A. Bica (Ed. 672)

Os colectivos humanos foram criando religiões a legitimá-los e a explicar o universo. As religiões evoluíram para o monoteísmo no caminho da racionalização

Nas regiões do mundo onde, pelo meado do primeiro milénio antes da era actual, mais se desenvolveu a produção de bens com troca sistemática mediante moeda e se substituiu a organização tribal por organização em Estados integradora de diferentes povos, os politeísmos tenderam a ser substituídos por monoteísmos e mesmo a ser abandonada a concepção teísta de explicação do universo.

Na Índia, no século 7 antes da era actual, o reformador Sidarta, depois conhecido por Buda, fez evoluir o conceito de religião, que supõe a existência de deus ou deuses, para o de filosofia, isto é de entendimento dos humanos como integradores do universo com todos os demais seres, sem necessidade de intervenção de ficcionados deus ou deuses. Sidarta, que partiu da concepção religiosa indu de múltiplos deuses e deusas com unidade de todos os seres vivos animados sujeitos a morte e reencarnação de cada ser noutro em eterno ciclo sem fim, afastou a concepção de existência de deuses e de eterno ciclo de morte e reencarnação em outro ser animal, humano ou não. Considerou que desse eterno ciclo de morte e renascimento sem fim resultava infindável e inaceitável sofrimento por doença e morte para cada ser humano e todos os outros. Propôs que esse ciclo tinha que ter fim pela fusão de cada ser com todo o universo do princípio que o anima (a alma) por conseguida reflexão pessoal que chamou iluminação, assim atingindo a harmonização com ele. Em verdade esta concepção (o Budismo) não é religião, mas filosofia no caminho para compreensão racional do universo.

Na Pérsia evoluiu-se para monoteísmo dual com concepção de um grande deus bom contraposto a outro deus mau, com a pequena mas decisiva diferença de no final dos tempos o deus bom vencer o deus mau.

Pela mesma época, na China, Confúcio defendeu que a melhor harmonização de cada ser humano com o colectivo que integra aos diversos níveis (família, povoado, Estado) é a conformação com as instituições familiares, sociais, religiosas e políticas.

Por então na Grécia a humanidade deu decisivo passo cultural, ousando começar a emancipar-se completamente das explicações míticas do universo, substituindo-as por explicação racional chamada “filosofia”, isto é por procura do conhecimento do universo, usando a capacidade humana de raciocínio abstracto a partir da observação  para chegar a conclusões transmissíveis a outros por palavra racional (que os gregos designam “logos”) sem imposição por autoridade aceite ou fé (adesão emocional). Essa ousadia valeu ao filósofo Sócrates a condenação à morte.

Assim na Grécia foram criados os alicerces sobre que veio a construir-se progressivamente a emancipação da compreensão do universo por mitos, com abandono definitivo das concepções mítico-religiosas, o que foi então considerado crime e levou à condenação do filósofo Sócrates à morte. Longo tempo de cerca de  mil e quinhentos anos (da antiguidade clássica ao século 17) foi percorrido desde então para se começar a vencer a forte barreira judaico-cristã-islâmica contra o método racional de progressão humana no conhecimento do universo. Nesse  século 17 ainda Galileu foi forçado a declarar, para não ser condenado à morte, que tinha errado quando defendera que é a Terra que circula à volta do Sol e não o Sol à volta da Terra.

Hoje cada vez mais se entende que é  a racionalidade e não o mito o método adequado para se progredir no caminho da compreensão do mundo que integramos e de nós mesmos, caminho que se fundamenta na observação da natureza pelos nossos sentidos com e sem ajuda de instrumentos que são actualmente cada vez mais aperfeiçoados e precisos, sendo esse conhecimento transmissível aos outros humanos de modo a ser racionalmente apreensível e verificável, sem nunca se poder deixar de estar aberto a que novas observações possam pôr em causa conclusão ou conclusões  que anteriormente hajam sido propostas e aceites.

Do cada vez mais aprofundado conhecimento da natureza que integramos tem resultado progressivo controlo das leis naturais em benefício dos humanos. Na busca desse benefício as estruturas políticas de organização das sociedades tendem a difundir pela escolarização a generalização do método racional para o conhecimento da natureza que integramos.

Embora algumas estruturas religiosas se oponham, nalguns casos violentamente, à generalização do método racional para o conhecimento, a inevitável expansão da escolarização, porque é necessária à inserção de cada ser humano no processo de produção de bens, está a levar progressivamente à aquisição do método racional para o conhecimento.

Mas durante muitos séculos as religiões, porque baseiam em mitos os seus fundamentos, isto é em afirmações não verificáveis por observações ou experimentações, vão continuar a responder à necessidade de muitos humanos de compreensão do universo e de sentido da vida de cada indivíduo por adesão emocional e em regra gregária a regras religiosas, cuja verdade é imposta pelas estruturas de poder que a servem.

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Redação Gazeta da Beira