António Bica (Ed. 714)

Algumas questões sobre a gestão dos baldios em regime de associação com o Estado (parte 16)

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Este texto “Algumas questões da agricultura portuguesa. A progressiva desertificação humana nas áreas de economia agrícola dominante do norte e centro do país” está subdividido em 17 pontos, pelo autor, António Bica.
Na sequência da publicação da 1ª parte deste artigo, na Gazeta da Beira nº696 de 12/05/2016 para facilitar a leitura do texto e uma vez que se trata de um artigo extenso, continuamos por mais 1 partes.

Algumas questões sobre a gestão dos baldios em regime de associação com o Estado

I – Os baldios é o terreno comunitário que resta da política de privatização que se estendeu do início do século 17 aos anos de 1930.

No século 17 a área de baldio seria de cerca de 4 milhões de hectares. Hoje restam cerca de 500.000 ha. O que ficou foram os piores terrenos de monte do interior norte e centro do país, com pequenas excepções.

II – A proibição pelos Serviços Florestais de 1940 a 1974 do uso pelos utentes dos baldios na maior parte da área ocupada então pelos Serviços Florestais levou, nas regiões em que restaram baldios, a intensificação da fuga para a Europa transpirenaica de muita população que usava os baldios para apoio à sua pequena agricultura, em especial como espaço de pastoreio do seu gado.

III – A proibição do uso dos baldios contribuiu para o despovoamento do centro norte do país juntamente com a mobilização de centenas de milhares de jovens soldados para a guerra colonial e a fuga para os países além dos Pirinéus. Do despovoamento do interior norte e centro do país resultou grande dificuldade em se reunir massa humana suficiente para eficaz gestão dos baldios quando foram restituídos aos seus utentes em 1976.

IV – Isso foi potenciado depois da restituição dos baldios aos utentes pela admissão da gestão dos baldios por aldeias e não por freguesias e pela admissão, em 1976, de gestão dos baldios por aldeia em vez de por freguesia, contrariamente ao que havia sido proposto em 1974 na região do médio Vouga onde nasceu o movimento pela devolução dos baldios aos seus utentes nos fins do início da década de 1970.

V- Houve por isso grande adesão à gestão dos baldios em associação com o Estado. Muitos utentes optaram por gestão em associação com o Estado dos seus baldios, como a lei de 1976 permitia. Mas o Estado não respondeu às obrigações de apoio técnico e financeiro esperado pelos utentes que haviam optado pela gestão em associação. Não querendo ou não podendo o Estado dar o apoio técnico e financeiro necessário, como impunha a solução da gestão conjunta, deixou de fazer sentido a gestão em associação que tornou meramente formal e de facto se traduz em significativas dificuldades burocráticas à gestão dos baldios pelos utentes.

VI – Os utentes dos baldios e o Estado podem pôr termo unilateralmente à gestão dos baldios em associação com o Estado quando o entenderem, segundo a melhor interpretação da lei que tem sido a seguida pelos tribunais, desde que manifestem de forma inequívoca essa vontade ao Estado. Isso está a ser feito por número crescente de assembleia de compartes.

VII – Apesar de ter havido tentativas de o Estado transferir os seus poderes de gestão de baldios em associação com os compartes com direito a eles, não pode transferir para terceiro a sua relação de gestão dos baldios em associação com os utentes deles, porque esta relação de associação para a gestão dos baldios não é transmissível unilateralmente pelo Estado a terceira entidade, quer porque a lei não o prevê, quer porque a manifestação de vontade pelos utentes para a gestão em associação foi feita tendo em vista certa pessoa (o Estado) e não outra. Mesmo que a lei o venha a prever, sem o acordo dos utentes a substituição do Estado por outra pessoa não é constitucional.

Sem adequado apoio técnico e suficiente financiamento não é possível desenvolver economicamente os baldios. Situando-se os baldios, em geral, nos piores solos montanhosos do país, é preciso que se reúnam suficientes condições técnicas de meios de financiamento para os baldios poderem estavelmente produzir riqueza em prazo que sempre será largo

VIII – Sem adequado apoio técnico e suficiente financiamento não é possível desenvolver economicamente os baldios. Situando-se os baldios, em geral, nos piores solos montanhosos do país, é preciso que se reúnam suficientes condições técnicas de meios de financiamento para os baldios poderem estavelmente produzir riqueza em prazo que sempre será largo.

