António Moniz de Palme (Ed. 714)

Já nos deixou há trinta anos, Zeca Afonso, um bom exemplo de um Santo Moderno

Já nos deixou há trinta anos, Zeca Afonso, um bom exemplo de um Santo Moderno

Foto tirada com o meu amigo, Zeca Afonso, em 1960, em S. Tomé, numa recepção aos estudantes de Coimbra do Orfeão, promovida por gente de Lafões, nomeadamente umas senhoras parentes da Sr.ª D.ª Margarida Barros

O meu querido amigo Zeca Afonso, sobre quem já escrevi diversos artigos na imprensa e em revistas, nomeadamente na excelente revista cultural da cidade do Porto, “O Tripeiro”, em 20 de Julho de 2000, aquando da inauguração de uma rua com o seu nome, já faleceu há três décadas, entrando a sua pessoa no rol dos imortais, acarinhada pelas páginas da história portuguesa. Claro que determinado sector, sempre escravizado pelas suas cegas preferências políticas, continua a insistir apenas na sua vertente de cantor interventivo, única faceta que nele vislumbraram no decorrer das décadas em que andou a palmilhar por este mundo, esquecendo o Zeca, andarilho da liberdade, cantando o desespero da vida portuguesa em rimas excepcionais. E limitam-se a olhar para as suas baladas e letras como simples armas de arremesso político que criou uma autêntica insurreição espiritual. Tal será uma tremenda injustiça em relação à sua faceta de poeta e da sua personalidade mística que pairava, como uma carícia da aragem, na sociedade onde vivia, preocupado apenas com as misérias e as dores alheias, bem como com o próximo, representado por qualquer um, conhecido ou não, que precisasse de auxílio. E se não tinha meio de ajudar, sublimava o seu sofrimento e frustração numa balada cantada com paixão, sem qualquer intuito narcisista ou comercial, È bom que tal fique claro!!!. Todos sabemos que, para a sua imagem, foi um bem ser arvorado em líder revolucionário de determinado tipo de esquerda, pois o seu nome e a sua música não sofreram qualquer oposição sectária, sendo-lhe permitido, sem contra tempos, entrar no Olimpo como um Apolo da poesia e da música que marcou indelevelmente uma geração, tornando-o numa fascinante personalidade da magia cultural portuguesa. Na verdade, esse apoio de determinado sector político redundou numa vantagem para a sua imagem, repito, não acontecendo o que se verificou com outras figuras do Fado de Coimbra cujo perfil não obedecia às respectivas centrais sectárias de pensamento, razão porque que tudo fizeram para que fossem afastadas das nossas recordações e da memória da colectividade. E, deste modo, o nome do Zeca Afonso pôde gravitar para sempre na órbita da poesia com grande audição, com o foro de um dos mais sublimes cantores do nosso Século. Se fosse vivo, não se poderiam espantar se o seu nome aparecesse como candidato português ao Prémio Nobel.

O Zeca Afonso, no anarquismo da sua vida quotidiana, tinha estranhas ideias sobre o sistema político ideal, confundindo muita e variada gente, com o seu pensamento, principalmente os bem pensantes que sempre aproveitavam para o criticar pela sua vida e pelo seus hábitos. Tinha casado e tinha filhos que precisava de sustentar e por causa de quem levava uma vida de enorme carência material. E, além de nada ter, o pouco que possuía, dava aos que considerava ainda mais necessitados do que a sua pessoa, com um espírito de solidariedade absurdo, despindo a camisa e o único agasalho que tinha, para aquecer o primeiro pedinte que topasse na rua, a tiritar de frio. Ainda por cima, era caluniado por esse espírito de S. Vicente de Paula, que o Zeca admirava e invejava por não ter coragem para levar uma idêntica vida de militância mística. Alguns que dele diziam mal, utilizavam-no para os seus fins políticos, sacando-lhe os poucos cobres que consigo trazia, invocando uma falsa necessidade e nunca se importando em saber se o Zeca tinha ou não almoçado ou quais os seus problemas económicos.

