O UNIVERSO DE QUE SOMOS PARTE (24)
As classes dominantes judaicas dispersaram-se
• António Bica
Com a repressão das revoltas judaicas contra o império romano dos anos 70 e 135 depois de Cristo, foi destruído o Templo judaico de Jerusalém e dispersas pelo império romano as classes dominantes judias. Na Palestina continuou a viver o povo miúdo que cultivava os campos e guardava os rebanhos, pescava e vivia de outros ofícios.
A dispersão das classes dominantes judaicas, em especial a classe sacerdotal, teve também como consequência o desaparecimento da corrente cristã de costumes judaicos, que se opunha ao domínio romano e foi a dominante no cristianismo seguido na Palestina até ao ano 70 da nossa era. As derrotas militares judaicas nos anos 70 e 135 convenceram os cristãos a distanciar-se do judaísmo, como defendeu a corrente de S. Paulo.
O cristianismo distanciado do judaísmo ganhara adeptos na Palestina e, com a conversão dos imperadores romanos no século 4 e a construção das basílicas da Natividade, em Belém, e do Santo Sepulcro, em Jerusalém, passou a ser aí a religião dominante.
Mas a religião judaica não desapareceu da terra da Palestina com as derrotas dos judeus pelos romanos nos anos 70 e 135. A maior parte do povo continuou fiel à sua religião, organizando-se à volta de sinagogas, onde letrados (os rabinos) asseguravam o conhecimento dos textos religiosos. E por todo o Império Romano onde havia colónias judaicas, reforçadas após as revoltas judaicas da Palestina, os judeus mantiveram-se organizados à volta das sinagogas e das escolas religiosas para ensinar a ler e a interpretar a Bíblia e a Tradição. Das diversas correntes religiosas judaicas subsistiu a farisaica, que, ao contrário da corrente sacerdotal, a dos saduceus, acreditava na distinção entre alma e corpo, na ressurreição do corpo no fim dos tempos, que então se ligaria de novo à alma, e considerava a Tradição fonte religiosa e não apenas a Bíblia. Os judeus viviam dispersos pelo Império Romano e mesmo fora dele, como na Babilónia e em outras cidades da Mesopotâmia (onde hoje é o Iraque), da Arábia e outras terras. Mantinham-se unidos à volta da religião e da convicção de serem o único povo escolhido pelo Deus único, e, assim, como um corpo estranho, rigidamente separados dos povos onde viviam.
As regras morais da religião judaica só as consideravam aplicáveis a si, judeus, e olhavam os não judeus como “gentios”, isto é como outra gente em relação à qual não estavam vinculados pelos valores éticos decorrentes da religião judaica. As comunidades judaicas viviam, em regra, em centros urbanos onde trabalhavam como comerciantes, artesãos, agiotas, astrólogos, médicos, arrematadores de impostos e letrados. Como letrados eram frequentemente empregados pelas casas reais, as poderosas e as ricas, leccionavam nas universidades, cobravam impostos e com isso ganhavam poder e influência. O estudo era vivamente defendido pelos judeus. Na França medieval um discípulo de Abelardo observou: «Um judeu, mesmo pobre, faz estudar os seus filhos.»
Maimónides, o judeu de Espanha que foi médico da corte do sultão do Egipto, Saladino, no século 12, altura em que viveu em Portugal D. Afonso Henriques, aconselhava os judeus a dedicar, em cada dia, mais horas ao estudo do que ao trabalho.
Este comportamento colectivo fez de muitos judeus gente em regra gente sabedora e culta. O conhecimento dava-lhes acesso a profissões e actividades com que ganhavam dinheiro e consequentemente poder. Como não se consideravam vinculados a respeitar, em relação aos não judeus, as normas morais decorrentes da sua religião, cobravam os maiores juros que podiam pelo dinheiro que emprestavam, apesar de a sua religião os proibir entre judeus. Aproveitavam-se de situações de necessidade para fazer negócios leoninos e em caso de conflito militar traíam, quando lhes convinha, as comunidades onde viviam, ajudando os inimigos, como aconteceu em 611 depois de Cristo com a invasão persa da Palestina, com as conquistas árabes no século 7 dos territórios cristãos da Palestina, da Mesopotâmia e do norte de África, em 711 depois de Cristo com a invasão árabe da Península Ibérica e em muitos outros casos. Shakespeare traduziu este comportamento judeu na obra “O Mercador de Veneza”, em que retratou um judeu que exigiu, como garantia de um empréstimo, o direito a cortar meia libra de carne do devedor se não lhe pagasse no dia e na hora o que lhe devia; como não foi pago, exigiu a execução desse direito por corte de meia libra do coração. Os judeus não se misturavam com os povos onde viviam, porque consideravam que Deus, sendo único, só escolheu os judeus como seu povo, assim se sentindo superiores aos outros.
Tenderam desse modo a tornar-se arrogantes com base na sua religião que consideram superior e só destinada a eles. Fundavam o seu poder nos seus conhecimentos e no dinheiro. A arrogância foi gerando hostilidade por parte dos povos no meio dos quais viviam, o que, em épocas de crise política, militar, de fome e de peste, levou a perseguição. Assim, acções de violência contra os judeus, no fim do século 11, sucederam-se em França (Ruão) e na Alemanha (Colónia, Mogúncia). No século 12 houve perseguição na Inglaterra (Norvique e Iorque). No século 13 voltou a haver perseguições na Inglaterra (Norvique e Londres), na Baviera e na França (Troyes). No século 14 a peste negra, que matou cerca de um terço da população europeia, foi em várias cidades atribuída a envenenamento das águas pelos judeus, dando origem a perseguições.
As perseguições eram quase sempre movidas pelo povo. O poder, em regra, fosse eclesiástico ou civil, defendia os judeus, procurando que não fossem expulsos, embora aproveitando-os para l extorquir impostos ao povo. O poder real procurava manter os judeus segregados em espaços urbanos só destinados a eles, o que os dirigentes judaicos também queriam para manter os judeus que controlavam segregados da restante população e assim melhor manter a cultura e a religião judaicas.
Os judeus procuravam reagir à insegurança numa cidade ou num país, fugindo para outros territórios onde não havia então perseguição. Para poderem fugir mais facilmente, quando sentiam insegurança, procuravam basear a sua riqueza em bens móveis de fácil transporte.
———————————————————————————————————————————————-
Mais artigos:
• Reflexões sobre a vida e o mundo (23)
Redação Gazeta da Beira
Comentários recentes