O rapinanço dos bens portugueses pelas tropas napoleónicas a pretexto da Guerra Peninsular (Parte 1)
O rapinanço dos bens portugueses pelas tropas napoleónicas a pretexto da Guerra Peninsular (Parte 1)
Um dos cenários das Invasões Francesas, ocorridas durante a Guerra Peninsular, foi a zona de Torres Vedras, área da naturalidade de parte da Família da minha Mãe, actualmente os Barreiros Cardoso Barros e Vasconcellos Guisado que, consequentemente, ali foram apanhados pelos ditames da guerra. Na zona onde residiam, foram construídas as famosas Linhas defensivas que tentavam impedir a progressão dos exércitos de Napoleão até à Capital. Na verdade, na Terceira Invasão francesa, chefiada por Massena, tal espaço geográfico foi teatro das principais movimentações do exército napoleónico e do exército luso britânico, movimentações essas determinantes para a vitória e esmagamento das tropas invasoras.
Convém relembrar que as Primeiras Invasões Francesas se verificaram em 1802, chefiadas por Junot. A Segunda por Soult em 1809, e a Terceira chefiada por Massena, pouco tempo depois da Segunda, em 1810.
Tempos antes, formalizado em 27 de Outubro de 1807, tinha sido celebrado o Tratado de Fontainbleau, entre franceses e espanhóis, e que tinha por objectivo acabar com Portugal como país independente, retalhando o seu território em três parcelas. A primeira, a parte setentrional, seria para a Rainha da Etrúria, a segunda, o Alentejo e o Algarve, para o chamado Príncipe da Paz, Godoy, ministro do Rei de Espanha Carlos IV e valido da Rainha Maria Luísa e que traiu o Povo Espanhol, bandeando-se com Napoleão, e a terceira parcela, constituída por Trás-os-Montes e Entre Douro e Minho, ficaria para o Império Francês. Nem mais…!
Porém, o chefe da Terceira Invasão cometeu um erro táctico imperdoável. Na verdade, Massena fez inúmeros compassos de espera, não avançando com a rapidez que devia para agradar ao seu novo amor, uma vistosa e bonita conquista que viajava no séquito do seu exército numa autêntica e romântica viagem de núpcias. Acompanhando o seu marechal naquela campanha, obrigava o mesmo a pernoitar demorada e sossegadamente em cada esquina, o que lhe devia tirar toda a espécie de energia e de espaço temporal para congeminar a necessária estratégia.!!! Nestas andanças, tais delongas escusadas pagam-se muito caro, já se vê. Assim, o invasor permitiu que as tropas anglo portuguesas se entrincheirassem cuidada e calmamente nos campos do Buçaco, procurando e preparando o terreno mais propício, circunstância que deu ao nosso exército uma enorme vantagem geoestratégica. Contudo, temia-se que Massena rodeasse simplesmente o dispositivo montado e cavalgasse para Lisboa sem fazer qualquer paragem. Felizmente assim não aconteceu e o afamado cabo de guerra caiu na asneira de pretender ali logo liquidar as tropas resistentes, para não ficar com um exército inimigo nas suas costas, tendo sido nesse intento completamente derrotado, pois tendo à sua frente um território adverso e desconhecido, o seu exército acabou por ser envolto por todos os lados e, para tentar manobrar no terreno, fatalmente teve que se fraccionar, nunca conseguindo reagrupar-se minimamente. Tal circunstância motivou que as várias secções isoladas fossem apanhadas e desbaratadas uma a uma, provocando a retirada desordenada dos sobreviventes. As hostes napoleónicas sofreram então uma humilhante derrota com milhares de baixas, tendo abandonado uma quantidade avultada de material de guerra e uma multidão de prisioneiros. Foi, na realidade, um dos principais recontros militares da Guerra Peninsular e uma machadada profunda nas aspirações napoleónicas.