Não havia espectáculo de angariação de meios para fins políticos para que não fosse arrebanhado, não vendo no fim qualquer compensação palpável, o que me revoltava de sobremaneira. Antes do 25 de Abril foi explorado por uma conhecida editora chegando, em desespero de causa, a recorrer a um seu amigo advogado para que, judicialmente, pusesse cobro à ignóbil exploração de que estava a ser vítima. Porém, nesse aspecto, a revolução abriu-lhe a porta a uma significativa melhoria económica, atendendo ao êxito das suas baladas. Igualmente, um novo relacionamento amoroso veio trazer-lhe a compreensão necessária de um lar equilibrado, sendo aceite como era, pela sua mulher, o que serviu de lenitivo à sua vida de sacrifício, provocada pela doença que o começou a atormentar. Convém recordar que apesar da sua maneira estranha de reagir à vida que o rodeava e às suas ideias utópicas, tocadas pelo sobrenatural, o Zeca era de uma lealdade extrema com os seus amigos. Recordo bem uma discussão havida muito antes do 25 A, sobre a possível independência de Angola, numa república de Coimbra, formada por naturais dos territórios africanos, onde a discussão começou a descambar para caminhos menos sensatos, e que o Zeca, apesar de não concordar bem com a opinião do amigo que o acompanhava, colocou-se imediatamente ao seu lado, para o que desse e viesse. Além do mais, o Zeca tinha uma visão mística da sociedade. Aspirava viver de modo muito especial, procurando permanentemente o sobrenatural, para se conseguir manter como era, isto é, com a sua personalidade intocável. Embora muitos pensem o contrário, procurava Deus intensamente. Recordo ter me confessado ter passado a noite de Natal, deitado numa duna de Mira, enxergando as estrelas e suplicando a Deus lhe transmitisse a Paz Divina. Ele estava nos antípodas em relação a qualquer posicionamento político. Era um combatente extremista contra a fome que grassava no mundo, contra a violência de qualquer tipo, não suportando o sofrimento do seu irmão, o egoísmo da sociedade de consumo, o racismo, e as descriminações de qualquer género. Após a descolonização desastrada, em que Cabinda foi transformada numa colónia de Angola, pelos interesses internacionais, e o seu povo submetido à força pelas armas cubanas, apesar de se sentir muito abalado pela doença, confessou que só restava ir para Cabinda de armas na mão, combater pela liberdade do seu Povo. E foi acrescentando que se eu fosse para a guerrilha, lutar contra os novos opressores do Povo de Cabinda, igualmente iria…! Era o espírito do antigo cavaleiro andante a explodir na defesa dos mais fracos. Meu bom amigo Zeca Afonso, um manancial de virtudes, apesar de todos os defeitos que os seus detractores lhe possam assacar. No fundo, suspirava por uma sociedade monástica, onde todos seriam iguais e se ajudariam na alegria e na desgraça. È paradigmático, o que escreveu numa carta ao José Maria Lacerda e Megre, nosso comum amigo.”Gostaria de optar com uma remessa de gajos amigos por qualquer coisa vital, uma república de confrades ou irmãos colaços.”. talvez nas terras de Moçambique, pois gostaria de morrer nas plagas africanas com um veleiro a passar ao largo, ouvindo o mestre gritar “Acima, acima gajeiro, acima ao mastro real, vê se vês terras de Espanha, areias de Portugal”. No fundo, no seu misticismo, sonhava com um paraíso na terra, onde encontrasse a paz, com os bons costumes tradicionais de cada região, rodeado de amigos independentes e livres de espírito, completamente entregues ao serviço do próximo. Na verdade, e tornando a repetir o que já tive oportunidade de escrever., foi uma das figuras mais marcantes do nosso tempo, um poeta e um trovador de uma rara sensibilidade, um homem bom e principalmente um autêntico franciscano “à futrica”, que passou por esta vida para auxiliar o próximo, distribuir amizade pura e sincera aos seus iguais, cantar a beleza, lutar contra as injustiças e tentar melhorar, à sua maneira, a comunidade onde nasceu. Em cada canto tem um nome de rua e, principalmente, amigos verdadeiros e milhares de admiradores que recordam a sua personalidade singular, com grande saudade!

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