• Reflexões sobre a vida e o mundo (21 + 22)
Os Judeus no Império Romano. A reforma do judaísmo por Cristo
No ano 63 antes de Cristo o romano Pompeu conquistou, como já se referiu, a Palestina, que corresponde ao território que vai do Egipto à Síria, integrando-a no Império Romano. Pompeu governou com Júlio César o Império Romano na crise final da Republica de Roma no século primeiro antes de Cristo.
À Palestina foi então reconhecida pelos romanos alguma autonomia, continuando a ser governada pela família clerical dos Asmoneus a que pertenceram os Macabeus. Em 40 antes de Cristo os romanos, afastando a família dos Asmoneus, entregaram o governo da Palestina a Herodes com o título de rei subordinado a Roma. Herodes morreu em 4 antes de Cristo. Desse facto, que é seguro, resulta que Jesus, depois chamado Cristo, terá nascido 1 a 3 anos antes da morte de Herodes, dado que é referido nos evangelhos ter sido levado para o Egipto depois do seu nascimento para fugir a perseguição de Herodes. Assim o nascimento de Jesus tem que ser situado entre o ano 5 e o ano 7 antes do actual calendário conhecido por Gregoriano.
Quando Herodes morreu, cerca do ano 4 antes de Cristo, o Governo da Palestina foi confiado a procuradores de Roma, tendo sido atribuído ao filho de Herodes, chamado Herodes Agripa I, título de rei, mas com poder pouco mais que honorífico. A Herodes Agripa I sucedeu Herodes Agripa II.
Por esse tempo desenvolveu-se na Palestina, contra os romanos, forte resistência política e cultural fundada na religião judaica. Diversos grupos e correntes religiosas procuravam resistir ao poder dos romanos: os Essénios , os Zelotas, os Fariseus, os Sicários e outros.
Nos evangelhos há sinais disso: um dos discípulos de Jesus é conhecido por Zelota (Simão o Zelota), o que é revelador de que Jesus e o seu grupo não aceitavam o poder romano.
Como já se referiu, as construções religiosas são compostas pelos imaginados espíritos, deuses, cosmogonias; e, a nível organizacional, pelos templos, estruturas sacerdotais e rituais. Com o desenvolvimento económico e consequentemente social, cultural e político, embora mantendo a base mitológica, desenvolveu-se notável esforço de racionalização das religiões, que se intensificou no século 1 antes de Cristo com o monoteísmo e a criação do espírito filosófico na Grécia.
Cerca de dois séculos antes do século 1 o faraó egípcio Aquenaton criou a primeira religião monoteísta conhecida. Moisés, que certamente existiu, mesmo que muito mitificado, terá sido criado no palácio de Aquenaton e tentado assegurar a sobrevivência do monoteísmo chefiando as tribos hebraicas para resistirem ao regresso do politeísmo no Egipto. Falhada a resistência, conduziu-as até ao território de Canaan, que é hoje a Palestina. O monoteísmo subsistiu com dificuldade ao abastardamento resultante pela cultura tribal das tribos hebraicas.
Apesar da integração dos judeus nos estados helenistas depois do início do século 4 antes de Cristo conservaram a cultura tribal anterior à sua adesão ao monoteísmo. As dez tribos hebraicas do norte de Canaã haviam perdido a identidade cultural e religiosa na sequência de prolongado desterro no século oitavo antes de Cristo na Assíria da sua classe dirigente.
Posteriormente, no século sexto antes de Cristo, ocorreu o desterro na Babilónia, durante cinquenta anos, dos dirigentes da tribo de Judá que havia absorvido a de Benjamim. Com a conquista da Babilónia pelo império persa integrou-se nele a tribo judaica, a que sucederam o império helenístico de Alexandre Magno e os reinos em que depois se fragmentou e posteriormente o império romano. A influência cultural destes impérios resultante do desenvolvimento económico e de activas trocas comerciais tendeu a apagar a cultura tribal dos pequenos povos sucessivamente englobados neles com substituição por novos valores universalizantes conformes com a nova realidade económica e política. Os ritualizados valores tribais foram sendo substituídos por outros de maior tolerância nascidos da convivência de diversos povos, distintas religiões, diferentes línguas e diferenciados costumes. Apesar disso a religião judaica fechou-se, mantendo carácter tribal arcaico. Sob o domínio romano o reformador religioso Jesus tentou libertar o monoteísmo judaico desses valores tribais.
O progressivo desaparecimento dos valores tribais no médio oriente e nas margens mediterrânicas decorreu do mais acelerado desenvolvimento das forças produtivas derivado sobretudo do domínio das tecnologias de extracção de metais e de produção de ligas metálicas, do desenvolvimento das técnicas de irrigação, do uso do cavalo e do alargamento do comércio.
Pelo meado do primeiro milénio antes de Cristo, na Grécia, a pulsão humana para a compreensão do universo começou a evoluir das múltiplas explicações míticas para a busca de explicações racionais comunicáveis aos outros humanos por palavras compreensíveis, isto é discurso racional designado em grego “logos”.
