A Imprensa Regional de Lafões na 1ª República
• Norberto Gomes da Costa (norberto.g.costa@sapo.pt)
Crónica 28/11/2013 (Ed. 643)
A 28 de junho de 1914 eram assassinados em Sarajevo os príncipes herdeiros de Áustria, o arquiduque Francisco Fernando e a sua mulher, a duquesa Hohenberg pelo estudante sérvio Princip Garulo, em colaboração com um tipógrafo chamado Cambrinovich. Acendia-se assim o rastilho do barril de pólvora que havia de conduzir, poucas semanas depois, à I Guerra Mundial.
Tendo a Áustria cortado relações diplomáticas com a Sérvia, os acontecimentos em cadeia levaram ao estado de guerra entre a Alemanha e a Grã-Bretanha, no dia 4 de Agosto desse mesmo ano. Pouco tempo depois, as tropas germânicas invadem a França, enquanto a Turquia se posicionava ao lado dos Impérios Germânico e Austríaco e o Japão alinhava pelos Aliados.
Numa ofensiva fulminante, as tropas de Guilherme II invadem o Luxemburgo, a Bélgica e os Países Baixos. Estava o conflito propagado a grande parte da Europa e ir-se-ia estender a outros continentes. Mais países haveriam de participar neste primeiro grande conflito à escala planetária.
Porém, o meu objectivo não é a narrativa dum acontecimento que está estudado, apreendido e mais que debatido, mas revisitar o modo como a Imprensa Portuguesa, particularmente a Imprensa Regional, noticiou os acontecimentos, limitada como estava a notícias atrasadas, dispersas e, em muitos casos, pouco fidedignas.
Uma semana após o início do conflito, o Ecos do Vouga anunciava a S. Pedro do Sul e a Lafões os dramáticos acontecimentos que estavam a ser vividos no Centro da Europa, com perspectivas negras, apesar de algum optimismo do semanário, para Portugal.
Assim, em 9 de Agosto de 1914, o jornal de Emílio Torres, num artigo a toda a largura da primeira página, com o título “A O P O V O”, escrevia: “Nuvens densas de fumo toldam o horisonte da Europa civilisada. Em pleno seculo XX, acaba de desencadear-se.uma terrível guerra que encherá de sangue as nações mais poderosas do ocidente do velho continente, como sejam a Austria, Alemanha e talvez a Turquia, dum lado, a França, Russia, Inglaterra e Belgica, do outro.
Há muito tempo que este horroroso choque se esperava. As grandes nações armavam-se; a Alemanha então armava-se até aos dentes.
No presente momento, talvez confiada demais, esta nação desafia tudo e todos. A luta é de gigantes.
Quem vencerá? Não o sabemos.
O que sabemos é que, a tudo isto, hão de seguir-se crises temerosas e de todos os aspectos.
Portugal não provocou a luta nem terá talvez que intervir nela. Por isso nada de sustos. A administração financeira da Republica colocou-nos jà numa situação financeira, em que, não podemos sêr ameaçados por crédores estrangeiros. Gloria à Republica e ao digno ex-ministro dr. Afonso Costa que assim salvou a Patria dum cataclismo, mercê da execução dos seus planos financeiros. Tambem não há a recear a fome: o governo já tomou providencias, tendentes a assegurar uma reserva de generos alimenticios, para um longo periodo.
É possivel que máus portuguezes, ou vis espéculadores procurem tirar da crise partido, como, por exemploi, na desvalorisação do papel moeda. O papel tem valor em todo o país e toda a creatura que se recusar a fazer transações, com ele, comete um crime punível pelo Codigo Penal.
Nada de sustos, repetimos. Haja toda a confiança nas autoridades da Republica. Estão bem garantidos e seguros os bens e interesses dos cidadãos.
É preciso repelir, com protesto energico, qualquer boato que, por ventura, os monarquicos pretendam espalhar.
Estes cavalheiros são capazes de tudo. Representantes dum regimen de bancarroteiros, não olham a processos e cometem os maiores desvarios.
Uma coisa interessante se dá com eles: não confiando na administração republicana, colocaram os seus capitais em bancos estrangeiros, donde agora os não podem levantar por virtude da guerra.. Tableau!..”
O texto que acabei de reproduzir traduz, por um lado, o dramatismo associado ao anúncio duma catástrofe terrível que se estava a abater sobre a Europa, por outro lado, um certo optimismo não justificado como, mais tarde, se vai verificar, quanto às qualidades da Administração Republicana para poupar o País à participação no conflito e preparar a resposta às consequências que uma guerra daquelas dimensões traria, inevitavelmente, a Portugal.
Provavelmente, se tivéssemos, então, uma imprensa isenta, não enfeudada a partidos políticos, a previsão seria mais realista, apesar de não estar certo que isso servisse para o que quer que fosse.
A verdade é que as tropas portuguesas partiriam para a guerra, cerca de dois anos e tal depois, com as consequências desastrosa que todos conhecemos. Por esta altura (início da guerra) havia uma grande indefinição nos órgãos de poder no nosso País: uma divisão profunda entre “guerristas” e “antiguerristas”, com intermináveis debates que acabaram com a vitória dos defensores da participação portuguesa. E assim éramos conduzidos para as trincheiras da Flandres onde, ao lado dos Aliados, se sacrificou, sem honra nem glória, uma parte considerável da juventude portuguesa.
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