A Imprensa Regional de Lafões na 1ª República
A Imprensa Regional de Lafões na 1ª República
O Ecos do Vouga e o ensino republicano em S. Pedro do Sul
• Norberto Gomes da Costa (norberto.g.costa@sapo.pt)
Crónica 27/02/2014 (Ed. 649)
A Primeira República deu, como é sabido, logo de início, uma importância fundamental ao ensino. Os republicanos acreditavam que poderiam levar todas as crianças, em Portugal, à escola. Se assim fosse, o regime tornar-se-ia uma República feliz.
Começou logo com o governo provisório, nos primórdios do seu consulado, o afã da criação de escolas primárias por todo o País, continuando no governo de Afonso Costa, que se lhe seguiu, atingindo, em pouco tempo, milhares de estabelecimentos de ensino, o que representava um acréscimo extraordinário ao que vinha da Monarquia.
João de Barros, secretário-geral do novo Ministério de Instrução Pública, o homem forte da Escola republicana, tinha ideias muito próprias para a educação em Portugal: não bastava ensinar as crianças portuguesas a ler e a escrever, era necessário levá-las a interiorizar o patriotismo, o amor à sua terra, torná-las “fanáticas da sua Pátria”.
Como se vinha duma situação, nesta matéria, extremamente miserável, com uma taxa de analfabetismo elevadíssima, qualquer acção que se tomasse no sentido de inverter esta decadência educativa dava um novo ânimo, como deu, à sociedade portuguesa.
Como se disse, foi no ensino primário que as autoridades republicanas apostaram forte, mas não exclusivamente, uma vez que foi dada também grande prioridade ao ensino superior, com a criação das Universidades de Lisboa e do Porto, alterando profundamente o panorama universitário em Portugal.
É, todavia, na educação básica que, nesta crónica, me vou focar, dando o exemplo, recorrendo, como sempre, ao Ecos do Vouga, do modo como as coisa estavam a “mexer” também por Lafões, no que respeita a alterações no funcionamento das escolas, na vila de S. Pedro do Sul.
Em 25 de Março de 1915, o semanário sampedrense, num artigo com o título “AS ESCOLAS CENTRAIS DE S. PEDRO DO SUL” e subtítulo “Mais uma Monstruosidade da Camara”, escreve: “Pouco depois da proclamação de Republica, foi nomeado Inspector efectivo do Circulo Escolar de S. Pedro do Sul o velho republicano e dedicado apostolo da instrução sr. Reinaldo Vidal Oudinot.
Homem inteligente, com grande prática do ensino e uma orientação pedagogica moderna, Vidal Oudinot concebeu um largo plano de reformas a executar, em todo o circulo que dirigia, alterando fundamentalmente a acção da escola primaria.
Assim, em vizitas sucessivas e por meio de circulares aos professores, realizou, com uma actividade e zelo inexcediveis, a obra de republicanização de Lafões, prégando, a toda a hora e por todos os pretextos, a Idêa Nova imposta pela Revolução de 5 de Outubro.
A festa da Arvore e as festas de recepção aos Ministros do Governo Provisorio da Republica, em que tomaram parte os professores e crianças das escolas dos tres concelhos de Lafões, foram da iniciativa daquele ilustre funcionario da instrução, a quem se deve muito, principalmente o seu bom exito e triunfo.
Respirando alfim o ar da liberdade, o professorado activou a grande cruzada qur ha-de tornar os homens intelectualmente iguais, abrir-lhes novos horizontes á existencia, desobrigando-os, ainda, no dizer do grande Emilio Zola, dos impostos que a reação cobra da estupidês e do fanatismo.
Mas esta obra de salvação publica espavoriu os reacionarios locais, que à sua execução, oposeram a mais tenaz resistencia, com a habilidade e processos que lhe são peculiares.
Vidal Oudinot, apesar disso ,não desistiu dos seu intentos; e, sendo alem dum distinto pedagogo, um inspirado poeta, entusiasmou-se extraordinariamente com as paizagens da nossa Cintra da Beira; e, supondo, ainda, nesta, os homens tão bons como as plantas e as aves que lhe deliciaram os sentidos, durante uma primavera, tentou transforma-la num verdadeiro paraizo.
Meteu, para isso, mãos á obra, destruindo, para edificar de novo…..”
E termina: “….Então a porca da política meteu-se no caso, feição esta que ainda atualmente se nota, da parte dos inimigos das escolas centrais.
Vidal Oudinot, ofendido no seu brio e honra profissional, pelos reccionarios, que são os inimigos dos republicanos desta terra, foi-se embora, deixando a sua obra abandonada…..”
Ora, o que aconteceu foi que o Ministério, representado pelo Inspector, empreendeu uma mudança profunda no modelo escolar instalado e que consistiu, numa primeira fase, em fechar as várias escolas existentes na freguesia de S. Pedro do Sul, para, posteriormente, concentrar todos os alunos em duas, centrais, na própria vila: uma masculina e outra feminina.
Como as autoridades municipais passaram a superintender na organização e gestão escolar no concelho, e como o executivo camarário continuava (aliás, nesta altura, fora novamente eleito) a ser liderado pelo principal inimigo local dos republicanos, Ferreira de Almeida (monárquico assumido), foi feita tal guerra ao responsável pela mudança, que Vidal Oudinot abandonou S. Pedro do Sul, rumando a Tomar para aí exercer o que era suposto fazer na região de Lafões.
Voltava tudo à estaca zero: as escolas foram repostas onde já funcionavam e a reforma foi adiada sine die.
O que aqui se conta aconteceu em muitos locais de Norte a Sul de Portugal. As pessoas e as instituições locais que, na sua maioria, se mantinham conservadores, de matriz ainda monárquica, reagiam quase sempre contra mudanças profundas tentadas, acabando por não se efectivarem.
O Homem Novo que a República tentou criar, à semelhança de outras revoluções, ficava mais uma vez adiado, esperando que outros “salvadores” aparecessem e tivessem o mesmo frustrante resultado.
——————————————————————————————————————
Mais artigos
Comentários recentes