A. Bica (Ed. 696)

NORTE E CENTRO - A PEQUENA E MÉDIA PROPRIEDADE A MATO E A ARVOREDO FLORESTAL

NORTE E CENTRO – A PEQUENA E MÉDIA PROPRIEDADE A MATO E A ARVOREDO FLORESTAL

Se houver legislação que agilize a criação de estruturas de associação de pequenos e médios proprietários de terrenos com arvoredo florestal ou a mato para a sua exploração económica eficiente, esses terrenos podem tornar-se produtivos de acordo com as suas potencialidades económicas, sem que a sua fragmentação o impeça ou dificulte. A dispersão da propriedade dos terrenos a mato e com arvoredo florestal em pequenas áreas entre cerca de 2.000 e 10.000 m2), dominante no norte e no centro do país, resultou de esses terrenos integrarem as áreas dos casais agrícolas de exploração familiar dominantes nessas regiões do país por serem mais pluviosas. Nesses terrenos produzia-se madeira para o uso dos casais, alguma para venda, e lenha, e roçava-se o mato para, curtido nos currais do gado, fertilizar as terras de lavoura. No sob coberto do arvoredo era pastoreado o gado ruminante e também no baldio que em regra não tinha floresta. A ocupação pelos serviços florestais dos terrenos baldios nas décadas de 1940 e 1950 fez reduzir fortemente o gado, porque deixou de os poder pastorear.

Na década de 1960 a guerra colonial levou dezenas de milhares de jovens agricultores para lutar nela como soldados, e a frágil economia dos casais agrícolas forçou à emigração para a Europa, sobretudo a França e a Alemanha, de centenas de milhares de homens e mulheres que viviam da pequena agricultura, deixando a terras que cultivavam e os filhos pequenos ao cuidado dos avós.

Em consequência desse êxodo dos campos do norte e do centro do país, na pequena e média propriedade a mato e arvoredo florestal deixou de haver gado a pastorear a vegetação arbustiva nos terrenos a mato e no sob coberto florestal, o mato de ser roçado para a cama do gado, sendo as terras de lavoura fertilizadas com adubo, e a lenha de ser apanhada para a lareira, que se passou a cozinhar com gás.

Nas décadas posteriores continuou o despovoamento das zonas rurais do norte e centro, sobretudo no interior, e tende a prosseguir. A população rural reduziu-se a cerca de metade e muitas aldeias perderam toda a população. Uma das graves consequências do despovoamento rural foram e continuam a ser os fogos florestais que todos os anos queimam grandes áreas dos terrenos a mato e com arvoredo florestal, dificultando a produção de madeira nos terrenos de regeneração natural e mesmo nos de floresta plantada, agravando a erosão pelas chuvas posteriores, o decorrente assoreamento dos rios, que é mais significativo nos troços de represamento da água das barragens.

A larga área no norte e centro do país ocupada com mato e arvoredo florestal poderá estimar-se em mais de 3 milhões de hectares, sendo terreno com boas condições para produção de floresta e criação de pequenos ruminantes em pastoreio no sob coberto florestal por ter suficiente pluviosidade.

A grande indústria utilizadora de madeira, sobretudo de eucalipto, vem desde há vários anos a querer usar esses terrenos por arrendamento de longo prazo, e de preferência em propriedade. Para o conseguir tem pressionado os poderes públicos para agravar em sede fiscal (IMI) a pequena e média propriedade florestal cujo mato não for periodicamente roçado.

Como se sabe o mato no norte e centro do país, por a pluviosidade ser boa e as suas raízes procurarem a água em profundidade, desenvolve-se muito, sendo denso e chegando aos 2 metros de altura em poucos anos. Nos terrenos a mato e a arvoredo florestal de pequena área a reduzida dimensão das propriedades não possibilita abrir anualmente nas suas estremas aceiros de 5 a 6 metros de largura capazes de impedir ou dificultar o avanço dos fogos. Se se abrissem neles aceiros pouca terra restaria para produção de árvores. E, porque o mato se desenvolve muito, mesmo que se abrissem anualmente aceiros em algumas das propriedades, se os proprietários confinantes o não fizessem, facilmente o fogo ultrapassaria o aceiro que fosse aberto.

Por outro lado, porque as áreas rurais do norte e centro se despovoaram e continuam a despovoar por emigração por a economia local não gerar rendimentos suficientes, os que saíram e vão saindo delas têm ainda maior dificuldade em cuidar dos seus terrenos, porque acresce à dificuldade referida a resultante de residirem longe, frequentemente em outros países.

Os interesses da grande indústria utilizadora da madeira têm esbarrado na resistência dos pequenos e médios proprietários a vender ou arrendar os seus terrenos a muito longo prazo, como é necessário para a exploração florestal. Por isso procuraram pressionar os poderes públicos e a criar agravamento fiscal, aumentando muito o IMI sobre a pequena e média propriedade a mato e a arvoredo florestal. Mas, para o fazerem, os poderes públicos teriam que o agravar sobre a grande propriedade florestal e de montado no Alentejo por os princípios constitucionais de igualdade perante a lei (artigo 13 da Constituição) o impedirem.

O governo PSD/CDS de 2011/2015, cedendo aos interesses da grande indústria utilizadora de madeira, publicou a lei 152/2015 de 14/9 que criou mecanismo para declarar que certos prédios não têm donos conhecidos, obrigando-os a reclamar contra essa intenção anunciada, não por notificação pessoal, o que decorre de se pressupor que os donos são desconhecido, por editais a ser afixados na freguesia de situação dos prédios. Muitos donos de pequenos e médios terrenos a mato e a arvoredo florestal emigraram, o que os pode impedir de tomar fácil conhecimento dos editais para poderem defender eficazmente o que lhes pertence.

