O UNIVERSO DE QUE SOMOS PARTE (19)
A adopção de religião monoteísta pelas tribos hebraicas
Alguns reformadores fizeram evoluir a religião para conceito filosófico. Os gregos da antiguidade clássica abandonaram as concepções míticas como forma de explicar o universo
Nas regiões do mundo onde, pelo meado do primeiro milénio antes da era actual, mais se desenvolveu a produção de bens e da sua troca sistemática, incluindo por uso de moeda, e se substituiu a organização tribal por Estados integradores de diferentes povos, o politeísmo tendeu a ser substituído por monoteísmos e até ser considerada desnecessária a concepção teísta de explicação do universo.
Na Índia, no século 7 antes da era actual, o reformador Sidarta fez evoluir o conceito de religião, que supõe a existência de deus ou deuses, para o de filosofia, isto é de entendimento dos humanos e do universo, que integram com todos os demais seres, para compreensão dele sem necessidade de fazer intervir deus ou deuses. Sidarta, que partiu da concepção religiosa indú de múltiplos deuses e deusas com unidade de todos os seres vivos animados sujeitos a morte e renascimento de cada ser noutro em eterno ciclo sem fim, afastou a concepção de existência de deuses e de eterno ciclo de morte e reencarnação em outro ser animal, humano ou não. Considerou que desse eterno ciclo de morte e renascimento sem fim resultava infindável e inaceitável sofrimento por doença e morte para cada ser humano e todos os outros. Propôs que esse ciclo tinha que ser quebrado pela fusão com todo o universo do princípio animador de cada ser quando, por conseguida reflexão pessoal que chamou iluminação, atingisse a sua harmonização com ele.
Em verdade a concepção budista não é religião, mas filosofia, isto é caminho para compreensão emocional do universo pela meditação. Esta concepção difere da racionalidade rigorosa dos filósofos, mantendo-se tributária do misticismo que é via fundamentalmente a emocional para o conhecimento. Embora tenha importante função germinal no caminho para o conhecimento, a via emocional difere da racional caracterizadora da filosofia e, a partir do século 17, da ciência.
Na Pérsia evoluiu-se para monoteísmo dual com concepção de deus bom contraposto a quase igual deus mau, com a pequena mas decisiva diferença de no final dos tempos o deus bom vencer o deus mau.
Pela mesma época na China, Confúcio defendeu que a melhor harmonização de cada ser humano com o colectivo que integra aos diversos níveis (família, povoado, Estado) é a conformação com as instituições a nível familiar, social e político.
Por então, cerca de quinhentos anos antes da nossa era, na Grécia foi criado o alicerce sobre que veio progressivamente a construir-se a emancipação da fundamentação do conhecimento em mitos, com abandono definitivo por Sócrates das concepções míticas explicadoras do universo, o que foi considerado crime e levou à sua condenação à morte. Foi longo tempo de quase mil e quinhentos anos (da antiguidade clássica ao século 17) o percorrido desde então para se vencer a barreira judaico-cristã-islâmica contra o método racional de progressão no conhecimento do universo.
Hoje entende-se ser o espírito científico o único método para se progredir no caminho da compreensão do mundo que integramos e de nós mesmos, fundamentando-se na observação da natureza pelos sentidos com e sem ajuda de instrumentos, sendo esse conhecimento transmissível de modo a ser racionalmente aprendido e verificável, sem deixar de estar aberto a que novas observações possam pôr em causa conclusão a que se haja chegado.
Do cada vez mais aprofundado conhecimento da natureza que integramos tem resultado progressivo controlo das leis naturais para benefício dos humanos, quando usado para fins justos, isto é servidores dos interesses colectivos dos humanos. Em consequência as estruturas políticas de organização social têm procurado intensificar o conhecimento e o controlo das leis naturais através da generalização pela escolarização do método racional para o conhecimento da natureza que integramos e de nós mesmos.
Embora algumas estruturas religiosas se oponham, nalguns casos violentamente, à generalização do método racional para o conhecimento, a inevitável expansão da escolarização, porque é cada vez mais necessária à inserção de cada ser humano no processo de produção de bens, vai levar progressivamente à aquisição do método racional para o conhecimento.
Mas durante muitos séculos as religiões, porque baseiam em mitos os seus fundamentos, isto é em afirmações não verificáveis por observações ou experimentações, vão continuar a responder à necessidade humana de compreensão do universo e de sentido para a vida por adesão emocional de cada indivíduo a regras religiosas, cuja verdade é garantida pelas estruturas de poder a que essas regras servem.
Há que conhecer e estudar as religiões, em especial as monoteístas fundadas no monoteísmo judaico, por serem seguidas por grande percentagem da humanidade estimável em mais de 50%, sendo fonte de equilíbrio emocional para grande números de humanos e fundamento da sua compreensão do universo.
• António Bica
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Redação Gazeta da Beira
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