A. Bica (10)

Reflexões sobre a vida e o mundo (10)

O universo de que somos parte (10)

Reflexões do falecido José Pereira sobre a vida e o mundo em manuscrito que me foi confiado

Os seres ou realidades do universo tendem a agregar-se divergindo

A agregação dos seres no universo sempre progride divergindo. Embora não se conheça nem possa conhecer todos os seres do universo, que será, como parece, infinito, é de admitir não existirem dois seres iguais a partir de certo nível de densificação e de complexificação. Apesar de se desconhecer esse nível, poderá situar-se pouco acima das agregações dos elementos químicos da tabela de Mendeleieve. Como se referiu, um dos sentidos de divergência é a progressão da organização da matéria para grande densidade que, pelo que se observa, culminará nos corpos superdensos também designados “buracos negros”. O outro é a progressão para cada vez maior complexidade, que tenderá para maior capacidade de o ser correspondente interagir com o meio que o rodeia, reproduzir-se, memorizar sensações e na base delas procurar percebê-lo e também a si para melhor subsistir.

A progressão para cada vez maior complexificação parece exigir razoável constância de certas condições físicas, nomeadamente de temperatura, de gravidade, de pressão atmosférica, de grau de humidade, que desde alguns milhares de milhões de anos existirão na Terra e se prevê poderem continuar a existir por muito tempo, desconhecendo-se actualmente se existem em outros planetas, mas sendo probabilisticamente admissível. Há no universo observável talvez centenas de milhar de milhões de galáxias e em cada uma delas centenas de milhar de milhões de estrelas com planetas a circular à sua volta. O número de planetas a orbitar estrelas semelhantes ao Sol, mesmo que o universo não fosse sem fim e tivesse como limite o que dele podemos observar, seria superior a mil triliões, o que corresponde a 10 elevado à potência 21, isto é 1 seguido de 21 zeros. É por isso provável que as condições para o surgimento de seres que chamamos vivos, tendo ocorrido na Terra, existam, tenham existido e venham a existir em muitos outros planetas na infinitude do espaço e do tempo.

Desde 2011 os astrónomos começaram a descobrir planetas a orbitar outras estrelas da Via Láctea por observações feitas sobretudo através dos telescópios Hubble, Spitzer e Kepler. A observação é feita por telescópios muito sensíveis à variação de intensidade da luz emitida por cada estrela. Se o plano da órbita de um planeta à volta de certa estrela estiver alinhado com a Terra, o que não acontece sempre, quando na sua trajectória o planeta se interpõe entre a estrela que orbita e a Terra, a luz emitida por essa estrela chega mais atenuada. A atenuação correspondente dá informação da existência de planeta e de algumas características dele, nomeadamente de tamanho. Em meados de 2013 tinham já sido descobertos 860 planetas orbitando estrelas, 16 dos quais de tamanho similar ao da Terra. Em vários foram detectados indícios de metano, de dióxido e monóxido de carbono e de sódio. A NASA projecta lançar no espaço em 2020 vários telescópios, incluindo um designado Terrestrial Planet Finder Interferometer para detectar e determinar características de planetas do tipo da Terra orbitando outras estrelas.

Se houver no universo outros planetas onde existam seres complexos que se possa considerar terem vida, esses seres vivos serão necessariamente diferentes dos que existem na Terra, que uma das constantes observáveis no universo é os seres complexos tenderem a divergir, do que resulta não haver dois exactamente iguais. Cada um tende a ser diferente de outro por mais semelhantes que pareçam. A evolução processa-se divergindo. Os filhos não replicam os pais. Se dois grupos humanos, falando a mesma língua, tendo os mesmos costumes e valores, se afastarem deixando de ter contacto, ou se os contactos se reduzirem muito, as línguas por eles faladas, os seus costumes e os valores tenderão a divergir em função do decorrer do tempo. Sendo necessariamente não coincidentes com os existentes na Terra a proporção dos elementos químicos constituintes dos múltiplos planetas em que poderá existir vida (embora haja evidência de todos os elementos químicos existirem em todo o universo), a distância em relação à estrela que cada um orbita, a força de gravidade que cada um exercerá sobre os seres da sua superfície, a composição e a espessura da sua atmosfera, o tempo de translação à volta da estrela que orbita, o da sua rotação, a inclinação e o grau de estabilidade do eixo de rotação, a força do escudo electromagnético que gerar, os seres vivos que houver em cada planeta com biosfera serão provavelmente muito diferentes dos existentes na Terra.

Havendo vida noutros planetas, se não houver domínio de tecnologias de comunicação muitíssimo mais rápidas do que as conhecidas hoje pela humanidade, não parece vir a ser possível comunicação da espécie humana com seres inteligentes de planetas situados fora do sistema solar, porque as distâncias são tão grandes que a torna impossível. Mesmo que o universo não exista desde sempre [segundo é estimado pelo modelo explicativo da explosão inicial (big bang) existirá há pouco menos de 15 mil milhões de anos e o sistema solar há apenas cerca de 5 mil milhões], se a vida surgiu em outros planetas de sistemas solares da nossa galáxia muito anteriores ao nosso, como é provável, é de admitir que em alguns deles tenha evoluído para seres com capacidade de raciocinar em abstracto muito antes de isso ter acontecido na Terra. Esses seres teriam sido consequentemente capazes de desenvolver tecnologias de comunicação (se possíveis) que lhes tivessem permitido comunicar com seres de outros planetas da galáxia, incluindo a Terra, e mesmo de outras galáxias. Mas não há evidência de vida inteligente exterior à Terra ter comunicado com ela, sendo de admitir que continuaria a fazê-lo se alguma vez o tivesse feito. Mesmo que haja vida com capacidade de raciocinar em abstracto em outros planetas da nossa galáxia e de outras do universo, sendo isso muito provável, não parece haver capacidade de intercomunicação entre os seres vivos desses planetas e deles com os da Terra.

NOTA: A transcrição do escrito pelo falecido José Pereira foi autorizada pela família.Redação Gazeta da Beira