Norberto Gomes da Costa (Ed. 650)

A Imprensa sampedrense e a revolução de 14 de Maio

A Imprensa Regional de Lafões na 1ª República

• Norberto Gomes da Costa (norberto.g.costa@sapo.pt)
Crónica 13/03/2014 (Ed. 650)

 

 

 

A chamada ditadura de Pimenta de Castro chegava ao fim. Este Governo que tantos engulhos criou aos republicanos, principalmente aos alinhados com o Partido Democrático de Afonso Costa, mas, ainda assim, apoiado pelos evolucionistas de António José de Almeida e, até certo ponto, pelos unionistas de Brito Camacho, terminava a sua missão, ao cabo de menos de quatro meses. O velho General, contestado e odiado por quase toda a gente, que contava com o apoio dos dois pequenos Partidos republicanos, embora se tratasse dum apoio não formal e explícito, dado que as duas Câmaras Parlamentares se encontravam suspensas e a maioria Democrática afastada do Poder, a partir do Presidente da República ter optado por governos de independentes, suportou, neste pequeno período de vigência do seu Ministério, toda a desconfiança, todos os ataques da Imprensa e de grupos afectos a Afonso Costa. Mas, perante mais uma revolta, caiu, levando a uma grave crise, com todas as consequências daí advindas.

Como se disse, a 14 de Maio de 1915, rebentava na capital uma revolução contra o governo, liderada por uma Junta, de que faziam parte militares e civis afectos ao Partido Democrático. Lisboa viveu durante 24 horas um estado de anarquia, com dezenas de mortos e feridos amontoados nas ruas. Os resultados imediatos de mais esta revolta foi a renúncia do Presidente Manuel Arriaga e a demissão do Gabinete de Pimenta de Castro.

A Imprensa que, durante estes poucos meses de vigência da “ditadura” de Pimenta, fez a vida negra ao velho General e aos seus ministros, exultou com o acontecimento, saudando a nova situação com grande entusiasmo, como iremos ver no editorial do Ecos do Vouga, publicação que, honra lhe seja feita, não deixou passar uma única edição sem um violento ataque ao governo agora derrubado.

Assim, em 25 de Maio de 1915, o semanário lafonense, num artigo a toda a largura da primeira pátina e com o título ” V I V A  A R E P U B L I C A“, escrevia: “Os crimes monstruosos da ditadura crearam o estado social revolucionario.

Adiar ou impedir a Revolução Portuguesa seria conduzir o Pais à anarquia.

Não havia, pois, que vacilar ou sucumbir miseravelmente, poltranescamente, ou sair para a rua.

Como sempre, apesar da indiferença de uns, e da covardia de outros, a alma nacional reagiu, com a epica grandeza dos tempos idos.

Vai ser lavada a nossa legislação das manchas duma ditadura de sangue e latrocínio, de imbecilidade e odio vêrde. Não haverá mais ditaduras em Portugal.

A experiencia destes mêses decorridos basta a comprová-lo

Ao Exercito, à Armada e ao Povo, se deve, mais uma vez a reimplantação da Republica sob

as solidas bases dos seus generosos esforços, do seu sangue derramado.

Comprometemos tambem um pouco do nosso bem-estar, nesta obra grandiosa, e tal era a

nossa certeza da vitoria que não hesitamos num passo a dar.

De há uns bons dois mêses, os nossos espíritos andavam preocupados com trabalhos

conspiratorios, que facilmente denunciavamos num protesto constante contra a obra libertecida e

traiçoeira do governo de Pimenta de Castro.

Nesta hora de indizível alegria, nós saudamos todos os herois da causa libertadora, quasi

esquecendo o pranto que se deve ás vitimas; e, afirmando a derrocada definitiva dos partidarios dos adeantamentos, só desejamos o ressurgimento da era da depuração e da Justiça.

 

Viva o Pôvo Português!

Vivam os heroicos revolucionarias!

Fóra com todos os renegados e hipocritas!”

 

Revoluções, revoltas, sublevações, levantamentos, crises políticas, demissões, governos a sucederem-se uns aos outros em ritmo frenético, fizeram, durante a Primeira República, parte do quotidiano de Portugal.

Repesquei algures o que escrevia, à época, um jornalista de referência da Imprensa lisboeta: “Não somente nos arraiais da política lavram estuosamente a desordem e a desorientação. Queiram apontar-nos, se conhecem, província ou distrito, que permaneçam ainda escapos a esta endemia persistente do nosso paiz. Para todos os lados que nossos olhos se voltem, encontramos sempre destroços da mesma doença. Desnorteiam em desvario os cérebros mais bem organizados. Segregam venenos corrosivos os figados mais sãos. Cresta as almas uma malária de loucura”. E acrescentava, entristecido: “Republicanos contra monárquicos, republicanos contra republicanos, monárquicos contra republicanos, monárquicos contra monárquicos – é nestas lutas que se vão dispersando as débeis energias portuguesas, lutas mesquinhas, sem alcance nem interesse, sem tréguas nem mercê, sem medo nem vergonha…”

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