As empresas em paraísos fiscais e offshores servem também para “lavar dinheiro”
• António Bica
Os paraísos fiscais e as offshores servem também para limpar o dinheiro mal ganho, dando origem aparentemente legal a rendimentos provenientes de subornos, de roubos, furtos e outras actividades ilegais. Para o circuito do dinheiro aparentar normalidade montam os interessados negócio que o permitam justificar, como a exportação ou a importação de serviços, nomeadamente estudos de mercado, de investimento e outros semelhantes, que, porque não se traduzem em movimentação de mercadorias, são mais facilmente simuláveis, sendo essas simuladas operações pagas com o dinheiro de origem ilícita, assim o fazendo parecer legal.
Não faltam paraísos fiscais no mundo. Entre eles referem-se Andorra, Barbados, Antilhas Holandesas, Ascensão, Bahamas, Bahrein, Belize, Bermudas, Bolívia, Brunei, as ilhas inglesas do canal da Mancha, ilhas Caimão, Costa Rica, Djibuti, Emirados Árabes Unidos, ilhas Malvinas, Gibraltar, Guam, Guiana, Hong Kong, Nauru, Oman, Palau, Samoa Americana, Tuvalu, e outros. Todos estes territórios e também outros são mencionados na portaria 345-A/2016 de 30 de Novembro.
Não é difícil criar empresas em paraíso fiscal ou offshore. Em todo o mundo há sociedades de advogados especializadas em assuntos fiscais que sabem tornear a lei fiscal e em que paraísos fiscais criar essas empresas e como. Quem quiser ter empresa em paraíso fiscal pode-o até fazê-lo até por internet: procura “paraísos fiscais” e encontra ofertas de criação de empresas a preços entre 790 e 890 €, com garantia de “96% de taxa de satisfação, execução rápida e privacidade garantida”, como consta dos anúncios. A internet parece estar a querer “democratizar” os paraísos fiscais. Convém não ser incauto, que esconder dinheiro em paraísos fiscais é actividade de “tubarões” de águas profundas, não de peixe miúdo. É de admitir que a oferta de facilidades esconda enganos.
Alguns dos países onde se situam paraísos fiscais têm declarado aceitar dar informações sobre quem os usa a pedido dos governos e dos tribunais dos países que tiverem dúvidas fundamentadas sobre naturais seus que os usam. Mas outros recusam-se a dar qualquer informação sobre quem os usa, como acontece em Andorra, Mónaco, Panamá, Hong Kong, Bahamas, e outros.
Os paraísos fiscais e as offshores são também frequentemente usadas para pagar subornos a governantes e funcionários dos países em que desenvolvem negócios, sem que se saiba quem lhes paga e a quem, como nos negócios de grande monta, nomeadamente compra de submarinos, qualificação de terrenos da reserva agrícola a edificáveis, licenciamento de construções com infracção da legislação sobre edificações urbanas e outros casos, como tem ocorrido em Portugal sem que os tribunais tivessem condenado os suspeitos.
As empresas em paraísos fiscais e offshores servem também para dar origem aparentemente legal a rendimentos provenientes de subornos, de roubos, furtos e outras actividades ilegais. Para o circuito do dinheiro aparentar normalidade montam os interessados negócio que o permita justificar, como a exportação ou a importação de serviços, nomeadamente estudos de mercado, de investimento e outros semelhantes, que, porque se não traduzem em movimentação de mercadorias, são mais facilmente simuláveis, sendo essas simuladas operações pagas com o dinheiro de origem ilícita, assim o fazendo parecer legal.
