A RUA SERPA PINTO (Continuação)

REGRESSO IMAGINÁRIO

Crónica 28/11/2013 (Ed. 643)
• M. Guimarães da Rocha (mguimaraesrocha@hotmail.com)

A RUA SERPA PINTO (Continuação)

Ed643_MGuimaraesRRocha-RSerpaPinto-NatalDo lado direito da rua para quem sobe, logo após a loja dos Custódios, ficava a barbearia Cardoso seguida pela Loja de fazendas e atoalhados de Francisco Barros (falecido) e sua esposa D. Margarida Barros, honestos e bem conhecidos comerciantes, sempre acolitados pelo Sr. Bernardino, homem com elevado senso de humor e muito estimado em todo o Concelho, dada a sua disponibilidade e simpatia.

Penso que foi no andar de cima deste estabelecimento, que viveu de início a família Miranda e depois o Dr. Abílio Tavares, o advogado que iria trazer à Comarca o perfume da aplicação prática das teorias jurídicas.

A família Miranda era grande, e recordo-me do Sr. Miranda (Pai), e dos filhos, do Armando Miranda que já não pertence ao mundo dos vivos, da Graciete Miranda, do Jorge Miranda, meu amigo e companheiro colegial, Infelizmente também já falecido e da Tereza Miranda, mais nova e que há muito não vejo.

Posteriormente toda a família se deslocou para o Porto e a casa, passou a ser habitada pelo Dr. Abílio Tavares e sua esposa dona Elisa Carvalhas (ambos já falecidos).

Seguia-se um muro alto até á casa Carvalhas, local onde hoje está instalada a Caixa Geral de Depósitos, que na época, tinha assento junto ao” largo da cerca”.

As actuais instalações da C.G.D. devem ter sido concebidas por algum arquitecto, possivelmente Lisboeta ou “citadino dos quatro costados”, que se deixou encantar com a ruralidade encontrada, e concebeu um conjunto arquitectónico que fizesse lembrar uma casa rural Beirã.

Com imaginação lá está a eira, o canastro, só lhe faltando a adega por baixo da casa, com os animais ao lado, para, no inverno aquecerem todo o edifício, ( o dinheiro só aquece a quem o tem!!), e provavelmente, no Natal possibilitarem a realização de um presépio natural, de invejável primor.

A casa Carvalhas foi a “Meca da Moda” local, frequentada por grande parte da população, que recorria depois aos alfaiates e costureiras do Concelho. Estes, dado o seu saber e arte, executavam verdadeiros e invejáveis primores artísticos, cópias fiéis dos “Figurinos Franceses” que inundavam o mundo da época. Como em todas as lojas aqui se vendia “a pronto e a prestações”, satisfazendo necessidades e vaidades que desde sempre, em todas as civilizações existiram de braço dado.

O chefe era o dono, Sr. Fradique Carvalhas e enquanto a sua esposa, Dona Maria Rita dominava os assuntos de governação caseira, os seus filhos Gastão e Orlando, apoiavam, com o seu saber, juventude e alegria o funcionamento da bem afreguesada casa comercial.

Já o filho Arlindo Carvalhas, mostrava mais inclinação para problemática agrícola e a filha Tereza Carvalhas, lutava com as sebentas ,  os códigos e todos os meandros da justiça, que hoje domina na nossa Capital. Lembro-me também duma senhora que se chamava, se não me engano, dona Carolina, e que desempenharia as funções de costureira e ajudante de governação da casa.

Lembro como o seu agradável e bem tratado jardim, no flanco esquerdo, perfumava todos os acessos à casa comercial.

Depois era o vazio de um muro alto, que posteriormente viria a ser substituído por um citadino edifício de três pisos, onde esteve instalado de início, no r/c, o Banco Pinto de Magalhães a que se seguiu o B. C. P. e nos andares superiores, o proprietário Sr. Abreu e esposa D. Laura com seus dois filhos. O piso imediato era a habitação do meu primo António Guimarães, que trabalhou na Secretaria da Câmara Municipal, tendo sido o braço direito na realização e manutenção da Tribuna de Lafões, (jornal regional, mais notório durante décadas) com seus filhos, Lúcia e António.

A seguir deparávamos conta de um inestético muro, que se estendia até à casa do Sr. Carvalho e esposa D. Agostinha, onde viviam com suas filhas, Helena, casada como meu amigo Luís Raposo, vivendo actualmente no Canadá, Benilde casada com Daniel Simões e Fernanda casada com o meu amigo Licínio Oliveira, actual solicitador em São Pedro do Sul. Recordo com saudade o filho José Augusto, meu amigo pessoal infelizmente já há muito falecido.

Nos anos cinquenta, do século vinte, ainda não existia, a actual e moderna habitação, com dois pisos, que penso ser propriedade do Dr. Carlos Carvalhas,

Seguia-se uma pequena rua que dava acesso á “quinta da Pirraça” (onde vivia o Sr. Quintela e Família). Recuada em relação ao alinhamento da rua Serpa Pinto, estava a habitação do Joaquim, que foi meu companheiro na “escola da Negrosa” e que nunca mais vi.

É nesta casa que existe hoje um escritório de advogados e onde está instalada a sede da GAZETA DA BEIRA que “ tem dado corpo” a este nosso mastigado passeio a um passado imaginário, que nos influenciou a vivência durante os anos da juventude.

Todo o seguimento da rua Serpa Pinto já faz parte do enquadramento do vasto largo principal e fundamental da Vila, actualmente Cidade, com a Câmara Municipal e o Jardim frontal a darem-lhe corpórea beleza.

