansão urbanística e a promoção de novos empreendimentos turísticos, podem afetar a integridade dos montados enquanto ecossistemas de elevada importância ambiental, colocando também em causa a única atividade económica em que Portugal é líder mundial, pelo que devem se unir esforços para manter o desenvolvimento sustentável dos montados.

Também em termos globais a utilização de vedantes sintéticos em substituição da rolha de cortiça natural em parte do sector vitivinícola pode fazer perigar a manutenção deste importante ecossistema que é o montado de sobro.

No entanto, a clara aposta da utilização da rolha de cortiça natural em vinhos de qualidade, associada à promoção da certificação da gestão florestal sustentável através do reconhecimento dos sistemas mundiais de certificação, traz novas esperanças à manutenção dos montados.

A investigação que tem sido realizada no nosso País e também em todos os países suberícolas onde este ecossistema ocorre, tem sempre concluído que as causas da mortalidade que se verifica nalgumas zonas residem num complexo de fatores, muitos deles de origem antrópica, como a má gestão realizada em algumas propriedades, sendo as condições ecológicas um fator determinante no desencadear da situação, como o stress hídrico provocado por períodos de seca ou pluviosidade anormal que pode favorecer a propagação de doenças.

É fundamental que os proprietários promovam junto dos trabalhadores agrícolas, a implementação das regras da gestão florestal sustentável, com o recurso também à aplicação das conhecidas boas práticas suberícolas na instalação de novos povoamentos, nas operações de poda, na extração de cortiça, no aproveitamento do solo e na criação de gado sob coberto, dado que só assim é possível à subericultura portuguesa manter a perenidade dos montados para as gerações vindouras.