Boa parte do dinheiro correspondente às chamadas “imparidades” bancárias ou “créditos mal parados” terá passado para paraísos fiscais e offshores. Em Portugal as imparidades bancárias totais ou parciais a que a comunicação social mais se tem referido correspondem a cerca de 40 mil milhões de euros de créditos bancários aos mais ricos do país e até a empresas de Espanha, que são devidos a bancos portugueses, sendo os principais: grupo Ongoing (Nuno Vasconcelos), 1.200 milhões de euros aos bancos BCP e BES; João Pereira Coutinho, 700 milhões sobretudo ao BCP; Grupo Espírito Santo, 2.400 milhões ao BES, CGD e BCP; Joe Berardo (Fundação Berardo), 1.000 milhões ao BCP, CGD e BES; Controlinveste (Joaquim Oliveira), 750 milhões ao BCP e BES; José Guilherme, construtor civil em Angola, 200 milhões ao BES; Grupo Melo (Vasco de Melo), 900 milhões sobretudo ao BES; Martifer (irmãos Carlos e Jorge Martins), 500 da dívimilhões sobretudo ao BES; Grupo Lena (António Barroca), 1.000 milhões sobretudo à CGD, BCP e BES; empresa PRISA, dona da TVI, 257 milhões à CGD; empresa espanhola Artland do Grupo La Seda, 466 milhões à CGD; EFACEC, 684 milhões à CGD; Impresa (Pinto Balsemão), 237 milhões à CGD; SOGEMA (Bernardo Moniz da Maia),600 milhões sobretudo ao B ES.
Dos que devem tanto dinheiro ao sistema bancário alguns, como o grupo Ongoing integrado por diversas empresas, evitam a insolvência negociando o pagamento da dívida total contra o pagamento de pequena parte dela. A Insight, empresa do grupo Ongoing, negociou pagar dos 282,7 milhões por ela devidos ao BCP só 56,5 milhões, evitando assim a insolvência do grupo Ongoing. O pagamento foi feito pela empresa, que pertence ao grupo Ongoing, com sede nas ilhas Caimão, a Solaris Venture Capital Fund (ver jornal Público de 3/5/2017, pág. 16).
No total esses calotes (imparidades) referidos pelos meios de comunicação social somam 10.894 milhões de euros, sendo de presumir haver outros ainda não conhecidos, que fizeram cair, com enormes prejuízos para o Estado que reverteram e vão continuar a reverter sobre os contribuintes, os bancos BPN, BANIF e BES; e fragilizaram o BCP, o BPI, a CGD que vai precisar cerca de 5.000 milhões para se manter no mercado bancário, e o Montepio que o Banco de Portugal considera ter “perfil de risco de nível elevado”, pertencendo à associação Montepio Geral Associação Mutualista com 630 mil associados, 331 balcões abertos em Portugal, 21 em Angola, 9 em Moçambique e 4.182 trabalhadores. Em 2016 o Montepio teve 86 milhões de euros de prejuízo. Para evitar o risco de falência destes bancos com a consequência de os depositantes perderem grande parte do dinheiro neles depositado e de os outros bancos deles credores, frequentemente por muitos milhões, perderem esses depósitos, agravando mais a sua frágil situação, o governo assumiu e vai ter que continuar a assumir grande parte dos prejuízos correspondentes para garantir os depósitos feitos nesses bancos, as dívidas a outros bancos e as aplicações financeiras vendidas nos balcões deles com garantia verbal de serem equivalentes a depósitos.
Muito desse dinheiro emprestado pelos bancos aos mais ricos do país saiu de Portugal para paraísos fiscais, como há fortes sinais de ter acontecido em montantes equivalentes, sobretudo durante o governo de Passos Coelho, em que saíram de Portugal para a offshore do Panamá, país que se recusa a prestar quaisquer informações sobre as actividades das empresas instaladas nesse país. O valor dessas imparidades aproxima-se dos 10.000 milhões de euros saídos para paraísos fiscais durante o governo PSD/CDS.
Grande parte desse dinheiro, que saiu para paraísos fiscais, terá sido transferido por ordem de empresas com sede fora de Portugal, mas com contas bancárias neste país, que muitas das grandes empresas portuguesas, como é público, escolhem sede ou criam empresas no Luxemburgo, na Holanda, na Suíça e noutros países que oferecem fortes reduções nos impostos. Ao abrigo do princípio de não haver dupla tributação livram-se essas empresas de pagar os impostos que deveriam pagar em Portugal onde desenvolvem a sua actividade económica. Como tem sido informado pela comunicação social os grupos Jerónimo Martins e as empresas do grupo Espírito Santo recorrem ou recorreram a essa prática, e certamente outras.
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