M. Guimarães da Rocha (Ed. 678)

O “DRAMA” OFICIAL DA LÌNGUA PORTUGUESA

O “DRAMA” OFICIAL DA LÍNGUA PORTUGUESA

Ed678_GRocha-CronicaAquele almoço semanal entre amigos bem diferenciados, quer em idades, quer em formação, era fruto dum velho hábito, que nem a crise, que amortalhou o País e incentivou uma luta etária, conseguiu destruir. Procuravam locais mais ou menos típicos, para o almoço, tendo como premissa o preço módico e o prolongamento do tempo da refeição a que conversa informal quase sempre conduzia.

As conversas são como as cerejas, “encandeiam-se umas nas outras” e naquele grupo, quase sempre acabam com uma visão final mais ou menos jocosa de toda as “graves problemáticas” que aterrorizam o País. É por isto que eu gosto de vir a estes almoços, pois no final tudo fica reduzido á sua real dimensão, dizia o Pedro economista, que era o mais jovem do grupo e, que só comparecia quando os seus afazeres diários lhe permitiam.

Vocês reduzem os problemas ao seu esqueleto retirando-lhes as gorduras com que os jornais os envolvem. Saio daqui mais integrado com a visão duma realidade, mais consentânea com uma vivência mais humana da vida. Vocês desmascaram os políticos, ou os pretendentes a tal, com uma agudeza de espírito capaz de dissecar a mais complexa realidade, o que me permite sorrir no meio desta desgraça em que nos pretendem meter.

Deixa-te dessas lamechices e, diz-nos o que pensas desta ameaça da Ministra das Finanças, dizia o Manel o mais velho do grupo informal daquelas quartas-feiras.

O Fernando arrimou logo uma das suas sonoras gargalhadas. É pá essa é boa, então não vez a futilidade da ameaça? Ela é nova mas aprendeu depressa! Se fosse verdade ela não ia ameaçar com antecedência e ainda por cima próximo das eleições. Eles não são brilhantes mas são resilientes. Agora ameaçam, mas junto das eleições vêm-nos dar o bónus duma solução sobre uma irreversibilidade, para que fique exposta a sua capacidade política e recebam o nosso voto! A política destes “gajos “tem sido sempre assim!” Tentam vender o peixe, de que só há uma única solução para qualquer problema, porque o seu tabuleiro de xadrez está sempre tudo em xeque-mate. Esquecem-se que há quem pense e veja outras soluções além das indicações dadas pelo computador, reduzido quase sempre ao EXCEL. Então alguém dentro do Partido os chama á realidade, e lhes demostra que um problema humano tem sempre várias soluções, indicando logo a que vai ser seguida. É uma treta velha relha, que só engana quem quer ser enganado; é a velha norma de que “com a verdade me enganas”.

O Bernardino, cujo início de surdez o obrigava a atenção redobrada, intervém pondo ordem na situação, lembrando que o tema desta semana era a língua portuguesa e ninguém tinha ainda dito nada sobre o assunto.

O Alcides corroborou a posição do Bernardino, lembrando que hoje, a grande preocupação dos alunos dos Liceus é a LINGUA PORTIGUESA. O receio de uma má nota ou mesmo “chumbar”, é uma constante ao “Nível Nacional”, o que pode obrigar a escolher um destino indesejado!

Os alunos não se queixam dos professores duma maneira geral, mas sim dos conteúdos da disciplina e das suas constantes alterações. As aulas deixaram de ter o interesse que advinha da beleza da própria língua, incutida pelos seus escritores. De repente os romancistas, historiadores, e poetas, passaram a ser para os alunos “xaropadas” difíceis de digerir, com confusões de lógicas duvidosas, visando uma renovação que ninguém encomendou, ou desejava e, se apresenta cada vez mais difícil de entender na sua provável intencionalidade. E estas dúvidas enchem páginas dos jornais e da internet, com relevo especial para os educadores, com todos os graus de formação escolar e, são expostas nos jornais diários com grande relevo:- Não escrevo de acordo com o novo “Acordo Ortográfico”.

