Reflexões sobre a vida e o mundo (11)
O universo de que somos parte (11)
Reflexões do falecido José Pereira sobre a vida e o mundo em manuscrito que me foi confiado
A CONCEPÇÃO DE UNIVERSO ESTACIONÁRIO PASSOU A CONFRONTAR-SE COM A DE UNIVERSO EM EXPANSÃO
Os astrónomos e os físicos sempre haviam concebido o universo em permanente equilíbrio e ilimitado no tempo e no espaço, não se expandindo nem contraindo. Einstein, nas primeiras décadas do século 20, quando formulou a teoria da relatividade geral, porque também entendia que o universo não podia deixar de estar em permanente equilíbrio, incorporou nas equações da relatividade geral a chamada constante cosmológica para compensar a força universal atractiva da gravidade.
A concepção do universo estacionário e ilimitado no tempo e no espaço alicerçou-se na ideia de que, sendo deus todo poderoso e o universo obra sua, não pode ter limites. Kant, no século 18, referindo-se ao universo, expressou a opinião de que “a eternidade (infinitude do tempo) não é suficiente para abarcar as manifestações do ser supremo (deus único) se não a combinarmos com a infinitude do espaço” (citação de Simon Sing, em Big Bang, edição Gradiva, 2010, pág. 206).
Também Newton defendera ser o universo infinito e simétrico, entendendo que a interacção da força de gravidade que cada corpo exerce com as que sobre ele são exercidas por outros corpos assegura o eterno equilíbrio de todos os corpos celestes. E, se algo perturbar esse equilíbrio, Deus necessariamente intervirá para a manter.
O matemático soviético Alexander Friedmann nascido em Sampetersburgo em 1988 foi o primeiro matemático e cientista a propor diferente concepção do universo. Publicou-a em 1922 na revista Zeitschrift für Physik. Eliminou da relatividade geral proposta por Einstein a constante cosmológica, defendendo que o universo teve origem em explosão inicial oposta e muitíssimo superior à força universal da gravidade, consequentemente superadora dela. Assim surgiu o modelo de universo em expansão com origem em explosão geradora dele.
A partir de então as ideias sobre a origem do universo dividiram os cientistas, defendendo uns a de universo estacionário e outros a de origem em explosão inicial. A controvérsia foi iniciada por Einstein, que se opôs veementemente à proposta por Friedmann, tendo ela durado breve tempo, que Friedmann morreu em 1925 de tifo.
Mas o novo modelo de Universo não acabou com o cientista soviético que o imaginara. O padre belga Jorge Lemaître, ordenado no seminário de Maline em 1923, estudou física em Lovaina, depois em Inglaterra com Arthur Eddington e a seguir nos EUA em Harvard e no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachussets). Regressou à Universidade de Lovaina em 1925. Aí defendeu o modelo de explosão inicial do universo, entendendo que toda a sua matéria surgira de explosão por desintegração atómica de átomo inicial. Depois de publicar o que chamou a hipótese do átomo primitivo, Einstein, que desde a teoria da relatividade geral adquirira estatuto de máxima autoridade em física, encontrou-se pessoalmente com Lemaître e comentou o texto publicado: “Os seus cálculos estão correctos, mas a sua física é abominável”. Acrescentou desdenhosamente que já Friedmann tivera a mesma ideia.
O modelo de universo estacionário ilimitado no tempo e no espaço continuou a ser seguido pela generalidade dos físicos. Mas o de universo originado em explosão inicial foi ganhando progressivamente adeptos.
As observações feitas desde o fim do século 18 e as posteriores foram dando argumentos cada vez mais sólidos aos defensores da explosão inicial.
No século 19, em 1842, o austríaco Christian Doppler ao observar as ondas sonoras e outras vindas de um emissor em movimento verificara que se alargam ou comprimem consoante o emissor se aproxima do ponto em que a onda é sentida, ou se afasta dele; e determinou que o comprimento da onda varia (alargando ou encurtando) na proporção da velocidade do emissor dela ao afastar-se ou aproximar-se do ponto onde é sentida.
Na sequência desses estudos o astrónomo Vesto Slipher, dos EUA, em 1912, mediu o desvio para azul das ondas electromagnéticas visíveis provenientes da galáxia de Andrómeda (então qualificada como nebulosa), concluindo que se aproxima da Terra. Posteriormente verificou que a luz que chega à Terra da maioria das galáxias que observou sofre desvio para o vermelho, do que concluiu que estão a afastar-se.
Em Outubro de 1784 Edward Pigott observara que o brilho da estrela Eta da constelação da Águia varia (para mais e menos intenso) em ciclos de 7 dias. Um mês depois John Goodricke verificou que o brilho da estrela Delta da constelação Cefeu varia de modo semelhante em ciclos de 5 dias. Observou-se depois que o brilho de outras estrelas também varia em ciclos curtos de tempo, passando essas estrelas a ser designadas cefeides.
Cerca de 100 anos mais tarde (pelo final do século 19) Henrietta Leavitt, nascida em Lancaster, Massachussetts, EUA, descobriu na então chamada Pequena Nuvem de Magalhães 25 estrelas cefeides com brilho variável em ciclos de tempo curtos. Estudou os períodos de variação delas e a relação desses períodos com o seu brilho aparente. Concluiu haver relação matemática entre os períodos de variação mais longos e os picos de mais intenso brilho.
Publicou o seu estudo dessas estrelas cefeides pelo texto “Períodos de 25 estrelas variáveis na Pequena Nuvem de Magalhães”. Henrietta Leavitt estudou também outras estrelas variáveis chamadas RR da (constelação) da Lira com características semelhantes às das cefeides.
Considerou que, integrando as 25 estrelas cefeides da então designada Pequena Nuvem de Magalhães, que se verificou depois ser pequena galáxia vizinha da Via Láctea, estão aproximadamente a igual distância da Terra. Havendo relação precisa entre o seu ciclo temporal de variação luminosa e o pico máximo da luminosidade, entendeu ser possível usá-las para medir a distância a que se situam da Terra por comparação entre a sua luminosidade e a de outras estrelas cuja distância se conhecesse.
Passou assim a poder ser determinada a distância a que se situa da Terra cada estrela cefeide. Para isso contribuiu o chamado efeito de paralaxe, que é o que se verifica quando observamos um objecto de ponto espacial suficientemente diferente. Para compreensão prática do efeito de paralaxe basta estender bem o nosso braço à frente do nariz com um dedo erguido. A seguir fechamos um olho, por exemplo o esquerdo, e, fixando um objecto para lá do dedo, fazemos sobrepor a imagem do dedo à desse objecto mais distante. Mantendo a mesma posição do braço e do dedo, se fecharmos a seguir o olho direito, veremos que a imagem do dedo deixa de ficar sobreposta na desse objecto, deslocando-se para a direita, isto é para o lado do olho que se fecha. A deslocação no espaço da sobreposição da imagem do dedo é tanto maior quanto mais distante estiver o objecto observado.
NOTA: A transcrição do escrito pelo falecido José Pereira foi autorizada pela família.Redação Gazeta da Beira
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