O universo de que somos parte (12)
O universo de que somos parte (12)
Reflexões do falecido José Pereira sobre a vida e o mundo em manuscrito que me foi confiado
O EFEITO DE PARALAXE POSSIBILITA O CÁLCULO DA DISTÂNCIA DA TERRA A ESTRELAS
O efeito de paralaxe referido no texto anterior a este pode ser aplicado à observação das estrelas a partir da Terra com intervalo espacial correspondente ao percurso angular de 180 graus da Terra na sua órbita à volta do Sol. Com base na hipótese de que a Terra gira à volta do Sol e não o Sol em torno do Sol, que foi proposta por Copérnico no fim do século 15 e confirmada cerca de 100 anos depois pelas observações astronómicas de Galileu possibilitadas então pela montagem num tubo de lentes de vidro alinhadas entre si (telescópio), foi possível a observação de estrelas a partir da Terra com intervalo de tempo de meio ano, possibilitando a determinação com rigor da distância a que certa estrela está da Terra.
Essa distância calcula-se tendo em conta que o ângulo mais pequeno do triângulo cujos lados maiores unem o ponto no céu que essa estrela aparenta ocupar num certo momento e o ponto que a estrela parece ocupar meio ano depois. O ponto ocupado pela Terra num certo momento da sua órbita à volta do Sol dista, meio ano depois, do ocupado por ela depois de ter percorrido 180 graus e corresponde ao dobro da distância da Terra ao Sol.
Com auxílio de telescópio traça-se linha imaginária entre o ponto que a Terra ocupa em certo momento em relação ao Sol, por exemplo no solstício de Verão, e o ponto no céu em que então a estrela é vista. Depois cruza-se essa linha com a que de modo semelhante for traçada entre o ponto que a Terra vier a ocupar meio ano depois, no solstício de Inverno, e o ponto no céu em que a estrela for então observada. A seguir ligam-se essas duas linhas pelos pontos que a Terra ocupa em cada um dos solstícios (linha que passa pelo Sol), traçando-se assim um triângulo equilátero cujo ângulo mais agudo é o que tem por vértice a estrela. Esse triângulo divide-se ao meio por linha que una o vértice do seu ângulo mais agudo ao meio da base, que é o local em que se situa o Sol, resultando dois triângulos rectângulos. O lado maior de qualquer desses triângulos rectângulos é o oposto ao seu ângulo recto, que mede 90 graus. Os restantes dois ângulos do mesmo triângulo medem somados também 90 graus, dado que sempre os três ângulos de um triângulo somam 180 gaus. Mede-se depois o ângulo cujo vértice corresponde ao ponto ocupado pela Terra, cujos lados são os segmentos de recta que unem a Terra ao Sol e a Terra à estrela. A diferença entre a medida desse ângulo e 90 graus corresponde à medida do ângulo cujo vértice coincide com a situação da estrela cuja distância se quer calcular. Como se conhece a distância do Sol à Terra (150 milhões de km) e esta medida é a do lado mais pequeno do triângulo rectângulo, sendo proporcional à medida em graus do ângulo que lhe é oposto (aquele cujo vértice é ocupado pela estrela), torna-se possível calcular a distância da estrela à Terra. Para isso multiplica-se a distância da Terra ao Sol por 90 graus; depois divide-se o resultado dessa multiplicação pela medida em graus do ângulo mais pequeno do triângulo que é o correspondente ao ponto ocupado pela estrela cuja distância que quer calcular. O resultado da divisão corresponde à distância da estrela à Terra.
Com o progressivo desenvolvimento das tecnologias de construção dos telescópios foi possível observar cada vez melhor os astros mais distantes da Terra, em especial as estrelas e depois as galáxias, analisar as características da luz que emitem, medir a distorção da luz que emitem com desvio para o vermelho e para o azul. Com base nessas tecnologias e no cálculo das distâncias em que se situam as estrelas (observáveis com efeito de paralaxe) foi sendo possível (cada vez com maior precisão) calcular a distância a que se situa cada estrela e depois cada galáxia.
Medindo-se o brilho de uma estrela cefeide, pode estimar-se a distância a que se situa da Terra. Para isso comparam-se as características da estrela cuja distância à Terra se conhece com as da estrela cefeide cuja distância à Terra se quer determinar. E se uma estrela cefeide se situar a distância de, por exemplo, 50 mil anos-luz, e outra estrela cefeide com características de brilho semelhantes for observada com 4 vezes menor brilho, situar-se-á ao dobro da distância, isto é a 100 mil anos-luz, porque a luminosidade aparente de uma fonte luminosa varia em função do quadrado da distância a que se situar do ponto em que for observada. As estrelas cefeides ganharam assim o estatuto de marcos indicadores das distâncias a que se situa cada estrela, a de cada galáxia que integram e da que medeia entre as galáxias.
Em 1923 Hubble, astrónomo nascido em 1889 nos EUA, detectou na até então considerada nebulosa de Andrómeda uma estrela cefeide com período de variação de brilho de 31,415 dias e mediu o brilho. No conhecimento desses dados, comparou-os com as distâncias de outras cefeides semelhantes em período e pico de brilho e concluiu que a até então considerada nebulosa de Andrómeda é efectivamente galáxia, calculando situar-se a aproximadamente 900 mil anos-luz da Terra. Com base nesse cálculo e em outras observações, verificou que a luz que chega à Terra vinda da generalidade das galáxias é vista com desvio para o vermelho que é variável de umas para outras. A partir dessas observações deduziu que as galáxias, cuja luz chega à Terra com desvio para o vermelho, se afastam dela a velocidade tanto mais rápida quanto maior é a distância a que se situam. Assim, sendo mensurável o valor do desvio para o vermelho da luz vinda de cada galáxia e sendo ele proporcional ao quadrado da distância a que a correspondente galáxia se situa, é possível calcular a velocidade a que se afasta da Terra.
Algum tempo depois de 1948 o astrónomo dos EUA Walter Baade corrigiu o cálculo feito por Hubble da distância a que a Galáxia de Andrómeda se situa da Terra com base na observação das estrelas RR (também variáveis) da constelação Lira, que Henrietta Leavitt havia estudado, tendo concluído que se situa a cerca de 2 milhões de anos luz da Terra, portanto a cerca do dobro da distância que fora calculada por Hubble. Dessa correcção resultou o alargamento proporcional da distância a que se considera situar-se outras galáxias e da velocidade a que se distanciam da Terra e entre elas.
Com o trabalho de Hubble e dos que o precederam e seguiram foi reforçada a concepção de que o Universo teve origem em explosão inicial, continuando em expansão. Com Hubble o número dos cientistas defensores do modelo do Universo em expansão foi ganhando apoiantes.
Esquema do cálculo da distância da Terra a estrela pelo efeito de paralaxe, que corresponde à variação da sua posição aparente no céu:
NOTA: A transcrição do escrito pelo falecido José Pereira foi autorizada pela família.Redação Gazeta da Beira
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