É verdade diz o Francisco e na  minha deambulação quase obrigatória pela internet deparei com um mail que me foi dirigido e que me arrasou.  Era atribuído a uma distinta Professora catedrática aposentada e conhecida escritora. É uma maravilha de humor, que retracta o sabor que lhe deixa ficar a actual situação. Desenrolando uns papéis A4, logo foi dizendo:- Fiquem descansados … não vou ler estas páginas todas. Mesmo assim vejam alguns trechos deliciosos:- “No ano passado quando se dizia “ele está em casa”, “em casa” era complemento circunstancial de lugar. Agora é predicativo do sujeito. O Quim está na retrete: “na retrete” é o predicativo do sujeito, tal como se disséssemos “ela é bonita”. Bonita é uma característica dela, mas na retrete é característica dele? Meu Deus, a setôra também acha que não, mas passou a predicativo do sujeito, e agora o Quim que se dane, com a retrete colada ao rabo. “

No ano passado havia complementos circunstanciais de tempo, modo, lugar, etc……Agora desapareceram só há o desgraçado de um “complemento oblíquo”. E reparem – há por exemplo verbos transitivos directos e indirectos, ou directos e indirectos ao mesmo tempo, há verbos de estado e verbos de evento, e os verbos de evento podem ser instantâneos ou prolongados;”- felizmente que este nosso evento de almoçar às quartas é prolongado, senão ou ficávamos com fome, ou tínhamos que alterar a nova gramática”!

Esta Escritora e Professora Catedrática, pegou bem o coelho pelas orelhas, não acham?

E antes que alguém se manifestasse já o Inácio, puxava do “seu argumento” que trazia na sua, pasta citando Pedro Mexia, conhecido e conceituado, escritor e crítico literário:-“ Custa ver Angola mais sensata do que Portugal num caso como o Acordo Ortográfico. Muito pouca gente quis este acordo. Na verdade quem quis este acordo foram duas classes profissionais portuguesas que agiram por interesse próprio:-a classe dos editores, que maravilha ter que substituir os dicionários e livros escolares todos, e meia dúzia de académicos que tiveram aquele sonho clássico intelectual que é legislar.”… Houve um comprometido silêncio de discordância circunstancial, como seria de esperar, mas logo, “sem deixar cair a bola no chão”, o Manel pede desculpa e diz estar de acordo com as críticas apresentadas, mas continua a não entender porque lhe chamam ACORDO, quando só se vê desacordo. Aí o Carlos quase que grita e chama a todos velhos reaccionários sem memória. Ainda queriam Farmácia com PH?

O Manel pede desculpa e desenrola calmamente um papel, ao mesmo tempo que vai dizendo que já viu mais acordos, mas não tanta discordância. Pára e lê o “poemeto” que trazia escrito.-

 

Oh não! Não mais regras gramaticais!

Não passam de espectros asfixiantes,

Onde sempre nos metem os demais

Sábios, doutores e Mestres delirantes.

Com aspirações a ditadores, pretendem

Fabricar, seguros de si, orientadoras leis.

Em tudo que só Gentes sabem e entendem.

Boas, corretas, lógicas e o final, já sabeis!

Depois, convictos, muito contentes

Impõem de forma legal e inexorável

“Metendo na ordem” todas as Gentes.

De forma limitativa e muito detestável.

Tira P a percepção, treme o C de facto

Hífen, dança o” vira da mudança”

Vai para lugar seguro num só acto.

Que isto vai ser ballet e não andança!

Escrever como se pronuncia, como se fala,

Tanto gíria do Rio como o calão do Norte,

Na Baia, na Praia, em Luanda, ou em Sofala.

A língua é viva não lhe anunciem a morte!

Gosto mais de ouvir “não me amole” no Brasil

Que escutar o “não chateie” por linda Lisboeta.

Gosto do” você é porreta”, que qui é “baril”.

Língua viva, mexe! Com ela ninguém se meta.

É preciso ser autêntico, viver a vida por inteiro

É preciso ser sensível, sem ter um ar seráfico

Por isso vou ser autêntico, mordaz, mas verdadeiro.

Limpem o c.. ao VOSSO ACORDO ORTOGRÀFICO!!

 

Alto e pára o baile!” diz o Afonso pensativo. Perdão, temos que nos adaptar já:- “Alto e para o baile!” sem acento é que está certo. Eu vou para o baile da vida… Até para a semana.

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Redação Gazeta da Beira