António Bica (Ed. 713)

Os terrenos mediterrânicos com arvoredo florestal e a mato que forem arborizados devem beneficiar de apoios ao rendimento pela PAC (parte 15)

707_drbica_pac

Este texto “Algumas questões da agricultura portuguesa. A progressiva desertificação humana nas áreas de economia agrícola dominante do norte e centro do país” está subdividido em 17 pontos, pelo autor, António Bica.
Na sequência da publicação da 1ª parte deste artigo, na Gazeta da Beira nº696 de 12/05/2016 para facilitar a leitura do texto e uma vez que se trata de um artigo extenso, continuamos por mais 2 partes.

No interior norte e centro há condições para o desenvolvimento da agricultura e das pequenas e médias explorações florestais e dos baldios

O interior norte e centro tem boas condições de clima (pluviosidade e calor) para se produzir vinho, azeite, fruta, incluindo frutos secos. A orografia não é, na generalidade do território impeditiva. O aproveitamento agrícola dos vales do rio Douro e dos seus afluentes a nascente da Régua é revelador de que as condições orográficas não são impeditivas do aproveitamento económico do interior norte e centro, desde que se invista terraceando as encostas e usando a água por pequenas e médias represas nos vales e por furos.

As regiões do interior Norte e Centro do país, cujas superfícies somarão cerca de metade da área total do país continuam a despovoar-se aceleradamente. O combate a esse despovoamento deverá assentar no desenvolvimento económico dessas regiões. Estas regiões são na quase totalidade bastante acidentadas, com clima que pode permitir produção de fruta de excelente qualidade terraceando os vales, fazendo adequado represamento da água das chuvas, privilegiando as variedades tradicionais de qualidade, preservando a qualidade por limitação de produção máxima por hectare, usando para isso práticas culturais adequadas e usando-se a água fundamentalmente para evitar o stress hídrico e preferencialmente em sistema de gota a gota.

Os vales do interior Norte e Centro do país a que se quer referir são os vales dos afluentes da margem direita do Tejo, os do Mondego e os do Douro.

Pode estimar-se que a área em que a fruta poderá assim ser produzida está hoje ocupada por mato e floresta não ordenada, periodicamente queimada por incêndios florestais.

Pode calcular-se essa área em cerca de 1 milhão de ha, com produção extensiva de cerca de 5 toneladas por ha. Estimado um preço ao produtor de 1 euro/kg de fruta poder-se-á obter em terrenos que hoje quase nada produzem 5 mil milhões de euros/ anos de valor bruto.

O que se defende para a produção de frutas nos vales do interior Norte e Centro não difere do que no vale do Douro, produtor fundamentalmente de Vinho do Porto foi ao longo dos anos feito. As suas encostas são íngremes, a pluviosidade baixa e os solos xistosos como na maioria dos restantes que referimos. Nestes solos, apesar de constituídos por rocha de xisto, íngremes e de fraca pluviosidade, o engenho humano permitiu arroteá-los e produzir vinho de alta qualidade para o país e o mercado internacional. Não podendo deixar-se de referir que, apesar disto ter sido feito á custa de significativa intervenção na natureza não se prejudicou a paisagem. Pelo contrário, a intervenção humana criou uma nova paisagem de superior qualidade que hoje é Património Mundial.

Há instrumentos na PAC e o governo poderá negociar melhorá-los para apoiar estes investimentos.

Aldeia desabitada em Adrão Soajo – foto de Domingos Xavier/flickr

A restante área do interior Norte e Centro, excedente da que tem ocupação social e agrícola tradicional, está ocupada a mato e a floresta dispersa, que é, como já se referiu periodicamente queimada pelos incêndios florestais. Essa área é estimável em 4 milhões de hectares, retirando a ela 1 milhão de hectares que se considera poder dar fruta de alta qualidade, restam 3 milhões de hectares. Estes 3 milhões de hectares poderão produzir madeira cuja produtividade média é estimável em 50 euros/ano/ha. Assim, nos 3 milhões de há do interior Norte e Centro poderá ser produzida madeira no valor bruto de 250 milhões de euros por ano.

Para atingir esta produção florestal anual estimada, a área de floresta ardida por ano, tem quer ser muitíssimo mais baixa do que actualmente é.

Para isso é preciso que se tomem as adequadas medidas preventivas dos fogos florestais que consistem basicamente no controle dos matos de modo que a vegetação arbustiva sob coberto florestal não exceda 20 a 30 centímetros de altura.

Como as superfícies florestais do interior Norte e Centro são acidentadas, frequentemente com a rocha a aflorar à superfície do solo, o necessário corte periódico do mato não pode ser feito por meios mecânicos de grande rendimento. Sendo, por isso, caro e estimando-se o seu custo em 50 euros/ha/ano. Tendo em conta o valor bruto referido de produção florestal para o interior Norte e Centro, não é rentável a produção florestal sem que os pequenos e médios produtores florestais e os baldios recebam ajudas ao rendimento pela PAC, que consideramos que se deva situar entre 50 e 100 euros por ha.

