O Ecos do Vouga e as conspirações de Paiva Couceiro

Norberto Gomes da Costa

A Imprensa Regional de Lafões na 1ª República

• Norberto Gomes da Costa (norberto.g.costa@sapo.pt)
Crónica 26/12/2013 (Ed. 645)

O Ecos do Vouga e as conspirações de Paiva Couceiro

De 1910 a 1914, o regime republicano foi vítima de várias conspirações monárquicas, visando a sua substituição, em que sobressai uma figura que acaba por se tornar num protagonista incontornável: Paiva Couceiro. Umas mais sérias que outras, algumas com incursões pela fronteira espanhola, entrando pelo Norte de Portugal, outras através de levantamentos internos, todas com o objectivo de repôr o sistema político derrubado em 5 de Outubro de 1910.

Já aqui referi que a I República teve, praticamente durante toda a sua vigência, uma vida atribulada, cercada por inimigos de vária ordem, alguns criados  pela actuação radical dos seus líderes que, algumas vezes, se lançaram em tentativas  para lhe pôr fim, o que só viria a acontecer em 28 de Maio de 1926.

Mas voltando aos primeiros 4 anos do seu “reinado”, que fazem o destaque  deste escrito, em consonância com a chamada à primeira página do jornal mais importante da região de Lafões, o semanário sampedrense Ecos do Vouga, vamos ver o que o hebdomadário escreve acerca dessa evidência, lamentando, é certo, todo o desgaste que ia criando em todo o edifício republicano, cada vez mais periclitante.

Então, em 26 de Novembro de 1914, num artigo assinado por J. Rodrigues Lourenço, com o título “A FORÇA DOS CONSPIRADORES”,  pode ler-se:  “Em quatro anos de existencia que em Portugal conta a República, cinco tentativas fizeram já, os monárquicos, para a destruir.

De todas essas criminosas e falhadas arremetidas, porém, – devemos dize-lo bem alto – só os republicanos, que vaidades e ambições desorientaram, são culpados.

A monarquia suicidou-se miseravelmente no tremedal dos seus proprios vicios, das suas infinitas corrupções; a força dos seus partidarios definiu-se bem no dia historico em que um punhado de patriotas mais ousado , saiu para a rua e lhe intimou ordem de despejo.

Toda essa vasta clientela parasitaria que tinha espalhado pelo país, organisada em duas ou tres firmas de expropriaçao nacional, com o rotulo de partidos, se escondeu rafeiramente, tremendo de susto, abandonando o seu senhor, o simbolo da sua causa, esse rapasola beato e banal, que o acaso (passe o termo) fez rei antes que a Natureza  o fizessec homem; o qual, por sua vez, mostrando ser digno chefe de tais clientelas, sem um gesto de nobreza, com a sua resumida côrte, entoando a “Salvè, Rainha” se sumia além, nas brumas do ocidente, como uma sombra da propria sombra…”

E mais adiante: “…Apenas um apareceu, desembainhando dignamente a sua espada, pelo que se tornou simpatico aos proprios republicanos, e que, merecia toda a consideração, se depois se não emporcalhasse, indo para o estrangeiro conspirar de companhia com torpissimos “troca tintas”, e aliciar mercenarios contra a sua propria Patria!

Esse homem foi Paiva Couceiro.

E os outros, onde estavam?

Enroscados como podengos em torno da gamela, grunhindo de susto e de receio de que ela lhe escapasse.

No entanto, ainda não era passado um ano, e já essa tropa dava sinal de si, com uma primeira incursão armada, vinda de terras de Hespanha.

A essa, segui-se outra, com o mesmo resultado nulo, e, depois, além de varias agitações, mais tres conspiratas rebentaram no país, algumas indicando longo preparo e revestindo certa gravidade…”

E ainda: “…Porquê? Donde lhes vem essa força?

Digam toda a verdade.

Porque a Republica não se tem sabido defender; porque muitos republicanos, lançando-se na luta das mais ferózes paixões pessoais e afastando-se do seu dever para com o regimen e para com a Patria, só tem servido a causa dos inimigos…”.

E a terminar: “…É na sua conduta que está toda a força dos conspiradores e o fermento de todas as conspirações.

O caminho, está, pois  a todos indicado pela razão e pelo bom senso.”

O jornal Ecos do Vouga traz à colação as conspirações monárquicas, numa perspectiva de chamar à atenção e de alertar os republicanos para o perigo que o regime correra e continuava a correr, se estas tentativas de o aniquilar continuassem, com a complacência, diz a publicação lafonense, das pessoas que por ele lutaram e deviam continuar a defendê-lo com todas as suas forças.

Inclusivamente, o editorialista defende que a força dos conspiradores vem, precisamente, da desunião e da incúria dos verdadeiros republicanos que, pelo menos implicitamente, com as suas atitudes,  colaboram com as forças monárquicas no sentido de derrotar um regime pelo qual arriscaram a própria vida.

O periódico, apesar da condenação veemente das falhadas sublevações contra a República, não se exime de enaltecer a coragem e a dignidade de Paiva Couceiro ao dar a cara pelos actos cometidos, enquanto os restantes protagonistas se escondiam cobardemente no anonimato para escapar às medidas punitivas que as enfraquecidas autoridades republicanas  lhes pudessem aplicar.