A. Bica (Dez 2013)

Desenvolvimento económico, social e político com respeito pela natureza e pelos princípios de igualdade, liberdade e solidariedade – 31

O desenvolvimento tecnológico decorrente do científico acelerou a capacidade e a velocidade de comunicação entre os múltiplos grupos humanos do mundo. Quando a humanidade se dispersou, provavelmente a partir da África há cerca de 50 mil anos, fê-lo a pé, que ainda não sabia domesticar animais de montar e carga. A lentidão e outras dificuldades dessa deslocação foram obstáculo para os grupos humanos que se espalharam pelo mundo contactarem depois entre eles, o que determinou a sua evolução divergente em língua, cultura e características genéticas.

Quando, com a domesticação de animais, passou a ser possível a deslocação no dorso deles (burros, cavalos, camelos) e o transporte de bens, os contactos entre diferentes grupos humanos passou a ser facilitado. Com o uso da roda e a construção de carros e de barcos para navegação costeira, em lagos e mares interiores os contactos intensificaram-se.

Na Idade Média, sobretudo a partir dos séculos 14 e 15, passou a haver capacidade técnica para construir barcos suficientemente grandes e sólidos capazes de se deslocar e manobrar só com uso de velas, sem necessidade de remadores. Sendo os remadores dispensados, esses barcos não tinham que os transportar nem os alimentos e a água de que precisavam. Passou assim a ser possível a navegação a grandes distâncias sem escala de portos intermédios e consequentemente o contacto entre todos os povos do mundo, incluindo os anteriormente separados pelos largos oceanos (os mares oceanos como então se dizia). O contacto pelos oceanos passou a ser feito no século 15 pelos povos europeus, com maior relevo por Portugal, alargando-se e intensificando-se até ao fim do século 18. A tentativa chinesa para o fazer, no século 15, apesar dos seus barcos permitirem navegação a grandes distâncias, foi episódica, sem a dimensão e as consequências da dos povos europeus. Os europeus tornearam então a África, chegaram à América e à Ásia. Se tivesse sido seguida na China do século 15, ou anteriormente, política de expansão marítima territorial ou comercial, não teriam sido os comerciantes indianos, primeiro budistas e depois muçulmanos, a criar entrepostos comerciais e influência cultural e religiosa nas ilhas da Insulíndia e nos territórios do sudeste asiático, mas os chineses até os europeus aí terem chegado no século 16. E os habitantes do largo território da Austrália não se teriam mantido isolados do mundo circundante até os europeus terem aportado a essa ilha continente no século 16.

Com o maior desenvolvimento científico e tecnológico nos séculos 19 e 20 tornou-se cada vez mais fácil e rápido o contacto entre os povos. Hoje, início do século 21, a deslocação de pessoas e bens por toda a Terra pode demorar apenas horas, e a comunicação de informação, se não for quase instantânea, segundos. O desenvolvimento tecnológico aproximou todas as comunidades humanas da Terra, embora com consequentes tragédias para muitas de economia pré-neolítica, isto é que não trabalhavam a terra nem crivam gado senão, nalguns casos, muito incipientemente; não podendo ser objecto de exploração económica, foram por isso exterminadas. Outras comunidades sofreram terríveis consequências de domínio político e económico por não dominarem as tecnologias de comunicação, as bélicas e as de produção de bens dos povos europeus e de cultura europeia. A isso acresceu a extinção de milhares de espécies de animais e de plantas por destruição delas e do meio em que viviam.

O contacto fácil entre todos os povos da Terra inverteu a natural evolução divergente dos grupos humanos que se haviam constituído por dispersão da humanidade, que toda a evolução na natureza tende a ser divergente. As forças de convergência passaram, desde então, a ser dominantes. Isso teve (e continua a ter) custos muito elevados, não apenas em sofrimento humano, incluindo com aniquilação de povos e a intensificação, até meados do século 19, da escravatura, mas também culturais com acelerada redução da multiplicidade de línguas, mundividências, religiões e valores, com empobrecimento cultural do mundo, com tendência para impor como dominante, quase única, a cultura de raiz europeia, porque é a dos Estados que economicamente têm sido mais poderosos. Assim o mundo, cuja maior riqueza cultural é a diversidade, está culturalmente a empobrecer. Os organismos supranacionais não podem deixar de estabelecer normas de direito internacional tendentes a preservar a diversidade cultural que resta no mundo e financiar as acções necessárias para isso.

