O UNIVERSO DE QUE SOMOS PARTE (18)
O UNIVERSO DE QUE SOMOS PARTE (18)
A adopção de religião monoteísta pelas tribos hebraicas
Os hebreus sofreram acidentes políticos complexos tendo as diferentes tribos perdido, em consequência disso, a individualidade. As dez tribos do norte da Palestina foram conquistadas pelos Assírios no século 8 antes de Cristo e as suas classes dirigentes desterradas para a região de Ninive, onde, em consequência do longo tempo de desterro, perderam a sua identidade religiosa e cultural.
O Egipto e a sua cultura continuaram a exercer forte influência sobre os hebreus, como resulta de casamentos de reis hebreus, como Salomão, com princesas egípcias, e de um rei de Judá, que reinou entre 642 e 640 antes de Cristo, se chamar Amon, nome de um dos grandes deuses do politeísmo egípcio (ver Dicionário Bíblico Universal, L. Monloubou e F. M. Du Buit, Editora Vozes, Brasil, 1997).
Da leitura dos textos egípcios do tempo do Império Médio resulta haver neles similitude com os hebraicos quanto a conceitos religiosos (ver “Hinos e Orações a Ptah” publicados a págs. 194 e segs. em “O Livro das Origens”, edição da Fundação Calouste Gulbenkian, ano 2011, e o Hino a Aton, o deus único da reforma religiosa de Aquenaton, transcrito em “O homem egípcio e a sua integração no cosmos”, Maria Helena Trindade, Editorial Teorema, 1989, Lisboa, págs. 165 e seguintes). Algumas práticas do culto do deus único egípcio Aton da reforma religiosa de Aquenaton, como a atitude de veneração a ele com os braços abertos erguidos e as mãos voltadas para o céu onde se manifestava como disco solar, subsistiram no hebraísmo, tendo chegado ao cristianismo. E a palavra ritual religiosa “amen”, que entrou no cristianismo por via dos hebreus, tem origem na invocação do nome do deus Amon, nome que sob a variante Amen entrou na composição do nome de múltiplos faraós, sacerdotes e funcionários egípcios como Amenemhat (Amon no comando), Amenotep (Amon está feliz) e vários outros (ver Dicionário do Antigo Egipto, direcção de Luis Manuel Araújo, editora Caminho, 2001).
Depois, pelo século 6 antes de Cristo, com o desterro para a Babilónia das classes dirigentes da única tribo que restava das hebraicas, a de Judá, que havia absorvido a de Benjamim, poderia ter acontecido o mesmo que acontecera às 10 tribos que haviam constituído o reino hebraico do norte que teve capital na Samaria. Mas ainda no século 6 antes de Cristo foi autorizado pelos recentes conquistadores persas do império babilónico o regresso à Palestina das classes dominantes judaicas do seu exílio na Babilónia, onde estiveram desterradas cerca de 50 anos, tempo insuficiente para perderem por aculturação a identidade judaica.
Retomaram na Palestina, sob a chefia de Esdras, a liderança do povo trabalhador judaico (que, como sempre acontece, se mantive onde vivia, no caso a Palestina), fazendo a sistematização dos seus textos religiosos monoteístas na forma actual, com imposição do monoteísmo herdado da reforma monoteísta de Aquenaton, e procurando abolir com firmeza todas as práticas politeístas que longamente sobreviveram desde a saída do Egipto até ao fim dos reinos de Israel e depois de Judá.
A prática do politeísmo pelos hebreus a par do monoteísmo, para além do já referido, resulta do 2º livro dos Reis, cap. 22, onde consta que o rei Josias, filho do rei Amon, que reinou na primeira metade do século 7, encontrou no templo de Jerusalém o livro da lei (a Tora), tendo por ele tomado pela primeira vez conhecimento da absoluta proibição aos hebreus das práticas pagãs que haviam sido comuns até então entre eles, incluindo no templo. Desta referência deduz-se que a redacção dos livros religiosos judaicos, em especial a Tora, foi feita pelos regressados do exílio babilónico, seguramente com base em textos diversos anteriores, atribuindo a sua autoria a Moisés. A essa conclusão chegou Espinosa com base na análise linguística do hebraico em que a Tora está redigida, do que, além de outras razões, resultou a sua excomunhão da comunidade judaica. Reorganizando-se em torno de Jerusalém com grande autonomia política durante o império persa, os judeus mantiveram a identidade política e religiosa da sua comunidade sob os impérios grego, depois romano e mais tarde os reinos europeus e os estados árabes, sem terem abandonado traços marcantes de cultura tribal.
Assim só as classes dominantes da tribo de Judá sobreviveram aos impérios assírio e babilónico, que usavam como método de aculturação o desterro para outras regiões do império das classes dirigentes dos povos conquistados. Quando o desterro se prolongou por tempo largo, como aconteceu com as classes dominantes das dez tribos do norte de Israel, perdeu-se a sua identidade cultural.
A religião hebraica, na forma seguida desde então pela tribo de Judá, caracteriza-se, como todas as religiões de origem tribal, por ser válida só no interior da tribo, ou grupo de tribos com a mesma origem. O seu deus único é concebido como o dos judeus. É reconhecido por eles como seu deus que os tem como seu único povo. É considerado seu protector e implacável vingador contra os outros povos. E promete, como deus de concepção tribal, conduzi-los à vitória e ao domínio sobre os outros povos. Os deuses das outras tribos ou povos (os gentios) são considerados pelos judeus não deuses, como consta do livro dos salmos: “Todos os deuses dos (outros) povos são aparências” (Salmos, 96, 5).
As religiões tribais eram em regra politeístas, isto é admitiam a existência de vários deuses. Embora os deuses das tribos só fossem reconhecidos dentro delas, não excluíam os das outras. Mas o sistema religioso judaico assenta na concepção, que importaram do Egipto, de deus único, criador do mundo e dos homens. Todos os outros primitivos deuses hebraicos terão sido degradados à categoria de anjos (os antigos deuses bons) ou de diabos (os antigos deuses maus), concepção que se mantém no cristianismo e na religião islâmica. Não existe nenhum outro deus no Universo. Ele é deus único, mas em rigor apenas dos judeus (na concepção judaica). Todos os outros povos estão para os judeus privados da aliança com deus. Esta é a contradição estrutural da religião judaica, que impede e sempre impediu, por esta atitude de negação da igualdade religiosa do outro, o seu alargamento aos não judeus.
• António Bica
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