Não havendo capacidade financeira dos utentes, nem parecendo que o Estado queira ou possa fazer o financiamento e o apoio técnico para que nos baldios se produza a riqueza possível de forma sustentável, a solução deverá ser a PAC apoiar a economia dos utentes dos baldios com atribuição de suficientes apoios anuais por hectare de baldio para a sua exploração sob condições que poderão ser:

  1. a) Manterem os utentes serviços locais permanentes, que poderão ser produzidos por eles, de prevenção de fogos florestais.
  2. b) Florestarem programadamente cada baldio que beneficiar da PAC de acordo com a sua capacidade produtiva e o interesse previsível das indústrias utilizadoras de material lenhoso.
  3. c) Ordenarem cada baldio, nos casos justificados, com cercas e pontos de água que permitam a criação de gado em pastoreio sobretudo pequenos ruminantes a fazer pelos utentes, sem acompanhamento permanente de pastores, podendo os rebanhos ser comunitários.
  4. d) Desenvolverem os utentes nos baldios outras actividades, incluindo em regime comunitário, isto é sob direcção dos órgãos comunitários de gestão do baldio, por exemplo apicultura, produção de cogumelos, ervas aromáticas, caça, incluindo caça grossa, mini-hídricas, parques eólicos e solares para produção de energia, extracção de inertes, e outras actividades económicas que forem rentáveis.

ix – A solução da exploração económica dos baldios por terceiros não é desejável e é incompatível com a Constituição. Outra solução seria os utentes dos baldios transferirem o seu uso para terceiros interessados em os explorar.

Mas essa não é solução admissível por duas razões fundamentais:

  1. a) Uma intrínseca à natureza jurídica constitucional dos baldios cujo aproveitamento económico é feito pelos seus utentes e não por terceiros de acordo com o longo uso milenar, sendo bens comunitários (artigo 82 da Constituição).
  2. b) Outra derivada da natureza comunitária dos baldios. A lei não pode por isso deixar de restringir o direito de transferência para terceiros da sua exploração, porque os baldios não podem ser explorados por terceiros senão marginal e excepcionalmente, sempre por período não superior a 20 anos, incluindo na contagem a soma das renovações. O único contrato admissível para a transferência da exploração para terceiros é o de cessão de exploração. Os baldios não podem ser objecto de outros contratos previstos na lei civil com transferência para terceiros de direitos sobre eles, estando por isso fora do comércio jurídico sob pena de nulidade, ou inexistência, sem prejuízo da delegação pelos utentes dos seus poderes de administração na freguesia ou freguesias em que o baldio se situar, no Estado e em casos excepcionais no município de situação do baldio.

x – A solução é negociar na União Europeia apoio anual da PAC aos rendimentos dos utentes dos baldios através dos seus órgãos de gestão e sob condições bem definidas- Dificilmente será encontrada forma de financiar o aproveitamento dos baldios para gerarem de modo sustentável riqueza se não for feita atribuição, através dos órgãos de gestão de cada baldio, de rendimento anual e por hectare de terreno baldio, o que terá que ser negociado pelo governo do país na União Europeia, porque os utentes dos baldios não dispõem de capital suficiente para fazer o seu aproveitamento económico.

A justificação para os utentes dos baldios beneficiarem da PAC no apoio ao rendimento é o interesse das comunidades locais, o nacional, o de toda a União Europeia que é deficitária em produtos lenhosos e ainda do mundial por contribuição para os equilíbrios ambientais. Esses interesses são:

  1. a) Prevenção eficaz de fogos florestais, o que se consegue se as populações locais tiverem interesse económico nisso.
  2. b) Produção sustentável de riqueza em material lenhoso e outros diversos bens que o país precisa e de que a União Europeia é deficitária.
  3. c) Fixação da população utente dos baldios em função do seu trabalho pessoal e do rendimento criado.
  4. d) Retenção dos solos, prevenindo a erosão e o assoreamento das barragens.
  5. e) Fixação de carbono atmosférico, o que é de interesse mundial.

Se o governo português se empenhar na solução indicada, conseguirá que a PAC apoie o rendimento dos utentes dos baldios, do que resultará desenvolvimento económico do centro e norte do país, significativa contribuição para o desenvolvimento da indústria que usa a madeira como matéria-prima, fixação da população utente dos baldios e bom controlo dos fogos florestais. A transferência para privados da gestão dos baldios levaria à sua exploração certamente contra os interesses dos seus utentes tradicionais, mesmo que não estivesse vedada pela lei constitucional (artigo 82, nº 4, alínea b), como está.

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