Cristo, reformador religioso do monoteísmo hebraico influenciado pelo despontar de novos valores humanizantes e universais, rejeitou os valores judaicos de carácter tribal e rígido formalismo litúrgico que atribuía a essência do valor religioso ao cumprimento formal rigoroso dos preceitos fixados na Hálaca, que corresponde ao que os islâmicos designam hoje sharia. Defendeu Jesus a substituição do formalismo da corrente religiosa farisaica por valores centrados no respeito por todos os humanos com prevalência da boa intenção e do espírito compassivo sobre a prática ritual.
Esses novos valores têm registo nos quatro evangelhos chamados canónicos em múltiplas passagens de que se destaca:
No evangelho de Marcos, 2, 23-24 e 27, consta o indicado a seguir, que é referido também em Mateus, 9, 1-13 e Lucas, 5, 17-32:
Em dia de sábado Jesus caminhava por uma seara com os seus discípulos, que colheram espigas para comer os grãos. Os fariseus perguntaram: Por que razão fazem ao sábado o que a lei não permite?
Jesus respondeu: O sábado é o dia de descanso criado para bem dos humanos. Não foram eles criados para bem do sábado.
(Nos sábados os judeus consideram interdita toda a acção útil de humanos e de animais ao serviço dos humanos por esse dia corresponder ao referido no Génesis como aquele em que Deus descansou depois de criar o mundo durante os seis dias precedentes).
No evangelho de Marcos, 3, 1-6, consta também, como é referido em Mateus, 12, 9-14 e em Lucas, 6, 6-11:
Em outro sábado Jesus entrou na casa de oração, onde estava um paralítico de uma mão. Jesus perguntou : A lei manda que ao sábado se faça o bem ou o mal? Salvar a vida ou deixar morrer? Então disse ao que tinha a mão paralítica: Estende a mão. E a mão foi curada. Os fariseus (por isso) saíram da casa de oração e juntaram-se aos partidários do rei Herodes para verem como haviam de matar Jesus.
(A casa de oração não era considerada templo, mas local de reunião dos judeus da corrente religiosa farisaica de que Jesus estava próximo).
No evangelho de Marcos, 7, 18-23, é referida a desvalorização por Jesus dos interditos alimentares religiosos judaicos, como também consta de Mateus, 15, 10-20:
Não é o que comemos que nos torna impuros, mas o que vem do íntimo de nós como os maus pensamentos que levam ao crime, à avareza, à inveja, à calúnia e ao orgulho.
No evangelho de Marcos, 12, 13-17, é relatada a oposição activa de Jesus aos interesses dos sacerdotes judeus instalados à sombra do templo de Jerusalém, o que consta também de Mateus, 22, 15-22 e de Lucas, 20, 20-26, e a tentativa de incriminar Jesus de modo a ser condenado pela autoridade romana.
———————————————————————————————————————————————————–
O UNIVERSO DE QUE SOMOS PARTE (21)
O Regresso dos Judeus da Babilónia
Os Judeus regressaram, no ano 538 antes de Cristo, da Babilónia ao território da tribo de Judá, onde hoje é a Palestina, logo depois da conquista da Babilónia pelos Persas.
Duzentos anos depois, com as batalhas de Granico (ano 334 antes de Cristo), de Issos (ano 333), a rendição das cidades de Tiro e de Gaza (ano 332) e a batalha de Arbelos, os Gregos, sob o comando de Alexandre Magno, conquistaram todo o território do império persa, que correspondia ao que hoje é o da Turquia, da Síria, do Iraque, da Palestina, da Jordânia, do Egipto, do Irão, do Paquistão e do Afeganistão.
Em 10 anos Alexandre Magno conquistou esse largo território. Morreu em 323 antes de Cristo, tendo-lhe sucedido quatro generais gregos nas diferentes partes do império, que assim se dividiu. O que passou a governar o Egipto, Ptolomeu, de quem descendeu a dinastia dos Lágidas, estendeu o seu poder do Egipto ao norte de Jerusalém. Os Judeus passaram então a ser governados pela dinastia Lágida do Egipto, que era tolerante em assuntos religiosos.
A religião judaica, conservando embora alguns valores e mitos semitas mesopotâmicos, nascera, como se referiu, da reforma monoteísta do faraó Aquenaton, no século 14 antes de Cristo. A religião egípcia concebia o homem como unidade não cindível, em que a destruição do corpo correspondia ao inevitável desaparecimento total e definitivo do homem, que assim deixava de ser. A religião judaica, tendo origem no Egipto, tinha entendimento semelhante. Os egípcios de então procuravam por isso conservar os corpos dos seus mortos mumificando-os para garantir o seu não desaparecimento. Os Judeus, que não tinham a riqueza dos egípcios nem, na Palestina, clima desértico e consequentemente, apesar de não poderem conservar os corpos dos seus mortos de forma a não se descomporem, não aceitavam a inevitável realidade da morte. Atribuíam-na a castigo de Deus como consequência de a primeira mulher (Eva) ter comido no Paraíso o fruto proibido por Deus, considerando que esse pecado se transmitia por geração a todos os seus descendentes, que são, no mito bíblico, todos os homens.
