O Ecos do Vouga e a “ditadura” de Pimenta de Castro

Norberto Gomes da Costa

A Imprensa Regional de Lafões na 1ª República

O Ecos do Vouga e a “ditadura” de Pimenta de Castro

• Norberto Gomes da Costa (norberto.g.costa@sapo.pt)
Crónica 30/01/2014 (Ed. 647)

 

 

 

A situação política portuguesa, nos princípios de 1915, atingia um dos momentos mais dramáticos que a História do século XX português nos deu a conhecer. Os governos, agora fora da esfera partidária, pese alguma tutela por parte do Partido Democrático após a demissão, como chefe do governo, de Afonso Costa,  sucediam-se sem que os problemas que assolavam a Nação fossem minimamente resolvidos. A indefinição quanto à participação militar na I Guerra Mundial, no que respeita ao teatro de guerra europeu, mantinha-se, o caos político-social no País agravava-se, os ataques dos alemães às colónias portuguesas de Angola e Moçambique estavam no auge. Enfim, melhor caldo de cultura, para a insubordinação militar no interior e fora dos quartéis e para a agitação civil nas ruas e praças das grandes cidades, assim como para acções fora da lei, não poderia apresentar-se aos grupos sempre prontos para se aproveitarem das debilidades, a todos os níveis, das autoridades republicanas.

O presidente da República Manuel de Arriaga que vinha tendo dificuldades em formar governos, a partir da nomeação de Bernardino Machado, tenta mais uma vez, após a renúncia do gabinete de Azevedo Coutinho, designar um independente para a chefia do governo. Faz então um veemente apelo ao seu amigo de infância General Pimenta de Castro para que aceite o dever patriótico de constituir um executivo ministerial que ajude a salvar a Pátria do desastre que se anunciava. Escreve Manuel de Arriaga, dirigindo-se a Pimenta de Castro: “Vejo-me violentado a intervir novamente nesta amaldiçoada barafunda politica em que as paixões sectaristas e a intolerância dos velhos costumes têm envolvido esta nossa querida Pátria. Se não se acode desde já com firmeza e prontidão ao incêndio em que as facções estão ardendo há muito tempo, como desejando reduzir isto tudo à podridão e à miséria, estamos perdidos. Isto não são frases, isto é uma inevitável realidade. Careço de  ti e de  forma que sem ti poderá caducar para sempre o remédio a dar-se ao grande mal…..”

Com as duas Câmaras suspensas, entra-se assim na chamada “ditadura” de Pimenta de Castro que vai tentar, e mais uma vez falhar, como mais tarde se irá ver, os objectivos impostos a este governo de salvação nacional.

Ora, quem não estava pelos ajustes era a imprensa afecta ao  Partido Democrático e a Afonso Costa, como o nosso Ecos do Vouga, que, do seu remanso sampedrense, dispara contra esta ideia de governar com a Democracia suspensa, atropelando os puros ideais republicanos. Em 3 de Março de 1915, num editorial com o título “FORA COM OS BANDIDOS E TRAIDORES”, o semanário escreve: ”Vem de tempos imemoriais a lucta gigantesca da humanidade em prol da sua libertação, pela conquista do DIREITO e pelo imperio da JUSTI ÇA.

É enorme a legião de vencidos que, pela historia alem, vem regando, com o seu sangue a sementeira dos principios da Democracia.

Pois, apesar de tantos séculos decorridos e sacrificios feitos, parece que nos encontramos na mais completa barbarie.

O DIREITO é uma ficção; a JUSTIÇA um repugnante escarro que se cospe sobre as faces dos cidadãos. Onde vivemos? Para onde vamos?

Tudo confusão e desvario!!

Poucas vezes neste jornal, temos tido a franqueza de atacar os governos da Republica. É que, apesar dos erros dos homens que nos teem dirigido, nunca supuzemos que alguns deles se viessem a transformar em farçantes e “apaches” da politica bem mais reles que os antigos tratantes da monarquia.

Com grande magua, temos porem agora de confessar que o Pais està governado por uma “troupe” de homens, indignos do nome de republicanos, ou melhor, de portuguêses.

Triste, criminosa e revoltante situação esta. Andamos tanto ano a berrar pelo triunfo da justiça, pelo imperio absoluto da Lei, para agora se vêr aquela emporcalhada e esta esfarrapada.

Vivemos num regimen de absolutismo, mais feroz que o de D. Miguel.

Impera a ditadura! E sabem os leitores o que è a ditadura? O governo dum só homem, ou dos nove homens que constituem o poder executivo. Governa o general Pimenta de Castro, sucessor de João Franco.

Este deu causa a uma revolta e ao assassinato do rei Carlos, aquele quer desencadear, em Portugal, a guerra civil.

O pais não é hoje um bando de carneiros, assim como nunca foi a piolheira de que falava o rei ladrão. Por isso, ele se manifestará, pondo termo a essa vergonha que está à sua frente. Isto é, que não pode continuar e não continuará, embora, todos nós republicanos e portuguêses tenhamos de cair varados pelas balas dos sicaros.

Andam irmãos nossos em Africa, a bater-se pela honra da Patria comum. Alguns ali teem tido morte bem cruel. Dentre os martires, destacamos o querido e saudoso amigo tenente Marques, de Infantaria 14, que os alemães retalharam em pedaços, depois de lhe terem furados os olhos, etc.

Pois, em nome desses briosos compatriotas, para honra dos nossos antepassados e gloria dos dignos cidadãos de hoje, é preciso acabar com a ditadura, derrubar o governo e proclamar a liberdade desaparecida.”

O Presidente Manuel de Arriaga tentava, mais uma vez, fora da órbita partidária, formar um governo que conseguisse aquilo que até ali não fora possível fazer: governar. Só que as opiniões pública e publicada, afectas, em grande parte, aos partidos republicanos, principalmente ao mais importante deles, o Partido Democrático de Afonso Costa, e os próprios partidos que se opunham e se opuseram fortemente à formação do governo de Pimenta de Castro, tornavam o ambiente político cada vez mais confuso e difícil para que Portugal tivesse um rumo salvador.

Neste contexto, não é de estranhar a posição do Ecos do Vouga, sempre pronto a alinhar pelas teses de Afonso Costa e do seu partido, de que, aliás, era porta-voz em S. Pedro do Sul e em Lafões.

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