A realidade da mundialização da economia e da comunicação da humanidade levou pensadores como Sebastião de Magalhães Lima em Portugal, a propor a ligação do país à Espanha em Federação Ibérica, esta à Europa em Federação Europeia e todas integradas em Federação Humana (ver “O ideal Moderno, o Federalismo” Lisboa 1898). Assim defenderam no século 19 a criação de estruturas jurídicas internacionais capazes de assegurar a convivência pacífica da humanidade.

No século 20 foi para esse fim institucionalizada a Sociedade das Nações e cerca de 30 anos depois criada a Organização das Nações Unidas.

A mundialização da humanidade decorre do contínuo desenvolvimento tecnológico e este do cada vez mais alargado conhecimento das leis naturais, inicialmente apenas empírico. Desde o século 18 esse desenvolvimento tem sido sistematicamente estimulado para intensificar o da economia. Disso resulta a redução dos custos de produção, isto é diminuição dos tempos de trabalho necessários para produzir as mesmas quantidades de mercadorias. Porque o desenvolvimento tecnológico obriga a investimentos cada vez maiores em capital fixo, as unidades produtivas tendem a ser de maiores dimensões, produzindo quantidades de mercadorias sempre crescentes. A comercialização delas exige mercados alargados que excedem a dimensão de países médios em território e população. Por isso a mundialização da economia foi e continua a ser prosseguida pelos países mais industrializados e com melhor tecnologia. Fazem-no procurando criar largos espaços comerciais interestaduais sem barreiras alfandegárias como a CEE, hoje União Europeia, e outros, e que os restantes Estados reduzam até eliminar as barreiras quantitativas e fiscais e os subsídios directos e indirectos à exportação. Apesar disso arrogam-se o direito de o não fazer para os produtos agrícolas, sector em que têm menor capacidade de produzir a preços competitivos, invocando hipocritamente o que chamam direito de soberania alimentar. O GATT foi o instrumento de organização internacional usado para isso, a que sucedeu a OMC. Assim as mercadorias tendem hoje a circular no mundo tão facilmente como anteriormente dentro de cada país.

Por outro lado o desenvolvimento do sistema financeiro e a sua actual capacidade de transmitir informação em segundos para qualquer parte da Terra tornou a circulação de dinheiro no mundo tão rápida como a circulação do sangue nos corpos por estar desmaterializado em mera expressão numérica com registo e circulação electrónicos.

O conhecimento do que acontece em qualquer parte do mundo pode hoje chegar a outra quase imediatamente. A mundialização da circulação das mercadorias, da informação e do dinheiro não tem sido acompanhada, por imposição dos grandes interesses económicos e financeiros dos países com economia industrial mais poderosa, de adequada regulação internacional da circulação da riqueza em dinheiro.

A mundialização da economia torna necessário haver normas jurídicas internacionais para regular as trocas comerciais, função que hoje cabe fundamentalmente à OMC (Organização Mundial do Comércio), e também de controlo da circulação financeira para combater a especulação, a grande corrupção e a fuga fraudulenta aos impostos e as demais actividades ilícitas a que as grandes organizações financeiras tenazmente se opõem. Essas normas de regulação financeira dificilmente serão criadas de modo a terem eficácia enquanto a maior e mais decisiva parte dos meios de produção não pertencerem aos colectivos humanos organizados, porque os governos, dependendo dos detentores privados dos grandes meios de produção, não vão contra o seu interesse de circulação livre e sem encargos do capital monetário e de disporem de paraísos fiscais para fugir ao pagamento de impostos e “lavar” o dinheiro ilicitamente adquirido, ou usado contra a lei.

Nota: O texto continuará a ser publicado em edições posteriores da Gazeta da BeiraRedação Gazeta da Beira