Esta lei 152/2015 pode conjugar-se com o disposto no artigo 88 da Constituição que permite a expropriação dos terrenos em abandono, embora o conceito de abandono não corresponda ao de prédio sem dono conhecido e possibilita o seu arrendamento compulsivo, e ainda com o artigo 1345 do Código Civil que dispõe: “As coisas imóveis sem dono conhecido consideram-se património do Estado.” Embora esta norma infrinja o artigo 62 da Constituição, de que consta: “A todos é garantido o direito à propriedade privada.”, se for declarado que o dono de certo imóvel é desconhecido, o seu titular pode ter grande dificuldade em defender em tribunal o seu direito.

Por tudo o referido haverá que, com respeito pela Constituição, criar quadro legal que permita e incentive a constituição de agrupamentos de terrenos a mato e a floresta com área contígua e suficientemente grande para a sua exploração económica eficiente. A constituição desses agrupamentos não poderá deixar de ser feita voluntariamente com base em prévio e esclarecido conhecimento dos direitos e deveres dos proprietários e de outros titulares do direito de uso que vierem a integrar os agrupamentos, nomeadamente das decorrentes restrições à gestão económica individual dos terrenos, que terão como contrapartida as esperadas vantagens económicas que puderem decorrer da sua exploração em agrupamento.

Com a legislação sobre as ZIFs (Zonas de Intervenção Florestal – decreto-lei 127/2005 de 5/8 alterado e republicado pelo decreto-lei 15/2009 de 14/1) procurou criar-se quadro legal facilitador do agrupamento de pequenas e médias propriedades a mato e a arvoredo florestal geridas por entidade única.

Mas as ZIFs visam submeter os terrenos incluídos na sua área a plano de defesa da floresta. Não têm como objectivo a sua exploração económica integrada com equilibrada compatibilização dos interesses de todos os proprietários e outros titulares de direito a uso e efectiva e justa participação de todos na sua exploração por integração em entidade gestora com personalidade jurídica no quadro do ordenamento jurídico português (cooperativa, régie cooperativa, associação, sociedade comercial (anónima ou por quotas),ou fundação).

Os baldios, que se situam quase todos no norte e centro do país, têm área entre 400 e 500 mil hectares, integrando o subsector comunitário dos meios de produção que faz parte do correspondente sector social e cooperativo (art. 82 da Constituição). Apesar de os baldios se situarem, em regra, nas áreas de menor produtividade, pela sua área e dispersão por todo o norte e centro sobretudo interior, não pode a sua exploração económica deixar de poder articular-se voluntariamente com a dos terrenos privados, desde que essa articulação seja esclarecida e voluntária e vise o interesse mútuo. Integrando os baldios o sector cooperativo e social dos meios de produção, não poderão integrar-se para o efeito em agrupamentos que tenham forma de sociedade comercial, mas poderão participar em cooperativas, régies cooperativas e associações.

Pelo exposto considera-se útil, mesmo necessário, regular-se por lei, com respeito pela Constituição, a constituição de agrupamentos de proprietários e outros titulares de uso sobre pequena e média propriedade a mato e a arvoredo florestal, para, com base no ordenamento jurídico existente e em livre e esclarecida decisão de cada um, explorar economicamente, com respeito pelos equilíbrios ambientais, os milhões de hectares do norte e centro do país que estão em grande parte improdutivos.

———————————————————————————————————————————————-

Mais artigos:

Na Guerra de 1967 os Palestinianos não abandonaram a sua terra
A política dos EUA para dominar o petróleo do Médio Oriente
A emigração política para a Palestina
A origem da Declaração Balfour
Os Judeus beneficiaram da tomada do poder na Europa pela burguesia
Viajando no tempo com as palavras e Reflexões sobre a vida e o mundo (27)
Reflexões sobre a vida e o mundo (26)
•  Reflexões sobre a vida e o mundo (25)
•  Reflexões sobre a vida e o mundo (24)
Reflexões sobre a vida e o mundo (23)
Reflexões sobre a vida e o mundo (21 + 22)
Reflexões sobre a vida e o mundo(20)
Reflexões sobre a vida e o mundo (19)
Reflexões sobre a vida e o mundo (18)
Relexões sobre a vida e o mundo (17)
Reflexões sobre a vida e o mundo (16)
•  Os Baldios
Reflexões sobre a vida e o mundo (15)
Reflexões sobre a vida e o mundo (14)
Reflexões sobre a vida e o mundo (13)
Reflexões sobre a vida e o mundo (12)
Reflexões sobre a vida e o mundo (11)
Reflexões sobre a vida e o mundo (10)
Reflexões sobre a vida e o mundo (9)
Reflexões sobre a vida e o mundo (8)
Reflexões sobre a vida e o mundo (7)
Reflexões sobre a vida e o mundo (6)
Reflexões sobre a vida e o mundo (5)
Reflexões sobre a vida e o mundo (4)
Reflexões sobre a vida e o mundo (3)
Reflexões sobre a vida e o mundo (2)
Reflexões sobre a vida e o mundo (1)
Desenvolvimento económico, social e político com respeito pela natureza e pelos princípios de igualdade, liberdade e solidariedade (31)

Redação Gazeta da Beira