O UNIVERSO DE QUE SOMOS PARTE (26)
Os Judeus na Europa moderna
• António Bica
O desenvolvimento das correntes religiosas protestantes e a expansão do comércio e depois da indústria na Inglaterra e na Europa central nos séculos 16, 17 e 18 beneficiou os judeus. Muitos dos judeus asquenazes, isto é judeus de origem não ibérica, que os de origem em Portugal ou em Espanha eram conhecidos por sefarditas, viviam na Polónia, na Rússia e na Ucrânia para onde haviam fugido da Europa central nos séculos 13 e 14. Mais tarde, a partir da revolução industrial, começaram a regressarà Itália, à Áustria, à Alemanha, à Holanda, à França e à Inglaterra em consequência da perseguição que passou a ser-lhes movida nos países eslavos, quando as casas reais e a grande nobreza desses países passaram a recear o crescente poder nas suas terras da classe burguesa ascendente que integravam. Os judeus sefarditas expulsos ou fugidos da Espanha e de Portugal no fim do século 15 e durante os séculos 16 e 17 em grande parte refugiaram-se durante os fins do século 15 e depois nos séculos 16 e 17 na Europa Central, no norte de África e na Turquia, onde o desenvolvimento do comércio lhes possibilitou mais fácil inserção.
Nas guerras religiosas na Europa Central nos séculos 16 e 17 os judeus não tomaram posição própria, tendo-se posto ao serviço de quem melhor lhes pagava e dava garantias de protecção. O imperador Carlos V perseguiu os judeus na Espanha e nos territórios de Nápoles, mas protegeu-os nos territórios alemães para beneficiar do seu apoio financeiro na guerra contra os protestantes. O rabino alemão Josel de Roseim considerou por isso o imperador Carlos V como “anjo do Senhor” e recomendou que os judeus rezassem pelo sucesso dos exércitos imperiais contra os protestantes.
Quando, em 1618, a Guerra dos Trinta Anos rebentou na Alemanha, os imperadores da Áustria recorreram a grandes empréstimos judaicos para financiar a guerra. O judeu Bassevi, em 1622, em consórcio com dois nobres austríacos, forneceu ao imperador da Áustria o dinheiro que ele precisava para a guerra em troca do arrendamento do direito a cunhar moeda de prata. Na Holanda, Guilherme de Orange, que se tornou depois rei da Inglaterra com o nome de Guilherme II, foi financiado por dois judeus anteriormente “cristãos novos” fugidos de Portugal: António Álvaro Machado e Jacó Pereira.
Como se referiu, os judeus asquenazes haviam sido expulsos nos séculos 13 e 14 da Europa central para a Oriental (Polónia, Ucrânia e Rússia). Aí enriqueceram arrendando os grandes latifúndios da nobreza desses países, que por vezes abrangiam distritos inteiros, exigindo dos camponeses rendas e impostos exorbitantes. Voltaram-se por isso contra eles as populações exploradas. Quando os reis e a grande nobreza desses países começaram a sentir desenvolver-se a nova classe social, a burguesia, de que eles eram parte importante em número e riqueza, com risco para o seu poder tradicional assente na posse da terra, deram liberdade aos camponeses para perseguir os judeus que odiavam, tendo massacrado grande número deles, no que é conhecido por “progromes”. Estima-se em 100.000 os mortos.
As perseguições dos judeus na Europa favoreceram o pensamento religioso emocional apocalíptico entre eles, procurando formas de adivinhação do futuro pela cabala e sinais da vinda do prometido Messias.
Um judeu da Palestina, de nome Lúria, filho de refugiado da Europa Oriental, desenvolveu a cabalística e popularizou-a, acreditando que pela correspondência das letras da Bíblia a números se poderia prever o futuro. A representação dos números pelos sinais que designamos algarismos só começou a ser feita na Europa na Idade Média, sendo anteriormente feita por letras; por exemplo no império romano era feita por letras do alfabeto latino. Sendo as letras também usadas como números, defendeu que isso possibilitaria chegar ao conhecimento do futuro e melhor compreensão de Deus. Baseando-se nessa correspondência, previu a data da vinda do Messias. As ideias de Lúria foram divulgadas entre os judeus da Europa.
Estimulado por esse ambiente judaico de crendice e irracionalidade, em meados do século 17 um judeu chamado Zevi proclamou-se o Messias prometido na Bíblia e anunciou a redenção para 18 de Junho de 1666 por o número 6 ter forte significado cabalístico. Por todo o Médio Oriente e pela Europa muitos judeus acreditaram nisso. Mas Zevi, que esperou na capital do império turco, Constantinopla, o dia da redenção judaica, acabou, desiludido, por se converter ao islamismo, tendo morrido em 1676 na Albânia então sob domínio turco.
Cerca de 100 anos depois apareceu novo Messias, Jacó Frank, filho de um judeu polaco tido como reencarnação do falecido Zevi. Também este novo Messias acabou por abandonar a religião judaica, convertendo-se ao catolicismo em 1759 na Polónia.
Um judeu originário de Portugal (Ilha da Madeira), onde era cristão novo, de nome Manuel Dias Soeiro, fugido no início do século 17 para a Holanda, retornou aí à religião judaica e adoptou o nome de Manassé. Este com outros judeus refugiados na Inglaterra, que eram como cristãos novos saídos de Portugal e da Espanha, teve papel decisivo na alteração do estatuto dos judeus na Europa.
Na Inglaterra não havia judeus desde que o rei Eduardo I os expulsara em 1290. Entretanto alguns “cristãos novos” fugidos de Portugal e da Espanha desde o século 15 ao 16 e princípios do século 17 foram autorizados a ficar na Inglaterra como cristãos refugiados, não como judeus, que se considerava que não podiam viver na Inglaterra desde a expulsão em 1290. Entre esses judeus, que mantiveram na Inglaterra a capa de cristãos novos, estavam Duarte Brandão, nome que inglesou para Edward Brampton, Rodrigo Lopez e António Fernandez Carvajal.
Quando o fluxo de judeus vindos da Europa Oriental fugidos às perseguições no século 17 aumentou muito na Holanda, o referido judeu Manassé, que era influente, foi a Inglaterra negociar a autorização de entrada de parte desses judeus contra a promessa de lealmente servirem com os seus capitais o governo inglês. O processo arrastou-se, tendo por fim o governo inglês da época, interessado em atrair capital, considerado, por conveniente subtileza jurídica, que a expulsão dos judeus em 1290 fora acto administrativo pontual que teve então como efeito a expulsão dos judeus que então viviam na Inglaterra. Mas essa ordem fora pontual, não abrangendo outros judeus nem proibição da posterior entrada de judeus na Inglaterra.
Assim, a partir dos meados do século 17, os judeus passaram a ter direito de cidadania na Inglaterra, o que aconteceu pela primeira vez na Europa, onde apenas a adquiriram com as posteriores revoluções burguesas.
———————————————————————————————————————————————-
Mais artigos:
• Reflexões sobre a vida e o mundo (25)
• Reflexões sobre a vida e o mundo (24)
• Reflexões sobre a vida e o mundo (23)
Redação Gazeta da Beira
Comentários recentes