Posteriormente, tentaram reordenar as fileiras e tratar de instalar os inúmeros militares feridos em campos de sangue, espalhados por uma enorme área das redondezas, esperando ainda pela chegada de reforços. Ora, bem pelo contrário, Wellington, comandante das tropas anglo portuguesas, mal acabou a Batalha do Buçaco, marchou sem mais demoras para Sul com todo o exército, após os feridos e os estropiados terem sido retirados para lugares seguros pré determinados. Ganhou um enorme avanço sobre o marechal Massena e os seus homens entrincheiraram-se nas Linhas de Torres Vedras que cortavam quase completamente a penetração das tropas invasoras para o Sul, nomeadamente, para Lisboa.
Nesta altura, não posso deixar de esclarecer o que eram as Linhas de Torres Vedras. Estas foram projectadas por um português, o Major José Maria das Naves Costa, que planeou e encetou a construção de um impressionante sistema defensivo, constituído por 152 fortificações, cuja concretização foi já ultimada sob a direcção de Wellington. Estavam distribuídas em três linhas. Duas que cortavam o acesso ao Sul, desde o Tejo à costa, estendendo-se do Vale de Bucelas até S. Pedro da Cadeira e uma Terceira que reforçava a protecção dada pela fortaleza de S. Julião da Barra. A guarnecer essas Linhas estava um exército de 100 000 Homens. Ora, os reforços que Massena esperava, bem como munições e armas não chegaram ou não chegaram em quantidade suficiente para ultrapassar aquela intransponível barreira e para montarem uma estratégia que evitasse os constantes e desgastadores assaltos feitos pela guerrilha portuguesa em que se transformaram as corajosas populações locais.
Como consequência, Massena resolveu retirar para o seu País. Mas, para o seu exército não acabou o pesadelo, pois foi permanentemente perseguido pelas tropas anglo-portuguesas e pelos habitantes das cercanias do trajecto que se via obrigado a percorre até França. Acossados por ingleses, portugueses e já por espanhóis, entrincheiraram-se em Fuentes de Oñoro, mas acabaram por ser expulsos e perseguidos até mesmo à capital francesa.
É conveniente esclarecer que os espanhóis, se participaram na Primeira invasão Francesa, logo verificaram que iriam ficar debaixo da pata gaulesa, revoltando-se com os acordos feitos por Godoy e começando uma luta sem quartel contra os aquartelamentos franceses estabelecidos em diversos pontos de Espanha. Exemplificando, o General D. Francisco Maria Solano Ortiz e Rosas, Marquês de la Romana que, na Primeira Invasão entrou em Portugal com o exército do seu país juntamente com as tropas de Junot, na Terceira Invasão, veio ajudar a combater os franceses, marcando presença com os seus homens nas Linhas de Torres Vedras.
Como referi, as tropas francesas foram perseguidas incessantemente até Paris. Muitos militares portugueses chegaram mesmo ao centro da Cidade da Luz onde permaneceram durante as longas conversações de paz. Um deles, meu antepassado, meu trisavô, José Maria da Fonseca Moniz, mais tarde Barão de Palme, que participou nos combates de Vitória e Toulouse, lá esteve igualmente, tendo tido tempo e vagar para comprar, como “recuerdo”, um bonito canapé, isto é, uma “Recamier” estilo império, que fazia parte do mobiliário da casa parisiense da Imperatriz Maria Josefina, e que se encontrava à venda, assim como todo o seu restante recheio.
A derrota de Napoleão foi formalizada pelo Armistício de 18 de Abril de 1814. Claro que as pesadas derrotas sofridas por Napoleão, nas terras lusas, não figuram nos dísticos alusivos aos acontecimentos e façanhas militares do Império, pregados nas paredes do Arco de Triunfo em Paris, para memória futura.…e turista ver!
António Moniz Palme -2014
——————————————————————————————————————————————
A Guerra Peninsular e os seus reflexos nos meus parentes que residiam na zona as Linhas de Torres – 2ª Parte
Muitos de nós ainda se lembram de ouvir familiares e amigos falar das depredações feitas pelas hostes francesas durante as invasões e nas barbaridades cometidas pela soldadesca contra as populações portuguesas das localidades por onde passavam, não falando já nos atentados ao nosso património, pois os assaltos às casas dos residentes eram sistemáticos bem como os roubos das alfaias religiosas das nossas Igrejas. E o que não roubavam, destruíam revelando a maior selvajaria e o simples espírito de destruição para tudo que topavam no seu caminho, pois nem os monumentos e túmulos foram poupados do seu vandalismo. Na verdade, a brutalidade e o espírito de destruição dos invasores foram idênticos aos dos nazis quando ocuparam vários países europeus.