Mas voltemos às minhas recordações da rua que era à época a espinha dorsal do sistema de comércio e serviços local.

…Depois da Pensão Comércio, pelos anos cinquenta, do século vinte, surgiu o “sólido” e novíssimo estabelecimento dos “C.T.T.” que lá permanece incólume. O Chefe Cardoso e a Dona Lígia Vasconcelos, dominavam com maestria todo o sistema operacional, desde as cartas, telefones e telegramas a que posteriormente se juntaram algumas operações financeiras oficiais. Apesar do garbo que o sólido edifício ainda sustenta neste momento, toda a organização funcional dos “Correios” parece oscilar, entre os humores dos partidos e a impensável privatização.

Depois um muro sempre mal aprontado, com cerca de dois metros de altura, unia os correios à “Padaria Reis”.

Ficava na esquina com a rua Dr. Correia de Oliveira, onde se situa o cine- teatro local. Recordo que o seu proprietário, Sr. João Reis era um homem baixo, forte, honesto e muito trabalhador, que parecia dominar o negócio do pão na Vila, sendo um conhecido entusiasta e apreciador do futebol português.

Contava-se uma deliciosa “estória” sobre a leitura do jornal desportivo “A BOLA”, que assinava ou comprava regularmente. Na altura seria o único jornal nacional inteiramente dedicado ao desporto e a sua publicação era trissemanal.

O Jornal era comprado e disponibilizado a grande número de fregueses! Um deles, que não sei quem seria, era assíduo na padaria, onde normalmente aparecia nas horas mais calmas, e praticamente tinha a “obrigação” de ler o jornal, em voz alta, para o dono do estabelecimento e todos os presentes  que o ouviam, com atenção fervorosa, principalmente naquelas notícias de maior interesse futebolístico.

Em determinada semana, um jogo de média importância, tinha posto em confronto um dos três grandes, com outro clube de valor mediano, habitual frequentador do meio da tabela classificativa, mas quási sempre difícil de ultrapassar no seu terreno. Na descrição do desenrolar da partida, primorosamente descrita no trissemanário, o clube mais fraco tinha marcado um golo em primeiro lugar e conservou o um a zero até ao intervalo.

A tensão nas bancadas e nos jogadores era imensa dado o espectro do escândalo da possível derrota! Logo após o intervalo, quási no início da segunda parte, o Clube principal empata! Há um relaxamento… e a tensão emocional desce. De repente o leitor entusiasmou-se e elevando o tom de voz, pôs toda a vivacidade na leitura. –“ Um elemento da equipa secundária, reforço recente no clube, luta, finta, avança e “marca dois golos de rajada”!!

Alguém que no local silenciosamente escutara a descrição da jogada, feita em leitura com excelente dicção e plena de emoção, sentiu o esforço do jogador como se fosse seu, ao fazer aquela jogada. Absolutamente entusiasmado, com o brilhantismo das jogadas, que modificaram por completo o resultado da partida, grita, convicto, emocionalmente entusiasmado:- ”ESTE RAJADA PARA O ANO TEM QUE IR PARA O BENFICA”!

Atravessando a rua do cinema, memorizo o Sr. Bernardino Pereira, da família dos Sebastiões, que foi uma firma, que marcou o imaginário da geração que me antecedeu.

Penso que se deve a eles (SEBASTIÕES) um forte impulso evolutivo local, com a criação da barragem que forneceu luz eléctrica a esta Vila durante muitos anos e antes de ela ser fornecida a agregados populacionais com maior importância, bem como outras notórias iniciativas. Mas devo confessar que não estudei o assunto e só espero que alguém me informe com precisão de tudo o que sucedeu nesse período, que me parece ter sido um marco evolutivo local.

Continuando a percorrer o trajecto do mesmo lado da rua, no nosso volteio pelo passado, vejo por perto o Sr. Evangelista, canalizador, que por aqui tinha a sua loja/oficina e aqui vivia com sua família, da qual só me recordo de dois filhos, a Emília e o António, que penso que emigraram para o Brasil. Julgo que a oficina de canalizador ficava, mais ou menos, onde hoje é a Sapataria do meu amigo Sílvio.

Depois era a casa de habitação da família Marques da Costa, que todos conhecem bem através dos serviços farmacêuticos que sempre prestaram com eficiência a toda a população desde essa época até hoje, com as gerações de descendentes, ligados á mesma profissão.

Na última casa, antes do Palacete Santos, que já fazia parte do jardim, vivia a conhecida Família Rebelo.

Já nos referimos em número anterior ao António Rebelo, tesoureiro da Caixa Geral de Depósitos, artista consumado de teatro local, entre os anos quarenta e os anos cinquenta, com suas rábulas de humor, que fizeram as delícias, de todos os amantes de teatro. A família era grande, e vamos a ver se com a ajuda dos amigos, me recordo de todos:- Tínhamos a Lucília, a Marília, a Clementina, a Conceição, a Corália, o António e o Diamantino…Isto é que era uma família, que não me atrevo a comparar com os agregados familiares actuais, que não vão além das 3 ou 4 pessoas, incluindo os pais!?

E assim entramos na “Sala de Visitas do Concelho”, com frondoso jardim, envolto de preciosas habitações tendo a encima-lo o quase imponente “Edifício Camarário” albergando o Tribunal, a Fazenda e em teoria, todos os elementos da política local, que aparentemente se desenvolveria com a normalidade, exigida pela “Governação Central.”

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