N. Gomes da Costa (Ed. 651)

A Imprensa Regional de Lafões na 1ª República

O Ecos do Vouga e as contas das Termas

• Norberto Gomes da Costa (norberto.g.costa@sapo.pt)
Crónica 27/03/2014 (Ed. 651)

 

 

 

As Termas de S. Pedro do Sul, desde que passaram a ter condições funcionais aceitáveis para a prática do termalismo, e dadas as belezas naturais do local e de toda a Região, tornaram-se um centro privilegiado de atracção, não só de pacientes à procura de cura para as suas maleitas, mas também de turistas nacionais e estrangeiros. Esta  realidade tornou-se um factor de capital importância para o Município de S. Pedro do  Sul, quer pelos recursos financeiros que gera para a Instituição municipal local, quer pela divulgação que faz do concelho e dos seus aprazíveis lugares.

Após a extinção do concelho do Banho e a integração da localidade e das milenares Caldas no principal concelho da Região de Lafões, este adquiriu um valor acrescentado que, até ali, não possuía. Basta conhecer o percurso histórico das velhas Termas romanas e das figuras relevantes da História de Portugal que por ali passaram, em lazer ou em tratamento, para lhes atribuirmos uma relevância sem paralelo no suporte financeiro da autarquia sampedrense.

Ora, se as Termas rapidamente adquiriram a importância acima referida, também foram sempre, pelo menos desde os últimos tempos da Monarquia, um factor de discórdia, servindo às vezes como arma de arremesso entre as forças políticas presentes no concelho de S. Pedro do Sul.

Já aqui pus em evidência a omnipresença, em várias instituições do concelho, durante décadas, do monárquico e grande inimigo dos republicanos em S. Pedro do Sul, o médico Dr. Ferreira de Almeida, que acumulava com a qualidade de Presidente da Câmara, o cargo de Director do Hospital, o de Director do grande adversário do Ecos do Vouga, o Jornal de Lafões, mas também o de responsável pelas Termas. Isto tudo em pleno consulado republicano.

O semanário de Emílio Torres e de Moreira de Figueiredo, na sua cruzada contra tudo e todos que não estivessem conotados com os republicanos e, concretamente, com os democratas de Afonso Costa, e atento aos possíveis “fumos” de corrupção que pudessem emergir do desempenho dos cargos que referi, ataca, desta vez, as contas do Balneário e o seu responsável, Ferreira de Almeida. Assim, em 24 de Junho de 1915, esta publicação, num artigo com o título “O descalabro da administração termal”, escrevia: “Sempre que nos tem sido possível, pugnamos por melhoramentos nas Termas, capazes de transformar aquele rico manancial de aguas sulforo-sódicas numa poderosa fonte de receita publica, aproveitando, para a cura dos doentes, todas as suas ótimas qualidades.

Nestas condições, muito seria do nosso agrado que o edifício balnear fosse transformado e dotado dos aparelhos que a sciencia moderna aconselha, assentando-se, como solida base para a consecução de tal desideratum, no cumprimento duma lei que não permite o mais pequeno desvio das receitas termais na aplicação aos seus melhoramentos, obrigando até á feitura de orçamentos especiais, ou seja á quasi autonomia administrativa dos estabelecimentos.

Infelizmente, de há anos a esta data, temos assistido a um tal descalabro de administração municipal, nas nossas Termas, que, se, por uma sentença do Tribunal desta comarca, não temos o direito de duvidar da honestidade dos dirigentes, nos perguntamos, contudo, insistentemente, “a tout le monde et son père” – Para onde vai tanto dinheiro? quem guarda o  saco roto aonde o lançam?…”

E ainda: “……Vamos mal, e, a persistir-se nos vícios e desmandos antigos, não sabemos onde tudo irá parar, se as Juntas de Paroquia se não resolverem a destituir a maioria da actual vereação…”

E a terminar: “…Isto vai mal, repetimos, e de tal forma que nós quasi nos não atrevemos a convidar alguém a vir ás nossas Termas, certos da decepção que o espera ao vêr a barafunda em que todos os serviços se encontram, com obras da ultima hora, etc., etc.

Parece que um vento de insânia, como dizia Silva Pinto, perpassou a Camara.”

As contas do Balneário serviram para semanas e semanas de artigos, cada vez mais inflamados no tom e nos seus conteúdos, o que ia ao encontro das características do jornal republicano mais importante da Região de Lafões. O periódico fora criado para servir de arma de combate, para fazer frente aos muitos inimigos que cercavam, por estas terras do interior, o poder republicano. Esta publicação era constituída por pessoas de “antes quebrar que torcer”, de uma personalidade forte, e calejados num tipo de jornalismo que a República sempre acarinhou e que marcou, indelevelmente, a curta passagem pelo poder dos homens do 5 de Outubro de 1910.

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Redação Gazeta da Beira