Essas ajudas ao rendimento pela PAC devem depender da efectiva florestação e manutenção da floresta e do controlo do mato de forma a não ultrapassar o desenvolvimento indicado (20 a 30 cm de altura, no máximo) com eficaz fiscalização.

Sob coberto da floresta pode ser produzido gado em pastoreio extensivo, sobretudo pequenos ruminantes (cabras e ovelhas) organizado em cercas com pontos de abeberamento permanente, com dimensão adequada (50 a 100 ha por cerca). A compatibilização do pastoreio extensivo em cercas com a fauna selvagem, em especial o lobo, pode ser feita com a adequada área de separação entre as cercas para pastoreio para circulação da fauna selvagem. O forte desaparecimento da caça por doença (mixomatose e hemorrágica vírica) não assegura suficiente alimentação para a fauna selvagem. Será, por isso, indispensável que as verbas orçamentadas para pagar aos donos dos rebanhos os prejuízo que neles causam os lobos sejam disponibilizadas às autarquias, principalmente aos municípios para comprar aos pastores animais dos seus rebanhos em fim de vida útil para alimentar a fauna selvagem. Assim, se podem harmonizar os interesses gravemente conflituantes entre a economia dos pastores com o interesse da preservação da fauna selvagem.

Sendo em regra escassa a área dos terrenos de lavoura por o centro e o norte serem montanhosos, a actividade económica poderá que evoluir para explorações agrícolas de dimensão familiar com produções inovadoras e boa procura nos mercados do centro da Europa, como ervas aromáticas destinadas a infusões, pequenos frutos (mirtilos, framboesas e outros), e hortícolas e frutos de produção ecológica e não intensiva, carne e lacticínios de animais criados em pastoreio com respeito pela ecologia, e semelhantes.

O restante terreno, a larga maioria, que só tem aptidão florestal, há que o destinar a floresta racionalmente conduzida, de modo a equilibrar-se os fins de produção de madeira, se possível com gado em pastorícia na floresta, com preservação das espécies autóctones em equilíbrio com a economia da floresta, se desenvolver a actividade venatória organizada e o uso da floresta com actividades lúdicas, turísticas e desportivas das populações urbanas em fins-de-semana e em férias.

Acresce o fim de interesse ecológico geral (do país e internacional) de fixação de CO2, acção que hoje, com a criação do mercado do carbono, deve ser remunerada.

Quanto à organização para assegurar os necessários investimentos na floresta em medidas preventivas contra os fogos, nomeadamente nos corta-fogos, no adensamento da rede de estradões florestais, de pontos de água e na florestação dos incultos, as ZIFs poderão, com a possível adaptação do seu regime legal, salvaguardando a sua democraticidade, constituir a estrutura jurídica adequada a fazê-lo, desde que os investimentos que promover possam ter financiamento público a 100% enquanto não houver suficiente retorno económico dos investimentos feitos, devendo haver adequada articulação da sua acção com o poder autárquico.

Isto quanto à pequena propriedade privada a mato e com arvoredo florestal, que é a maioria. O terreno baldio deve continuar a ser gerido pelos compartes que a ele constitucionalmente têm direito, devendo aplicar-se aos seus órgãos o regime de apoios defendido para as ZIFs.

A proposta que tem vindo a ser defendida pelos interesses das indústrias que usam a madeira nacional é o forte agravamento da taxa do IMI nos terrenos a arvoredo florestal e a mato em que não sejam asseguradas acções que a lei considerar necessárias. Com essa proposta medida visa-se forçar os donos da pequena propriedade com arvoredo florestal e a mato a entregá-la por venda a baixo preço, ou por arrendamento por rendas reduzidas e a longos prazos, e também dos baldios, a essas indústrias

No que respeita aos rendimentos dos terrenos com arvoredo florestal e a mato é razoável que a sua exploração económica assegure em primeiro lugar a amortização do investimento feito com destino a reinvestimento na floresta, destine percentagem adequada a pagar as despesas de funcionamento corrente das ZIFs e o remanescente líquido seja entregue aos donos dos prédios.

Será razoável que quem tiver prédios com arvoredo florestal e a mato abrangidos por ZIFs possa assumir directamente a execução dos investimentos, pagando o valor justo dos já feitos neles, nos seus prédios segundo a calendarização que estiver estabelecida pela ZIF para os restantes terrenos com semelhantes características. O não cumprimento dessas obrigações deverá ter como consequência, após verificação administrativa pelos serviços oficiais competentes, o regresso à administração da ZIF, dado que, não sendo os investimentos feitos, disso decorrerá risco para os restantes prédios.

Esta solução é a que melhor defenderá os interesses públicos de rentabilização dos terrenos particulares com arvoredo florestal e a mato, fará prevenção do flagelo anual dos fogos florestais, contrariará a desertificação humana do interior centro e norte, possibilitará o desenvolvimento do seu turismo e o fomento da deslocação em fins de semana e em férias da população urbana e criará condições para a fixação de CO2.

