M. Guimarães da Rocha (Ed. 651)

Regresso Imaginário

NO CAMINHO PARA A PONTE

A sabedoria popular, fruto de experiências seculares, nem sempre é arma infalível, mas alerta-nos para a possibilidade de que tal venha a ser verdade em muitas situações da nossa vida. Vem isto a propósito do ditado popular, muito em voga nos momentos de alguma perturbação, seja ela social, pessoal ou intelectual, onde o apoio da mão amiga é sempre importante e por vezes fundamental “Quem tem amigos não morre na cadeia!”… Ora é precisamente o caso actual, onde com inspiração embotada, a mão amiga aparece nas respostas às minhas interrogações sobre as memórias das fotografias ilustradoras do número anterior. Realmente os “Portugueses têm uma memória histórica extraordinária”, quer no que se refere aos factos historicamente próximos, quer no que se refere a factos passados, onde o recurso a fontes escritas é essencial e obrigatório.

Estas linhas não têm qualquer pretensão histórica, pois não passam de uma reposição de sensações vividas em São Pedro do Sul, por alguém que as sentiu intensamente, quer em vivências directas, quer em vivências indirectas, que sempre respingam alguns envolventes. Acontece que tenho sentido, que muitos dos que as observaram ou viveram, lêem estas linhas com algum interesse e a eles estou muito grato. Assim tem acontecido quando peço aos possíveis leitores a colaboração, onde simpaticamente  tenho  sentido o eco das minhas vivências e interrogações.

Foi o caso do número anterior, onde perante a reposição fotográfica, pedi auxílio a todos os leitores para a sua vivência na identificação dos intervenientes na fotografia.

Recebi um bom “feedback” para as minhas interrogações que a todos agradeço. Destaco a conversa tida com o Dr. Manuel José Barros, natural de São Pedro e residente em Cascais, informando-me que, na fotografia dos bombeiros, ele pensa  tratar-se de uma festa de aniversário, onde estariam presentes o Srs. Mamouros, Abel Rocha, o Comandantes “Zé Nazaré” e “Manuel Brito “ e lembra-se que seu tio, Barros Mouro, que actualmente vive em Cotens, era à época, Secretário da Corporação. Nessa mesma data era ele, o “mascote” do Corpo Voluntário de Salvação Pública, e é a criança que se encontra no centro da fotografia. Quem diria Manel? Como os anos passam! Pelo que sei a passagem do tempo não apagou em ti a memória de São Pedro do Sul dos anos cinquenta, pois sinto nas tuas palavras o amor que dedicas ao nosso torrão natal. Bem haja  pela sua colaboração.

Muitos outros também gostaram das publicações fotográficas que lhes trouxeram recordações já quási esquecidas.

Com o meu amigo “Tona”( Dr. António Moniz Palme), mantive uma conversação telefónica, acompanhada de excelente informação escrita.

Ed651_RainhaDAmeliaLembro como a minha viagem imaginária pela Vila, propositadamente ligeira, levantou algumas questões de interesse local, sobre as quais tenho hoje alguma informação histórica de difícil acesso ao vulgar cidadão. Por exemplo, na minha passagem pelo Largo de São Sebastião, onde me referi, quási poeticamente à casa do Palmilhante, com umas lindíssimas escadas e imponente Brasão, e que associei mentalmente a possíveis vivências antigas de notório valor. Informações pessoais, preciosas do Dr. António Moniz Palme repõem na minha visão, a história real do edifício. Disse-me ele:

 

“Essa casa era do meu bisavô, Francisco de Melo Sousa da Cunha e Abreu, Visconde de São Pedro do Sul. Vivia na Guarda de onde era natural e tinha propriedades em Lafões, e um título relacionado com São Pedro do Sul.”

O solar herdou-o sua filha, minha avó, Maria da Glória, Viscondessa de S. Pedro do Sul, que por casamento com o barão de Palme, dispensou habitar este solar tendo o mesmo sido então vendido.

Ed651_RerizPara o Palácio do Marquês de Reriz, o meu amigo remete-me para o livro “Lafões- Terras e Gentes”.

Segundo ele, o Palácio foi mandado construir na primeira metade do século XVIII, por Diogo de Almeida de Azevedo e Vasconcelos. Edifício de grande volume, de dimensões pouco comuns nos solares beirões, que se impõem pela sua sobriedade. Na minha infância era proprietário do edifício o Sr. Diogo Cristóvão de Castro Almeida e Vasconcelos, Marquês de Reriz, que faleceu já há mais de quarenta anos, desconhecendo eu quem é o actual proprietário. O edifício é actualmente “ património classificado”.

Reposta esta verdade histórica, continuei o meu caminho em direcção á Ponte e encontrei logo ao meu lado direito a casa de Palme.

Esse mesmo livro descreve a “ Casa de Palme”, “como uma velha casa do século XVI, que foi toda remodelada para ser residência habitual de família. O 1º Barão de Palme foi o general José Maria Fonseca Moniz, que nasceu em Moncorvo em 1794 e que conta no seu currículo várias façanhas importantes. Com efeito, fez parte do Conselho de sua Majestade a Rainha D. Maria II, combateu os Franceses na invasão de Soult, foi um dos lutadores contra o absolutismo defendendo ideias liberais ao lado de D. Pedro IV. Possuía duas comendas e a mais alta condecoração, a Torre e Espada tendo sido também Comandante Militar do Porto.

Desta velha Família da nobreza Sampedrense, de largos e conhecidos pergaminhos, gostava de chamar a atenção para o 4º Barão de Palme, que tendo “frequentado a Escola Naval, onde foi contemporâneo de meu Tio Venâncio Guimarães, foi oficial da Marinha, combateu na Iª Guerra Mundial e bateu-se em Espanha na Guerra Civil. “Após ter saído da Marinha de guerra acabou a licenciatura em Ciências Naturais e foi meu professor no Liceu Nacional de Viseu, de quem guardo gratas recordações.

Das impressões de infância os meus olhos recordam naquele palacete a visão de um lindo “Chevrolet”, com pneu sobresselente, colocado sobre o pára-lamas esq., que transportava toda a Família, bem como um Austin, que era normalmente usado pelo meu professor, Dr. José Moniz. O Tona, seu filho conta-me uma deliciosa história que não resisto a reproduzir. Ele que me compreenda e me desculpe.

Nas idas a Viseu para as cerimónias comemorativas da Iª Grande Guerra iam normalmente o “Grão de Bico” e o Joaquim Farrusqueiro (seus companheiros de armas), e naquele dia foram também o Dr. Aluízio, o Mouzaco, e o Canja, que preencheram os dois carros da família. No regresso do almoço de convívio dos “heróis”, onde o Canja se tinha alargado nas “saúdes”, acabou por se esbarrar!! Sei que o meu pai vinha com o Dr. Aluízio, que por instantes perdeu os sentidos… quando acordou sentiu uma coisa mole perto da mão, e pensou que eram os miolos do Zé Moniz. Não, graças a Deus… eram apenas uns figos esborrachados que o meu pai trazia de presente para a minha Mãe, então grávida e com desejos de figos..!!”

Retomando o meu percurso, avancei em direcção à Ponte, sentindo ainda, do meu lado direito, o perfume e a beleza das camélias que em cachos emolduravam o jardim. No fim do Outono, no seu interior dois diospireiros ali existentes, eram uma tentação e quase uma provocação para a juventude do meu tempo.!

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