O judaísmo, apesar de entender todos os humanos sujeitos ao pecado, tinha porta de esperança, embora apenas para os judeus: Sendo os judeus uma tribo, entendiam (e ainda entendem) que o deus da sua tribo, embora inimigo dos deuses de todas as outras tribos cujo identidade negava, era o único Deus do Universo, por eles chamado YAVÉ, que escolhera os judeus como seu povo, em prejuízo de todos os outros povos, os não judeus, prometendo dar-lhes o poder sobre todos os outros e um chefe, o Messias, chamado Cristo em grego, que lhes daria esse poder e domínio e os redimiria do pecado original, deixando, a partir de então, de ficar sujeitos à morte.
A cultura grega, ao contrário do que fez a egípcia com a reforma de Aquenatom, não procurou racionalizar a religião como disciplina mental para a explicação do Universo e para definir regras de vida para o homem. Desenvolveu, em vez disso, uma inovadora disciplina mental, que designou filosofia, (gosto de saber), procurando conhecer cada vez mais o mundo e a vida e definir regras de convívio humano. A filosofia grega concebia o homem como corpo (designado soma) e sopro (designado pneuma, em latim spiritus). O soma era concebido como a parte sólida do homem e o pneuma como a fluida.
O conceito de pneuma, com a filosofia idealista de raiz socrática, foi-se depurando da sua corporalidade até a perder. Esta concepção grega dualista do homem influenciou a religião judaica e fez nela nascer correntes que abandonaram a concepção ortodoxa judaica de entendimento do homem como ser unitário, que concebia a morte como o desaparecimento total, definitivo e irreversível em consequência do pecado original da Eva e do Adão no Paraíso, pecado herdado por todos os descendentes. Na concepção judaica, o homem fora criado por Deus para não sofrer a morte, nem a dor, nem a contradição, só os tendo passado a sofrer por ter pecado no Paraíso ao comer o fruto proibido por Deus.
A concepção dualista do homem de origem grega influenciou fortemente os judeus e a sua religião na sequência do domínio político da dinastia Lágida de origem grega que governava o Egipto e fez nascer entre eles correntes religiosas, como a farisaica, que concebiam o homem como corpo e espírito e defendiam que, no fim dos tempos, o corpo de todos os mortos voltaria à vida e se uniria ao espírito. A essas correntes pertenceram João Baptista, Jesus Cristo, os essénios e os fariseus.
A influência da filosofia grega sobre as novas correntes da religião judaica e sobre a cultura judaica, além da referida, foi grande: Muitos judeus passaram a usar nomes gregos e a Bíblia foi traduzida para grego no Egipto. Fílon de Alexandria , que viveu de 25 antes de Cristo a 50 depois de Cristo, interpretou os textos bíblicos, à luz da filosofia grega platónica, como alegorias.
A antiga e tradicional corrente religiosa judaica, que considerava que, com a morte, o homem desaparecia integralmente e para sempre, cujos seguidores eram conhecidos por Saduceus, continuou todavia presente e a ser seguida pelo alto clero judaico, como o Evangelho de S. Mateus refere (22, vers. 23). Essa corrente ortodoxa veio a desaparecer com a derrota das revoltas judaicas no governo de Vespasiano no século 1 e depois de Adriano no século 2.
Outras influências indianas e persas sofreu a religião judaica que se reflectiram nas suas correntes religiosas, como aquela de que veio a resultar o cristianismo. O uso no Cristianismo da água com valor religioso, quer no baptismo, quer como água benta, provém das religiões indianas, onde a água tem valor sagrado. Também a atitude de adoração ou veneração religiosa de mãos postas dos cristãos provém das religiões e costumes indianos, onde se usa essa postura de mãos como sinal de respeito e veneração religiosa. A atitude em sinal de adoração dos hebreus era de braços abertos e de palmas das mãos para cima, sendo a adoptada pela reforma monoteísta egípcia do século 14 antes de Cristo de adoração ao deus único que se manifestava no Sol, em atitude de recepção da sua luz, calor e graça.
No início do século 2 antes de Cristo, a dinastia grega do Egipto (Lágidas) perdeu o território da Palestina, onde viviam os judeus, para a dinastia grega dos Selêucidas, que tinha o poder na Síria. O rei selêucida Antíoco IV Epifânio tomou então medidas políticas e administrativas para acelerar a assimilação dos judeus à cultura, aos valores e aos costumes gregos. Isso provocou reacção religiosa e política dos judeus que, chefiados pela família clerical dos Macabeus, se revoltaram em 166 antes de Cristo, e, com permanentes lutas militares e guerrilha, em que tiveram papel destacado os hassidins, seguidores da corrente religiosa de que derivaram os fariseus, foram assegurando relativa autonomia judaica até 63 antes de Cristo, data em que o general romano Pompeu conquistou a Palestina e a anexou ao Império Romano. Sobre este período podem ler-se os livros bíblicos dos Macabeus.
• António Bica
———————————————————————————————————————————————-
Mais artigos:
Comentários recentes