A proposta alternativa que tem vindo a ser defendida pelos interesses das indústrias que usam a madeira nacional é o forte agravamento da taxa do IMI (imposto municipal sobre imóveis) nos terrenos a arvoredo florestal e a mato em que não sejam asseguradas acções que a lei considerar necessárias. Com essa proposta medida visa-se forçar os donos da pequena propriedade com arvoredo florestal e a mato a entregá-la por venda a baixo preço, ou por arrendamento por rendas reduzidas e a longos prazos, e também dos baldios, a essas indústrias.

É de notar que as forças políticas de direita e mesmo de centro não se têm manifestado contra este projecto, tendo algumas mostrado concordância. E boa parte dos técnicos florestais tem tido atitude semelhante.

Este proposto caminho de aumento do IMI levará à expropriação encapotada a muito baixo preço das muitas centenas de milhares, talvez milhões, de donos de pequenos prédios com arvoredo florestal e a mato. Se isso for feito não deixará de haver rápida canalização dos meios de financiamento, que agora não são atribuídos às ZIFs em valor suficiente, para as grandes empresas madeireiras plantarem esses terrenos e gerirem os povoamentos.

Se isso for feito, o despovoamento do interior centro e norte, tal como aconteceu nas décadas de 1940 e 1950, com a ocupação dos baldios pelos serviços florestais, vai agravar-se. As serras tenderão a deixar de estar abertas à cada vez mais escassa população local e à que se aglomera nas cidades sobretudo do litoral e deve poder usufruir delas. Veremos certamente as grandes empresas madeireiras que adquirirem o direito de propriedade ou de arrendamento restringir fortemente e proibir o acesso dos cidadãos às serras. Pretextos não faltarão. O mais óbvio, mesmo para circular nos estradões da serra, será o risco de incêndio.

————————————————————————————————————————————-

Mais artigos:

Os terrenos mediterrânicos com arvoredo florestal e a mato que forem arborizados devem beneficiar de apoios ao rendimento pela PAC (parte 14)
A política agrícola mais racional e económica com maior garantia de segurança alimentar a nível mundial (parte 13)
As nefastas consequências sobre menos desenvolvidos da subsidiação agrícola pelos países mais industrializados (parte 12)
Os agricultores e os cidadãos europeus beneficiarão com a reforma da política agrícola (parte 11)
A questão da chamada soberania alimentar (parte 10)
A subsidiação e a restrição da produção agrícola não é o que melhor serve os interesses dos agricultores mediterrânicos (parte 9)
Em conjunto com os demais países mediterrânicos há que impor na UE políticas agrícolas que atendam aos interesses dos agricultores desses países (parte 8)
A progressiva desertificação humana no norte e centro do país (parte 7)
É o agravamento de impostos sobre os terrenos a floresta e a mato não é racional. Há que tomar outras medidas (parte 6)
Impõe-se tomar eficazes medidas preventivas dos fogos florestais e nos matos, havendo, para isso, que atribuir ajudas ao rendimento pela PAC (parte 5)
O UNIVERSO DE QUE SOMOS PARTE (40)
O UNIVERSO DE QUE SOMOS PARTE (39)
O UNIVERSO DE QUE SOMOS PARTE (38)
O UNIVERSO DE QUE SOMOS PARTE (37)
O UNIVERSO DE QUE SOMOS PARTE (36)
NORTE E CENTRO – A PEQUENA E MÉDIA PROPRIEDADE A MATO E A ARVOREDO FLORESTAL
Na Guerra de 1967 os Palestinianos não abandonaram a sua terra
A política dos EUA para dominar o petróleo do Médio Oriente
A emigração política para a Palestina
A origem da Declaração Balfour
Os Judeus beneficiaram da tomada do poder na Europa pela burguesia
Viajando no tempo com as palavras e Reflexões sobre a vida e o mundo (27)
Reflexões sobre a vida e o mundo (26)
•  Reflexões sobre a vida e o mundo (25)
•  Reflexões sobre a vida e o mundo (24)
Reflexões sobre a vida e o mundo (23)
Reflexões sobre a vida e o mundo (21 + 22)
Reflexões sobre a vida e o mundo(20)
Reflexões sobre a vida e o mundo (19)
Reflexões sobre a vida e o mundo (18)
Relexões sobre a vida e o mundo (17)
Reflexões sobre a vida e o mundo (16)
•  Os Baldios
Reflexões sobre a vida e o mundo (15)
Reflexões sobre a vida e o mundo (14)
Reflexões sobre a vida e o mundo (13)
Reflexões sobre a vida e o mundo (12)
Reflexões sobre a vida e o mundo (11)
Reflexões sobre a vida e o mundo (10)
Reflexões sobre a vida e o mundo (9)
Reflexões sobre a vida e o mundo (8)
Reflexões sobre a vida e o mundo (7)
Reflexões sobre a vida e o mundo (6)
Reflexões sobre a vida e o mundo (5)
Reflexões sobre a vida e o mundo (4)
Reflexões sobre a vida e o mundo (3)
Reflexões sobre a vida e o mundo (2)
Reflexões sobre a vida e o mundo (1)
Desenvolvimento económico, social e político com respeito pela natureza e pelos princípios de igualdade, liberdade e solidariedade (31)