Todos se lembram e conhecem situações de objectos de prata e de ouro e até burras, isto é arcas, carregadas de moedas, que estiveram enterrados durante as invasões e que, muitas vezes, mortos os donos, foram encontrados dezenas de anos mais tarde numa qualquer escavação. Igualmente, a talha dourada de igrejas foi pintada de zarcão, a fim de que os saqueadores, perante uns madeiros de cor castanha, abandonassem aqueles lugares sagrados.
Pois bem, as tropas anglo-lusas, quando da sua descida para as terras de Torres Vedras, montaram quartéis generais em diversos pontos estratégicos. É oportuno referir que em 22 de Abril de 1809, Wellesley foi nomeado pelo Governo Português, comandante em chefe do nosso exército, passando a ter os dois exércitos sob o seu comando. Normalmente cada divisão tinha unidades britânicas e portuguesas. As tropas luso britânicas, chegadas à região de Torres Vedras, montaram rapidamente os seus quartéis generais. O principal, de Wellington, era em Pêro Negro, a sudoeste do Sobral, próximo da Serra do Socorro, local privilegiado como posto de observação das linhas inimigas. Ora o General Sir Brent Spencer, um dos lugares tenentes de Wellington, escolheu para seu quartel general e do seu estado maior, a casa de um parente de minha Mãe, Francisco Camarate, único civil referido nas memórias britânicas do comissário de Wellington, além dos parentes Herculano de Barros e Vasconcelos e seus irmãos, todos militares. Essa casa estava situada numa exploração agrícola, denominada Quinta da Póvoa, passando esse conhecido cabo de guerra a conviver com os meus primos que, por sua vez, procuravam que a sua estadia na defesa da nossa liberdade e independência, apesar da guerra, fosse o mais agradável possível, mimoseando as chefias britânicas ali aboletadas, que participavam da sua mesa, com os melhores pratos gastronómicos portugueses, nomeadamente daquela região, ainda por cima bem regados com os excelentes vinhos locais. E alguns desses pratos passaram de geração em geração e até já tive a feliz oportunidade de os saborear, confeccionados pela minha própria família, excelentes caçadores e cozinheiros a pedir meças aos profissionais da restauração de cinco estrelas. Tais como os seus antepassados, continuam a dar cartas na matéria gastronómica, executando primorosa e sapientemente a culinária que receberam por herança dos seus avós. Já agora para excitar as papilas gustativas dos meus leitores, faço uma pequena amostragem desses pratos que ficaram na memória de muitos e atravessaram a fronteira do tempo perpetuada pela saudade dos militares ingleses. A sopa de lebre, a favada do Vale do Corvo, a perna de corço curada, o javali estufado com cantarelos (girolles), as galinholas preparadas de modo especial e que actualmente chamam de Orfeu, certamente em homenagem a Alfredo Guisado, um dos elementos do Movimento Cultural Orfeu, juntamente com Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneito, Cortes Rodrigues e Outros, a perdiz de escabeche, a mousse de”fois gras” e laranja. Enfim, um cem número de iguarias, que os Ingleses nunca tinham provado, fazendo-os querer fugir e regressar rapidamente a Portugal, após a tradicional sensaboria da primeira refeição inglesa comida no pátrio lar.
Mas o exército inglês, terminadas as invasões, foi para outras bandas deixando saudades aos portugueses. Estou a falar do exército propriamente dito e não das chefias inglesas debaixo da alçada de Beresford, que tiveram que ser expulsas à má cara do nosso País, por um vitorioso golpe militar, o Sinédrio, chefiado por Manuel Fernandes Tomás com início no Porto, em 24 de Agosto de 1817, apoiado por todo o Norte e pelas Beiras.
António Moniz Palme – 2014
————————————————————————————————
Mais artigos
Redação Gazeta da Beira
Comentários recentes