Norberto Gomes da Costa (Ed. 655)

Um novo projecto editorial: O Vale do Vouga

A Imprensa Regional de Lafões na 1ª República

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Um novo projecto editorial: O Vale do Vouga

 

 

• Norberto Gomes da Costa (norberto.g.costa@sapo.pt)
Crónica 12/06/2014 (Ed. 656)

 

 

Num período em que a República já sofria a perda do vigor que, uma década atrás, ostentara, a própria Imprensa afecta ao Regime, nomeadamente os pequenos jornais regionais e locais, entravam, nitidamente, em crise.

Por Lafões e por S. Pedro do Sul o panorama na área dos periódicos não era famoso: o Ecos do Vouga apenas conseguia sobreviver 3 anos, fechando as portas em 1915. Desta data até 1922 não há notícia (as tentativas de localizar alguma publicação foram frustradas) da existência de algum jornal da época, de matriz republicana, no concelho ou mesmo na Região.

Razão pela qual tomei boa nota da descoberta do semanário O Vale do Vouga, apesar da sua, como iremos ver, efémera existência, que inicia as suas publicações em 30 de Março de 1922. Tinha como Director A. Xavier da Fonseca; a sua Redacção e Administração estavam sediadas na Rua Serpa Pinto, em S. Pedro do Sul.

Era mais uma tentativa, sem êxito, como se constatará, de os militantes republicanos, nomeadamente os afectos ao Partido Democrático de Afonso Costa, no concelho termal e nos limítrofes, usufruírem de um veículo difusor dos ideais do regime implantado em 1910.

Tendo em conta o seu aspecto bem organizado e profissional, assim como a quantidade de publicidade que ostentava, parecia uma boa aposta da parte dos seus mentores, o que, infelizmente para os republicanos sampedrenses, não se veio a verificar. Estava-se na presença,  ao fim e ao cabo, de mais um remake do que acontecia, nesse campo, pelo menos desde as últimas décadas da Monarquia: eram mais os projectos jornalísticos falhados do que os que conseguiam o êxito.

O novo semanário faz a apresentação com um editorial intitulado “O Caminho”, em que escreve: “Abre-se em S. Pedro do Sul um novo cabouco. Um jornal que se funda, é uma sementeira que se inicia, um passo longo para um fanal de belesa, um caminho para a perfectibilidade humana.

A imprensa bem orientada, convenientemente reflectida, é sempre um forte elemento de educação e progresso, uma forma viva e conscitente, no alevantamento moral e intelectual dos povos. Muito cuidado, porém!

É necessario  manter as boas normas, não descer jamais, não cair no caminho infamante da maledicencia, da questiuncula esteril, importuna…..”

Mais à frente, escrevia o editorialista: “……A pequena imprensa, a imprensa regional, tem uma missão grandiosa a desempenhar.

Sendo a mais pretendida pela curiosidade local, é, também, por isso mesmo, a única que pode realizar, nesses pequenos meios rurais, uma obra útil, enormemente vantajosa.

É preciso ensinar o povo a amar-se, a respeitar-se, a viver numa sociabilidade intima e amiga; é preciso travar uma luta vigorosa, pertinaz, contra o analfabetismo, que, sendo uma vergonha nacional, constitue tambem uma degradação humana…”

E termina: “…Tratemos de valorizar Lafões. Unamo-nos numa comunhão fraterna. Trabalhemos por levar a alegria a toda a choupana, o pão a cada boca faminta, a tranquilidade e a paz a todos os lares. A hora é difícil. Requer civismo e abnegação.

Que todos, amanhã, sintam a consolação do dever cumprido e depois, no repouso eterno, as cinzas durmam, ainda e sempre na terra portuguesa, terra augusta de nossos avós, terra de canticos e saudades.”

Uma nova publicação normalmente vem carregada de boas intenções, de sonhos grandiosos de mudar o Mundo, de unir a sociedade à volta do bem comum, enfim, de contribuir para o bem-estar dos cidadãos. O problema é quase sempre a enorme distância que separa os desejos da realidade. Num tempo de decadência acentuada do Regime, em que a esperança numa vida melhor se tinha esfumado há muito, era certo e sabido que qualquer aventura na área do periodismo estava condenada ao fracasso. Foi o que sucedeu com o jornal O Vale do Vouga: publicou apenas meia dúzia de edições e acabou sem deixar rasto; sem honra nem glória.

Era mais um sinal de que a República e quem defendesse os seus ideais já não possuíam qualquer vitalidade para evitar o que aconteceu, cerca de quatro anos depois.

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Redação Gazeta da Beira